Resenha da obra “Digital Auratic Reproducibility: Ubiquitous Ethnographies and Communicational Metropolis” de Massimo Cavenacci Cassia Fernandez Em sua obra “Reprodutibilidade Aurática Digital: Etnografias Ubíquas e Metrópoles Comunicacionais”, Massimo Cavenacci se propõe a tratar dos temas relacionados a dois conceitos‐chave intrinsecamente associados: etnografias pluralizadas e auto‐representações disseminadas. O método etnográfico tem se transformado nos últimos anos em distintos contextos culturais e por muitas razões. Em culturas indígenas latino‐americanas, por exemplo, tem se observado uma crescente modificação na forma de apresentação de rituais, que passaram a envolver mídias digitais. Este cenário mutante produz grandes desafios para a etnografia à medida que o processo transcultural se expande, gerando novos modelos de subjetividades. A auto‐representação é um conceito fundamental para a compreensão deste processo, no qual os sujeitos, detentores do poder de narrativa que a difusão das tecnologias digitais permitem, desejam criar suas próprias representações, e não ser enquadrados em representações realizadas por outros. Isso gera uma oposição entre quem representa e quem é representado, mais conflituosa do que nunca devido à interconectividade difundida baseada em atitudes criadoras que transcendem os conceitos de etnia e urbanidade. Por outro lado, a hegemonia da representação por meio da escrita não dá conta do desafio contemporâneo digital. Neste contexto, é necessária a definição do conceito de composição etnográfica: uma expressão de mídias mistas simultâneas trans‐narrativas e trans‐
sensoriais, que representariam a manifestação e o processo da pesquisa, envolvendo construções escritas, visuais e sonoras por meio de métodos de montagem. No início do século XX, um novo sujeito histórico surgia junto com as modificações nas experiências trans‐urbanas. A vivências das metrópoles mesclavam máquinas e corpos. Os Futuristas teorizavam o conceito de simultaneidade como uma experiência estética, emergente das dissonâncias da paisagem urbana, aplicando‐o às Artes Visuais e Performáticas, nas quais poesia, música e estórias era apresentadas de forma simultânea. Para o autor, a concepção futurista de simultaneidade representa uma experiência estética de códigos fragmentados flutuando entre metrópole e tecnologia. A interconectividade digital, característica de nossa era, por sua vez, faz emergir a ubiquidade como um conceito que permite a conexão de fluxos fragmentados de espaços/tempos. Entretanto, apesar das contiguidades entre os dois conceitos, simultaneidade não representa o mesmo que ubiquidade: enquanto a simultaneidade constitui apenas o lado material da ubiquidade, esta carrega um sentido teológico juntamente com uma simbologia histórica, que vem sendo modificada do ponto de vista etnográfico devido às culturas digitais. A ubiquidade é um conceito sensorial e diaspórico, que vai além das divisões do conhecimento. Nas palavras do autor, “se a experiência web é ubíqua, as ubiquidades comunicacionais caracterizam a relação entre o espaço‐tempo da Internet e a vida cotidiana performativa como um contexto meta‐comunicacional: o contexto do contexto”. Outra diferença entre os conceitos está relacionada à questão territorial: “a experiência sensorial da simultaneidade está relacionada ao território específico do espaço urbano como um contexto caótico e criativo”. Já o conceito de ubiquidade vai para além dos dualismos espaço e tempo, material e imaterial, natureza e cultura: as experiências sensoriais de ubiquidade ultrapassam estas barreiras, sendo materiais e imateriais. Na concepção do autor, apesar de ser incompreensível, incontrolável e indeterminada, a ubiquidade conecta as experiências trans‐urbanas com as multisensorialidades das culturas digitais. Do ponto de vista da etnografia orientada às culturas digitais, a auto‐representação da ubiquidade multividual mistura pesquisador e pesquisado, observador e observado, e deste processo emerge o conceito de Reprodutibilidade Aurática Digital (D.A.R.). As artes performáticas, comunicações digitais e outros temas e práticas descentralizados, mesclam aura e reprodutibilidade ‐ conceitos debatidos por Walter Benjamin (1994) em seu ensaio “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”. Nesta obra, publicada em 1955, Benjamin apropria‐se do conceito de aura para designar a qualidade distintiva de elementos presentes em objetos artísticos originais e únicos. A reprodutibilidade técnica que surge com o desenvolvimento das tecnologias industriais causa a perda da autenticidade e singularidade das obras de arte, destituindo‐as de seu valor de culto e investindo‐as de um valor de exposição. Em qualquer reprodução, por mais fiel que seja, o elemento “aqui e agora” da obra de arte é perdido, e aquilo que caracteriza sua existência única desaparece. Nesta nova era da reprodutibilidade, as obras passam a ser vistas como objetos comerciais sobre os quais é possível a produção de cópias com fins de faturamento. Assim, para Benjamin, aura e reprodutibilidade seriam conceitos antagônicos e dissociados. Cavenacci, por sua vez, propõe o fim da oposição dialética entre aura e reprodutibilidade a partir do sincretismo possibilitado pela evolução tecnologias digitais, responsáveis pela dissolução das dicotomias analógicas. Para dar conta destas novas relações, traz o conceito de ubiquidade, o qual, a partir da conexão do trabalho de campo digital com a etnografia diaspórica, move‐se entre diferentes disciplinas, elaborando metodologias contextuais de pesquisa e estilos inovadores de composição. E então, em vez de oposição dialética e classista entre aura e reprodutibilidade, as articulações digitais misturam essas duas perspectivas que – de dicotômicas – se tornam sincréticas, polifônicas, diaspóricas. Surge uma comunicação aurática reproduzível que o digital dissolve para além do dualismo das tecnologias (e filosofias) analógicas. Todo traço inserido na web – seja ele musical, literário, artístico ou dentro de uma rede social – pode permanecer na sua força expressiva “aurática” e/ou estar disponível a infinitas “reprodutibilidades” descentradas. (CAVENACCI, 2012) Este cenário mutante, no qual os processos transculturais se expandem gerando novos modelos de subjetividades e uma diáspora da cidadania por meio da comunicação digital, produz grandes desafios para a etnografia. Do ponto de vista etnográfico, a identidade do pesquisador não é a mesma em diferentes contextos, desempenhando distintos papéis, relações e metodologias nas diferentes “áreas glocais”. As individualidades diaspóricas cruzam e mesclam lugares e espaços enquanto processos de hibridização alteram fragmentos glocais – e estes processos, que evidenciam a transformação das cidades industriais em metrópoles ubíquas, demandam uma redefinição do olhar da etnografia Assim, para dar conta destes desafios, é necessária uma metodologia polifônica, que conecte as distintas esferas trans‐
urbanas das metrópoles a partir desta visão de ubiquidade. Referências BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 165‐196. (Obras escolhidas, v. 1). CANEVACCI, Massimo. Digital Auratic Reproducibility: Ubiquitous Ethnographies and Communicational Metropolis. In: NAIDOO, Loshini. An Ethnography of Global Landscapes and Corridors. Intech, 2012. CANEVACCI, Massimo. Ubiquidade etnográfica: original fake, codex expandido, sujeito transurbano, manequim performática. Visualidades, v. 10, n. 2, p. 13‐39, 2012 
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Em sua obra “Reprodutibilidade Aurática Digital: Etnografias