HELGA DA SILVA BROD
USO DE ALGEMAS:
O LIMITE ENTRE A LICITUDE E O ABUSO
Monografia apresentada como requisito
para obtenção do certificado de conclusão do curso de
Pós-Graduação Ordem Jurídica e Ministério Público
da Fundação Escola Superior do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios, sob orientação do Prof.
Paulo Afonso Carmona.
BRASÍLIA – DF
2009
Aos meus pais, Jairo e Maria Lucia, e à minha
avó Geralda, razões da minha vida.
Os limites da liberdade individual não são
postos senão no ponto em que ela comece a
prejudicar a liberdade de outrem.
Abade Sieyès
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................8
2. DISCIPLINA LEGAL SOBRE O USO DE ALGEMAS ..................................................9
2.1 A Lei de Execução Penal............................................................................................................. 9
2.2 O Código de Processo Penal ..................................................................................................... 11
2.3 O Código de Processo Penal Militar........................................................................................ 12
2.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente................................................................................. 14
2.5 As Leis da Segurança da Água e do Ar ................................................................................... 15
2.6 As Normas do Estado de São Paulo......................................................................................... 16
2.7 As Regras Mínimas para Tratamento de Presos no Brasil.................................................... 17
3. O USO DE ALGEMAS E SUA PROBLEMÁTICA .......................................................18
3.1 O abuso de autoridade e o constrangimento ilegal................................................................. 18
3.2 Algemas e os direitos fundamentais......................................................................................... 19
3.2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana....................................................................... 19
3.2.2 O princípio da presunção de inocência ............................................................................... 21
3.2.3 A proibição à tortura e ao tratamento desumano ou degradante ........................................ 21
3.2.4 O direito à integridade física e moral .................................................................................. 23
3.2.5 O direito à imagem versus o direito de informação............................................................. 25
3.2.6 O princípio da proporcionalidade como limite entre a legalidade e o abuso no uso de
algemas ......................................................................................................................................... 30
4. INCONGRUÊNCIAS DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11..........................................35
4.1 A inconstitucionalidade da súmula.......................................................................................... 35
4.2 O ativismo judicial no conteúdo da súmula ............................................................................ 39
4.3 O âmbito de abrangência da súmula ....................................................................................... 42
4.4 A súmula vinculante n° 11 como exemplo de decisão judicial simbólica ............................. 44
4.4.1 O simbolismo sob a ótica de Marcelo Neves ....................................................................... 44
4.4.2 O momento de edição da súmula ......................................................................................... 48
4.4.3 A impossibilidade de se cumprir a súmula........................................................................... 49
4.4.4 A desnecessidade da súmula ................................................................................................ 51
4.4.5 A ausência de legitimidade da súmula ................................................................................. 52
5. CONCLUSÃO.....................................................................................................................56
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................57
RESUMO
O presente trabalho investiga o limite entre a licitude e o abuso no emprego de algemas.
Embora não haja uma lei, no Brasil, regulando o uso desse instrumento em âmbito nacional, é
feita uma análise das leis que, de algum modo, servem para orientar o emprego adequado das
algemas. Após, passa-se a enfrentar os problemas que envolvem o tema, como o possível
enquadramento do mau uso de algemas em crimes de abuso de autoridade e de
constrangimento ilegal, e a questão da compatibilidade dos direitos fundamentais do preso,
tais como a dignidade da pessoa humana, a presunção de inocência, a integridade física e
moral e a imagem, com o uso de algemas. Nesse aspecto, surge o princípio da
proporcionalidade como o meio de se aferir se o uso de algemas, em determinado caso
concreto, está dentro do que o ordenamento jurídico permite ou se houve algum excesso. Por
fim, são levantadas críticas à súmula vinculante nº 11 editada pelo Supremo Tribunal Federal,
que se em nada contribuiu para a solução dos conflitos hoje existentes sobre o uso de algemas,
serviu para acentuá-los.
Palavras-chave: Uso de algemas. Abuso de autoridade. Direitos fundamentais. Princípio da
proporcionalidade. Súmula vinculante n° 11.
ABSTRACT
This paper investigates the boundary between the lawful and abuse in the use of handcuffs.
Although there is no law in Brazil, regulating the use of the instrument at the national level,
there is a review of laws that in some way serve to guide the appropriate use of handcuffs.
Following, is to tackle the problems that surround the subject, as a possible framework for the
misuse of handcuffs in crimes of abuse of authority and illegal constraint, and the question of
the compatibility of the fundamental rights of the prisoner, such as the dignity of human, the
presumption of innocence, the physical and moral integrity and image, with the use of
handcuffs. In this respect, is the principle of proportionality as the means to assess whether
the use of handcuffs, in a case is within the law allows or if there was an excess. Finally, the
criticisms raised are binding summary number 11 issued by the Supreme Court, which in no
way contributed to the solution of conflicts now available on the use of handcuffs, served to
accentuate them.
Keywords: Use of handcuffs. Abuse of authority. Fundamental rights. Principle of
proportionality. Summary binding 11.
1. INTRODUÇÃO
Algema é uma pulseira metálica, dotada de fechadura, empregada para
prender os braços de uma pessoa pelos punhos, na frente ou atrás do corpo.1 A utilização
desse instrumento tornou-se comum por volta do século XVI, não somente para garantir a
segurança pública, mas também, e principalmente, como meio de castigar e humilhar os
infratores da lei.2
Ao longo do tempo, o uso de algemas vem gerando diversos
questionamentos, sobretudo com a consagração do Estado Democrático de Direito e dos
princípios insculpidos na Constituição de 1988, onde houve uma crescente preocupação em se
estabelecer os limites dessa prática. Em face do princípio da dignidade da pessoa humana, por
exemplo, hoje é inadmissível o emprego de algemas com o fim de infligir sofrimento físico ou
psíquico a quem quer que seja.
Contudo, não se olvida que persiste a necessidade de utilização de algemas
para garantir a segurança dos responsáveis pela prisão e pelo transporte de presos, bem como
de todos os presentes durante a realização de audiências e julgamentos.3 E à míngua de uma
norma específica que discipline o uso de algemas em âmbito nacional, este trabalho faz um
apanhado das leis do ordenamento jurídico pátrio, que de uma forma ou de outra, trazem em
seu bojo alguma regra balizadora do emprego adequado do artefato em estudo.
O cerne da questão, porém, consiste em encontrar uma solução para o
conflito existente entre o uso de algemas e os direitos fundamentais do preso à dignidade da
pessoa humana, à presunção de inocência, à integridade física e moral e à imagem, dentre
outros. Propõe-se então, o princípio da proporcionalidade como o instrumento capaz de aferir,
no caso concreto, se o uso de algemas respeitou os ditames legais e constitucionais vigentes
ou se houve excesso, caracterizado este pela violação à integridade física do preso ou pela
exposição pública do preso algemado, o que configura o crime de abuso de autoridade.
Por fim, é feita uma análise da polêmica súmula vinculante nº 11, editada
pelo Supremo Tribunal Federal, versando sobre o emprego de algemas. As principais críticas
apontadas à súmula referem-se ao ativismo judicial e ao seu conteúdo eminentemente
simbólico. Em vez de resolver os problemas, que não são poucos, envolvendo o uso de
algemas, restará aqui demonstrado que a súmula criou vários outros.
1
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1998, p.162.
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Inquérito Policial: novas tendências. Belém: CEJUP, 1987, p. 49.
3
QUEIJO, Maria Elizabeth. Estudos em Processo Penal. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2004, p. 20.
2
2. DISCIPLINA LEGAL SOBRE O USO DE ALGEMAS
2.1 A Lei de Execução Penal
O artigo 199 da Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, que instituiu a Lei de
Execução Penal (LEP) no sistema brasileiro, prevê que “o emprego de algemas será
disciplinado por decreto federal”.4 Assim, na forma definida em lei, o uso de algemas depende
de regulamentação complementar, a ser feita por um decreto federal, que o discipline em
âmbito nacional de maneira geral e uniforme.
Por oportuno, vale lembrar que a LEP é do ano de 1984 e por isso se refere
a um decreto federal para regulamentar o uso de algemas, o qual deveria ser editado pelo
Poder Executivo. Todavia, com a Constituição de 1988, isso passou a ser matéria de lei,
portanto de competência do Legislativo Federal.5 De qualquer forma, decorridos quase vinte e
cinco anos de vigência da LEP, o artigo 199 ainda carece de complementação legal.
De fato, desde 1986 surgem projetos de lei que visam regulamentar o uso de
algemas, porém, nenhum deles, até o presente momento, logrou se transformar na tão
esperada lei, sendo que vários foram arquivados6 e outros tantos ainda se encontram em fase
de tramitação7. Historicamente, em regra, imperam as chamadas “normas de emergência”,8
isto é, basta um episódio envolvendo o uso de algemas e que repercuta socialmente para, mais
que depressa, despontarem toda sorte de projetos de lei prontos a dar uma resposta àquela
situação determinada.
4
BRASIL. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivl 03/Leis/L7210.htm. Acesso em: 25 mar. 2009.
5
BARBOSA,
Júnio
Alves
Braga.
O
uso
de
algemas.
Disponível
em:
http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/49/1949. Acesso em: 25 mar. 2009.
6
O primeiro projeto de lei que pretendeu regulamentar o artigo 199 da Lei de Execução Penal foi proposto pelo
senador Jamil Haddad e recebeu o n° 241/1986, sendo, porém, arquivado ao fim da legislatura do referido
parlamentar. No ano seguinte, o senador insistiu em seu propósito, por meio do PLS n° 41/1987, o qual mais
uma vez não chegou a ser apreciado. Já em 1991, como deputado federal, Jamil propôs o PL n° 1.918/1991,
que tramitou durante oito anos até ser arquivado em 1999. Em 2007, o PL n° 4/2007, de autoria do deputado
Carlos Lapa, também não se desincumbiu de regulamentar o uso de algemas, restando arquivado nesse mesmo
ano.
7
Há na Câmara dos Deputados 13 projetos apensados com o tema algemas, que tramitam em conjunto e
aguardam votação, são eles: PL n° 2.753/2000, PL n° 3.287/2000, PL n° 4.537/2001, PL n° 5.494/2005, PL n°
5.858/2005, PL n° 2.527/2007, PL n° 3.506/2008, PL n° 3.746/2008, PL n° 3.785/2008, PL n° 3.887/2008 PL
n° 3.888/2008, PL n° 3.889/2008 e PL n° 3.938. Há ainda o Projeto de Decreto Legislativo – PDC n° 853/08.
No Senado Federal tramita o PLS n° 185/2004.
8
“A idéia de emergência é corriqueiramente atrelada à de urgência e, num certo sentido, à de crise. Chama a
atenção para algo que, de forma repentina, surge de modo a desestabilizar o status quo ante, colocando em
xeque os padrões normais de comportamento e a conseqüente possibilidade de manutenção das estruturas.
Nesse sentido, a ela se une a necessidade de uma resposta pronta, imediata e que, substancialmente, deve durar
enquanto o estado emergencial perdura.” CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de emergência: aspectos
introdutórios. Disponível em: http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art98.htm. Acesso em: 25 mar. 2009.
Tome-se como exemplo o projeto de lei de n° 5.494, apresentado em 23 de
junho de 2005, o qual se originou logo após a prisão de um dos proprietários da Cervejaria
Schincariol, caso esse que colocou em voga o debate sobre a necessidade do uso de algemas.
Mais recentemente, no ano de 2008, em virtude do grande número de operações policiais que
culminaram com o polêmico algemamento de pessoas da alta sociedade, como o advogado
Ricardo Tosto, o banqueiro Daniel Dantas e o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, houve
uma avalanche de projetos de lei motivados pela exposição na mídia dos detidos com
algemas.
Sobre esse processo de legiferação de urgência, Fauzi Hassan Choukr critica
o costume tupiniquim, destacando que
a situação brasileira apresenta uma delicadeza particular quando se pensa na
cultura emergencial, característica esta comum aos países em processo de
(re)democratização, onde os valores que lhes são próprios mal são
estabelecidos no pacto de civilidade e acabam por ser desmoralizados na
prática dos operadores do direito - e na prática social, de forma geral - que
desta forma conferem uma vivência apenas formal ao cânones culturais da
normalidade.9
Não resta dúvida de que a falta de uma lei específica a regulamentar
nacionalmente o uso de algemas no Brasil, que tem como tradição o sistema da Civil Law,10
traz insegurança para todos os agentes estatais que as utilizam como instrumento de trabalho,
tais como policiais e agentes penitenciários na execução de prisões e no transporte de presos
respectivamente, e para o juiz responsável pela decisão de se manter ou não as algemas no réu
em audiência.11 Todavia, a elaboração dessa norma deve ser feita de forma responsável e
séria, ampliando-se o debate democrático com os setores interessados da sociedade, e não
apenas intentando-se projetos de lei de emergência para, em seguida, relegá-los ao
esquecimento até o próximo episódio envolvendo algemas. “O direito do cidadão e a
segurança da sociedade, via de regra, ocasionam conflitos que devem merecer soluções
9
CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de emergência: aspectos introdutórios. Disponível em:
http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art98.htm. Acesso em: 25 mar. 2009.
10
“Os dois principais sistemas jurídicos do mundo ocidental são o sistema jurídico de common law e o sistema
jurídico de civil law. [...] Em países que adotam o civil law, a legislação representa a principal fonte do Direito.
Os tribunais fundamentam as sentenças nas disposições de códigos e leis, a partir dos quais se originam as
soluções de cada caso. Adotado por países americanos e de origem anglo-saxônica, o sistema do common law
é o sistema no qual o costume prevalece sobre o direito escrito. Os casos de direito (case law) são as principais
fontes do Direito, ou seja, a base da criação das regras de conduta.” MOCHNY, Daniela. Civil Law,
Consuetudinário
ou
Common
Law:
qual
é
o
seu
direito?
Disponível
em:
http://www.ccaps.net/newsletter/06-05/art_1pt.htm. Acesso em: 09 abr. 2009.
11
Vários doutrinadores apontam para a premente necessidade de se regulamentar o artigo 199 da Lei de
Execução Penal, dentre eles consultar MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n°
7.210 de 11/07/1984. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 835.
judiciais, razão pela qual não podem ficar a mercê da regulamentação de um dispositivo legal
que eterniza desde 1984”.12
2.2 O Código de Processo Penal
Embora não exista no Brasil uma lei específica regulamentando o uso de
algemas, é possível extrair do ordenamento jurídico pátrio algumas regras balizadoras do
manejo adequado desse instrumento restritivo da liberdade. O Código de Processo Penal
(CPP) estabelece no artigo 284 que “não será permitido o uso de força, salvo a indispensável
no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”.13 Essa é um dos artigos do CPP que é
frequentemente utilizado para fundamentar o uso de algemas nas hipóteses de resistência ou
de fuga.
Ao interpretar referido dispositivo, Guilherme de Souza Nucci esclarece que
o CPP impõe “que a prisão seja feita sem violência gratuita e desnecessária, especialmente
quando há aquiescência do procurado. Entretanto, especifica, expressamente, que a força pode
ser utilizada, no caso de haver resistência ou tentativa de fuga”.14 Seguindo essa trilha, Marcus
Vinicius Boschi também entende que “não se legitima ou até mesmo se autoriza a força
policial excessiva ou desproporcional quando da prisão, o que não significa dizer no entanto,
que não possam as autoridades utilizar-se de forte aparato humano e/ou técnico na captura
daqueles que devem deter”.15
Mais adiante, ao tratar da prisão em flagrante, fixa o CPP em seu artigo 292
que
se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante
ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o
auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para
vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas
testemunhas.16
Por meio desse artigo a lei autoriza, se necessário, o emprego de meios,
como o de algemas, para deter a insubordinação ou evitar que a fuga ocorra, incumbindo ao
agente decidir proporcionalmente à gravidade da reação que necessite ser estancada, o
12
CAVALCANTI, Ubyratan Guimarães. O uso de algemas. Revista do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária. Ministério da Justiça, janeiro a junho de 1993, p.29.
13
BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 06 abr. 2009.
14
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008, p. 579.
15
BOSCHI, Marcus Vinicius (org). Código de Processo Penal Comentado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008, p. 249.
16
BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 06 abr. 2009.
momento, o quantum e a espécie de força a ser utilizada no caso concreto.17 Assim, em todos
os casos de prisão, em que tenha o agente resistido ou tentado a fuga, quer seja prisão em
flagrante ou qualquer outra prisão de caráter cautelar a utilização de algemas encontra
respaldo no CPP. Hélio Tornaghi confirma que “diante dos artigos 284 e 292, parece não
haver dúvida de que, se com as algemas o executor da prisão pode vencer a resistência, ele
está autorizado a usá-las.”18
Foi somente, porém, no ano de 2008, com a reforma do procedimento do
júri, feita pela Lei n° 11.689, de 09 de junho de 2008, que a palavra “algemas” apareceu
expressa no CPP. Dispõe a nova redação do artigo 474 do CPP em seu § 3° que não “se
permitirá o uso de algemas no acusado durante o período que permanecer no plenário do júri,
salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à
garantia da integridade física dos presentes”.19 Também o artigo 478 do CPP veda no inciso I
que as partes durante os debates façam referências “à decisão de pronúncia, às decisões
posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como
argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado”.20
Tem-se, portanto, que no âmbito do tribunal do júri o uso de algemas está
disciplinado. Todavia, como a alteração do CPP se deu, especificamente, no Capítulo que
dispõe sobre o procedimento no tribunal do júri, Fernanda Herbella sustenta que a nova regra
se aplica apenas aos julgamentos realizados perante o tribunal popular. Isso porque a ratio da
criação da norma é a influência que supostamente as algemas exerceriam na decisão dos
jurados, leigos que são, o que não ocorre nas audiências da Justiça Criminal Comum, onde o
réu está diante de um juiz togado que, por ser um técnico, não se influencia.21
2.3 O Código de Processo Penal Militar
O Código de Processo Penal Militar (CPPM) permite o uso da força no
caput do artigo 234, nos mesmos moldes do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso
de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da
parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou
17
ROCHA, Luiz Carlos. Prática Policial. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 94.
TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. 2. ed. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 233.
19
BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 06 abr. 2009.
20
Ibidem.
21
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de
algemas. São Paulo: Lex, 2008, p. 118.
18
para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De
tudo se lavrará auto, subscrito pelo executor e pelas testemunhas.22
Já o § 1° desse mesmo artigo, regula explicitamente o uso de algemas nos
seguintes termos: “o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga
ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere
o artigo 242”.23 Por sua vez, o artigo 242 do CPPM diz o seguinte:
Art. 242. Serão recolhidos a quartel ou a prisão especial, à disposição da
autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação
irrecorrível:
a) os ministros de Estado;
b) os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do
Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia;
c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das
Assembléias Legislativas dos Estados;
d) os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis
reconhecidas em lei;
e) os magistrados;
f) os oficiais das Fôrças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros,
Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados;
g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional;
h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional;
i) os ministros do Tribunal de Contas;
j) os ministros de confissão religiosa.
É importante salientar que a maioria da doutrina questiona a validade do
artigo 234 do CPPM sob o argumento de que a proibição do uso de algemas nos denominados
presos especiais ofende ao princípio da igualdade. Nestor Távora e Rosmar Antonni são
categóricos ao afirmar que “a parte final desse dispositivo, ao vedar o uso de algemas em
determinadas autoridades e portadoras de diploma de curso superior, afigura-se antiisonômica, por não se compatibilizar com o sistema constitucional”.24 Endossando esse
entendimento, Rodrigo Carneiro Gomes sustenta que “a nova ordem constitucional não
recepcionou o questionável sistema de privilégios do citado dispositivo do CPPM, resquício
de uma época de intangibilidade das autoridades, com escassos instrumentos de controle
social e de prestação de contas”.25 Realmente, esse sistema de apartheid entre homens comuns
e autoridades vem da época das Ordenações Filipinas que vigoraram no Brasil até o advento
do Código Civil de 1916.26
22
BRASIL. Decreto-Lei 1.002, de 21 de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm. Acesso em: 06 abr. 2009.
23
Ibidem.
24
TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2. ed. Salvador: Juspodivm,
2008, p. 443.
25
GOMES, Rodrigo Carneiro. Algemas segundo o STF. Revista Jurídica Consulex. Brasília: Consulex, nº 241,
2007, p. 34.
26
VIEIRA, Luís Guilherme. Algemas: uso e abuso. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. s.l.:
síntese, n° 16, out.-nov. 2002, p. 11-16.
Além disso, o CPPM surgiu em pleno regime militar, portanto, os seus
dispositivos devem ser reinterpretados à luz do Estado Democrático de Direito trazido pela
Constituição Federal de 1988. E não poderia ser diferente, pois o que determina o uso de
algemas é a situação em concreto e não o cargo ou a função do prisioneiro, como bem
afirmou Ricardo Vergueiro Figueiredo.27 Portanto, não importa se o crime é comum ou
militar, desde que se mostre imprescindível pelas circunstâncias, seja para impedir a fuga, seja
para conter a violência da pessoa que está sendo presa, será admissível algemar as pessoas
destacadas no artigo 242 do CPPM como qualquer outra pessoa.
2.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), previsto pela Lei n° 8.069,
de 13 de julho de 1990, não proíbe expressamente o emprego de algemas em menores de
idade. O uso desse instrumento de contenção física em crianças e adolescentes se escora no
artigo 178 do ECA que assim reza:
Art. 178. O adolescente, a quem lhe atribua autoria de ato infracional não
poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo
policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que lhe impliquem
risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.28
Assim, a proibição legal versa somente no sentido de que crianças e
adolescentes não podem ser transportados em compartimentos fechados de viaturas policiais,
em condições que violem a sua dignidade ou que lhes comprometa a saúde física e mental.
Diante disso, alguns doutrinadores sustentam que a lei não impede que um menor de idade
venha a ser contido por meio de algemas caso pratique algum ato infracional, desde que a
medida se mostre necessária e isso não afete a integridade do menor. A respeito do tema,
Sílvio França da Silva esclarece que
são freqüentes as dúvidas com relação a algemar ou não um adolescente. A
jurisprudência é pacífica no sentido de que, se o indivíduo possui um alto
grau de periculosidade e seu porte físico avantajado coloque em risco a
incolumidade física das pessoas, é lícito que ele seja contido mediante o
emprego de algemas.29
Selma Sauerbronn de Souza também admite o algemamento de crianças e
adolescentes quando estes forem de altíssimo grau de periculosidade, de porte físico
27
FIGUEIREDO, Ricardo Vergueiro. Algemas: algumas considerações. Revista Direito Militar. Florianópolis:
s.e., n° 56, 2005, p. 08-09.
28
BRASIL. Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 11 abr.
2009.
29
SILVA, Silvio França da. Algemas, estreito limite entre a legalidade e o abuso. Revista Força Policial. São
Paulo: s.e., n° 29, jan. - mar., 2001, p. 42.
compatível a um adulto, e que reajam à apreensão. Segundo a promotora de justiça, algemar
um menor diante de tais circunstâncias,
certamente, evitará luta corporal e fuga com perseguição policial de desfecho
muitas vezes trágico para o policial ou para o próprio adolescente. Portanto,
o policial que [...] optar pela colocação de algemas, na realidade estará
preservando a integridade física do adolescente, e, por conseguinte,
resguardando o direito à vida e à saúde, assegurados pela CF, e como não
poderia deixar de serem, direitos substancialmente, consagrados pelo ECA
[...]30
Dessa forma, admite-se que utilização de algemas em crianças e
adolescentes, desde que sejam preservados os seus direitos fundamentais e que sejam
obedecidas as mesmas regras que se pregam aos adultos delinqüentes, ou seja, que haja
resistência à prisão ou tentativa de fuga.
2.5 As Leis da Segurança da Água e do Ar
A Lei n° 7.565/1986, que instituiu o Código Brasileiro de Aeronáutica, não
dispõe especificamente sobre o uso de algemas, porém prevê em seu artigo 168 que o
comandante poderá tomar as providências que entender cabíveis para manter a aeronave, as
pessoas e os bens transportados em segurança, nos termos a seguir:
Art. 168. Durante o período de tempo previsto no artigo 167,31 o
Comandante exerce autoridade sobre as pessoas e coisas que se encontrem a
bordo da aeronave e poderá:
[...]
II - tomar as medidas necessárias à proteção da aeronave e das pessoas ou
bens transportados;32
Há ainda a Instrução da Aviação Civil 2504-0388, editada em março de
1988 pelo extinto Departamento de Aviação Civil – atual Agência Nacional de Aviação Civil
– que em seu item II – 5 normatiza o embarque de passageiro preso dispondo que “caso o
prisioneiro seja transportado com algemas esta situação deverá, se possível, ser encoberta”.33
Essa determinação visa evitar o possível constrangimento do preso e dos demais passageiros.
Por outro lado, a Lei nº 9.537/97, que cuida da segurança do tráfego
aqüaviário em águas sob jurisdição nacional, diz em seu artigo 10, inciso III, que o
comandante, com o fim de manter a segurança das pessoas, da embarcação e da carga, poderá
30
Apud GOMES, Rodrigo Carneiro. Algemas para a salvaguarda da sociedade: a desmistificação do seu uso.
Disponível em: http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/191006i.pdf. Acesso em: 14 abr. 2009.
31
“Art. 167. O comandante exerce autoridade inerente à função desde o momento em que se apresenta para o
vôo até o momento em que entrega a aeronave, concluída a viagem. Parágrafo único. No caso de pouso
forçado, a autoridade do comandante persiste até que as autoridades competentes assumam a responsabilidade
pela aeronave, pessoas e coisas transportadas.”
32
BRASIL. Lei n° 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Código Brasileiro de Aeronáutica. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm. Acesso em: 15 abr. 2009.
33
AGÊNCIA
NACIONAL
DE
AVIAÇÃO
CIVIL.
Disponível
em:
http://www.anac.gov.br/biblioteca/iac/IAC2504.pdf. Acesso em: 15 abr. 2009.
deter o passageiro inconveniente, em camarote ou alojamento, se necessário com algemas,
textualmente:
Art. 10. O comandante, no exercício de suas funções e para garantia da
segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode:
[...]
III – ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário
com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade
física de terceiros, da embarcação ou da carga.34
Assim, as leis que cuidam da segurança do ar e da água conferem aos
comandantes das aeronaves e das embarcações poder de polícia, por meio do qual é possível
se determinar o algemamento daquele que colocar em risco a segurança desses meios de
transporte. Tanto o Código Brasileiro de Aeronáutica como a Lei nº 9.537/97, preconizam, de
forma implícita e explícita respectivamente, que algemar o passageiro inconveniente
prevenirá luta corporal com a tripulação ou com os demais passageiros e danos às aeronaves e
embarcações com possíveis desfechos trágicos para a segurança do vôo ou da navegação.35
2.6 As Normas do Estado de São Paulo
Ante a ausência de uma lei que uniformize o uso de algemas nacionalmente,
São Paulo serve de parâmetro para as demais regiões do país, pois foi o primeiro Estado a
regulamentar, em nível local, o emprego do equipamento em estudo. O Decreto Estadual nº
19.903, de 30 de outubro de 1950, ainda em vigor, traz em seu artigo 1° as hipóteses de
utilização de algemas:
Art. 1°. O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas
seguintes diligências:
1°. Condução à presença da autoridade dos delinqüentes detidos em
flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei,
desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga;
2°. Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos,
recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos
termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo
de exaltação torne indispensável o emprego de força;
3°. Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para
outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam
tentar a fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido
resistência quando de sua detenção.36
34
BRASIL. Lei n° 9.537, de 11 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas
sob
jurisdição
nacional
e
dá
outras
providências.
Disponível
em:.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9537.htm. Acesso em: 15 abr. 2009.
35
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de
algemas. São Paulo: Lex, 2008, p. 81.
36
ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA
DO
ESTADO
DE
SÃO
PAULO.
Disponível
em:
http://www.al.sp.gov.br/portal/site/Internet/BuscaDdiLei?vgnextoid=82ea0b9198067110VgnVCM100000590
014acRCRD&status=P&texto=Decreto+Estadual+n%C2%BA+19.903. Acesso em: 15 abr. 2009.
Buscando garantir o estrito cumprimento deste Decreto, a Secretaria de
Segurança Paulista baixou a Resolução n° 41, de 05 de maio de 1983, a qual estabelece em
seu artigo 3° que “o emprego de algemas far-se-á somente nos casos expressamente previstos
no Decreto nº 19.903, de 30 de outubro de 1950, observadas as cautelas e as disposições
regulamentares ali mencionadas”.37
Além disso, a Lei Estadual Paulista n° 12.906, de 14 de abril de 2008,38
prevê o uso de algemas e tornozeleiras eletrônicas para monitorar presos que cumprem pena
em regime aberto ou semi-aberto. Os principais objetivos dessa Lei são tornar a fiscalização
dos presos mais efetiva, garantir que retornem após as saídas temporárias autorizadas e
reduzir os custos de manutenção do custodiado. Desse modo, o Estado de São Paulo tem
regramento próprio dispondo sobre a contenção de pessoas por meio das pulseiras de metal.
2.7 As Regras Mínimas para Tratamento de Presos no Brasil
A Resolução n° 14, de 11 de novembro de 1994, editada pelo Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão do Ministério da Justiça, criou em nível
federal, as Regras Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil. Desta Resolução interessa
destacar os seguintes dispositivos:
Art. 25. Não serão utilizados como instrumentos de punição: correntes,
algemas e camisa-de-força.
Art. 29. Os meios de coerção, tais como algemas e camisas-de-força, só
poderão ser utilizados nos seguintes casos:
I – como medida de precaução contra fuga, durante o deslocamento do
preso, devendo ser retirados quando do comparecimento em audiência
perante autoridade judiciária ou administrativa;
II – por motivo de saúde, segundo recomendação médica;
III – em circunstâncias excepcionais, quando for indispensável utilizá-los;
IV – em razão de perigo iminente para a vida do preso, de servidor, ou de
terceiros. 39
Com toda razão, essa norma não admite que as algemas sejam utilizadas
como forma de punição ou de humilhação de pessoas, servindo apenas para a contenção
momentânea daquele que está sendo detido. As Regras Mínimas para Tratamento do Preso no
Brasil trazem ainda as hipóteses que ensejam a aposição de algemas em âmbito federal.
37
ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA
DO
ESTADO
DE
SÃO
PAULO.
Disponível
em:
http://www.al.sp.gov.br/portal/site/Internet/BuscaDdiLei?vgnextoid=82ea0b9198067110VgnVCM100000590
014acRCRD&status=P&texto=Decreto+Estadual+n%C2%BA+19.903. Acesso em: 15 abr. 2009.
38
Ibidem.
39
MINISTÉRIO
DA
JUSTIÇA.
Disponível
em:
http://www.mj.gov.br/cnpcp/main.asp?ViewID=%7BC7BBEEA7%2DFF56%2D4874%2D870D%2D244D26
9A8716%7D&params=itemID=%7B84434F13%2DFF18%2D4546%2D87BB%2DBC18F9365596%7D;&UI
PartUID=%7B183ACEAD%2DEEF8%2D4BD1%2D9B10%2DC12459181A73%7D. Acesso em: 15 abr.
2009.
3. O USO DE ALGEMAS E SUA PROBLEMÁTICA
3.1 O abuso de autoridade e o constrangimento ilegal
Importa analisar se o mau uso das algemas acarreta o crime de abuso de
autoridade. A Lei n° 4.898, de 09 de dezembro de 1965, regula o direito de representação e o
processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade.
“A responsabilidade administrativa será apurada por meio de procedimento administrativo
próprio (sindicância ou processo), de acordo com o Estatuto ou Lei Orgânica a que estiver
sujeito o funcionário que praticou o abuso”.40 Tratando-se de responsabilidade civil o
funcionário responderá ação civil indenizatória, nos termos do Código de Processo Civil. Na
esfera penal, a responsabilidade do funcionário será apurada com supedâneo nos artigos 3° e
4° da Lei de Abuso de Autoridade.
Rômulo de Andrade Moreira assevera que a Lei de Abuso de Autoridade
tem dois objetivos primordiais:
que a função pública seja exercida na mais absoluta normalidade
democrática, no sentido que os representantes da administração pública
tenham um comportamento legal, portanto, sem abusos de qualquer ordem;
de outro modo, a lei também visa a proteger as garantias individuais
inerentes à pessoa, aquelas mesmas postas na Constituição Federal.41
A primeira consideração a ser feita é que, para a aplicação dessa lei, o abuso
deve ser praticado pela autoridade no exercício de suas funções. Em segundo lugar, é
importante deixar claro o conceito de autoridade. O artigo 5° da Lei considera autoridade
qualquer pessoa que exerça função pública, ainda que transitoriamente e sem remuneração.42
Como as algemas não são restritas aos agentes estatais, ao contrário, são de
livre comercialização e podem ser encontradas em casas de esportes, ferragens, armas e até
em sex shops, é possível que um particular se utilize desse instrumento para a contenção de
vítimas seqüestradas, para a prática de tortura e maus tratos, dentre outros fins ilícitos.
Entretanto, não havendo vínculo profissional da pessoa que fez mau uso das algemas com o
Estado, esta poderá responder por outros crimes, como o de constrangimento ilegal, mas não
pelo abuso de autoridade.
40
SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis Penais Especiais Anotadas. 8.
ed. São Paulo: Millennium, 2005, p. 349.
41
MOREIRA,
Rômulo
de
Andrade.
Algemas
pra
quem
precisa.
Disponível
em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7830. Acesso em:.30 abr. 2009.
42
BRASIL. Lei n° 4.898, de 09 de dezembro de 1965. Regula o direito de representação e o processo de
responsabilidade Administrativa, Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l4898.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
O artigo 3°, alínea a, da Lei,43 apregoa que constitui crime de abuso de
autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção. O direito à liberdade de locomoção
engloba quatro situações: direito de ingressar, sair, permanecer e deslocar no território
nacional.44 Desse modo, se as algemas forem utilizadas para obstarem ilegalmente o direito de
locomoção de uma pessoa estará configurado o crime do mencionado dispositivo legal.
Ademais, o artigo 3°, alínea i, da mesma Lei,45 prevê que qualquer atentado
à incolumidade física do indivíduo também enseja abuso de autoridade. Assim, se houver
excesso na colocação de algemas, seja pela desnecessidade do seu uso, seja pelo
ocasionamento de ferimentos nos punhos do preso, o agente do Estado responderá pelo crime
de abuso de autoridade em concurso material com o delito que tenha provocado dano à
integridade física, como, por exemplo, a lesão corporal. Além disso, o artigo 4°, alínea b, da
Lei de Abuso de Autoridade,46 tipifica como abusiva a conduta da autoridade que submeter
pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei.
Portanto, o que a lei repudia é a violação da integridade física e/ou moral do
preso, bem como a sua indevida exposição e humilhação pública quando estiver algemado. A
finalidade das algemas deve ser a de contenção e de transporte do preso, garantindo a
segurança dele próprio e de terceiros. “O simples ato de algemar, por si só, desde que
necessário, justificado e moderado, decorrendo de uma prisão legalmente imposta, nenhum
abuso perfaz”.47
3.2 Algemas e os direitos fundamentais
3.2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana
O primeiro problema que envolve o tema algemas consiste em saber se o
uso desse instrumento fere a dignidade humana. Proclamada como fundamento da República
43
BRASIL. Lei n° 4.898, de 09 de dezembro de 1965. Regula o direito de representação e o processo de
responsabilidade Administrativa, Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l4898.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
44
MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2000, p. 30.
45
BRASIL. Lei n° 4.898, de 09 de dezembro de 1965. Regula o direito de representação e o processo de
responsabilidade Administrativa, Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l4898.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
46
Ibidem.
47
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de
algemas. São Paulo: Lex, 2008, p.122.
Federativa do Brasil no artigo 1°, inciso III, da Constituição,48 a dignidade da pessoa humana,
é definida por Alexandre de Moraes como
um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida
e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto
seres humanos.49
Assim, a personalidade humana é o único requisito para a titularidade de
direitos. “Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo
incondicionada, não dependendo de nenhum outro critério, senão ser humano.50 É o princípio
da dignidade que concede unidade aos direitos fundamentais expressos na Constituição de
1988, ou seja, “sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são
inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade”.51
A positivação no texto constitucional da dignidade da pessoa humana
representa a consagração de uma ordem social justa, consubstanciando o respeito à
integridade moral de todo ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou
status social. O acatamento a esse princípio significa o triunfo da igualdade sobre a
intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão.52
Tendo em vista o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, a
utilização de algemas pelos profissionais da área de segurança pública com o fim de
contenção daquele que transgrediu uma norma do ordenamento jurídico e para se preservar os
direitos dos demais integrantes da sociedade, é legítimo e, por si só, não avilta a dignidade.
Seguindo esse entendimento Herotides da Silva Lima ensina que
se as algemas [...] atentam contra a dignidade do homem pacto, legitimam-se
contra o preso insubmisso; e a insurreição e a violência do preso atentam
também contra a autoridade e a lei; a si mesmo ele deve imputar as
conseqüências dos seus excessos; já não há a preservar nenhuma dignidade
quando a lei já esta sendo ofendida e desprezada a decisão de autoridades,
incentivando a desordem generalizada.53
48
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
49
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 50.
50
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o princípio da dignidade humana. Revista dos advogados, ano 23, n°
70, São Paulo: s.e., jul. 2003, p. 38.
51
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 87.
52
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.392.
53
LIMA, Herotides da Silva. O emprego de algemas. Revista do Departamento de Investigações, ano I, São
Paulo: s.e., fev. 1949, p.41.
Não sendo usada como forma de impor sofrimento, castigo, humilhação ou
de antecipação de pena a quem quer que seja e demonstrando-se a necessidade de sua
utilização, as algemas desempenham uma função meramente instrumental, não tendo o
condão de atentar contra a dignidade humana. Magalhães Noronha finaliza esse debate ao
sustentar que “não há de se falar em humilhação ou ofensa à dignidade humana, visto não se
tratar de ‘castigo’, mas de medida acauteladora dos interesses sociais e do próprio detento”.54
3.2.2 O princípio da presunção de inocência
Importa ainda esclarecer se o uso de algemas conflita com o princípio da
presunção de inocência. Por força do artigo 5°, inciso LVII, da Constituição, “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.55 Esse
princípio impede, portanto, que o investigado ou denunciado sofra as conseqüências jurídicas
da condenação antes do trânsito em julgado da sentença criminal. Trata-se de garantia
processual penal que tem por fim tutelar a liberdade do indivíduo, que é presumido inocente,
cabendo ao Estado (no caso de ação penal pública) ou à parte acusadora (na hipótese de ação
penal privada) comprovar a sua culpabilidade.56
Todavia, a fim de permitir o êxito da persecução criminal, admite-se a
decretação de prisão cautelar e de medidas restritivas de liberdade, como o uso de algemas,
mesmo antes da condenação, desde que se mostre necessário e que estas não tenham qualquer
propósito de antecipação de pena ou da execução penal. Do mesmo modo, aceitam-se como
legítimas as medidas cautelares concernentes ao processo, com a adoção de determinadas
medidas de caráter investigatório, tais como a interceptação telefônica.57
Assim, o princípio da presunção de inocência não obsta a adoção de
determinadas medidas de caráter cautelar, seja em relação à própria liberdade do eventual
investigado ou denunciado, seja em relação aos seus bens. O que não se admite é a que a
providência a ser tomada importe em antecipação da condenação ou de sua execução.
3.2.3 A proibição à tortura e ao tratamento desumano ou degradante
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5° uma série de
direitos e garantias fundamentais que devem ser observados pelos agentes estatais no manejo
54
DIÁRIO DE SÃO PAULO. Notícias forenses. São Paulo: s.e., 26 nov. 1950.
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
56
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 626.
57
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 632.
55
de algemas. Dentre esses direitos do artigo 5°, o inciso III garante que “ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”58 e o inciso XLIII prevê que a
lei considerará crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a prática da tortura, por
essa respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-la, se omitirem.59
Por se tratar de norma constitucional de eficácia limitada, o artigo 5°, inciso
XLIII depende da atuação do legislador infraconstitucional para produzir efeitos no mundo
jurídico. Em razão disso, quanto à inafiançabilidade e insuscetibilidade de graça ou anistia, foi
editada a Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, a conhecida lei dos crimes hediondos.60 Ainda
em atenção à determinação constitucional, foi necessária a edição de uma lei
infraconstitucional, de competência da União,61 para tipificar os crimes de tortura, surgindo
assim a Lei n° 9.455, de 07 de abril de 1997.62
Tortura é um conjunto de procedimentos destinados a forçar, a constranger
alguém, mediante coerção física e moral, causando-lhe dor, pavor e sofrimento. “Tal
expediente caracteriza-se pela sua finalidade torpe: obter informação, declaração ou confissão
da vítima ou de terceira pessoa, com o objetivo de provocar ação ou omissão criminosa, em
razão de discriminação racial ou religiosa”.63 Por isso mesmo é considerado um crime
inafiançável.64
58
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
59
Ibidem. Embora não esteja expresso no texto constitucional, os crimes insuscetíveis de graça também no
admitem indulto, pois este é uma espécie de graça. Na definição de Maria Helena Diniz graça “é o ato de
clemência do poder Executivo, favorecendo um condenado por crime comum ou por contravenção,
extinguindo ou diminuindo-lhe a pena imposta. Ter-se-á perdão, se a graça for individual, e o indulto, se
coletiva. É o perdão concedido pelo Presidente da República, em relevação da pena”. Já a anistia “é um perdão
concedido, mediante lei, aplicável a crimes coletivos, em geral políticos, que produz efeitos retroativos, ou
seja, desfaz todos os efeitos penais da condenação (mas não eventual ação civil de indenização por danos
eventualmente causados pelo anistiado). PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional
descomplicado. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 156.
60
BRASIL. Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso
XLIII,
da
Constituição
Federal,
e
determina
outras
providências.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8072.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
61
Diz a Constituição Federal em seu artigo. 22 que “compete privativamente à União legislar sobre: I - direito
civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
62
BRASIL. Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9455.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
63
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.427.
64
Prevê a Constituição em seu artigo 5º, inciso XLIII que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis
de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitálos, se omitirem”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
José Afonso da Silva salienta que “a tortura não é só um crime contra o
direito à vida. É uma crueldade que atinge a pessoa em todas as suas dimensões, e a
humanidade como um todo”.65 E Uadi Lammêgo Bulos complementa:
a tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete –
enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva – um inaceitável ensaio de
atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, suprimir a dignidade, a
autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira
indisponível, pelo ordenamento positivo.66
Nesse sentido a tortura seria um tipo agravado de tratamento desumano,
atribuído a alguém com finalidade específica (ex: conseguir uma confissão). Já o tratamento
desumano “é o tratamento degradante que provoca grande sofrimento mental ou físico e que
na situação específica é injustificável, impondo esforços que vão além dos limites razoáveis
(humanos) exigíveis. Assim, o tratamento desumano, engloba o degradante”.67 Por sua vez, o
tratamento degradante “ocorre quando há humilhação de alguém perante si mesmo e perante
os outros, ou leva a pessoa a agir contra sua vontade ou consciência”.68
Nesse ponto também, desde que devidamente colocadas para que nenhuma
lesão seja ocasionada ao detido ou ao preso, as algemas não constituem instrumento de tortura
ou de tratamento desumano ou degradante. Ao contrário, as algemas servem como forma de
acautelamento do preso.
3.2.4 O direito à integridade física e moral
Outra questão a ser investigada é se o uso de algemas viola o direito
fundamental à integridade física e moral daquele que está sendo preso, amparado pelo artigo
5°, inciso XLIX, da Constituição.69 No âmbito legal, esse mesmo direito encontra proteção no
artigo 40 da Lei de Execução Penal ao dispor que “impõe-se a todas as autoridades o respeito
à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”70.
A integridade física consiste, como o próprio nome indica, o direito de o
cidadão não ter o seu corpo violado fisicamente, danificado, agredido ou ferido. Vale frisar
65
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.
201.
66
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.394.
67
VIEIRA, Adriana Dias. Significado de penas e tratamentos desumanos. Análise histórico-jurisprudencial
comparativa em três sistemas jurídicos: Brasil, Europa e Estados Unidos. Disponível em:
http://www.altrodiritto.unifi.it/latina/dias/index.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
68
Ibidem.
69
“Art. 5º. XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. BRASIL. Constituição da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
70
BRASIL. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivl 03/Leis/L7210.htm. Acesso em: 25 mar. 2009.
que esse direito é inclusive tutelado pelo Direito Penal, que tipificou criminalmente como
lesão corporal leve (artigo 88 da Lei 9099/95)71, grave ou gravíssima (artigo 129 do Código
Penal)72. Já a integridade moral é o direito de o preso ter resguardada a sua incolumidade
psíquica, sem ser humilhado, insultado ou menosprezado. Caso esse direito seja desrespeitado
a Constituição garante à vítima o direito de resposta proporcional ao agravo, cumulado ou não
com uma indenização por dano moral, nos termos do artigo 5°, inciso V.73
Desse modo, impõe-se ao Estado o dever constitucional e legal de vigilância
para evitar que qualquer preso que esteja sob sua custódia venha a sofrer danos pessoais. É
incumbência dos agentes públicos resguardar as pessoas recolhidas a prisões, buscando evitar
que auto-lesões ou agressões praticadas por terceiros venham a ocorrer. Em decorrência desse
direito Julio Fabbrini Mirabete assevera que
estão proibidos os maus-tratos e castigos que, por sua crueldade ou conteúdo
desumano, degradante, vexatório e humilhante, atentam contra a dignidade
da pessoa, sua vida, sua integridade física e moral. Ainda que seja difícil
desligar esses direitos dos demais, pois dada sua natureza eles se encontram
compreendidos entre os restantes, é possível admiti-los isoladamente,
estabelecendo, como faz a lei, as condições para que não sejam afetados. Em
todas as dependências penitenciárias, e em todos os momentos e situações,
devem ser satisfeitas as necessidades de higiene e segurança de ordem
material, bem como as relativas ao tratamento digno da pessoa humana que é
o preso. 74
Entretanto, Gilmar Ferreira Mendes observa que “a exigência de respeito à
integridade física e moral do preso não impede o padecimento moral ou físico experimentado
pelo condenado, inerentes às penas supressivas da liberdade”.75 De igual modo, o preso deve
se submeter como consectário natural da prisão ao uso de algemas, havendo necessidade de
contê-lo ou de transportá-lo, sem que isso ofenda a sua integridade.
71
“Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação
penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.” BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
72
“Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. § 1º
Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de um a cinco
anos. § 2° Se resulta: I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III - perda ou
inutilização do membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto: Pena - reclusão, de dois
a oito anos.” BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
73
“Art. 5º. V - V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
74
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 119.
75
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 603.
3.2.5 O direito à imagem versus o direito de informação
A principal discussão sobre algemas paira não sobre o seu uso
propriamente, mas sobre o vexame causado pela exibição na mídia da pessoa algemada. A
Constituição reservou dois incisos do artigo 5° para conferir proteção ao direito à imagem. O
inciso V diz que é “assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem”76 e o inciso X prevê que “são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.77
A Constituição protege tanto a imagem social como a imagem retrato. A
primeira constitui os atributos exteriores da pessoa, com base naquilo que ela própria
transmite na vida em sociedade, e, em regra, os agentes causadores dos danos à imagem social
são os meios de comunicação em massa, tais como televisão, rádio, internet, jornais, revistas,
boletins, etc. Por seu turno, a imagem retrato representa o físico do indivíduo, ou seja,
fisionomia, partes do corpo, gestos, expressões, atitudes, traços fisionômicos, sorrisos, aura,
fama, dentre outros, captada pelos recursos tecnológicos e artificiais, normalmente
fotografias, filmagens, pinturas, gravuras, esculturas, desenhos, caricaturas, manequins,
máscaras.78
Além da cobertura constitucional do direito à imagem, o preso conta com a
Lei de Execução Penal, que no artigo 41, inciso VIII, o protege contra qualquer forma de
sensacionalismo79, e no artigo 198 diz que “é defesa ao integrante dos órgãos da execução
penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que perturbe a segurança e a disciplina dos
estabelecimentos, bem como exponha o preso a inconveniente notoriedade, durante o
cumprimento da pena”.80
Há ainda a Resolução n° 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que trouxe as Regras Mínimas para o
tratamento do prisioneiro no Brasil, reiterando a necessidade de preservação da imagem da
pessoa presa em seu artigo 47, in verbis:
76
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
77
Ibidem.
78
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.432 e 433.
79
“Art. 41. Constituem direitos do preso. VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo.” BRASIL.
Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivl 03/Leis/L7210.htm. Acesso em: 25 mar. 2009.
80
BRASIL. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivl 03/Leis/L7210.htm. Acesso em: 25 mar. 2009.
Art. 47 O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de
ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social,
especialmente no que tange à sua exposição compulsória à fotografia ou
filmagem.
Parágrafo Único – A autoridade responsável pela custódia do preso
providenciará, tanto quanto consinta a lei, para que informações sobre a vida
privada e a intimidade do preso sejam mantidas em sigilo, especialmente
aquelas que não tenham relação com sua prisão.81
O dano à imagem “é toda investida, proveniente dos Poderes Públicos,
pessoas físicas ou jurídicas, que atenta contra a expressão sensível da personalidade”.82 O
direito à imagem é inalienável e intransmissível, uma vez que não há como dissociá-lo de seu
titular, mas não é indisponível, tendo em vista que a pessoa pode dispor ou não da própria
imagem para que outros a utilizem para diversos fins. Em regra, exige-se a autorização
expressa do titular da imagem para a sua utilização, sob pena de o responsável pelo manuseio
indevido ter que reparar os danos daí decorrentes.83
A violação ao direito de imagem ocorre em três situações distintas. Quanto
ao consentimento ocorre quando a pessoa “tem a própria imagem usada sem que tenha dado
qualquer consentimento para tal”.84 Quanto ao uso, há o consentimento, “mas o uso feito da
imagem ultrapassa os limites da autorização”.85 Por fim, quanto à ausência de finalidades que
justifiquem a exceção, “é o caso das fotografias de interesse público, ou de pessoas célebres,
cujo uso leva à inexistência de finalidade que se exige para a limitação do direito da imagem.
Acontece quando o uso dessas imagens não tem um caráter cultural ou informativo”.86
Excepcionalmente, o direito à imagem poderá se restringido, o que significa
que mesmo sem autorização do titular a utilização da imagem não será considerada ilícita.
Regina Ferretto D’Azevedo explica que
há limitações impostas que restringem o exercício do direito à própria
imagem. Essas restrições são baseadas na prevalência do interesse social, e,
portanto, o direito coletivo sobrepõe o direito individual. Se o retratado tiver
notoriedade, é livre a utilização de sua imagem para fins informativos que
não tenham objetivos comerciais, e desde que não haja intromissão em sua
vida privada. Com as ressalvas feitas no caso anterior, é livre também a
fixação da imagem realizada com objetivo cultural, porque a informação
81
MINISTÉRIO
DA
JUSTIÇA.
Disponível
em:
http://www.mj.gov.br/cnpcp/main.asp?ViewID=%7BC7BBEEA7%2DFF56%2D4874%2D870D%2D244D26
9A8716%7D&params=itemID=%7B84434F13%2DFF18%2D4546%2D87BB%2DBC18F9365596%7D;&UI
PartUID=%7B183ACEAD%2DEEF8%2D4BD1%2D9B10%2DC12459181A73%7D. Acesso em: 15 abr.
2009.
82
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.436.
83
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de
algemas. São Paulo: Lex, 2008, p.101.
84
D’AZEVEDO,
Regina
Ferretto.
Direito
à
imagem.
Disponível
em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2306. Acesso em: 30 abr. 2009.
85
Ibidem.
86
Ibidem.
cultural prevalece sobre o indivíduo e sua imagem desde que respeitadas as
finalidades da informação ou notícia. Há também os casos de limitação
relacionada à ordem pública, como a reprodução e difusão de um retrato
falado por exigências de polícia. Obviamente, não teria lógica um criminoso
se opor à esta exposição de sua imagem. Há ainda o caso do indivíduo
retratado em cenário público, ou durante acontecimentos sociais, pois ao
permanecer em lugar público, o indivíduo, implicitamente, autorizou a
veiculação de sua imagem, dentro do liame notícia-imagem. Esse indivíduo
só poderá alegar ofensa a seu direito à própria imagem se a utilização da
fixação da imagem for de cunho comercial.87
Fora dessas hipóteses excepcionais, o uso da imagem alheia exige a devida e
expressa autorização do titular. Em razão do progresso tecnológico dos meios de
comunicação, tanto na facilidade de captação, como de reprodução e de divulgação da
imagem, aumentou a preocupação em se encontrar meios de proteção ao direito à imagem.
Dessa maneira, hodiernamente, a violação à imagem pode tomar grandes e irreparáveis
proporções, pois por meio da internet, em segundos, uma imagem circula todo o mundo.
Se de um lado o detido ou o preso tem o direito de não ser exposto
algemado publicamente, os órgãos de comunicação têm o direito de informação. O texto
constitucional dispõe no artigo 5°, inciso IV, que “é livre a manifestação do pensamento,
sendo vedado o anonimato”88 e no artigo 220 que “a manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição.89
Assim, a manifestação da liberdade de pensamento é assegurada “tanto sob
o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob o aspecto
negativo, referente à proibição de censura”.90 O exercício do direito à informação é de
extrema relevância para o Estado Democrático de Direito, mas o que não pode ser tolerado é o
abuso desse direito. Sob esse prisma, Ricardo Chimenti expõe que
a existência de opinião pública livre é um dos primeiros pressupostos da
democracia de um país. Só é possível cogitar de opinião pública livre onde
existe liberdade de expressão jornalística. Por isso entende-se que esta é
mais do que um direito, uma garantia constitucional. A liberdade de informar
só existe diante de fatos cujo conhecimento seja importante para que o
indivíduo possa participar do mundo em que vive, não se incluindo,
portanto, os fatos sem importância, geralmente relacionados à vida íntima de
uma pessoa.91
87
D’AZEVEDO,
Regina
Ferretto.
Direito
à
imagem.
Disponível
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2306. Acesso em: 30 abr. 2009.
88
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
89
Ibidem.
90
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 72.
91
CHIMENTI, Ricardo et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 77.
em:
em:
Nesse sentido, o que deve ser coibido com veemência é a espetacularização
das diligências policiais– e isso serve tanto para a criminalidade de colarinho branco quanto
para a criminalidade dos menos favorecidos economicamente – promovida por alguns órgãos
de comunicação e por algumas operações policiais. As Forças Policiais devem utilizar
algemas como instrumento de trabalho, com o objetivo de conter ou de transportar o detido ou
o preso, independentemente do seu status social ou econômico. Não é papel do policial
convocar a imprensa para acompanhar o desempenho de suas atividades e também não cabe
aos órgãos de comunicação abusar do seu direito de informar explorando imagens de réus
algemados que não têm qualquer fim informativo. O direito de informar pode ser exercido,
mas desde que não viole os direitos da personalidade do preso.
Em 09 de julho de 2008, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta estampou a
capa do jornal O Estado de São Paulo, tentando esconder as algemas, que usava quando de
sua prisão pela Polícia Federal, por meio de uma malha de lã jogada sobre elas. Para piorar a
situação foi exposto trajando pijamas. Do mesmo modo, a execução das prisões dos senadores
Luiz Estevão e Jader Barbalho, dos juízes Nicolau e Rocha Mattos, da cantora Glória Trevi,
do jogador argentino Desábato, da proprietária da grife Daslu, do advogado Ricardo Tosto e
do banqueiro Daniel Dantas, são casos emblemáticos de pessoas expostas algemadas na mídia
e que tiveram repercussão nacional.
A figura da pessoa algemada, mesmo que legalmente presa, é degradante e
tem o condão de constranger e de provocar, inclusive, a sua morte social. Nessa direção são as
lições de Julio Fabbrini Mirabete:
Prejudicial tanto para o preso como para a sociedade é o sensacionalismo
que marca a atividade de certos meios de comunicação de massa (jornais,
revistas, rádio, televisão, etc). Noticiários e entrevistas que visam não à
simples informação, mas que têm caráter espetaculoso não só atentam contra
a condição da dignidade humana do preso, como também podem dificultar
sua ressocialização após o cumprimento da pena. Pode ainda o
sensacionalismo produzir efeitos nocivos sobre a personalidade do preso. A
divulgação e, principalmente, a exploração, em tom espalhafatoso, de
acontecimentos relacionados ao preso, que possam escandalizar ou atrair
sobre ele as atenções da comunidade, retirando-o do anonimato,
eventualmente o levarão a atitudes anti-sociais, com o fim de manter essa
atenção pública em processo de egomania e egocentrismo inteiramente
indesejável.92
A imagem desnecessária e aviltante desrespeita não apenas os direitos à
personalidade, Alexandre de Moraes também adverte que contraria a própria dignidade da
pessoa humana
92
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 123.
converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de
natureza tão íntima quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer
desgraças alheias, que não demonstrem nenhuma finalidade pública e caráter
jornalístico em sua divulgação. Assim, não existe qualquer dúvida de que a
divulgação de fotos, imagens ou notícias apelativas, injuriosas,
desnecessárias para a informação objetiva e de interesse público, que
acarretem injustificado dano à dignidade humana autoriza a ocorrência de
indenização por danos materiais e morais, além do respectivo direito a
resposta.93
É preciso considerar que o preso continua titular de direitos fundamentais e
só serão restringidos (e nunca suprimidos) aqueles direitos incompatíveis com o cumprimento
da pena. Dispõe o artigo 38, do Código Penal, que “o preso conserva todos os direitos não
atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à integridade
física e moral”.94 Dessa forma, o preso tem o direito à imagem e deverá ser devidamente
indenizado pelos danos causados pela sua exposição indevida e não autorizada.
A orientação das instituições policiais é justamente atuar de modo a não
expor o preso, todavia, como salienta o delegado Rodrigo Carneiro Gomes, “não será a polícia
que impedirá o trabalho da imprensa que tem o direito constitucional de informar, incumbindo
a toda a sociedade conscientizá-la de seu papel e do respeito à imagem dos investigados”.95 Já
o promotor de justiça Humberto Ibiapina defende que a maneira de se coibir a exposição
injusta e desnecessária do preso, em especial quando está algemado, incumbe também à
polícia, mas não só a ela, e sim ao Estado como um todo:
cabem aos agentes estatais, Delegados de Polícia, Policiais Militares,
Ministério Público e Poder Judiciário o dever de preservar os direitos da
personalidade do suspeito, pois como dito antes, o Estado assumiu o dever
dessa preservação, quando legislou sobre a proteção à imagem, à honra e à
intimidade, elevando tais direitos a nível constitucional, não podendo, esses
mesmos agentes, serem desanteciosos neste trato, impedindo as ações
previsíveis da mídia sedenta por algo, que lhe ponha no topo da audiência.96
Assim, as algemas podem ser empregadas licitamente pelos agentes estatais
como instrumento de constrição física, com a finalidade de garantir a segurança pública ou
individual e para impedir a fuga do detido ou do preso. De modo algum, as algemas poderão
ser utilizadas como instrumento de execração pública, com o propósito de humilhar ou de
ridicularizar a pessoa. A compatibilização do direito à imagem com o direito de informar
depende tão somente de uma postura adequada e responsável dos integrantes dos órgãos
93
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 80.
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
95
GOMES, Rodrigo Carneiro. A eficácia das decisões dos juízes criminais e as operações da polícia federal.
Revista Jurídica Consulex, Brasília: Consulex, n° 277, 2008, p. 29-30.
96
IBIAPINA, Humberto. A mídia versus o direito à imagem, na investigação policial. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=151. Acesso em: 02 mai. 2009.
94
públicos e dos meios de comunicação. “Se a liberdade de imprensa colide com os direitos
individuais, urge alcançar o equilíbrio, de modo que nenhuma das garantias seja obrigada a
suportar, sozinha, as conseqüências da indevida expansão da outra”.97
3.2.6 O princípio da proporcionalidade como limite entre a legalidade e o abuso no
uso de algemas
A dogmática clássica estabeleceu três critérios para a solução de regras
conflitantes. O primeiro é o critério hierárquico, segundo o qual a lei superior prevalece sobre
a inferior. O segundo é o critério cronológico, pelo qual a lei posterior prevalece sobre a
anterior. E o terceiro é o critério da especialização, que prega que a lei específica prevalece
sobre lei geral.98 Ocorre que pela aplicação de qualquer um desses critérios, uma regra
necessariamente exclui a outra, não servindo, portanto, para resolver conflitos entre princípios
constitucionais.
Como proceder então, diante de valores igualmente tutelados pela atual
Constituição Brasileira que são potencialmente antagônicos, como, por exemplo, o direito à
imagem resguardado pelo artigo 5º, inciso X,99 e a liberdade de comunicação, prevista no
artigo 5º, inciso IX100? Pelo silogismo clássico, não seria possível saber qual desses bens deve
prevalecer, uma vez que ambos são direitos fundamentais constantes de um único texto
constitucional, estando, portanto, no mesmo plano hierárquico, criados pelo mesmo poder
constituinte e um não é especial ao outro.
É cediço que inexistem direitos fundamentais absolutos. A necessidade de
coexistência de um direito com os outros direitos impõe forçosamente a admissibilidade de
restrições. Previsto implicitamente na Constituição Federal de 1988 pelo artigo 5º, inciso
LIV,101 como uma das vertentes do devido processo legal substantivo, e acolhido
97
FRANCO JÚNIOR, Raul de Mello. A imprensa, as ocorrências policiais e a dignidade humana. Disponível
em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=158. Acesso em: 30 abr. 2009.
98
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 346.
99
“Art. 5º. X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. BRASIL. Constituição da República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 02 mai. 2009.
100
“Art. 5º. IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 02
mai. 2009.
101
“Art. 5º. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 02 mai. 2009.
expressamente pelo artigo 2º, caput, inciso VI, da Lei 9.784/99,102 o princípio da
proporcionalidade é o instrumento colocado à disposição do intérprete para a superação dos
antagonismos existentes entre princípios constitucionais.
O princípio da proporcionalidade está ligado à própria idéia de Estado de
Direito em razão da sua intrínseca relação com os direitos fundamentais, que lhe dão suporte
e, ao mesmo tempo, dele dependem para se realizar. Essa interdependência se manifesta
especialmente na ocasião de conflito onde se busca uma solução justa e equilibrada.
Utilizado de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos –
muito embora possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na
concessão de poderes, privilégios ou benefícios – o princípio da
proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma
pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça,
eqüidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de
excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação
jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio
geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento
jurídico.103
Impende salientar que o princípio da proporcionalidade tem aplicação em
situações concretas, onde bens jurídicos igualmente habilitados a uma proteção do
ordenamento jurídico se acham em antinomia. Isso porque, relembrando que os bens
constitucionais não são superiores uns aos outros, afinal integram uma mesma Carta Política e
foram criados pelo mesmo poder constituinte, não é possível estabelecer em tese, apenas com
base na norma, o grau de importância entre eles. Nesse sentido, Paulo Bonavides afirma ser o
princípio da proporcionalidade um princípio tópico, isto é, “volve-se para justiça do caso
concreto ou particular”104
O princípio da proporcionalidade é composto pelos subprincípios da
adequação, da necessidade e da ponderação, que nessa ordem, deverão ser analisados pelo
intérprete na busca de uma solução equânime à situação da vida que se lhe apresenta. Essas
etapas têm que ser respeitadas tendo em vista que “na prática, adequação e necessidade não
102
“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade,
motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
interesse público e eficiência. VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições
e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.
BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9784.htm. Acesso
em: 02 mai. 2009.
103
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 120-121.
104
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 387.
têm o mesmo peso ou relevância no juízo de ponderação. Assim, apenas o que é adequado
pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado”.105
Dessa forma, tem-se que a prova da necessidade é mais relevante que o teste
da adequação. Isso se justifica na medida em que se der positivo o teste da necessidade, o
resultado da adequação não há de ser negativo. “Por outro lado, se o teste quanto à
necessidade revelar-se negativo, o resultado positivo do teste de adequação não mais poderá
afetar o resultado definitivo ou final”.106 De qualquer forma a proporcionalidade da medida só
será alcançada após a análise cuidadosa da adequação, da necessidade e da ponderação.
A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva
ser apropriada para a realização dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins).107
Mais detalhadamente ensinam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino que
o subprincípio da adequação, também denominado da idoneidade ou
pertinência, significa que qualquer medida que o Poder Público adote deve
ser adequada à consecução da finalidade objetivada, ou seja, a adoção de um
meio deve ter possibilidade de resultar no fim que se pretende obter; o meio
escolhido há de ser apto a atingir o objetivo pretendido. Se, com a utilização
de determinado meio, não for possível alcançar a finalidade desejada,
impende concluir que o meio é inadequado ou impertinente.108
O pressuposto da necessidade ou exigibilidade significa que a adoção de
uma medida restritiva de direito só é válida se esta for indispensável à manutenção do próprio
ou de outro direito, e somente se não houver meio alternativo menos gravoso com o qual se
possa atingir o mesmo objetivo. Nesse sentido, esclarece Humberto Ávila que
o exame da necessidade envolve duas etapas de investigação: em primeiro
lugar, o exame da igualdade de adequação dos meios, para verificar se os
meios alternativos promovem igualmente o fim; em segundo lugar, o exame
do meio menos restritivo, para examinar se os meios alternativos restringem
em menor medida os direitos fundamentais colateralmente afetados.109
Assim, segundo as lições do constitucionalista português José Joaquim
Gomes Canotilho
a exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas
de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são
necessárias para se obterem os fins de protecção visados pela Constituição
ou a lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for
105
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 332.
106
Ibidem.
107
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e a teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almeida, p.
455.
108
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 2. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2008, p. 163.
109
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. Ed. São
Paulo: Malheiros, 2008, p. 170.
possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos ‘coactivo’,
relativamente aos direitos restringidos.110
Finalmente, para analisar o último requisito da proporcionalidade é preciso
que se faça uma ponderação de valores, procedendo a uma comparação entre o grau de
intensidade de restrição dos direitos fundamentais e o grau de intensidade de promoção da
finalidade pretendida. O meio proporcional é aquele que restringe pouco um direito
fundamental, mas, em contrapartida, promove bastante o fim. A contrario sensu, “o meio
será desproporcional se a importância do fim não justificar a intensidade da restrição dos
direitos fundamentais”.111 Valendo-se, novamente, das palavras de Vicente Paulo e Marcelo
Alexandrino, extrai-se a síntese desse requisito da proporcionalidade:
Como terceiro subprincípio, o juízo de proporcionalidade em sentido estrito
somente é exercido depois de verificada a adequação e necessidade da
medida restritiva de direito. Confirmada a configuração dos dois primeiros
elementos, cabe averiguar se os resultados positivos obtidos superam as
desvantagens decorrentes da restrição a um ou a outro direito. Como a
medida restritiva de direito contrapõe o princípio que se tenciona promover e
o direito que está sendo restringido, a proporcionalidade em sentido estrito
traduz a exigência de que haja um equilíbrio, uma relação ponderada entre o
grau de restrição e o grau de realização do princípio contraposto.112
Trata-se, como se pode perceber, de uma tarefa complexa analisar à vista de
uma situação prática, qual direito será restringido e qual poderá ser exercido em sua plenitude.
O princípio da proporcionalidade terá aplicação nessas situações que contenham uma relação
de causalidade entre um meio e um fim e de tal sorte que se possa proceder aos três exames
fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios
disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo
do direito fundamental afetado?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens
trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do
meio?).113
A discussão sobre o uso de algemas importa exatamente em conflitos de
bens constitucionalmente protegidos. Essa colisão ocorre tanto entre direitos fundamentais
(diversos ou idênticos) ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos da comunidade.114 O
110
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e a teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almeida, p.
455.
111
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. Ed. São
Paulo: Malheiros, 2008, p. 182.
112
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 2. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2008, p. 164.
113
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. Ed. São
Paulo: Malheiros, 2008, p. 161 e 162.
114
ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito
Democrático. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 217, jul.-set. 1999, p. 66-78.
direito à imagem (artigo 5°, X, C.F.)115 do detido frente ao direito de liberdade de
comunicação (artigo 5°, IX, C.F.)116 da imprensa é um exemplo de conflito entre direitos
fundamentais diversos, pois embora ambos sejam direitos fundamentais, não só estão
previstos em incisos distintos, como também o âmbito de proteção de um é diferente do outro.
Outra ilustração é o caso do direito à vida (artigo 5°, caput, C.F.)117 do preso se contrapondo
ao direito à vida (artigo 5°, caput, C.F.)118 de um policial. Nesse caso, o direito de um afeta
diretamente o âmbito de proteção do outro. Já o direito à integridade física e moral do preso
(artigo 5°, XLIX, C.F.)119 é um direito individual que colide com o direito à segurança (artigo
5°, caput, artigo 6° e artigo 144, C.F.)120 que tanto é um direito individual do cidadão como
um valor constitucionalmente relevante para a sociedade.
É certo que o núcleo essencial desses direitos fundamentais deve ser
preservado, um direito não pode suplantar o outro. E para que sejam feitas concessões
recíprocas entre os direitos e uma solução equilibrada seja encontrada, utiliza-se o princípio
da proporcionalidade. Uma situação prática dessa tensão entre o direito à imagem do preso e a
liberdade de informar dos meios de comunicação é o caso Lebach, que chegou à Corte
Constitucional alemã. Gilmar Mendes esclarece que nesse caso
se discutiu a legitimidade de repetição de notícias sobre fato delituoso
ocorrido já há algum tempo e que, por isso, ameaçava afetar o processo de
ressocialização de um dos envolvidos no crime. Abstratamente consideradas,
as regras de proteção da liberdade de informação e do direito de
personalidade não conteriam qualquer lesão ao princípio da
proporcionalidade. Eventual dúvida ou controvérsia somente poderia surgir
na aplicação in concreto das diversas normas. A Corte Constitucional alemã,
após analisar a situação conflitiva, concluiu que ‘a repetição de informações,
não mais coberta pelo interesse da atualidade, sobre delitos graves ocorridos
no passado, pode revelar-se inadmissível se ela coloca em risco o processo
de ressocialização do autor do delito’.121
Também no Brasil o princípio da proporcionalidade vem sendo utilizado na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como instrumento para solução de colisão entre
direitos fundamentais envolvendo algemas. No julgamento do HC n° 89.429-1/RO, por
exemplo, o STF concedeu a ordem para que fosse garantido ao paciente, um integrante do
Tribunal de Contas de Rondônia que havia sido preso em uma operação da Polícia Federal, o
115
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 30 abr. 2009.
116
Ibidem.
117
Ibidem.
118
Ibidem.
119
Ibidem.
120
Ibidem.
121
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 337.
direito de não ser exposto na mídia e que na condução dele ao Superior Tribunal de Justiça,
local onde se processava a ação penal, não lhe fossem apostas algemas. Por ocasião do
julgamento ficou assentado que “não obstante a omissão legislativa, a utilização de algemas
não pode ser arbitrária, uma vez que a forma juridicamente válida do seu uso pode ser inferida
a partir da interpretação dos princípios jurídicos vigentes, especialmente o princípio da
proporcionalidade”.122
Desse modo, os direitos fundamentais do acusado, do policial e da
sociedade devem ser preservados e harmonizados, não sendo possível, de forma apriorística,
proibir a utilização de algemas em qualquer circunstância e tampouco permiti-las
indiscriminadamente. Nesse diapasão, para saber se o emprego de algemas é legítimo ou
abusivo é necessário perquirir, diante do caso concreto, se a medida coercitiva é apta a atingir
o objetivo pretendido, se há algum meio menos gravoso para atingir o fim visado (proibição
de excesso), e se há compatibilidade entre a medida e os valores do sistema constitucional
(ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido).123
4. INCONGRUÊNCIAS DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11
4.1 Da inconstitucionalidade da súmula
Súmula vinculante “é o instrumento que permite ao Supremo Tribunal
Federal padronizar a exegese de uma norma jurídica controvertida, evitando insegurança e
disparidade de entendimento em questões idênticas”.124 Foi introduzida, na Constituição
Federal de 1988, pela Emenda Constitucional n° 45, de 30 de dezembro de 2004, mais
conhecida como reforma do Poder Judiciário. Diz a redação do art. 103-A da Carta Magna:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir
de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua
revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
122
SUPREMO
TRIBUNAL
FEDERAL.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseInformativo.
Acesso em: 02 mai. 2009.
123
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das
leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 76-87.
124
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1093.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de
normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos
judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão
idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão
ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem
propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula
aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo
Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou
cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida
com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. .125
Extrai-se, portanto, do próprio texto constitucional, os requisitos para que o
Supremo Tribunal Federal (STF) possa editar uma súmula vinculante. Inicialmente, é
necessário que existam reiteradas decisões sobre matéria constitucional. É também exigido
que a súmula verse sobre validade, interpretação e eficácia de normas determinadas. Além
disso, é preciso que haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a
administração pública que acarrete grave insegurança jurídica. Por fim, para ser objeto de
súmula vinculante a matéria deve provocar relevante multiplicação de processo sobre
questões idênticas. É importante salientar que esses mesmos requisitos estão expressos na Lei
n° 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que regulamentou o artigo 103-A em comento.126
A primeira súmula vinculante surgiu no dia 06 de junho de 2007 e até agora
o Supremo Tribunal Federal editou quatorze verbetes e mais seis encontram-se em fase de
tramitação.127 Sob o argumento de refrear abusos relacionados com o emprego de algemas em
pessoas presas, o STF, em sua composição plenária, por unanimidade, em sessão realizada em
13 de agosto de 2008, editou a mais polêmica de suas súmulas vinculantes, que é a de n° 11,
com o seguinte texto:
só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de
fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou
de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de
125
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 02 mai. 2009.
126
BRASIL. Lei n° 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e
altera a Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de
enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11417.htm. Acesso em: 02 mai. 2009.
127
SUPREMO
TRIBUNAL
FEDERAL.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante. Acesso em: 02 mai.
2009.
nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.128
O enunciado dessa súmula suscitou, por parte de diversos setores da
sociedade jurídica, inúmeras críticas. No que tange à regularidade procedimental, a delegada
Arryane Queiroz sustenta a inconstitucionalidade da súmula vinculante n° 11,129 pois no caso
não foram cumpridos os requisitos autorizadores de sua edição. Nesse ponto, já que a
Constituição Federal exige que sejam cumpridos cumulativamente todos os requisitos para a
edição de uma súmula vinculante, é suficiente a ausência de qualquer deles para que se
fulmine a súmula vinculante n° 11. De plano, constata-se que não existem reiteradas decisões
sobre matéria constitucional. Para tanto, basta pesquisar a jurisprudência do Supremo, onde se
verifica uma quantidade ínfima de acórdãos que contém a palavra algemas.
Analisando-se os precedentes do STF sobre o uso de algemas há quatro
decisões mais antigas quando a composição do Tribunal era completamente diversa. No RHC
56.465,130 julgado em 05 de setembro de 1978, se entendeu que o uso de algemas em
audiência para inquirição e testemunhas é justificado para evitar a fuga do preso e para
preservar a segurança das testemunhas, inserindo-se a decisão no âmbito da condução pelo
juiz dos trabalhos desenvolvidos na audiência. Já no HC 63.943/PE,131 cujo julgamento se deu
em 16 de setembro de 1986, apenas se faz referência à algema para descrever que um capitão
da Polícia Militar estava à paisana, mas fazendo uso de algemas e armas da corporação.
Um outro julgado, RE 111.786/RJ,132 decidido em 28 de novembro de 1986,
não foi sequer conhecido pela Corte. Há ainda o HC 71.195/SP,133 resolvido em 25 de outubro
128
SUPREMO
TRIBUNAL
FEDERAL.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/DJE_11.11.2008.pdf. Acesso em:
02 mai. 2009.
129
QUEIROZ, Arryane. Uso de algemas. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2008-ago21/sumula_vinculante_11_supremo_inconstitucional. Acesso em: 02 mai. 2009.
130
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. RHC 56.465. Ementa: Não constitui constrangimento ilegal o
uso de algemas por parte do acusado, durante a instrução criminal, se necessário à ordem dos trabalhos e à
segurança das testemunhas e como meio de prevenir a fuga do preso. Inépcia da denúncia não comprovada.
RHC improvido. Relator: Cordeiro Guerra. Brasília, DF, j. 05 set. 1978. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcordaos. Acesso
em: 02 mai. 2009.
131
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma. HC 63.943/PE. Ementa: Competência. Crimes militares. Dois
homicidios e uma tentativa de homicidio, executados contra civis por policiais militares, em serviço, sob
comando de um capitão da pm (este a paisana e em dia de folga), mas com uso de algemas e de armas de
propriedade da corporação, em diligência policial realizada no interior de um ônibus, próximo ao quartel.
Competência da justiça militar e não da justiça comum (artigos 129 da constituição federal e 9°, II, c e f, do
Código Penal Militar. HC concedido para que o processo-crime prossiga perante a Justiça Castrense, onde a
denúncia também foi apresentada e recebida, sem prejuizo da prisão preventiva por esta decretada. Relator:
Sydney
Sanches.
Brasília,
DF,
j.
16
set.
1986.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcordaos. Acesso
em: 02 mai. 2009.
132
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma. RE 111.786/RJ. Ementa: Responsabilidade civil por dano
moral. Recurso, pela alínea d, que não cumpre as exigências do art. 322 do RISTF e da Súmula 291. Recurso
de 1994, onde se firmou que o emprego de algemas em plenário do Júri não constituiu
constrangimento ilegal porque, no caso concreto, a medida se revelou imprescindível à ordem
dos trabalhos e à segurança dos presentes, porque havia informações de que o réu pretendia
agredir o juiz-presidente e o promotor de justiça.
Mais recentemente, no HC 89.429/RO,134 julgado em 22 de agosto de 2006,
um Conselheiro do Tribunal de Contas de Rondônia que estava preso buscava não ser
algemado por ocasião de sua condução da carceragem da Polícia Federal em Brasília ao
Gabinete de uma Ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde seria ouvido, bem
como em outros atos judiciais, e também não ser exposto a exibição para as câmeras de
imprensa. A liminar requerida foi concedida, para garantir ao paciente o direito de não ser
algemado por ocasião de sua oitiva no STJ. No mérito, reconheceu-se seu direito de não ser
algemado por ocasião de outros transportes que viessem a ser feitos, a não ser em caso de
reação violenta.
Por último, no dia 07 de agosto de 2008, o STF, em oposição ao Superior
Tribunal de Justiça e ao ministério Público Federal, na apreciação do HC n° 91.952,135 anulou
o julgamento do Tribunal do Júri da cidade de Laranjal Paulista – SP, porque o réu, um
pedreiro acusado de homicídio, permaneceu algemado durante a sessão. Os ministros da
Extraordinário não conhecido. Relator: Oscar Correa. Brasília, DF, j. 28 nov. 1986. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcordaos. Acesso
em: 02 mai. 2009.
133
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. HC 71.195/SP. Ementa: Habeas Corpus. Concurso material
de crimes. Protesto por novo júri. Pena inferior a vinte anos. Utilização de algemas no julgamento. Medida
justificada. I - No concurso material de crimes considera-se, para efeito de protesto por novo júri, cada uma
das penas e não sua soma. II - O uso de algemas durante o julgamento não constitui constrangimento ilegal se
essencial à ordem dos trabalhos e à segurança dos presentes. Habeas corpus indeferido. Relator: Francisco
Rezek.
Brasília,
DF,
j.
25
out.
1994.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcordaos. Acesso
em: 02 mai. 2009.
134
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma. HC 89.429/RO. Ementa: Habeas Corpus. Penal. Uso de
algemas no momento da prisão. Ausência de justificativa em face da conduta passiva do paciente.
Constrangimento ilegal. Precedentes. 1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza
excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação
indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para
evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa
medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Precedentes. 2. Habeas corpus concedido. Relatora: Cármen Lúcia. Brasília, DF, j. 22 ago. 2006. Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcordaos.
Acesso em: 02 mai. 2009.
135
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. HC n° 91.952. Ementa: Algemas -utilização. O uso de
algemas surge excepcional somente restando justificado ante a periculosidade do agente ou risco concreto de
fuga. Julgamento – Acusado algemado – Tribunal do Júri. Implica prejuízo à defesa a manutenção do réu
algemado na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, resultando o fato na insubsistência do veredicto
condenatório. Relator: Marco Aurélio. Brasília, DF, j. 07 ago. 2008. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=algemas&base=baseAcordaos. Acesso
em: 02 mai. 2009.
Suprema Corte entenderam que a manutenção das algemas influenciou os jurados a
condenarem o réu. Afirmou-se ainda, na ocasião, não existirem dados concretos que
pudessem indicar que, pelo perfil do acusado, houvesse risco aos presentes, caso ele
permanecesse em plenário sem algemas, razão pela qual se considerou aviltada sua dignidade
humana. Foi justamente durante esse julgamento que o Tribunal deliberou elaborar a súmula
vinculante ora comentada e decidiu, também, dar a esta e às demais súmulas vnculantes um
caráter impeditivo de recursos, ou seja, das decisões tomadas em tribunais inferiores, com
base nesse entendimento, não caberá recurso.
Logo, em relação ao conteúdo desse apanhado de julgados, o recente HC n°
91.952/SP foi o único julgado pelo pleno do Tribunal e foi o primeiro a enfrentar em
profundidade o problema do abuso de algemas. Pode-se afirmar, portanto, que não há
decisões reiteradas sobre o assunto a fundamentar a edição da súmula vinculante n° 11, senão
alguns casos isolados, o que a torna inconstitucional.
4.2 Do ativismo judicial no conteúdo da súmula
A súmula vinculante n° 11 ao exigir a explicação por escrito da
excepcionalidade do uso de algemas trouxe uma novidade para o ordenamento jurídico, já que
nenhuma lei, que é fruto da vontade coletiva, consubstanciada pelos representantes do povo
eleitos para o parlamento, faz tal previsão. Esse fenômeno denominado ativismo judicial, em
que o Poder Judiciário invade a esfera de competência do Poder Legislativo, conflita com o
princípio da separação de Poderes.
O primeiro a formular as bases teóricas da tripartição de Poderes foi
Aristóteles, segundo o qual o soberano concentrava em suas mãos o exercício de três funções
distintas: editar normas gerais a serem observadas por todos, aplicar referidas normas ao caso
concreto e julgar os conflitos de interesse que porventura surgissem da execução das normas
gerais.136 Montesquieu, partindo da idéia de que o “poder absoluto corrompe absolutamente”,
aprimorou a divisão funcional, idealizada por Aristóteles, ao correlacioná-la com a divisão
orgânica de Poder, ou seja, cada função estaria intimamente ligada a um órgão e não mais
seria exercida exclusivamente pelo monarca. Em outras palavras, cada Poder deveria exercer
uma função típica, inerente à sua natureza, atuando independente e autonomamente.137
136
ARISTÓTELES. Política. Tradução de: Pedro Constantin Tolens. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 15-34.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. Tradução de Pedro Vieira Mota. São Paulo:
Saraiva, 1987, p. 141.
137
A teoria de Montesquieu se contrapôs ao absolutismo, chegando a
impulsionar diversos movimentos, inclusive as revoluções americana e francesa,
consagrando-se enfim na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esse sistema de
separação de Poderes, adotado pela maioria das Constituições de todo o mundo, foi associado
à idéia de Estado Democrático e deu origem ao conhecido sistema de freios e contrapesos,
segundo o qual, um Poder fiscaliza o outro, obrigando cada um a permanecer nos limites de
sua respectiva esfera de competência.138
O constitucionalista Paulo Bonavides enfatiza que a importância do
princípio da separação de Poderes não diminuiu na atualidade
provavelmente em razão da virtude que tem ele – conforme Montesquieu já
assinalara, com a clarividência de um pensamento meridianamente lógico –
de limitar e controlar poderes, refreando assim a concentração de sua
titularidade num único órgão ativo da soberania. A concentração seria, sem
dúvida, lesiva ao exercício social da liberdade humana em qualquer gênero
de organização do Estado. Titular exclusivo dos poderes da soberania na
esfera formal da legitimidade, é tão-somente a Nação politicamente
organizada, sob a égide de um Estado de Direito.139
O que houve diante da nova realidade social e histórica foi um
abrandamento da teoria de Montesquieu ao se permitir interpenetração entre os Poderes,
deixando de existir aquela separação rígida, pura e absoluta. Isso significa que, embora o
Estado conte com os três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, e que cada um exerça
respectivamente a sua função típica de legislar, executar e aplicar, esses Poderes também
exercem funções atípicas, quer dizer, típicas dos outros dois Poderes.
Entretanto, Pedro Lenza pondera que “mesmo no exercício da função
atípica, o órgão exercerá uma função sua, não havendo aí ferimento ao princípio da separação
de Poderes, porque tal competência foi constitucionalmente assegurada pelo poder
constituinte originário”.140 E continua o autor:
Nesse sentido, as atribuições asseguradas não poderão ser delegadas de um
Poder a outro. Trata-se do princípio da indelegabilidade de atribuições. Um
órgão só poderá exercer atribuições de outro, ou da natureza típica de outro,
quando houver expressa previsão (e aí surgem as funções atípicas) e,
diretamente, quando houver delegação por parte do poder constituinte
originário, como, por exemplo, ocorre com as leis delegadas do art. 68, cuja
atribuição é delegada pelo Legislativo ao Executivo.141
Portanto, onde houver Estado de Direito, que é aquele onde impera a
ordenação e a vinculação do poder estatal, o impedimento ao abuso do poder político e a
138
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p.
184-185.
139
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 509.
140
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 293.
141
Ibidem, p. 294.
garantia da liberdade, haverá, de necessidade, como um dos eixos da ordem constitucional, a
divisão de Poderes.142 Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 prevê em seu artigo 2° que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si,
o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”,143 abraçando assim, a doutrina da tripartição de
Poderes. Além disso, a CF erigiu a separação de Poderes à categoria de cláusula pétrea,
conforme se observa em seu artigo 60, § 4°, inciso III:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4° Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[...]
III – a separação dos Poderes;144
Sob esse prisma da divisão de Poderes adotada pela Constituição Brasileira,
ao exigir explicação por escrito da autoridade para o uso de algemas, o Supremo atuou como
verdadeiro legislador positivo, sendo que apenas a lei pode criar direitos e impor obrigações,
de forma geral e abstrata.145 Wadih Damous, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil,
na seccional do Rio de Janeiro, posicionou-se contra a Súmula Vinculante n° 11 exatamente
por entender que há um pressuposto autoritário nessa judicialização da política. “A ditadura
da toga é tão nefasta quanto a ditadura da farda, a ditadura militar. O protagonismo do
Judiciário é indevido. Isso provoca distorção no papel atribuído a cada poder da
República”.146
E mais, o fato de o Legislativo tardar em regulamentar o artigo 199, da Lei
de Execução Penal que versa sobre o uso de algemas, não abre ao STF uma competência
legislativa subsidiária. Isso porque, segundo o Presidente da Câmara dos Deputados Arlindo
Chinaglia, se essa justificativa fosse válida, diante da demora do Judiciário em proferir
determinado julgamento, poderia o Legislativo avocar essa função.147 Sobre essa questão,
sintetiza Eduardo Appio que “em uma democracia, os fins — mesmo que nobres — nunca
justificam os meios”.148
142
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 511.
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 02 mai. 2009.
144
Ibidem.
145
SERRA, Marco Alexandre de Souza. A súmula vinculante e a fossilização do direito. Disponível em: http://www.paranaonline.com.br/canal/direito-e-justica/news/321643/. Acesso em: 03 mai. 2009.
146
DAMOUS,
Wadih.
Ativismo
judicial.
Disponível
em:
http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=41673. Acesso em: 03 mai. 2009.
147
CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia. Disponível em:
http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaalceu/media/alceu_n9_cittadino.pdf. Acesso em: 3 mai. 2009.
148
COSTA, Octávio; PARDELLAS, Sérgio. Contra a intromissão do Judiciário. Entrevista. Disponível em:
http://www.resenha.inf.br/politica/?page=revistas&actions=viewnotice&revis_cod=2818. Acesso em: 03 mai.
2009.
143
Claro que o Legislativo tem atuado no plano da retórica, visto que já são
mais de vinte anos de espera pela lei que irá regulamentar o uso de algemas em âmbito
nacional, com a apresentação de vários projetos de lei sobre o tema, sem que nenhum deles se
concretizasse. Entretanto, reitere-se, esse argumento não é suficiente para legitimar a
ampliação da atuação do Judiciário em áreas que são eminentemente políticas, ainda mais sob
o manto de súmulas vinculantes. Agindo assim, o Supremo Tribunal Federal tem extrapolado
os limites de sua competência, pois segundo o artigo 22 da Constituição Federal,149 a
regulamentação de matéria penal e processual penal compete à Uniao.
4.3 Do âmbito de abrangência da súmula
Uma outra observação que deve ser feita à súmula vinculante n° 11 é que o
caso versado pelo HC n° 91.952/SP, o qual serviu de precedente para a elaboração do
enunciado da súmula, refere-se ao uso de algemas apenas no âmbito do Tribunal do Júri.
Dessa forma, não poderia o STF ter estendido a aplicação da súmula aos demais casos
envolvendo algemas, como no transporte de presos, na execução de prisão cautelar ou em
flagrante, nas audiências do Juízo Criminal Comum, entre outros.
No julgamento do HC n° 91.952/SP o STF decidiu pela anulação do
processo, a fim de evitar que os jurados, leigos que são, ficassem induzidos a pensar que o réu
que é apresentado algemado é o autor do crime em julgamento. Quanto a essa suposta
suscetibilidade dos jurados a influências, é de se considerar que a função de julgar os crimes
dolosos contra a vida concedida aos cidadãos, ainda que leigos, decorre diretamente da
Constituição Federal. Ademais, o texto constitucional diz que os veredictos proferidos em
sede de Tribunal do Júri são soberanos, o que significa que os jurados não precisam
fundamentar sua decisão. Justamente por isso, “é impossível, sem a realização de estudos
científicos, empíricos, afirmar que os jurados decidiram pela condenação ou pela absolvição
movidos por essa ou aquela circunstância”.150
Ressalte-se ainda que os jurados tomam a decisão de condenar ou absolver o
réu após a análise exaustiva dos elementos de convicção que lhes são apresentados pelo
promotor de justiça e pelo advogado, os quais são profissionais especializados em transmitir e
explicar ao conselho de sentença a prova dos autos e as regras e princípios constitucionais e
legais referentes ao caso em análise. Os jurados também contam com a possibilidade de pedir
149
BRASIL.
Constituição
da
República
Federativa
do
Brasil.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 02 mai. 2009.
150
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a súmula vinculante n° 11, do STF. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625. Acesso em: 03 mai. 2009.
esclarecimentos ao juiz-presidente do Júri. E se mesmo assim, a decisão dos jurados for
considerada contrária à prova dos autos, prevê o Código de Processo Penal a possibilidade de
recurso.151 Se a decisão do corpo de jurados não se apoiar em nenhuma das provas constantes
dos autos, o Tribunal de Justiça competente, ao analisar a apelação, poderá anular o
julgamento proferido pelo Júri e determinar que um novo seja realizado.
Além disso, é o Código de Processo Penal que estabelece os requisitos
necessários para o alistamento de jurados, tais como ser maior de dezoito anos, ter idoneidade
moral, ausência de suspeição e impedimento, entre outros, aferindo assim a capacidade da
pessoa para a participação nos julgamentos.152 Por tudo isso, os jurados não podem ter sua
capacidade de discernimento desprezada.
Ao se adotar o raciocínio de que as algemas influenciam os jurados a
proferirem um veredicto condenatório e por isso esse instrumento não pode ser utilizado, teria
que se questionar inclusive a existência do Tribunal do Júri, pois vários outros fatores também
são aptos a contaminar a decisão dos jurados. Um bom exemplo é o fato de o réu ser escoltado
durante o julgamento, geralmente, por pelo menos dois policiais militares armados, sendo que
tal circunstância induz periculosidade.
Lenio Luiz Streck também exemplifica que a própria sala em que se realiza
o Júri é passível de influenciar a decisão do corpo de jurados. Segundo o autor, pode-se
afirmar que a distribuição do espaço físico daquele local privilegia a tese da acusação ao
colocar o promotor de justiça ao lado do juiz-presidente da sessão e em um patamar mais
elevado que o advogado do réu, podendo levar a crer que o acusador é mais importante que o
defensor.153 Desse modo, a partir da presunção infundada que se faz dos jurados, quando
houver necessidade de o réu se apresentar algemado na sessão de julgamento a condenação é
certa, pois, na mente deles “– que, pelo visto, presumem-se ingênuos e facilmente
influenciáveis –, doravante só ficará algemado o réu ‘culpado’ (‘perigoso, logo algemado;
algemado, logo culpado’)”.154 Ora, os jurados são juízes leigos e não ignorantes.
151
“Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: d) for a
decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.” BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de
outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/DecretoLei/Del3689.htm. Acesso em: 03 mai. 2009.
152
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 03 mai. 2009.
153
STRECK, Lenio Luíz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001, p.
107.
154
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a súmula vinculante n° 11, do STF. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625. Acesso em: 03 mai. 2009.
E ainda que fossem desprezados todos esses argumentos, ainda assim a
súmula vinculante n° 11, deveria ser restrita aos casos de Tribunal do Júri, pois nos
procedimentos afetos ao Juízo Criminal Comum não se justifica a aplicação do preceito
sumular em comento porque a situação é absolutamente diversa. Se dos jurados não se exige
qualificação técnica, o mesmo não ocorre com o juiz de direito, que detém todo o
conhecimento jurídico necessário para pautar a sua decisão, estando adstrito ao Direito Penal
do fato e não do autor.
Esclarece o promotor de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios, Rodrigo de Abreu Fudoli, que
fora dos casos de Júri, para quem sustenta que os jurados podem condenar
com mais facilidade uma pessoa algemada – não há qualquer relação entre a
prova produzida e a colocação de algemas no réu. Ou seja, ainda que, em
casos concretos, o uso de algemas seja indevido, nem por isso haverá
influência na aquisição da prova sobre autoria e materialidade da infração
penal, tipicidade e ilicitude da conduta praticada e na culpabilidade e
punibilidade do autor do crime, no exercício do contraditório ou da ampla
defesa ou na formação do convencimento do Juiz. Se o crime não for doloso
contra a vida, o julgamento será feito por um bacharel em Direito (juiz
togado) que sabe que o fato de o réu estar algemado se deve à circunstância
de ele ter sido preso cautelarmente, não se presumindo sua culpabilidade.155
Dessa forma, o STF não poderia ter editado uma súmula com efeito
vinculante para abranger, não só o Júri, mas todas as demais hipóteses que envolvem o uso de
algemas, pois esse é um exemplo claro de exorbitância de Poder. De qualquer modo, como
forma de não engessar a atividade do julgador, este poderá, constatando a ausência de
similitude entre a matéria apreciada e aquela objeto da súmula, concluir pela presença de
algum elemento diferenciador, o que o desobrigará a aplicar a súmula vinculante nº 11, desde
que fundamentadamente.
4.4 Da Súmula Vinculante n° 11 como exemplo de decisão judicial simbólica
4.4.1 Do simbolismo sob a ótica de Marcelo Neves
Marcelo
Neves
é
o
precursor
do
estudo
sobre
legislação
e
constitucionalização simbólicas no Brasil. Texto legal ou constitucional simbólico é aquele
em que há o predomínio ou hipertrofia da função simbólica (essencialmente políticoideológica) em detrimento da função jurídico-instrumental (de caráter normativo-jurídico).
Enquanto uma lei simbólica atinge, em princípio, aspectos parciais ou setoriais do sistema
jurídico, a constitucionalização simbólica afeta as estruturas fundamentais da Constituição,
155
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a súmula vinculante n° 11, do STF. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625. Acesso em: 03 mai. 2009.
colocando a autonomia do Direito generalizadamente em questão.156 Sendo assim, para uma
análise mais abrangente dos problemas que giram em torno do simbolismo, passa-se agora à
abordagem da constitucionalização simbólica.
A constitucionalização simbólica é tratada por Marcelo Neves como
alopoiese do sistema jurídico que se contrapõe à autopoiese do Direito. Originária da teoria
biológica de Maturana e Varela e transposta para as ciências sociais por Niklas Luhmann, a
autopoiese significa criação por si próprio, ou seja, cada sistema é construído pelos próprios
componentes que constrói. Nesse sentido, a autopoiese do Direito é a reprodução do sistema
jurídico a partir de critérios, programas e códigos provenientes de seu ambiente. Entretanto,
observa Luhmann que se o fato do Direito dispor exclusivamente do código binário
lícito/ilícito conduz ao fechamento operacional, a escolha entre o lícito e o ilícito é
condicionada pelo ambiente. Em outras palavras, o Direito, enquanto sistema autopoiético, é,
ao mesmo tempo, normativamente fechado, porque se reproduz a partir de seu próprio código
binário (jurídico), mas cognitivamente aberto, porque se inter-relaciona com os demais
subsistemas (econômico, político, moral, dentre outros) da sociedade, sem que um interfira
destrutivamente no outro.157
Diferentemtente, a palavra alopoiese, derivada etimologicamente do grego
állos (um outro, diferente) e poíesis (produção, criação), designa a (re) produção do sistema
por critérios, programas e códigos de um outro sistema. “O respectivo sistema é determinado,
então, por injunções diretas do mundo exterior, perdendo em significado a própria diferença
entre sistema e ambiente”. A alopoiese implica, portanto, no comprometimento generalizado
da autonomia operacional do Direito positivo estatal. Equivale dizer que o código lícito/ilícito
não consegue resistir às pressões bloqueantes dos outros códigos de comunicação, como o
código do amor, da amizade, da religião, e, especialmente, do econômico (ter/não ter) e do
político (poder/não poder), colocando em xeque a eficiência, a funcionalidade e mesmo a
racionalidade do sistema jurídico.158
A constitucionalização simbólica consiste justamente na sobreposição do
sistema político ao Direito, impedindo a reprodução operacionalmente autônoma deste e
acarretando, com isso, a perda da relevância normativo-jurídica dos textos constitucionais na
orientação das expectativas normativas. E apesar da ausência de um mínimo de concretização
da Constituição, os políticos se utilizam da referência retórica ao texto constitucional para
156
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 150.
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 127-148.
158
Ibidem, p. 151.
157
construir perante o público a imagem de um Estado ou governo identificado com os valores
constitucionais. Além de demonstrar a capacidade de ação do Estado (legislação-álibi, na qual
se cria uma imagem favorável do Estado no que concerne à resolução de problemas sociais),
tanto a lei como a Constituição simbólicas servem ainda para confirmar valores sociais e
como fórmula de compromisso dilatório (adiamento de solução dos conflitos). Nas palavras
de Luhmann, trata-se de um caso típico de “exploração” do sistema jurídico pela política.159
Ressalte-se que, ocorrendo a subordinação do Direito ao poder político na
vigência da constitucionalização simbólica, a própria autonomia do sistema político é
comprometida, tornando-o suscetível a influências imediatas de interesses econômicos
particularistas. Assim, a interferência do código do poder econômico provoca efeitos
destrutivos à autonomia tanto do sistema jurídico como do sistema político, com a decorrente
perda de normatividade jurídica da Constituição que, nesse sentido, passa a desempenhar uma
função hipertroficamente político-simbólica.160
Tendo em vista o caráter heterogêneo que marca a sociedade moderna,
definida enquanto sociedade mundial, ou seja, sem barreiras à comunicação, Marcelo Neves a
divide em uma modernidade central e outra periférica. Essa distinção é importante, na medida
em que a constitucionalização simbólica, enquanto sobreposição do sistema político ao
jurídico, é um problema característico dos países que compõem a modernidade periférica,
dentre os quais se inclui o Brasil. Se nos Estados centrais impera, como regra, a autopoiese do
Direito, nos Estados periféricos é recorrente o problema da sobreposição intrincada de
códigos e programas tanto entre os diversos subsistemas sociais como no próprio interior
deles.161
Interessa destacar que os países periféricos adotam, em regra, a denominada
Constituição nominalista, a qual exerce função predominantemente simbólica, e, segundo a
classificação ontológica das Constituições criada por Karl Loewenstein, é aquela em que
a dinâmica do processo político não se adapta às suas normas, embora elas
conservem, em sua estrutura, um caráter educativo, com vistas ao futuro da
sociedade. Seriam constituições prospectivas, isto é, voltadas para um dia
serem realizadas na prática. Mas, enquanto não realizarem todo o seu
programa, continuaria a desarmonia entre os pressupostos formais nela
insculpidos e a sua aplicabilidade. É como se fossem uma roupa guardada no
armário que será vestida futuramente, quando o corpo nacional tiver
crescido.162
159
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 127-148.
Ibidem, p. 151.
161
Ibidem, p. 170-176.
162
Apud BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 42.
160
E é ainda na periferia da sociedade moderna que surgem os problemas
decorrentes das relações de subintegração e sobreintegração, responsáveis por recrudescer os
bloqueios à reprodução autopoiética do sistema jurídico. “A subintegração significa
dependência dos critérios do sistema (político, econômico, jurídico, etc) sem acesso às suas
prestações. A sobreintegração implica acesso aos benefícios do sistema sem dependência de
suas regras e critérios”.163
A prática política e o contexto social dos países periféricos favorecem uma
concretização restrita e excludente da Constituição. Para a massa dos subcidadãos, os
dispositivos constitucionais têm relevância quase exclusivamente em seus efeitos restritivos
de liberdades. Já os sobrecidadãos utilizam o texto constitucional sempre que este sirva para
favorecer os seus interesses, e na medida em que a Constituição imponha limites à esfera de
atuação política e econômica é imediatamente colocada de lado.164
A falta de concretização normativo-jurídica do texto constitucional está
ligada diretamente à sua função simbólica. Diante da realidade social divergente, o modelo
constitucional é invocado pelos detentores do poder para iludir os subintegrados, passando-se
“a
‘culpa’
para
a
sociedade
‘desorganizada’
e
‘atrasada’,
descarregando-se
de
responsabilidade o Estado ou o governo constitucional. No mínimo transfere-se a realização
da Constituição para um futuro remoto e incerto”.165 Os governantes começam então a
proclamar propostas permanentes e repetidas de reformas constitucionais abrangentes, mais
uma vez de cunho puramente simbólico. A esse respeito, Marcelo Neves acentua que
a responsabilidade pelos graves problemas sociais e políticos é, então,
atribuída à Constituição, como se eles pudessem ser solucionados mediante
as respectivas emendas ou revisões constitucionais. Dessa maneira, não
apenas se desconhece que leis constitucionais não podem resolver
imediatamente os problemas da sociedade, mas também se oculta o fato de
que os problemas jurídicos e políticos que frequentemente se encontram na
ordem do dia estão associados à deficiente concretização normativo-jurídica
do texto constitucional existente, ou seja, residem antes na falta das
condições sociais para a realização de uma Constituição inerente à
democracia e ao Estado de Direito do que nos próprios dispositivos
constitucionais. No âmbito da retórica do reformismo constitucional, os
programas de governo ficam reduzidos a programas de reforma da
Constituição; estes são frequentemente executados (quer dizer, as emendas
constitucionais são aprovadas e promulgadas), contudo as respectivas
estruturas sociais e relações de poder permanecem intocáveis.166
163
NEVES, Marcelo. Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente. Revista de Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: s.e., v. 37, nº 2, p. 253-275.
164
Ibidem.
165
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 186.
166
Ibidem.
Esclarecido o que vem a ser legislação e constitucionalização simbólicas,
Marcelo Neves utiliza o mesmo raciocínio para identificar uma decisão judicial simbólica.
Salienta, todavia, que a jurisprudência simbólica é mais maléfica que uma legislação
simbólica, porque uma lei pode ser descumprida sem que isso configure necessariamente um
desrespeito ao Legislativo, mas o mesmo não ocorre em relação ao Judiciário. Se uma decisão
judicial, em virtude de sua carga excessivamente simbólica, passa a não ser cumprida, o
último recurso do povo, que é o Poder Judiciário, deixa de ter credibilidade perante os
cidadãos.167
À medida que se amplia a falta de concretização das decisões judiciais,
cresce o grau de desconfiança no Estado. Os juízes e a “Justiça”, de um modo geral, caem no
descrédito. Desmascarada a farsa da eficácia das decisões judiciais simbólicas, seguem-se o
cinismo das elites e a apatia do público. Por essa razão, Marcelo Neves, referindo-se à edição
de súmulas vinculantes em matéria eminentemente políticas, sustenta que caberia ao Supremo
Tribunal Federal mais uma postura de comedimento em vez de um excesso de atividade
reguladora, porque isso pode reagir contrariamente ao que os ministros pretendem, levando
realmente à desmoralização do próprio Poder Judiciário como um todo.168
Considerando essa análise acerca do simbolismo presente tanto na
Constituição e nas leis quanto em algumas decisões judiciais brasileiras, é possível identificar
a súmula vinculante n 11 como exemplo de decisão judicial simbólica, tendo em vista,
principalmente, o momento de sua edição, a impossibilidade de se cumpri-la e a sua
desnecessidade diante do ordenamento jurídico vigente.
4.4.2 Do momento de edição da súmula
A presença do simbolismo na súmula vinculante n° 11 emerge inclusive do
momento em que se deu a edição do seu enunciado. Aparentemente foi o HC n° 91.952 que
motivou a elaboração da súmula. Ocorre que referido habeas corpus aguardava julgamento há
quase um ano e só apareceu no plenário após o ministro Gilmar Mendes vir a público
reclamar da exposição de pessoas de considerável poder aquisitivo, dentre as quais, o
banqueiro Daniel Dantas algemado no noticiário nacional, no decorrer da operação
Satiagraha, deflagrada pela Polícia Federal. Sobre esse episódio, manifestou-se o Procurador
da República Hélio Telho Corrêa Filho:
167
NEVES, Marcelo. Entrevista concedida a Pedro Beltrão. Rádio Justiça, Jornal da Justiça 1ª edição, Brasília,
08 out. 2008.
168
Ibidem.
aos olhos de quem assistiu, ficou parecendo que o STF pegou o caso do
pedreiro como pretexto para justificar a edição da súmula proibitiva das
algemas, mas estava mesmo preocupado com o banqueiro. Gilmar Mendes
não deixou dúvidas, ao dizer que a súmula tinha basicamente o objetivo de
evitar o uso de algemas para exposição pública do preso. Detalhe: o
banqueiro, não o pedreiro, tinha aparecido algemado na TV.169
Transpondo para a linguagem de Marcelo Neves, a súmula surgiu para
atender aos interesses dos sobrecidadãos, isto é, de grupos privilegiados, incomodados com a
possibilidade de serem algemados e assim se igualarem, por um momento que seja, aos
subcidadãos.170
4.4.3 Da impossibilidade de se cumprir a súmula
A súmula vinculante nº 11 restringiu o uso de algemas a três hipóteses
excepcionais: resistência à ordem de prisão legal, fundado receio de fuga do preso e de
agressão por parte deste ou de terceiros.
A resistência é definida como a possibilidade de o infrator “opor-se à
execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executálo ou a quem lhe esteja prestando auxílio”.171 O segundo motivo traduz-se no receio de fuga,
“justificado quando o infrator, percebendo a atuação policial, empreende esforço para se
evadir, ou quando é capturado após perseguição”.172 E por último, está o perigo à integridade
física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, já que o uso de algemas “pode se
materializar em expediente para conferir ao procedimento segurança, evitando-se o mal maior
que é o emprego de força física para conter o preso ou seus comparsas, amigos, familiares,
inclusive com a utilização de armas, letais ou não”.173
Os agentes do Estado, diante de um caso concreto, terão que constatar a
presença de um daqueles três requisitos e decidir pela necessidade ou não de se utilizar as
algemas. Isso significa que tal decisão é discricionária, mas não arbitrária. Celso Antônio
Bandeira de Mello define discricionariedade como a margem de liberdade deixada pela lei,
para que, no caso concreto, o agente escolha qual a melhor providência a ser adotada, de
modo a atender o interesse público. Todavia, alerta que discricionariedade não se confunde
169
CORRÊA
FILHO,
Hélio
Telho.
Súmula
vinculante
nº
11.
Disponível
em:
http://www.informepolicial.com/internas/visualizarArtigos.php?id=9. Acesso em: 04 mai. 2009.
170
NEVES, Marcelo. Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente. Revista de Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: s.e., v. 37, nº 2, p. 253-275.
171
Artigo 329 do Código Penal. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 04 mai. 2009.
172
TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2. ed. Salvador: Juspodivm,
2008, p. 442.
173
Ibidem.
com arbitrariedade, pois nessa o agente se comporta fora do que lhe permite a lei, enquanto
naquela o agente deverá optar por uma hipótese dentre as que foram deixadas pela lei..174
É preciso considerar ainda que existem duas situações: a do policial que
decide sobre algemar ou não uma pessoa no calor do acontecimento do fato e a do juiz que,
em tese, dispõe de um tempo maior para tomar essa decisão. Todavia, tendo em vista a
subjetividade dos elementos que, segundo o STF, devem ser avaliados para se decidir sobre a
aposição de algemas, é praticamente irrelevante uma maior ou menor disponibilidade de
tempo para que tal decisão seja tomada. Avaliar critérios como periculosidade, estado
emocional, sinais de desequilíbrio mental causado por doença ou substância entorpecente,
compleição física, idade, sexo e idade do preso, local onde se realiza a diligência
(possibilidade de fuga ou resgate) e quantidade de policiais envolvidos na operação, pode até
indicar algumas das possíveis reações da pessoa a ser presa, mas não todas.
Independentemente da classe social, o homem nasceu para ser livre,
portanto, em tese, todos têm potencial para, reagir à prisão, colocando a sua própria vida em
risco, bem como a integridade dos agentes responsáveis pelo algemamento e a de
transeuntes.175 Situações-limites, como é a prisão, ocasionam nas pessoas as mais inesperadas
reações, e não há profissional, seja psiquiatra, psicólogo, magistrado ou policial, capaz de
prevê-las.
Nesse sentido, os requisitos exigidos pelo Supremo para a colocação de
algemas, sobretudo
o ‘fundado’ receio de fuga ou de perigo à integridade física de qualquer
pessoa é aspecto nebuloso e de apreciação subjetiva. Será que o STF aceitará
que a pessoa presa ou que deva ser presa seja algemada com base
exclusivamente na natureza do crime (nesse contexto, assaltantes, latrocidas
e homicidas poderiam ser sempre algemados, ainda que bem comportados
durante o processo, ao passo que estelionatários não), ou será exigido, para a
colocação de algemas no preso (ainda que por crime violento) uma conduta
concreta demonstrando ‘periculosidade’ (exemplo: o réu que olha de forma
ameaçadora para a vítima em audiência)? E mais: tendo em vista o inato
desejo de liberdade do ser humano, será que não haveria fundado receio de
fuga em toda execução de uma prisão (em flagrante ou não), e mesmo em
toda situação na qual o preso vislumbre a possibilidade de fuga (por
exemplo, em uma audiência judicial à qual comparece escoltado)?176
O problema, portanto, está em como aquilatar o comportamento humano. É
muito difícil aos policiais e aos juízes manterem o equilíbrio exato entre a necessidade das
174
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 424.
175
PONTES, Jorge Barbosa. Algemas, london cabs & súmula 11. Disponível em:
http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=41469. Acesso em: 04 mai. 2009.
176
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a súmula vinculante n° 11, do STF. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625. Acesso em: 04 mai. 2009.
algemas e a sua dispensa, pois do mesmo modo que existem circunstâncias evidentes a
caracterizar algum risco, outras são extremamente tênues. Esse é o principal motivo pelo qual,
nos moldes em que foi redigida, a súmula vinculante nº 11 é impossível de ser cumprida,
exercendo um papel excessivamente simbólico ao servir apenas para transmitir uma imagem à
sociedade de que os ministros do Supremo estão preocupados em resguardar os direitos dos
presos.
Além desse aspecto, também em relação à exigência de que o policial e o
juiz, em cada caso, fundamentem por escrito e previamente o que eles entendem como
excepcionalidade da situação, diante da própria imprevisibilidade de reação do preso, lhes
seria impossível cumprir a imposição da súmula vinculante n° 11, transparecendo mais uma
vez a sua carga simbólica. Ao estabelecer tal obrigação, critica a juíza de direito substituta do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal Rejane Jungbluth que
não houve, por parte dos ministros do Supremo, uma preocupação quanto ao
elemento desestabilizador causado no trabalho da polícia, bem como do judiciário de
primeiro grau, principais destinatários da norma e agora reféns de uma regra
embaraçosa e desprovida de um maior comprometimento com a realidade do país.177
Ainda no que se refere à previsão na súmula vinculante nº 11 da sanção de
nulidade da prisão ou ato processual praticado com colocação de algemas, em função da
ausência de justificação ou da falta de excepcionalidade da medida constritiva, isso só se
sustenta se houver a demonstração de um efetivo prejuízo. Caso contrário, dada a
subjetividade da questão, qualquer uso de algemas tornará discutível a validade da prisão ou
do próprio processo, por meio de reclamação no STF.178 Adverte Marcelo Bertasso que se não
for essa a interpretação, “a súmula estará algemando de vez o STF, que não fará outra coisa
senão decidir quem deve ser algemado”.179 Esse é mais um problema que dificulta ou até
mesmo impede o cumprimento da súmula na prática forense, que se apresenta ao público com
uma função essencialmente simbólica.
4.4.4 Da desnecessidade da súmula
É possível confirmar o teor simbólico da súmula vinculante nº 11 na parte
em que o seu enunciado prevê que se houver emprego indevido das algemas, a autoridade
177
JUNGBLUTH, Rejane.
Súmula 11 e o descomprometimento com a realidade do Juízo de primeiro
grau. Disponível em: http://www.fesmpdft.org.br/conteudo.asp?id=1964&area=16. Acesso em: 22 out. 2008.
178
De fato, já existem várias reclamações no STF de réus alegando o descumprimento da súmula vinculante n°
11 por parte de juízes de primeiro grau. Há também alguns habeas corpus preventivos requerendo salvoconduto a policiais para continuarem a utilizar algemas em seu trabalho sem serem penalizados por isso.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp.
Acesso em: 04 mai. 2009.
179
BERTASSO, Marcelo. As algemas e a falta de sintonia do Supremo. Juiz Marcelo Bertasso. Disponível em:
http://www.sinpfetro.com.br/menu_lat.asp?cod=525. Acesso em: 04 mai. 2009.
responderá penal, civil e administrativamente por seus atos, sem prejuízo da responsabilidade
civil do Estado. Conforme explicitado anteriormente, já existem enunciados legislativos e
constitucionais sancionadores do mau uso das algemas no Brasil.
De todo modo, reitere-se que quer no plano penal (o crime de abuso de
autoridade é tipificado na lei n. 4.898/65), quer no plano da responsabilidade civil (a
obrigação do Estado de reparar danos está prevista na Constituição da República, art. 37, §
6°), quer ainda na seara da responsabilidade administrativo-disciplinar (conforme disposto na
Lei n. 8.112/90 e Leis Orgânicas das carreiras jurídicas, onde há a previsão de procedimento
administrativo disciplinar perante a corregedoria da instituição) aquele que faz mau uso de
algemas já é responsabilizado. Portanto, nesse ponto a súmula vinculante n° 11 em nada
contribuiu para esclarecer situação fática polêmica ou para interpretar a legislação existente a
respeito, que é clara.
Diante dessa constatação, é absolutamente desnecessária a edição de uma
súmula vinculante para fazer valer as leis já existentes sancionadoras do emprego indevido de
algemas. Perfilhando tal entendimento, os doutrinadores Nestor Távora e Rosmar Antonni
corroboram que “para se cumprir o direito posto no Brasil, não seria necessária a edição de
súmula vinculante, se fosse bem compreendido o seu contexto jurídico”.180
4.4.5 Da ausência de legitimidade da súmula
As inúmeras críticas que surgiram em relação à súmula vinculante n° 11
poderiam ter sido evitadas, se antes da decisão, o Supremo Tribunal Federal houvesse
ampliado o debate democrático sobre o uso de algemas entre os diversos setores da
comunidade, tais como parlamentares, policiais, advogados, juízes, promotores de justiça,
advogados e membros da sociedade civil. A participação de interessados na redação da
súmula seria possível por meio da figura do amicus curiae e com a realização de audiência
pública.
A Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999, que tratou do processo da ação
direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal Federal, prevê em seu artigo 7°, § 2°, que “o relator, considerando a
relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho
irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros
180
TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2. ed. Salvador: Juspodivm,
2008, p. 445.
órgãos ou entidades”.181 Esse dispositivo importou do sistema norte-americano a figura do
amicus curiae firmando-a no ordenamento jurídico brasileiro.
Amicus curiae significa, literalmente, amigo da corte. Trata-se de
participação no processo, por meio de petição, memorial ou sustentação oral, de quem não
seja parte, mas tenha legítimo interesse no resultado da ação. Ao lado do juiz, das partes, do
Ministério Público e dos auxiliares de justiça, o amicus curiae integra o quadro dos sujeitos
processuais. A intervenção consiste em apoio técnico e pode ser provocada pelo magistrado
ou pelo próprio amicus curiae.182
O auxílio do amigo do tribunal serve principalmente para proporcionar ao
Supremo Tribunal Federal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas
implicações ou repercussões.183 Esse tipo de intervenção aprimora a tutela jurisdicional ao
municiar os magistrados de conhecimentos de uma área específica, que por vezes eles não
dominam. No caso das algemas, por exemplo, ninguém melhor que os policiais e os juízes de
primeiro grau que militam na área criminal, para dizerem sobre a realidade e a necessidade de
se utilizar ou não esse instrumento como meio de contenção, uma vez que se tratam de
profissionais que se deparam diariamente com a prática dessa questão. Valendo-se do amicus
curiae
o STF não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às
suas decisões, como, sobretudo, valorizará, sob perspectiva eminentemente
pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação
processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de
experiências que o amicus curiae poderá transmitir à Corte Constitucional.184
Nos dizeres de Luís Roberto Barroso, o amicus curiae funciona como “fator
de legitimação das decisões do Supremo Tribunal Federal, em sua atuação como tribunal
constitucional”.185 Embora não chegue a conferir caráter contraditório ao processo, a
instituição do amigo do tribunal, pluraliza o debate nos temas de maior relevância para a
sociedade e propicia uma maior abertura na interpretação constitucional, nos moldes
sugeridos por Peter Hãberle em sua sociedade aberta dos intérpretes.
181
BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.htm. Acesso em: 04 mai. 2009.
182
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 10. Ed. V. 1. Salvador: Juspodivm, 2008, p.
379.
183
MENDES, Gilmar Ferreira. Lei 9868/99: processo e julgamento da ação direta de constitucionalidade e da
ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=131. Acesso em: 04 mai. 2009.
184
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ADIN nº 2130-SC. Relator: Celso de Mello. Brasília, DF, j.
20.dez..2000. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp. Acesso em: 04 mai. 2009.
185
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 177.
Peter Hãberle afirma que no processo de interpretação constitucional estão
“vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos,
não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de
intérpretes da Constituição”. A interpretação constitucional não pode ficar restrita aos seus
participantes formais, pois isso significaria “um empobrecimento ou um autoengodo”. 186
Rompe-se, dessa forma, com o monopólio estatal da interpretação
constitucional, admitindo a participação, não só dos tradicionais intérpretes da norma jurídica
(juízes e políticos), mas também daqueles que atuam como co-intérpretes (experts,
organizações religiosas, imprensa e os diferentes estratos sociais), influenciando no processo
criativo. “Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma,
não detêm eles o monopólio da interpretação”187.
Defende-se, pois, a ampliação do círculo de intérpretes da Constituição,
como conseqüência da necessidade de integração da realidade no processo de interpretação.
Numa autêntica democracia a sociedade é livre e aberta na medida em que se aumenta a
participação dos diferentes grupos sociais no processo de significação dos termos
constitucionais, conferindo “à atividade de interpretação um caráter multifacetado”. E quanto
mais ampla for a interpretação constitucional, mais amplo há de ser o círculo dos que dela
devam participar. 188
Assim, como decorrência do princípio da democracia, o povo tem o direito
de influenciar na tomada de decisões do Poder Público. Além do amicus curiae, uma outra
forma de participação popular nas atividades desenvolvidas pelo Judiciário é a audiência
pública também prevista na Lei nº 9.868/99. Reza o §1º, do artigo 9º, dessa Lei, que
Art. 9°. [...]
§1º Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância
de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos,
poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou
comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data
para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e
autoridade na matéria.189
Audiência pública é uma das formas de participação e de controle popular
nas funções estatais. “Seus principais traços são a oralidade e o debate efetivo sobre matéria
186
HÃBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de: Gilmar
Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1997, p. 13 e 34.
187
Ibidem, p. 15.
188
Ibidem, p. 30-32.
189
BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.htm. Acesso em: 04 mai. 2009.
relevante, comportando sua realização sempre que estiverem em jogo direitos coletivos”.190 É,
portanto, um instrumento que leva a uma decisão política ou legal com legitimidade e
transparência.
Antes do desfecho do processo, a autoridade competente abre espaço para
que todas as pessoas que possam sofrer os reflexos da decisão tenham oportunidade de se
manifestar. As informações dos participantes não vinculam o magistrado, visto que têm
caráter consultivo, mas, sem dúvida, ao acolhê-las ou rejeitá-las, ele estará levando-as em
consideração na tomada da decisão. Então, de um lado, tem-se uma metodologia de
esclarecimento de determinadas questões através da presença dos interessados, e, de outro, os
juízes que, anteriormente, se mantinham distantes dos assuntos cotidianos dos cidadãos, e,
agora, se preocupam com o interesse comum.191
Como se vê, o amicus curiae e a audiência pública têm significativa
utilidade para o Judiciário, funcionando como veículo para a legítima participação dos
cidadãos nos temas de interesse público. A súmula vinculante nº 11, como não contou com
nenhum desses instrumentos e o seu texto contraria os interesses da maioria da sociedade, está
em vigor, mas a sua ilegitimidade implica na sua ineficácia e consequentemente na sua função
simbólica.
Atentando-se para essa deficiência de legitimidade na edição das primeiras
súmulas vinculantes, o STF editou a Resolução nº 388, de 05 de dezembro de 2008,192 a qual
disciplina o processamento de proposta de edição, revisão e cancelamento de súmulas. A
partir de então o Tribunal primeiro tem dado ciência ao público do texto sujeito à edição,
revisão ou cancelamento, para que seja possível a manifestação de interessados. Resta agora
que a súmula vinculante n° 11 seja revista, mediante a participação das camadas da população
interessadas e que foram preteridas do processo de elaboração, ou até mesmo, ante a presença
de tantos vícios, que seja cancelada. Caso isto não ocorra, uma outra alternativa é que, como a
súmula vinculante obriga o Judiciário e a Administração Pública direta ou indireta nos três
níveis (federal, estadual e municipal), mas não o Legislativo, pode esse Poder mediante lei,
aprovar um texto que contrarie o teor do enunciado sumular.
190
SOARES, Evanna. A audiência pública no processo administrativo. Disponível
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3145. Acesso em: 30 abr. 2009.
191
Ibidem.
192
SUPREMO
TRIBUNAL
FEDERAL.
Disponível
http://www.stf.jus.br/ARQUIVO/NORMA/RESOLUCAO388-2008.PDF. Acesso em: 04 mai. 2009.
em:
em:
5. CONCLUSÃO
Conforme foi explicitado no decorrer deste estudo, não obstante a omissão
legislativa em relação ao disposto no artigo 199 da Lei de Execução Penal, examinando-se o
vigente ordenamento jurídico brasileiro, bem como a interpretação doutrinária a respeito do
tema, é possível extrair algumas regras para a correta utilização de algemas. Em suma,
nenhuma delas proíbe as algemas como instrumento neutralizador de forças, porém todas
exigem parcimônia no seu uso.
As algemas, no atual Estado Democrático de Direito, só podem ser
utilizadas como instrumento necessário à contenção física ou transporte daquele legalmente
detido ou preso, a fim de garantir a segurança dos envolvidos na operação e não servir de
meio de execração pública, castigo, humilhação ou de antecipação de pena como em outros
tempos. Todos os direitos fundamentais, tanto do indivíduo delituoso como dos demais
membros da sociedade, são garantidos igualmente pela Constituição Federal de 1988, portanto
a situação de tensão entre eles é inevitável.
Considerando que os direitos estão no mesmo patamar de proteção, não é
possível, aprioristicamente, proibir ou liberar o uso de algemas. Assim, o princípio da
proporcionalidade foi apontado como o recurso hábil a resolver o conflito, em cada caso
concreto, gerado pelo uso de algemas, que visam garantir os direitos fundamentais da
comunidade, frente aos direitos fundamentais do preso.
No que tange à súmula vinculante n° 11, esta empurra para a ilegalidade o
uso de algemas e ao invés de estabilizar as relações jurídicas, causou um verdadeiro alvoroço
junto aos organismos de segurança pública, às unidades criminais do próprio Poder Judiciário
e aos membros do Ministério Público que atuam perante as Varas Criminais. Isso porque a
combatida súmula padece de graves vícios de inconstitucionalidade, de ilegitimidade e de
inefetividade, devendo ser urgentemente revisada ou cancelada. Caso isto não ocorra, cabe ao
Congresso Nacional editar uma norma sustando os efeitos nefastos que essa súmula vem
provocando no cotidiano policial e judicial.
Conclui-se assim, pela total inadequação da súmula vinculante n° 11 à
realidade hoje vivida por aqueles que atuam na prática no combate à criminalidade. Como
utensílio de trabalho, havendo necessidade, os policiais não só podem, como devem,
empregar as algemas no exercício regular de sua atividade. O que não se admite é o abuso,
devendo prevalecer o bom senso, o equilíbrio e a moderação no uso de tão importante
instrumento.
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