29 PORTO ALEGRE, SÁBADO, 7/7/2007, E DOMINGO, 8/7/2007 O Diário Gaúcho começa hoje a contar uma história. Durante dez sábados, o jornal vai relembrar uma época que marcou o crime organizado no Rio Grande do Sul. Uma época diferente da atual: um tempo em que os bandidos cometiam atrocidades, assaltos e tráfico de drogas, mas protegiam as comunidades onde moravam. Hoje, os criminosos da nova geração transformam em vítimas seus próprios vizinhos. O primeiro capítulo da história está publicado nas páginas seguintes e ocorreu há 20 anos. Ela começa com o motim do Presídio Central, de Porto Alegre, em 1987. Foi quando os gaúchos descobriram que a massa carcerária do Estado atuava sob um comando único, embora espalhada por diversas casas e unidades prisionais, em diferentes cidades. Foi quando se ouviu falar, pela primeira vez, na tal Falange Gaúcha, uma união de presos que, já naquela época, comandava os crimes mesmo atrás das grades. Renato acompanha a saída de reféns em Charqueadas jornalista que viveu boa parte dela: Renato Dornelles, 43 anos, 21 de profissão. Como repórter policial de Zero Hora, cobriu rebeliões e entrevistou boa parte dos bandidos. E, para apresentá-la de forma diferente ao leitor durante os dez sábados, colegas se uniram a Renatinho: a diagramadora Flávia Kampff, o ilustrador Alexandre Oliveira e a estudante de Jornalismo Denise Waskow. Formaram uma “quadrilha” do bem, que trabalhou pensando no nosso leitor. ● Robin Hood só é legal em livros Parece filme policial: táxi invade o saguão do Plaza em 8 de julho de 1994 ● Traficantes cuidavam da comunidade São deste período personagens como Anão e Carioca. Traficantes poderosos, eram os “donos” do Morro da Cruz. Operavam a venda de drogas a partir das vielas na parte alta do Partenon. E cuidavam da comunidade: no morro, ninguém matava, roubava ou estuprava. Também não faltavam comida nem roupa para os moradores. O último capítulo da história se desenrola num 8 de julho, como neste domingo. Só que em 1994. Numa noite fria de sexta-feira, Melara e Fernandinho, dois dos principais criminosos da época, promoveram uma rebelião no mesmo Presídio Central do início da história e fugiram, deixando um rastro de sangue e morte pela madrugada. A perseguição à dupla terminou com uma cena só vista nos filmes policiais: um táxi invadiu o saguão do então principal hotel da Capital, o Plaza São Rafael. No dia seguinte, a dupla se entregou. Melara foi morto a tiros depois de fugir da prisão, em Charqueadas, em janeiro de 2005. Seu corpo apareceu perfurado a bala, numa colônia japonesa no Interior de Dois Irmãos. Com sua morte, chegou ao fim uma geração de criminosos. ● Um especialista escreve sobre o assunto A missão de contar a história foi entregue a um O time do bem: Denise (E), Alexandre, Flávia e Renato (sentado) Por fim, é preciso deixar uma coisa bem clara. O Diário Gaúcho não quer com esta reportagem transformar bandidos em heróis ou passar para seus leitores a sensação de que é seguro ter uma organização criminosa cuidando de seu bairro. Bandidos devem pagar por seus crimes. E cidadão nenhum tem a obrigação de se submeter ao mal para viver com uma falsa tranqüilidade. Histórias como a de Robin Hood, que tirava dos ricos para dar aos pobres, só são legais nos contos infantis. A idéia de relembrar o passado serve para registrar como atuavam quadrilhas que hoje não mais existem. Não são bandidos melhores nem piores do que os atuais. São diferentes. E, no desenrolar dos acontecimentos, também serão lembrados atos heróicos de homens da lei bravos e honrados, que lutaram para enfrentar os malfeitores. Alguns policiais deram sua própria vida nesta missão. Estes exemplos, sim, queremos que fiquem para sempre, por serem dignificantes. Boa leitura a todos. ALEXANDRE BACH EDITOR-CHEFE 30 Terror no Central Falange, “uma quadrilha a fu” Texto: Renato Dornelles Fotos: Banco de Dados Arte: Alexandre Oliveira Diagramação: Flávia Kampff Colaboração: Denise Waskow Presídio Central: local em que surgiu a Falange Gaúcha Dois mortos no início do motim Numa das celas da maior prisão gaúcha, o assaltante Vítor Paulo Mahus Fonseca, o Vico, 22 anos, não conseguia controlar a ansiedade durante a madrugada de 28 de julho de 1987. Estava prestes a, juntamente com outros oito apenados, colocar em prática um audacioso plano de fuga do Presídio Central. Amanheceu. Seguindo o plano, Vico juntou-se a Silvino Vogel, o Alemão Frida, e a Jocélio Teixeira no térreo do Pavilhão B. Os três, com dois revólveres calibre 38 e uma pistola 7.65 que haviam sido colocados no presídio dentro de um botijão de gás, fizeram uma religiosa refém. Usando-a como escudo, seguiram em rápidas passadas até o saguão do prédio da administração. No caminho, encontraram dois agentes penitenciários. Foram ouvidos 14 ou 15 tiros. Pouco depois, um dos agentes, Milton Clarel de Azevedo, com um balaço na barriga, estava estendido no saguão. No canto oposto, estava o corpo de Jocélio. Vico e Frida seguiram em frente e já chegavam ao portão de acesso ao Instituto de Biotipologia Criminal (IBC), em prédio anexo. Estavam sendo aguardados por Arno Kaulkmann da Rosa, o Alemão Frida, Arno, Pedro Adelar nervoso... dos Santos, Luís Ronaldo Mercaus, o Prego, Camilo de Melo, o Camelinho, Paulo Ricardo Silveira dos Santos Roeper, o Paulinho Escort, e ...e Carioca, Humberto Luciano tranqüilo Brás de Souza, o Carioca. Os oito, sem maiores dificuldades, dominaram um guarda e cruzaram o portão que separava o presídio do IBC. Em pouco tempo, a porta da sala onde reuniam-se psicólogos, psiquiatras e estagiários responsáveis pelas vai todo mundo pra banha – avaliações de presos – 19 gritou Frida. mulheres e 12 homens – foi O grupo, agora, tinha 31 aberta bruscamente. reféns. – Todo mundo quieto, senão A notícia do motim espalhou-se rapidamente. Centenas de policiais militares e civis, seguidos de um batalhão de jornalistas, logo chegaram ao presídio. Os profissionais de imprensa colocaramse junto à cerca lateral da prisão, a poucos metros das janelas das salas nas quais os oito bandidos ameaçavam os 31 reféns. Daquele local, era possível ouvir os amotinados: – Se a polícia invadir, morre todo mundo – gritou Frida. Vico deu um aviso: – Só queremos ir embora. Não vamos ferir ninguém. Agora vai sair daqui uma quadrilha a fu. O anúncio feito por Vico dizia respeito à associação dos assaltantes de banco ao tráfico de drogas. Era, também, a confirmação da Falange Gaúcha. A organização havia sido tramada mediante um pacto, travado no interior de prisões que, além dos envolvidos no motim de 1987, incluía, entre outros, José Astrogildo Pereira Fontella, o Professor, Dilonei Francisco Melara, Cézar Fernandes, o Baleia, Jorge Luiz Devitz, o Piá, e Jesus Aderbal Martins, o Toco. À exceção de Carioca, traficante, os demais eram assaltantes. Pelo pacto, assumiram um compromisso: a criação de um caixa comum. O fundo da organização, alimentado pelas atividades criminosas dos que estivessem em liberdade, serviria não só para financiar novas fugas, mas igualmente para amenizar condições de vida no cárcere, principalmente através da compra de vantagens. A organização, criada havia poucos meses, seguia o modelo do Comando Vermelho, do Rio. Ou seja, assaltantes e traficantes unidos para comandar presídios e favelas. As exigências dos presos foram aceitas pelas autoridades das áreas da Justiça e da Segurança Pública. A conclusão era de que não poderiam correr riscos: com 31 vidas em seu poder, os oito bandidos dominavam a situação. Decidiram, então, ceder-lhes dois automóveis Monza e permitir-lhes a fuga. Paulinho (E) entra no Monza para testá-lo 30 Vico é executado ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow Assaltante e companheira foram torturados – Bandido bom é bandido morto – não se cansava de repetir o velho e experiente policial, na manhã de 10 de agosto de 1987, enquanto observava, à distância, os dois corpos encontrados junto à margem direita da BR-290 (a freeway), no km 83, em Cachoeirinha. A cada vez que ele repetia a frase, alguém perguntava: – Mas quem são? O veterano investigador então enchia o peito, coçava a barba e respondia: – É o assaltante Vico e a amante dele. A morte de Vitor Paulo Mahus Fonseca, o Vico, soou como uma bomba no meio policial. Havia apenas 13 dias que fugira do Presídio Central, liderando um motim. Agora estava ali, morto a tiros, de bruços, mãos amarradas às costas. Sua companheira, Jussana, estava a Após o motim no mês Desova na da de julho no Presídio margem freeway Central (assunto do primeiro capítulo desta série, publicado no final de semana passado), que resultou na fuga de oito bandidos, o meio policial gaúcho continuou agitado naquele ano de 1987. Principalmente pela ação da Falange Gaúcha, organização criada por um grande grupo de bandidos, nos moldes do Comando Vermelho, do Rio, para dominar o crime em prisões e Arno fez uma revelação surpreendente favelas do Sul. Arno Kaulkamann da Rosa, o numa casa da Vila Santa Rosa, na O fato de maior repercussão foi o Alemão Arno, estava na mira da Zona Norte da Capital. O foragido polícia. Em menos de dois meses, foi surpreendido enquanto dormia, execução de Vico, um dos líderes desde que fugira do Presídio sem chances de reação. Central, já havia assassinado outro Na Delegacia de Roubos e da organização, num crime que bandido e um comerciante no Extorsões, Arno fez uma revelação município de Estrela, participado surpreendente: acusou o também acabaria provocando outros, numa de dois assaltos a bancos em falangista José Astrogildo Pereira Caxias do Sul, um em São Marcos Fontella, o Professor, de ter e outro em Urussanga (SC). Neste assassinado Vico e ainda admitiu reação em cadeia. último, que teve as participações ter participado na morte de tícia no Diário O assunto já foi no 7 e 8/ 7/2007 de Pedro Adelar e de Prego, dois vigilantes foram mortos. Havia ainda um assalto a um motel, em Caxias do Sul. Os casais, nus, foram reunidos numa sala grande, onde os bandidos os obrigaram a entregar talões de cheques e dinheiro. Em setembro daquele 1987, ao prenderem o condutor de um Monza roubado, policiais obtiveram uma informação preciosa: Arno estava refugiado Jussana. O jovem assaltante, segundo Arno, teria sido executado à traição, numa emboscada da qual teriam participado ainda Pedro Adelar e Prego. O motivo, ele não sabia ao certo. – Só sei que foi briga deles – resumiu Arno. A confissão de Arno, verdadeira ou não, poderia lhe custar caro devido ao prestígio que Vico gozava entre os demais presos. poucos metros, com duas perfurações no peito, cinco na cabeça, duas no braço esquerdo e marcas de queimaduras nas mãos. ● Havia fugido duas vezes do Central Naquela época, Vico, de 22 anos, era considerado o principal assaltante de banco do Estado. Ingressou no crime ainda menor, com assaltos a táxis e ao comércio, em Canoas. Foi preso pela primeira vez em 1983 e havia fugido em duas oportunidades do Presídio Central. Na primeira, em 1985. Na segunda fuga, em 1986, escapou dentro de um saco de aniagem, recolhido com o lixo do presídio. Quatro meses depois de escapar, Vico foi preso de novo, em Guaíba, junto com Luís Mercaus da Silva, o Prego. Nessa captura, segundo o delegado local, Valdo Nóbrega, um policial de Porto Alegre fez várias ameaças de morte ao bandido. Arno foi pego na Zona Norte PORTO ALEGRE, SÁBADO, 14/7/2007, E DOMINGO, 15/7/2007 Prisão de Carioca: questão de honra O maior desafio para a polícia era a recaptura do traficante Humberto Luciano Brás de Souza, o Carioca, um dos líderes da Falange Gaúcha. Era público que ele havia voltado para o Morro da Cruz, no qual comandava o tráfico de drogas. Na tarde de 31 de agosto, caminhões e dezenas de viaturas começaram a descarregar policiais no Morro da Cruz e na Vila Vargas. Eram muitos, em torno de 500. Os civis, com coletes pretos. Os militares, com suas tradicionais fardas. Muitos a pé, outros, em viaturas. Não importava o sexo ou a idade: ninguém entrava ou saía do morro sem ser revistado. Do alto, em um helicóptero, o diretor da Divisão de Investigações da Polícia Civil, delegado Wilson Müller, controlava a operação. Duas horas depois de iniciada, a operação foi encerrada. Porém, como se tivesse conquistado um território, a polícia montou uma barraca no topo do morro, na qual ficaram acampados alguns agentes. A idéia era mantê-los por tempo indeterminado, em sistema de revezamento. O posto improvisado na barraca surtia efeito. Para delinqüentes não ligados ao tráfico, o morro “estava sujo”. Só havia um jeito: Carioca tinha de ser preso. ● “Liberdade não se mendiga” Seguindo uma informação anônima, dezenas de policiais cercaram a casa de um advogado, no Bairro Teresópolis, onde Carioca havia buscado refúgio para fugir do cerco montado no Morro da Cruz. O caminho foi aberto com uma rajada de metralhadora, disparada na porta. Em questão de segundos, Carioca, que dormia ao lado de sua companheira, de apenas 15 anos, estava cercado por policiais armados. Assustada com os tiros, a mãe do advogado sofreu um ataque cardíaco fulminante. Carioca, enquanto isso, era levado para a Delegacia de Capturas e, dali, para a penitenciária. Ainda assim, o traficante mostrava-se confiante: – Liberdade não se mendiga. Se conquista. Custe o que custar, vou fugir de novo. Mortes no canavial Passo do Sossego, a 50km de Restinga Seca (que, por sua vez, fica a 228km de Porto Alegre) não tinha esse nome por acaso. A localidade vivia na maior calmaria. No dia 16 de outubro de 1987 à tarde, porém, os moradores estranharam a presença Adelar de três homens nunca vistos por aquelas bandas, no interior de um Monza. Resolveram avisar a polícia que, pelas placas, descobriu que o automóvel pertencia a um juiz auditor de Santa Maria e havia sido furtado. Paralelamente, na rodoviária local, era preso o assaltante Cézar Coelho Fernandes, o Baleia, integrante da Prego Falange e foragido da Penitenciária Estadual do Jacuí. Ele revelou a identidade dos ocupantes do Monza: Pedro Adelar, Prego e um terceiro, conhecido como Dig. A informação de Baleia alvoroçou a cidade. A polícia cercou o município, montando barreiras em suas principais saídas. Porém, por uma estrada de chão batido, os bandidos conseguiram seguir para Restinga Seca. Uma prolongada perseguição acabou no interior de um canavial. A Brigada Militar cercou a área, mas os bandidos não se entregaram. Num tiroteio, morreram Pedro Adelar, Prego (acusados pela morte de Vico) e o PM Pedro Guilherme Senna. Ninguém escapava do pente-fino Helicóptero sobrevoa a cruz que dá nome ao morro Professor assume morte de Vico e paga com a vida José Astrogildo Pereira Fontella, o Professor, integrante da Falange Gaúcha, mais parecia um mito. Seguidamente era reconhecido em assaltos a bancos, tanto no Rio Grande do Sul, como em Santa Catarina. Mas nunca acabava preso. No dia 11 de dezembro daquele 1987, saiu à noite, num Passat, de Florianópolis rumo a Porto Alegre. Na viagem, deixou um rastro de sangue. Em Araranguá (SC), Professor matou atropelado um patrulheiro que tentou abordá-lo. Já em Torres (RS), capotou o Passat e fez refém um taxista que tentou socorrê-lo. Quilômetros à frente, o táxi ficou sem combustível. O bandido, então, ainda com o taxista, invadiu um Escort no acostamento da BR101 e fez outro refém: um sargento da Aeronáutica. Em Osório, com um caminhão-guincho atravessado na pista, policiais civis, militares e patrulheiros rodoviários tentaram pará-lo, mas Professor, disposto a tudo, jogou o Escort contra o caminhão. Depois, houve um cerrado tiroteio. Quando cessou a troca de tiros, o bandido foi encontrado consciente, com escoriações decorrentes dos José foi preso depois de acidente dois acidentes (em Torres e em Osório). Seus dois reféns estavam mortos. À polícia, Professor admitiu ter assassinado Vico, confirmando a versão de Alemão Arno. À imprensa, chegou a dizer que mudaria esse depoimento em juízo. Mas parecia tarde demais. No dia 23 de dezembro, à noite, Professor foi levado para a Penitenciária Estadual do Jacuí. No dia seguinte, às 7h30min, respondeu à conferência (contagem de presos). Pouco tempo depois, os guardas foram informados de que haviam dois corpos em uma cela. Professor tombou com mais de 30 estocadas (golpes de faca artesanal). A seu lado, estava morto Baleia, o mesmo que fora preso em Restinga Seca havia dois meses. Por vingança ou queima de arquivo, a morte de Vico começava a produzir conseqüências. Leia no próximo final de semana: Falange promove mais dois motins 31 34 Mais dois motins O capítulo anterior ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow O conturbado ano de 1987 parecia inacabável para a Falange Gaúcha – organização criada por bandidos para comandar o crime em prisões e favelas do Estado. Depois do motim do Presídio Central (tema do primeiro capítulo da série) e da execução de Vico (segundo capítulo), entre outros fatos, houve novos acontecimentos. Sexta-feira, 18 de dezembro de 1987: dia de pagamento de 13º salário e propício a assaltos a banco. Principalmente naquele ano, que teve quase cem crimes deste tipo, no Estado. Eram 12h50min, e a agência do Banco do Brasil de Alvorada estava lotada quando quatro homens a invadiram, armados, anunciando o 91º assalto. Um funcionário 14 e 15/7/2007 Naquele ano, ocorreram mais de 90 assaltos a bancos no Estado. No 91º, seria capturado Jesus Aderbal Silveira Martins, o Toco, que, dias depois, lideraria um motim no Hospital Penitenciário. E 1988 começaria com uma Toco: rebelião na Penitenciária audacioso ou azarado? Estadual do Jacuí (PEJ). Ameaça na janela do hospital Refém colocado no porta-mala Banco vira campo de batalha acionou o alarme e, em poucos minutos, a Brigada Militar chegava ao local. Bandidos e PMs travaram um tiroteio, transformando o local num campo de batalha. No final, ficaram feridos duas crianças, um cliente, um policial militar e um dos bandidos: Jesus Aderbal Silveira Martins, o Toco, integrante da Falange Gaúcha, que, baleado numa perna, não conseguiu acompanhar seus comparsas na fuga. Toco chegou à delegacia afirmando que havia matado o assaltante Vitor Mahus Fonseca, o Vico. Apresentou uma versão diferente da relatada por Arno Kaulkmann da Rosa, o Alemão Arno (que acusara José Astrogildo Pereira Fontella, o Professor, de ter assassinado Vico). – O Vico vivia dizendo que eu era chinelão. Ele tinha mais é que morrer mesmo – disse Toco. Para fechar o ano turbulento Havia 11 dias que Toco fora preso. O assaltante estava com a perna protegida por um gesso, devido ao tiro que havia levado. Estava no Hospital Penitenciário, em prédio anexo ao Presídio Central. Nele, médicos e enfermeiros conviviam com presos enfermos, independentemente do grau de periculosidade. Às 11h30min do dia 29 de dezembro, o médico Mário Marques, diretor do hospital, recebia funcionários em seu gabinete. Iriam começar uma reunião de rotina, quando houve uma brusca interrupção: o preso Rudnei Braseiro, armado com revólver, invadiu a sala. Atrás dele, entraram outros apenados, empunhando facas: – Tudo mundo no chão, vamo – gritou Rudinei, anunciando o início de um novo motim. ● Liberdade durou pouco para Toco Com o álcool recolhido na farmácia do hospital, os amotinados enxarcaram as roupas de alguns reféns. A todo o instante, repetiam que ateariam fogo, caso a polícia invadisse o local. Em uma reunião entre o secretário de Segurança Pública, Waldir Walter, que acumulava a pasta da Justiça, e o governador Pedro Simon, entre outros, foram aceitas as exigências. Um Opala e dois Santana foram colocados à disposição dos criminosos. Já passava das 22h, quando rebelados e reféns começaram a deixar o hospital. Os três automóveis partiram em alta velocidade. No início da madrugada, todos os reféns haviam sido liberados. Para um dos foragidos, o sentimento de liberdade foi breve demais. Toco, com sua perna engessada, não foi longe. Procurou a casa de familiares, em Alvorada. Porém, a polícia foi mais rápida. Quando o bandido chegou ao local, policiais já o aguardavam. Enquanto Toco retornava à prisão, o secretário Waldir Walter explicava a posição do governo: – Tivemos uma postura no sentido de preservar vidas. Não acreditamos que a decisão de liberar os amotinados vá incentivar outros presos a provocarem novas rebeliões. PORTO ALEGRE, SÁBADO, 21/7/2007, E DOMINGO, 22/7/2007 Mudam as direções ● Depois da série de motins, a Secretaria de Justiça começou a entregar a direção das maiores prisões gaúchas a oficiais da Brigada Militar. ● O primeiro a assumir foi o capitão PM Edward Flores de Siqueira, a quem foi entregue o controle da Pej. Começava a surgir, no papel, a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). ● Alguns dias depois, foi nomeado para a direção do Presídio Central o major PM Edson Freitas Furtado. ● O término do motim da Pej não devolveu a ● O governador Pedro Simon adiantou que seria tranqüilidade ao sistema penitenciário gaúcho. No dia seguinte, 620 presos deflagraram greve de forme no Presídio Central. construída uma nova prisão, para ser a nova penitenciária de segurança máxima do Estado. Para começar o novo ano Prédio localizado à margem do Rio Jacuí foi palco de rebelião em 1988 BM pronta para agir na Pej A resposta ao secretário Waldir Walter não tardou. Seis dias depois do motim do Hospital Penitenciário, às 10h30min do dia 4 de janeiro de 1988, um grupo de 20 presos da Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej), em Charqueadas, com um estoque e um estilete, iniciou uma rebelião. Foram rendendo agentes, recolhendo armas e, em pouco tempo, estavam amotinados, com 27 reféns, na sala da administração. Como se não bastasse, se apossaram das chaves de todas as celas Piá dos mais de 600 presos e do depósito de armas. Entre os amotinados estava Jorge Luiz do Amarante Devitz, o Piá, que havia tentado fugir no ano anterior, com Dilonei Francisco Melara e outros oito presos. ● Rivais ficaram com medo Para impedir uma possível invasão da polícia, eles amarraram alguns reféns nas grades das janelas das duas salas que ocupavam, no primeiro e no segundo andares do prédio da administração. Exigiam dois automóveis e um carro-forte para fugir e jornalistas para acompanhá-los até a saída do município. Os amotinados eram bastante temidos. Tanto que, ao descobrirem que eles haviam se rebelado, presos de um grupo rival “Daqui para frente, o rigor da lei” Por volta das 20h, a Brigada Militar iniciou uma operação de guerra. Um helicóptero deixou no telhado do pavilhão da administração quatro PMs que atiraram bombas de gás lacrimogêneo nas duas salas ocupadas. Do chão, integrantes do Batalhão de Choque atiravam em direção às salas. Na madrugada seguinte, foram retirados do prédio cinco agentes penitenciários e uma servente, todos baleados, e o amotinado Jeová Machado da Silva, que fora rendido. Tomados de cansaço, sede e fome, os presos começaram a se render. Ao final da manhã, apenas José Salvador da Silva Santos, o Zé do Doro, permanecia irredutível. Por volta das 15h30min – 29 horas depois de iniciada a rebelião – um capitão PM aproximouse de uma das janelas e passou um revólver a um dos reféns. Mesmo com as mãos amarradas às grades, o refém atirou três vezes em Zé do Doro. Socorrido, o bandido sobreviveu. Terminado o motim, foi computado o saldo: três agentes e o preso Carlos Alberto Moratto de Lima, o Betinho Boró, mortos. O governador Pedro Simon mudara o discurso em relação às rebeliões anteriores: – Minha disposição é de não negociar, porque isto, de fazer motins, pode se tornar moda. Imagina se o governo não tomasse essa iniciativa, quando havia a ameaça de uma fuga em massa de mais de 600 presos? Fique muito claro. Nós pretendemos, daqui para frente, agir sempre com o rigor da lei. O governador voltou a dizer que o único objetivo era a fuga: – Em se tratando de presos perigosos, o que eles queriam era sair. Por esta razão, mesmo que estivessem confinados no Hotel Plaza São Rafael, iriam procurar um jeito de fugir. Refém ferido é retirado de ambulância Rivais dos rebelados abriram um buraco para se esconder abriram um buraco numa das celas, cavaram um túnel e se esconderam. Antes do entardecer, circulou uma notícia referente a uma suposta primeira vítima: Arno Kaulkmann da Rosa, o Alemão Arno, teria sido morto, como represália por ele ter participado da execução de Vico e Jussana. Arno: uma morte anunciada A notícia de que Arno Kaulkmann da Rosa, o Alemão Arno, teria morrido no início do motim agitou a Pej. Porém, terminada a rebelião, o cadáver não foi encontrado. Para surpresa geral, Alemão Arno estava vivo na chamada cela do seguro (isolamento). No dia 25 daquele mês (janeiro de 1988), ele iria à Vara de Execuções Criminais para depor sobre a morte de Vico. Três dias antes de ir à Justiça e quatro após deixar o isolamento, Arno foi acordado às 7h15min: – Ô vagabundo, levanta que hoje vamos acertar as contas – foi a última frase que ouviu. Em seguida, foi morto com cerca de 50 estocadas. Arno Robôs, na linguagem dos presídios, são presos que executam serviços sujos encomendados. Laranjas são os que assumem a autoria, sem ter executado. Ambos recebem em troca privilégios ou proteção. Era o caso de Nego Chico que, em 1983, havia assassinado ou assumido a morte do assaltante de bancos Pingüim, no Presídio Central. Após a morte de Arno, Nego Chico se vangloriava pelos corredores da Pej: – Não “tô” arrependido. Não vinguei a morte de Vico porque nem conhecia ele. Apertei (matei) o Arno por minha moral aqui dentro. A gente tinha bronca antiga. Leia no próximo final de semana: a morte de Carioca, o Rei do Morro 35 34 Os reis do morro ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow Carioca, a bola da vez O traficante Humberto Luciano Brás de Souza, o Carioca, participante do motim de julho de 1987 no Presídio Central e um dos líderes da Falange Gaúcha, estava custando caro para o tráfico do Morro da Cruz. Para não matá-lo, uma facção da organização exigia dos traficantes o pagamento mensal de um “pedágio”. Além disso, não havia perspectiva de que Carioca, agora recolhido à Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej), conseguisse fugir. Em maio de 1989, fracassara uma tentativa de libertá-lo. Na O assassinato de Alemão Arno, na Penitenciária Estadual do Jacuí, em janeiro de 1988, não encerrou o ciclo de baixas entre os integrantes da Falange Gaúcha – organização criada por bandidos para controlar o crime em prisões e favelas. Desde agosto de 1987, já haviam morrido também Vico, Prego, Pedro Adelar, Professor e Baleia. Em 1989, começavam as ameaças a Carioca, o idolatrado líder do tráfico de drogas no Morro da Cruz, que estava na Pej. No dia 24 de setembro de 1989, um domingo, terminado o horário de visitas, Carioca, recolhido a uma cela do seguro (isolamento) por ter denunciado as ameaças de morte que sofria, parecia desesperado. Quando sua companheira se despediu, o traficante, como uma criança, se agarrou às grades e, ● Gritava como uma criança chorando, implorou para que ela não A tentativa de fosse: suborno já estava – Não me deixa sendo investigada pelo aqui. Vão me matar. serviço de informações A jovem foi retirada da Brigada Militar, que pela guarda, que havia interceptado alegava o final do alguns bilhetes escritos horário de visitas. A por Carioca, propondo companheira do a propina ao PM traficante saiu da envolvido. Por isso, de penitenciária uma hora para outra, assustada, ouvindo foi suspenso o ainda os gritos pagamento do desesperados de pedágio. Carioca. Simulação de suicídio caiu por terra O capítulo anterior 21 e 22/7/2007 ocasião, Carioca estava na Penitenciária Estadual de Charqueadas (Pec), e dois amigos seus foram flagrados no momento em que entregavam a um policial militar de serviço na prisão uma pasta com dinheiro e um revólver calibre 38. O traficante sabia que seria morto A jovem companheira do traficante já havia retornado a Porto Alegre, quando, na Pej, começaram a circular as informações sobre dois enforcamentos. Um deles, na sexta galeria. Era Paulo Miranda da Rosa, o Paulinho Pistoleiro, que estava pendurado por uma corda presa a uma janela basculante do banheiro. Marcas em seu corpo não deixavam dúvidas de que havia sido assassinado: sangramento no nariz e hematomas no rosto. O outro era justamente Carioca, enforcado com seu próprio cadarço de tênis, na cela de isolamento, onde estava sozinho. A versão oficial era de que se matara, durante uma crise depressiva. ● Piso molhado, meias secas No dia seguinte, essa versão começaria a cair por terra. O Instituto Médico Legal revelava a existência de equimoses e escoriações (ferimentos) nas costas, braços, dedos e testículos. Além disso, Carioca, havia deixado uma lista de pessoas que tinham a intenção de matá-lo, num bilhete encontrado na frente de sua cela. Outros indícios foram destacados pelo secretário da Justiça, Bernardo de Souza: – De acordo com o laudo do IML, os sinais encontrados na língua de Carioca são diferentes dos que deveriam ser encontrados em caso de suicídio por enforcamento. Uma outra pista foi deixada pelos criminosos. O piso da cela estava molhado, e as meias de Carioca, que estava sem tênis, secas. Além disso, presidiários disseram que viram cinco homens entrando e saindo da cela do traficante. PORTO ALEGRE, SÁBADO, 28/7/2007, E DOMINGO, 29/7/2007 Marcado para morrer ● Jesus Aderbal Silveira Martins, o Toco, assim como Professor e Alemão Arno, que haviam sido assassinados na prisão, estava condenado. O motivo: havia dito que matara Vico. ● No dia 4 de maio de 1988, numa das celas da Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC), Toco comeu um sanduíche que lhe chegou às mãos envenenado. Passou mal, vomitou, sentiu tonturas, mas acabou socorrido a tempo. ● Naquele mesmo mês, um preso que trabalhava como auxiliar de plantão da guarda interna (condenados com bom comportamento que cuidavam dos portões das galerias) afirmou ter recebido uma proposta de Cz$ 10 mil de Dilonei Francisco Melara e de Celestino Linn pela chave da cela de Toco. Luto volta ao Morro da Cruz Com a morte de Carioca, parte do Morro da Cruz cobriu-se de luto. O traficante foi velado numa das casas da comunidade. Depois, o caixão percorreu as principais ruas e vielas da vila, ao som de tiros de revólveres e rajadas de metralhadoras. O enterro foi realizado no Cemitério Ecumênico João XXIII. Para uma parcela da sofrida população local, o traficante, equivocadamente, era considerado um “Robin Hood”, que obtinha dinheiro “dos bacanas” com a venda de tóxicos e depois ajudava a quem precisava. O império do tráfico foi herdado por Carioca em setembro de 1979. Antes disso, ele pertencia a Eduardo Corrêa dos Santos, o Anão, que o criou. Em meados da década de 70, o pequeno homem, de um metro e meio de altura – por isso, o apelido – começou a impor suas regras na área formada por cinco vilas, onde viviam 25 mil pessoas, organizando o tráfico e tornando-se seu líder. Numa segunda etapa, Anão procurou conquistar o respeito e a admiração das demais pessoas da comunidade. Para tanto, impôs regras de segurança, “proibindo” homicídios, assaltos, furtos e estupros no morro. Quem descumprisse, poderia se considerar morto. Ali, só se traficava. ● Aproveitava-se de brechas do Estado Além disso, distribuía ranchos para as famílias necessitadas, remédios para doentes e idosos, balas, biscoitos e brinquedos para a criançada. Aproveitando-se de brechas deixadas pelo Estado, Anão tornouse um ídolo, idolatrado e defendido por muitos. Em troca da segurança e da assistência, Anão exigia fidelidade e proteção perante a polícia. O traficante fez juras de amor à comunidade e, certo dia, afirmou que só sairia do morro morto. Anão alternava locais em que dormia A captura de Anão um cobertor, uma virou questão de honra garrafa térmica, um para a polícia. O revólver calibre 38, traficante sabia disso e, algumas parangas de para evitar surpresas maconha e a Mimosa, desagradáveis, alternava fiel vira-latas do os locais em que traficante. Ele havia passava as noites. Na sumido. madrugada de 14 de Na manhã seguinte, o setembro de 1979, ele mistério foi desfeito. dormiu no porão Eram 6h30min do Grupo Escolar quando uma América, na Vila jovem encontrou Vargas. Anão Por volta das agonizante, com 2h, três homens um ferimento de desembarcaram bala no tórax. de um táxi na Socorrido, Anão comunidade. morreria a Armados, se caminho do apresentaram como Hospital de Pronto policiais e exigiram Socorro. A notícia de sua informações acerca do morte espalhou-se paradeiro do traficante. rapidamente, e o morro Prevaleceu a lei do acordou de luto. Várias silêncio. Assim mesmo, bandeiras pretas foram minutos depois, foram hasteadas nas casas e, ouvidos vários tiros. até mesmo, na Cruz da No local onde Anão igreja que dá nome ao dormia, restava apenas morro. Caixão de Carioca percorreu ruas e vielas nos braços de seus amigos Uma nova sucessão no comando do tráfico Com a morte de Anão, Carioca, seu braço-direito, vindo do Rio de Janeiro, foi alçado à condição de patrão. Adotou algumas providências, como a de recrutar meninos para o exército do tráfico, na função de vigias. De locais estratégicos, em pontos altos, eles controlavam todas as entradas do morro. A qualquer carro ou grupo de pessoas estranhas que fossem vistos, sinalizavam com fogos de artifício ou por rádio transmissor. A cada alarme, Carioca tratava de se esconder. Mesmo assim, ele nem Bandeira preta no império do tráfico sempre escapava das garras da lei. Em 1982, desceu o morro e foi dormir no barraco de uma amante, na Vila São Carlos, no Bairro Intercap. Acordou na mira dos revólveres da polícia e, durante a manhã, já chegava ao Presídio Central. O traficante ficou cinco anos em regime fechado. Em 1987, beneficiado pela troca de regime, foi transferido para o semiaberto, na Colônia Penal Agrícola Daltro Filho, em Charqueadas. Fugiu, mas acabou recapturado pela polícia, que subiu o Morro da Cruz disfarçada em um caminhão de mudanças. Meses depois, Carioca voltaria a fugir, participando do motim no Presídio Central. Antes disso, havia associado o tráfico às quadrilhas de assaltantes de banco. Mas agora Carioca estava morto, e o luto voltava ao Morro da Cruz. Além disso, uma nova sucessão estava prevista no comando do tráfico de drogas do local. Chegava a vez de Jorge Luís Queirós Ventura, o Jorginho da Cruz, 28 anos, braçodireito de Carioca, que se encontrava foragido. Leia no próximo final de semana: começa a guerra nas prisões gaúchas 35 34 Guerra na prisão ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow Com a morte do traficante Carioca (tema do capítulo anterior), seu braço direito, Jorginho da Cruz, era o mais cotado para assumir o comando do tráfico no Morro da Cruz. Seria mantida, assim, uma tradição iniciada com a sucessão de Anão por Carioca, havia dez anos. Porém, na Falange Gaúcha – organização criada por bandidos para comandar o crime em prisões e favelas – havia mais gente interessada no comando do tráfico: Melara. Criou-se uma guerra nas prisões. O capítulo anterior 28 e 29/7/2007 Jorginho não resiste ao cerco policial Jorginho foi preso no Interior O cerco policial ao traficante Jorge Luís Queirós Ventura, o Jorginho da Cruz, aumentou consideravelmente. Foi uma das conseqüências da morte de Humberto Luciano Brás de Souza, o Carioca. Afinal, Jorginho era o sucessor no comando do tráfico do Morro da Cruz. O traficante, então, resolveu buscar refúgio temporariamente no Interior do Estado. Pouco a pouco, os homens mais próximos a Jorginho na hierarquia do tráfico foram capturados. No dia 8 de julho de 1990, o próprio líder esteve perto de ser preso, quando policiais cercaram um sítio onde ele estava escondido, em Camaquã (Zona Sul do Estado. Porém, Jorginho conseguiu furar o bloqueio, seguindo para São Lourenço do Sul. A Delegacia de Tóxicos de Porto Alegre manteve-se no encalce do traficante. No dia 19 de setembro daquele ano, quando embarcava em um táxi em São Lourenço, para buscar maconha em Camaquã, Jorginho acabou surpreendido por agentes da especializada. Naquela época, o traficante estava indiciado em cinco inquéritos e com prisão preventiva decretada pela Justiça. Para a polícia, sua prisão representava um grande golpe no esquema de tráfico do Morro da Cruz. Melara foge e é preso numa fazenda A cotação do Presídio Regional de Bagé estava alta. Havia muito tempo que ninguém conseguia fugir de lá. Por isso, alguns dos principais bandidos do Estado haviam sido transferidos para aquela prisão. Entre eles, Dilonei Francisco Melara, condenado a 48 anos de reclusão por assaltos e duplo homicídio. Em 14 de março de 1991, porém, Melara liderou a fuga de um grupo de presos. Para recapturálos, houve uma grande mobilização, inclusive com o envio de policiais civis da Delegacia de Capturas e militares do Grupamento de Ações Tático Especiais (Gate), da Capital, que se juntaram ao contingente local. Aos poucos, os foragidos iam sendo pegos. Passadas duas semanas, faltava apenas Melara. No dia 27 daquele mês, quando mais de cem policiais o procuravam, inclusive com um avião bimotor e cães farejadores, o bandido assava, num matagal da Estância do Céu, em São Gabriel, uma Peões prenderam Melara e... abóbora furtada. A fumaça acabou chamando a atenção de dois peões que, apenas com o uso de relhos, prenderam Melara. A dupla entregou o assaltante à Brigada Militar. Um Melara cabisbaixo, calado e inconformado foi algemado e devolvido ao sistema penitenciário. ... o entregaram à Brigada Militar PORTO ALEGRE, SÁBADO, 4/8/2007, E DOMINGO, 5/8/2007 Para a Pasc, às pressas ● A guerra entre os detentos das principais prisões precipitou uma decisão da Secretaria de Justiça, em janeiro de 1992: 55 deles, de alta periculosidade, foram removidos do Presídio Central, da Pej e da Pec para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), ativada em caráter emergencial. Foram várias batalhas Grupos liderados por Jorginho da Cruz e por Melara começaram a disputar, dentro das prisões, a hegemonia da Falange Gaúcha. Incêndio ● No dia 14 de março de 1991, no Pavilhão C do Presídio Central, numa disputa entre as facções, seis presos morreram carbonizados e 22 ficaram feridos. Pistolas ● Em fevereiro de 1991, Careca Quico, do grupo de Jorginho da Cruz, recebeu, na Galeria C do Presídio Central, duas pistolas 7.65, dentro de um motor de refrigerador. Elas teriam sido ali colocadas por um agente penitenciário, subornado para facilitar a entrada de drogas e armas na prisão. ● Uma das pistolas foi escondida debaixo de um azulejo, na parede de uma cela. A outra era usada por Jorginho da Cruz, líder do Pavilhão C. Seqüestros ● Em 1990, a polícia havia prendido um assaltante que tinha um bilhete com orientações para o seqüestro do então governador Pedro Simon. A mensagem estava assinada com as letras D.F.M., de Dilonei Francisco Melara. ● Em 1990, também, Nego Dago, Dentinho, Pelezinho e Pé de Pato, do grupo de Jorginho da Cruz, planejaram seqüestrar um juiz da Vara de Execuções Criminais. Desistiram porque o magistrado estava com seguranças. ● Em reunião no Pavilhão C do Presídio Central, em 1991, o grupo de Jorginho da Cruz decidiu seqüestrar o então governador Alceu Collares. Quatro assaltantes estiveram perto de tentar executar o plano. Agentes e PMs contiveram tumulto na Pec Estadual do Jacuí, em janeiro de 1988. ● A morte de Topo Gigio provocou reações contrárias nos pavilhões B (ocupado por aliados de Melara) e C (do grupo liderado por Jorginho da Cruz). ● No pátio, presos do C comemoravam. Indignada, a turma do B se armou de trabucos e, pelas janelas das celas, começou a alvejar os rivais. Houve revide. Um preso ficou ferido na perna. ● O tráfico mantinha um caixa no Pavilhão C do Presídio Central, para a compra de regalias, como acesso a drogas, quatro visitas semanais e até a escolha de melhores alojamentos. Ataque ● No 25 de outubro de 1991, na Penitenciária Estadual de Charqueadas (Pec), um grupo de presos da galeria B atacou 45 rivais da Galeria C, no pátio. Quem atacou levou a pior: três presos da galeria B foram mortos. ● Melara, da galeria B, assistiu a tudo de sua cela. Jorginho da Cruz, que estava no pátio, saiu ileso. Os dois tinham segurança, feita por presos de suas facções. ● Melara e Jorginho tinham até quem provasse seus alimentos para ver se não estavam envenenados. ● Piá, a principal testemunha do massacre de Topo Gigio, resolveu abrir a boca. Ao secretário de Justiça, Geraldo Gama, ele disse que havia sido espancado por agentes penitenciários, juntamente com Topo Gigio, na cela de triagem. Trabucos ● 7 de janeiro de 1992: era dia de visitas para o Pavilhão C, e, às 10h, os presos aguardavam seus familiares no pátio. Do Pavilhão B partiram tiros de trabuco. ● Quatro presos que estavam no pátio ficaram feridos. ● Outros três, entre os quais, Chico Piá Cavalheiro, que estavam no pavilhão B e efetuaram os disparos, foram gravemente feridos no rosto por tiros que, literalmente, saíram pela culatra. Piá ● No dia 31 de janeiro de 1992, circulou entre os presos a informação de que Piá seria morto. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) determinou sua remoção para a recém-ativada Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Porém, ele não aceitou. ● O medo de que a comida fosse envenenada provocou um crime em novembro Topo Gigio de 1991. Foi morto, com um tiro de trabuco ● Dois dias depois, Piá foi ● Em todos os planos, a idéia era trocar a (espingarda artesanal), o enforcado em uma cela do autoridade seqüestrada por presidiários. preso Leandro Araújo dos Santos, pavilhão B do Presídio Central. o Zé Galinha, 37 anos, que Era a única testemunha da Armas trabalhava na cozinha da Pec. morte de Topo Gigio. ● Sob o assoalho de uma casinha de santo, na frente do terreiro da mãe-de-santo de Jorginho da Cruz, na ● O autor do crime foi Francisco Pistola e pólvora dos Reis Cavalheiro, o Chico Vila São José, na Capital, foram encontradas uma ● Em maio de 1992, a Cavalheiro, do grupo da galeria B. metralhadora 9mm, quatro pistolas e munição. segurança da Pec recebeu a Alegou que Zé Galinha, a serviço de informação de que pólvora, ● As armas e a munição seriam utilizadas no Jorginho da Cruz, pretendia matar espoleta e uma pistola seqüestro de autoridades e, depois, devolvidas ao os rivais por envenenamento. entrariam na prisão, para que tráfico do Morro da Cruz. Topo Gigio fossem mortos quatro presos: Armas na Jorginho da Cruz, Nego Pinto, Mulher tentou ● No Presídio Central, em 10 de casinha de Mamadeira e Luizinho. levar maconha e dezembro de 1991, João Clóvis santo pólvora para a Pec de Oliveira Vieira, o Topo Gigio, ● Dias depois, na revista a 37 anos, braço direito de Melara, visitantes, foram descobertas num amanheceu morto na cela de triagem, com fundo falso de um pote de comida, levado por uma escoriações e hematomas pelo corpo. mulher, pólvora, espoleta e maconha. ● Topo Gigio era conhecido por ter sido libertado Incêndio por Melara e Celestino Linn num ônibus da ● Em 13 de agosto de 1992, o grupo de Melara Empresa Caxiense, em 1985, num episódio em tentou matar 140 rivais, incendiando um pavilhão que foram mortos dois agentes penitenciários. da Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej). Provocaram ● Topo Gigio estava na cela com Jorge Luiz Devitz, um curto-circuito e atearam fogo em colchões. Mas o Piá, um dos líderes do motim da Penitenciária os presos foram retirados a tempo para o pátio. Leia no próximo final de semana: cresce o poder de Melara 35 34 Melara, o eleito “O preso tratado como cidadão” ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow Depois da morte de importantes líderes da Falange Gaúcha – criada por bandidos para comandar o crime em prisões e favelas gaúchas – , como Vico, Professor e Carioca, começou a ser travada uma guerra pelo controle da organização criminosa. De um lado, o grupo de Melara. De outro, a facção de Jorginho da Cruz. Nessa guerra, aos poucos, Melara ganhava terreno, e sua fama e seu poder iam crescendo no mundo do crime. Paralelamente, uma nova geração de bandidos começava a surgir e a engrossar as fileiras da Falange Gaúcha. O capítulo anterior 4 e 5/8/2007 O secretário Geraldo Gama (E) reuniu-se com Melara (D) Na disputa pelo comando da Falange Gaúcha, Dilonei Francisco Melara começava a levar vantagem sobre o arquirival Jorge Queirós Ventura, o Jorginho da Cruz. Por determinação de Melara, 600 presos do Presídio Central e das penitenciárias Estadual de Charqueadas (Pec), Estadual do Jacuí (Pej) e de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) decretaram greve de fome em fevereiro de 1992. O secretário de Justiça, do Trabalho e da Cidadania, Geraldo Gama, reuniu-se durante três horas com Melara, no refeitório da Pasc. O presidiário levou, como assessor, Celestino Linn. Geraldo Gama deixou a Pasc elogiando Melara: – É uma pessoa simples e um bom negociador. Detém uma liderança forte, mas não é intransigente. Adotamos uma nova política prisional: a de manter uma maior aproximação com o apenado. Dessa política, nasceu o slogan “O preso tratado como cidadão”. E como todo o cidadão que se preze, os presos foram convocados a irem às urnas para elegerem seus líderes, aqueles que seriam seus porta-vozes nas reuniões com os representantes do governo. Na Pasc, Melara foi eleito com cerca de 30% dos votos. Roubos começaram em táxis e ônibus Presos elegeram seus representantes O eleito na Pasc para ser representante dos presos, Dilonei Francisco Melara, não admitia qualquer comando ou influência sobre a massa carcerária e negava a existência de uma falange nos presídios gaúchos. Com 1,85m de altura e cabelos grisalhos, aos 33 anos, naquele ano de 1992, Melara mais do que nunca se esforçava para passar a idéia de um “bandido social”, fruto de um sistema injusto, e tentava impressionar com frases fortes. Dizia que o gerador de conflitos nas prisões era o próprio sistema penitenciário “precário e falido”. ● Fugiu duas vezes da Pec Seu ingresso no mundo do crime ocorrera na década de 70, com assaltos a táxi e ônibus em Caxias do Sul. No início dos anos 80, foi condenado por assalto a banco. Em 1985, ficou marcado ao liderar a operação que libertou seu parceiro João Clóvis de Oliveira Vieira, o Topo Gigio. Na ação, Melara e Celestino Linn mataram dois agentes penitenciários. Melara também foi o responsável pela primeira e pela segunda fugas ocorridas na Penitenciária Estadual de Charqueadas (Pec), na época, de segurança máxima. 34 Melara, o eleito “O preso tratado como cidadão” ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow Depois da morte de importantes líderes da Falange Gaúcha – criada por bandidos para comandar o crime em prisões e favelas gaúchas – , como Vico, Professor e Carioca, começou a ser travada uma guerra pelo controle da organização criminosa. De um lado, o grupo de Melara. De outro, a facção de Jorginho da Cruz. Nessa guerra, aos poucos, Melara ganhava terreno, e sua fama e seu poder iam crescendo no mundo do crime. Paralelamente, uma nova geração de bandidos começava a surgir e a engrossar as fileiras da Falange Gaúcha. O capítulo anterior 4 e 5/8/2007 O secretário Geraldo Gama (E) reuniu-se com Melara (D) Na disputa pelo comando da Falange Gaúcha, Dilonei Francisco Melara começava a levar vantagem sobre o arquirival Jorge Queirós Ventura, o Jorginho da Cruz. Por determinação de Melara, 600 presos do Presídio Central e das penitenciárias Estadual de Charqueadas (Pec), Estadual do Jacuí (Pej) e de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) decretaram greve de fome em fevereiro de 1992. O secretário de Justiça, do Trabalho e da Cidadania, Geraldo Gama, reuniu-se durante três horas com Melara, no refeitório da Pasc. O presidiário levou, como assessor, Celestino Linn. Geraldo Gama deixou a Pasc elogiando Melara: – É uma pessoa simples e um bom negociador. Detém uma liderança forte, mas não é intransigente. Adotamos uma nova política prisional: a de manter uma maior aproximação com o apenado. Dessa política, nasceu o slogan “O preso tratado como cidadão”. E como todo o cidadão que se preze, os presos foram convocados a irem às urnas para elegerem seus líderes, aqueles que seriam seus porta-vozes nas reuniões com os representantes do governo. Na Pasc, Melara foi eleito com cerca de 30% dos votos. Roubos começaram em táxis e ônibus Presos elegeram seus representantes O eleito na Pasc para ser representante dos presos, Dilonei Francisco Melara, não admitia qualquer comando ou influência sobre a massa carcerária e negava a existência de uma falange nos presídios gaúchos. Com 1,85m de altura e cabelos grisalhos, aos 33 anos, naquele ano de 1992, Melara mais do que nunca se esforçava para passar a idéia de um “bandido social”, fruto de um sistema injusto, e tentava impressionar com frases fortes. Dizia que o gerador de conflitos nas prisões era o próprio sistema penitenciário “precário e falido”. ● Fugiu duas vezes da Pec Seu ingresso no mundo do crime ocorrera na década de 70, com assaltos a táxi e ônibus em Caxias do Sul. No início dos anos 80, foi condenado por assalto a banco. Em 1985, ficou marcado ao liderar a operação que libertou seu parceiro João Clóvis de Oliveira Vieira, o Topo Gigio. Na ação, Melara e Celestino Linn mataram dois agentes penitenciários. Melara também foi o responsável pela primeira e pela segunda fugas ocorridas na Penitenciária Estadual de Charqueadas (Pec), na época, de segurança máxima. 34 Melara, o eleito “O preso tratado como cidadão” ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow Depois da morte de importantes líderes da Falange Gaúcha – criada por bandidos para comandar o crime em prisões e favelas gaúchas – , como Vico, Professor e Carioca, começou a ser travada uma guerra pelo controle da organização criminosa. De um lado, o grupo de Melara. De outro, a facção de Jorginho da Cruz. Nessa guerra, aos poucos, Melara ganhava terreno, e sua fama e seu poder iam crescendo no mundo do crime. Paralelamente, uma nova geração de bandidos começava a surgir e a engrossar as fileiras da Falange Gaúcha. O capítulo anterior 4 e 5/8/2007 O secretário Geraldo Gama (E) reuniu-se com Melara (D) Na disputa pelo comando da Falange Gaúcha, Dilonei Francisco Melara começava a levar vantagem sobre o arquirival Jorge Queirós Ventura, o Jorginho da Cruz. Por determinação de Melara, 600 presos do Presídio Central e das penitenciárias Estadual de Charqueadas (Pec), Estadual do Jacuí (Pej) e de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) decretaram greve de fome em fevereiro de 1992. O secretário de Justiça, do Trabalho e da Cidadania, Geraldo Gama, reuniu-se durante três horas com Melara, no refeitório da Pasc. O presidiário levou, como assessor, Celestino Linn. Geraldo Gama deixou a Pasc elogiando Melara: – É uma pessoa simples e um bom negociador. Detém uma liderança forte, mas não é intransigente. Adotamos uma nova política prisional: a de manter uma maior aproximação com o apenado. Dessa política, nasceu o slogan “O preso tratado como cidadão”. E como todo o cidadão que se preze, os presos foram convocados a irem às urnas para elegerem seus líderes, aqueles que seriam seus porta-vozes nas reuniões com os representantes do governo. Na Pasc, Melara foi eleito com cerca de 30% dos votos. Roubos começaram em táxis e ônibus Presos elegeram seus representantes O eleito na Pasc para ser representante dos presos, Dilonei Francisco Melara, não admitia qualquer comando ou influência sobre a massa carcerária e negava a existência de uma falange nos presídios gaúchos. Com 1,85m de altura e cabelos grisalhos, aos 33 anos, naquele ano de 1992, Melara mais do que nunca se esforçava para passar a idéia de um “bandido social”, fruto de um sistema injusto, e tentava impressionar com frases fortes. Dizia que o gerador de conflitos nas prisões era o próprio sistema penitenciário “precário e falido”. ● Fugiu duas vezes da Pec Seu ingresso no mundo do crime ocorrera na década de 70, com assaltos a táxi e ônibus em Caxias do Sul. No início dos anos 80, foi condenado por assalto a banco. Em 1985, ficou marcado ao liderar a operação que libertou seu parceiro João Clóvis de Oliveira Vieira, o Topo Gigio. Na ação, Melara e Celestino Linn mataram dois agentes penitenciários. Melara também foi o responsável pela primeira e pela segunda fugas ocorridas na Penitenciária Estadual de Charqueadas (Pec), na época, de segurança máxima. PORTO ALEGRE, SÁBADO, 11/8/2007, E DOMINGO, 12/8/2007 35 Pensamentos de Melara Seguindo o exemplo dos “ídolos” Bicudo manteve jovem sob mira de sua arma participara da morte de um A guerra entre presos parecia professor de Educação Física para interminável. No interior do roubar o seu carro, na Rua José Estado, passaram quase Bonifácio, em Porto Alegre. No despercebidas as mortes de mesmo ano, assaltara uma Alemão Frida, Paulinho Escort, videolocadora e, diante participantes do motim de da chegada da polícia, 1987 no Presídio Central, mantivera uma e Toco, que afirmara ter funcionária do matado Vico. Os três estabelecimento como foram assassinados dentro refém, com uma arma de prisões. apontada para a sua Por outro lado, uma cabeça. Depois, liderara nova geração de Bicudo um motim na antiga assaltantes começou a Fundação Estadual do preocupar a polícia e a Menor – Febem (atual Fundação ganhar destaque no noticiário de Assistência Sócio-Educativa). policial. Um deles era Carlos Bicudo, agora, tinha mais de Jefferson dos Santos, o 18 anos e estava condenado por Bicudo, o mesmo jovem que, aos 16 anos, em 1987, havia assaltos e estupros. Preso na sido preso por arrombamentos Penitenciária de Alta Segurança em Canoas e confessara ser fã de Charqueadas (Pasc), onde tever a chance de realizara o de Vico, Professor e Melara. sonho de conhecer e se juntar ao O mesmo Bicudo, em 1988, bando de Melara. aos 17 anos incompletos, Assaltante de peruca loira Outro integrante da nova geração era Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho, um exintegrante de gangues juvenis, alto, magro, branco, frio e calculista, que passou a assaltar bancos com uma peculiaridade: usava uma peruca loira. Foi assim que Fernandinho e outros três homens atacaram o posto bancário localizado no bloco dos consultórios médicos do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, numa sextafeira 13, de agosto, em 1993. Fernandinho, vestindo um sobretudo e com a sua tradicional peruca, misturouse aos clientes do posto. De surpresa, sacou uma pistola automática e rendeu dez pessoas. Depois, agarrou quatro malotes com dinheiro e saiu correndo. Dois outros assaltantes o aguardavam no saguão e um quarto ao volante de um Voyage, já com o motor ligado. Os ladrões já se preparavam para fugir, quando o PM que patrulhava aquela área da cidade surgiu na entrada do prédio. Ao perceber que ocorria um assalto, o policial militar se entrincheirou atrás de floreiras. Como havia grande movimento no local, resolveu não atirar. Fernandinho não teve a mesma preocupação. Com sua pistola, disparou uma saraivada de tiros contra o policial militar, acertando dois. Enquato o PM era socorrido, Fernandinho e seus companheiros fugiam no Voyage, em alta velocidade. Dois meses depois, Fernandinho foi preso em Caxias do Sul e transferido para o Presídio Central, em Porto Alegre. Fernandinho foi preso em Caxias Policiais na frente da casa assaltada Invasão na Boa Vista No dia 6 de outubro de na suíte do casal para 1993, outro assaltante formalizar o assalto: ganhava as manchetes: – Queremos 200 mil Eram 8h15min, quando dólares – foram enfáticos. um estudante de 18 anos, Um dos assaltantes era atrasado, deixava sua casa, Luiz Paulo Chardozin Pereira, no Bairro Boa Vista, em o Chardozinho, indiciado em Porto Alegre, para ir à cinco inquéritos: aula, no Colégio três por roubo, Anchieta. Ao entrar em um por homicídio seu carro, ouviu uma e outro por furto. voz estranha, em tom Quando o dono de deboche: da casa entrou – Pô, cara. Tu em contato com demorou, e a gente já amigos a fim de Chardozin arrecadar a tava indo embora. O rapaz foi dominado quantia solicitada, por dois homens e um deles forçado a retornar à desconfiou e chamou a residência, onde estavam polícia. seus pais, sua irmã, uma A casa foi cercada por cozinheira e uma copeira. policiais militares e civis, e o Encapuzados, os dois caso virou um assalto com assaltantes reuniram todos reféns. Foram mais de nove horas de negociações. Para se entregar, os bandidos pediam para serem levados para presídios do Interior. Chardozinho considerava essencial essa exigência. Ele estava comprometido com a facção da Falange Gaúcha liderada por Melara e, dessa forma, obrigado a mandar dinheiro para dentro das penitenciárias. Havia falhado, e isso poderia custar-lhe a vida, caso fosse levado para o Presídio Central ou para o complexo de Charqueadas. Quando os policiais foram autorizados a entrar na casa, os dois assaltantes foram algemados e presos. Chardozinho, contra sua vontade, foi levado ao Presídio Central. Leia no próximo final de semana: a invasão do Plaza São Rafael 30 s Terror nas ruas ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow O gelado dia 8 de julho de 1994 ficou na história de Porto Alegre. Pela manhã, carros, telhados e calçadas foram momentaneamente cobertos por fragmentos de gelo, classificados pelos especialistas como neve granular. À noite, a seqüência de um motim promovido pela facção da Falange Gaúcha liderada por Melara no Hospital Penitenciário, ganhou as ruas com cenas típicas de cinema e parou uma amedrontada Capital. O desfecho se daria no principal hotel da cidade, na época, não sem antes deixar um saldo de cinco mortos. O começo No dia 7 de julho, uma quintafeira, à tarde, seis presos-pacientes – Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho, Francisco dos Reis Cavalheiro, o Chico Cavaheiro, Pedro Ronaldo Inácio, o Bugigão, José Carlos Pureza, Vladimir Santana, o Sarará da Vó, e Nauro Pereira, o Boró – armados renderam 27 funcionários do Hospital Penitenciário, em prédio anexo ao Presídio Central, e começaram o motim. Já no início das negociações, os amotinados exigiram que a eles se juntassem Carlos Jéfferson Souza dos Santos, o Bicudo, e Luiz Paulo Schardozin Pereira, o Chardozinho, que estavam no Pavilhão B do Presídio Central, dominado pelo grupo de Melara. Os negociadores cederam em troca uma telefonista que havia passado mal. Bicudo assumiu o comando do motim. O líder Na madrugada do dia 8, avançaram as negociações entre os presos e uma comissão formada por representantes dos três poderes, da Polícia Civil e da Brigada Militar. Uma nova exigência foi atendida: foram Melara deixa a Pasc pela porta da frente. Atrás (D), Celestino Linn removidos da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) para o local do motim os presos Dilonei Francisco Melara e Celestino Linn, que saíram pela porta da frente e sem algemas. Claudinei, baleado, fica caído ao lado do Gol A fuga Às 21h40min do dia 8, terminou a rebelião no Hospital Penitenciário. Divididos em três Gol cedidos a eles, dez amotinados deixaram o pátio do Presídio Central, com três reféns em cada carro. Começava uma longa, cinematográfica, dramática e sangrenta caçada pelas ruas de Porto Alegre. Dezenas de automóveis, com centenas de policiais, seguiram os carros dos bandidos. O capítulo anterior 11 e 12/8/2007 As exigências Bicudo (E) com o refém Claudinei Enrolados em cobertores, bandidos se preparam para a fuga Tiroteio Bicudo, que dirigia o Gol no qual estavam também Melara, Fernandinho e Linn, abandonou o volante na Rua Ivo Corseul, no Bairro Petrópolis, e fugiu a pé. Um dos reféns, o diretor do Hospital Penitenciário, Claudinei Santos, assumiu a direção. Porém, pouco tempo depois, houve tiroteio na rua. Claudinei foi atingido nas costas e, a seu pedido, retirado do carro. Na rua, o inspetor João Bento Freitas Nunes também foi baleado e morreu. 30 Motim sem fim ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow A rebelião iniciada no Hospital Penitenciário no dia 7 de julho de 1994, que ganhou as ruas da cidade no dia 8, e foi ter um desfecho no hotel Plaza São Rafael, no dia 9 (tema do capítulo anterior), continuou repercutindo e produzindo conseqüências. O capítulo anterior 18 e 19/8/2007 Investigações revelaram que o motim demonstrou o poder de Melara, líder da Falange Gaúcha, no interior dos principais presídios. No pós-motim, continuaram as mortes e, para alguns, as conseqüências foram definitivas. A morte de Linn No pós-motim, depois da rendição de Melara e Fernandinho, outros destinos foram sendo traçados. Um deles foi o de Celestino Linn, que chegara a invadir o Plaza São Rafael, na noite de 8 de julho, mas que fora dominado em seguida. Ele deixou o local caminhando. Linn foi levado por policiais ao Hospital de Pronto Socorro (HPS). Porém, temendo que outros bandidos tentassem resgatá-lo, médicos lhe deram alta. O bandido foi conduzido, então, ao Hospital Penitenciário, no dia 9. No dia 10, um médico prescreveu seu estado como “estável”. À noite, o atendimento ficou por conta da equipe de segurança, pois, ainda traumatizados com o motim, os auxiliares de enfermagem não Um líder à distância A mais longa e sangrenta rebelião da história do sistema prisional gaúcho não começou no momento em que foram feitos reféns no Hospital Penitenciário, no dia 7 de julho de 1994, e não terminou na tarde de 9 de julho, com a rendição de Dilonei Francisco Melara e Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho – que haviam invadido o hotel Plaza São Rafael. Havia pelo menos dois meses que Melara começara a planejar a ação. Recolhido a uma cela individual na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e vendo como quase nulas suas chances de fugir daquela prisão, arquitetou um motim para o Hospital Penitenciário – anexo ao Presídio Central (PC). Como parte do plano, Melara conseguiu com que Carlos Jéfferson Souza dos Santos, o Bicudo, que também estava na Pasc, fosse transferido por via administrativa, à revelia de qualquer decisão judicial, para Melara, na Pasc, arquitetou o motim o PC, menos de um mês antes da realização do motim. Dois dias antes da rebelião, Fernandinho, que estava no PC, procurara atendimento no Hospital Penitenciário, mas fora encaminhado de volta ao presídio. Porém, sob a pressão de líderes do Pavilhão B (como Bicudo) e com a alegação de que pretendia evitar tumultos, a direção do PC convenceu os diretores do hospital a aceitarem a baixa do bandido. Em uma época em que os telefones celulares eram raros entre a população e não chegavam aos presos, Melara transmitia recados e orientava ações nas principais prisões (cerca de 600 apenados eram fiéis a ele) usando visitantes como pombos-correio. Conseqüências para toda a vida O bandido saiu do Plaza caminhando haviam ido trabalhar. No dia seguinte, por volta das 7h, um agente penitenciário foi ao quarto de Linn para lhe servir café e o encontrou morto. Pelo laudo de necropsia, o assaltante morreu com quatro ferimentos por projéteis de arma de fogo (tiros). Entre os reféns, dois de uma Edilei sobreviveu, mas, com os mesma família sofreram as piores 12 tiros que levou, perdeu parte consequências: Claudinei Carlos de um rim e do intestino, teve a dos Santos (na época diretor do bexiga furada e ficou com um Hospital Penitenciário) foi levado braço paralisado. Além do trauma como refém no carro em que psicológico. estavam Melara, Bicudo, Fernandinho e Linn. Ele Tiro mudou levou um tiro que garante a vida de ter sido disparado de fora do Claudinei carro. A bala perfurou seus pulmões, cortou sua medula espinhal e lhe deixou preso a uma cadeira de rodas. Seu filho, Edilei, também funcionário do hospital, foi levado no carro que foi crivado de balas pela polícia, na Lomba do Pinheiro. Os três bandidos que estavam no veículo – Boró, Pureza e Sarará da Vó – morreram. PORTO ALEGRE, SÁBADO, 25/8/2007, E DOMINGO, 26/8/2007 Recapturados ● O assaltante Pedro Ronaldo Ignácio, o Bugigão, um dos foragidos do Presídio Central depois do motim do Hospital Penitenciário, foi preso na madrugada do dia 24 de julho de 1994 (duas semanas depois da rebelião), no Bairro Rubem Berta, em Porto Alegre. Com graves problemas de saúde, foi indultado (recebeu perdão judicial) em 2002. ● Dois dias depois da captura de Bugigão, a polícia terminou a caçada aos fugitivos prendendo Francisco dos Reis Cavalheiro, o Chico Cavalheiro, encontrado em um barraco da Vila Divinéia, também na Capital. Chico Cavalheiro foi assassinado com 12 facadas, na Pasc, em outubro de 2006. A curta vida de um bandido Preso por assaltos (8/12/87) Preso por latrocínio (10/5/88) No dia 19 de julho de 1994, o motim do Hospital Penitenciário nem havia deixado as manchetes quando um assalto a banco movimentou a Região Metropolitana. Por volta das 11h30min, o participante da rebelião Carlos Jefferson Souza dos Santos, o Bicudo, 23 anos, e outros dois homens, a pé, aproximaram-se de uma agência bancária na Vila Fernandes, em Canoas. Líder de uma Enquanto isso, um outro quadrilha de estacionava um Kadett menores (E) na frente do banco. (28/8/87) Antes de entrar na agência, Bicudo deu um tiro no vigilante, acertando-o na barriga. Depois, numa ação rápida, ele e seus parceiros roubaram cerca de R$ 70 mil e fugiram, no Kadett. Em Esteio, a quadrilha passou a ser perseguida por uma guarnição da Brigada Militar. Em seguida, surgiram outras viaturas e houve troca de tiros. Na Vila Vargas, junto à RS-118, entre Sapucaia do Sul e Viamão, os assaltantes abandonaram o automóvel e Na fuga, após o motim (8/7/94) fugiram a pé, em meio a um conjunto de casebres. ● Morte ainda na juventude Os quatro começaram a jogar dinheiro para o alto, tentando fazer com que os moradores atrapalhassem a perseguição da polícia. Incansáveis, os criminosos pulavam cercas, corriam pelos terrenos, sem, no entanto, conseguir abrir vantagem em relação aos PMs. Uma doméstica apavorou-se quando viu Bicudo invadir sua propriedade. Foi ela quem primeiro percebeu que, além de uma pistola, o bandido carregava uma granada. A doméstica entrou rapidamente em casa e ouviu tiros. Em seguida, olhou pela janela e viu Bicudo caindo. O assaltante havia recebido um balaço no lado esquerdo da cabeça. Os policiais colocaram Bicudo em uma ambulância e o levaram para o Hospital Getúlio Vargas. Pouco tempo depois, ele morreria com hemorragia grave. Chegava ao fim a carreira do bandido que crescera se espelhando em criminosos como Vico (morto em 1987), que sonhara fazer parte da Falange Gaúcha e que morrera muito jovem, como seu “ídolo”. Preso por estupro (18/5/90) Depois de um assalto com reféns a uma videolocadora (7/6/88) Recapturado após liderar motim na Febem (23/6/88) Queriam matar Melara, mas quem morre é Jorginho da Cruz Passados os efeitos imediatos do maior motim da história do sistema prisional gaúcho, a guerra no interior dos presídios continuou. Em novembro de 1995, a fidelidade a Melara provocou uma rebelião. O líder da Falange Gaúcha havia sido punido e proibido de receber visitas na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Por conta disso, eclodiu uma revolta na vizinha Penitenciária Estadual de Charqueadas (Pec): 106 dos 206 presidiários decidiram não retornar a suas celas depois das visitas. A revolta resultou em batalha: de um lado, presos ateando fogo em colchões e atirando pedras retiradas missão de matar Melara. A pistola foi de um muro. De outro, cerca de entregue à Justiça. 200 homens do Batalhão de Choque da Brigada Militar com ● O luto voltou ao Morro bombas de efeito moral. A da Cruz rebelião só foi controlada uma hora e meia depois. A morte tramada foi a de Enquanto na Pec Melara Melara, mas quem acabou recebia solidariedade, na morrendo foi Jorginho Luiz Pasc tentavam matá-lo. No Ventura, o Jorginho da Cruz, mesmo dia em que eclodia seu principal rival na disputa Jorginho pelo comando da Falange a rebelião, era descoberta com um preso uma pistola Gaúcha. Aos 33 anos, ele foi Browning, calibre 6.35, de enforcado na cela 2 da 4ª galeria da fabricação belga. Disse ele que Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej), recebeu a arma de um agente em Charqueadas, no dia 5 de penitenciário, em sua cela, com a fevereiro de 1996. Foi uma morte semelhante à de seu antecessor no comando do tráfico de drogas no Morro da Cruz, Luciano Brás de Souza, o Carioca, assassinado em 1989. Os outros oito presos que dividiam a cela com ele estavam no pátio no momento em que o corpo foi encontrado. Ao serem interrogados, cumpriram a lei do silêncio, uma das regras mais conhecidas no cárcere. Jorginho foi velado na sede da Associação dos Moradores da Vila Vargas, atrás do Morro da Cruz. O luto voltou ao local, inclusive com bandeiras pretas em algumas casas. Leia no próximo final de semana: a guerra entre Os Manos e Os Brasas. 31 34 Manos X Brasas ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow Com a morte de seu principal rival, o traficante Jorge Luís Ventura, o Jorginho da Cruz (tema do capítulo anterior), Dilonei Francisco Melara acreditava que finalmente reinaria absoluto no comando da Falange Gaúcha (organização criada por bandidos para comandar o crime em presídios e favelas). Porém, logo surgiriam outros nomes para disputar o posto. Entre os novos concorrentes de Melara despontava Valmir Benini Pires, o Brasa. Fiéis a ele, centenas de presos criaram o grupo Os Brasas, que passaram a rivalizar com Os Manos, como se autodenominou, a partir de então, O capítulo anterior a facção da Falange Gaúcha liderada por Melara. 25 e 26/8/2007 Papagaio driblou vigilância da Pasc Na última virada de século, uma nova geração de bandidos começava a fazer sombra a Dilonei Francisco Melara, dentro e fora das prisões. Um deles era o assaltante Cláudio Adriano Ribeiro, o Papagaio, líder de uma quadrilha responsável por assaltos milionários a bancos e carros-fortes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Além dos assaltos, Papagaio ganhou notoriedade Papagaio foi recapturado em Santa Catarina por sua misteriosa fuga da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), em 5 de junho de 1999. Para tanto, ele e outro preso teriam, durante a madrugada, arrancado grades de suas celas e passado por um muro de oito metros para chegar ao pátio interno da penitenciária. Depois, teriam passado sob duas cercas de seis metros de altura. Papagaio ainda teria vencido um muro de dois metros, última barreira que o separava das ruas. Seu companheiro foi recapturado antes de ultrapassar a muralha. Tudo isso teria ocorrido durante uma falta de energia elétrica. Em 6 de janeiro do ano seguinte, Papagaio foi recapturado no Litoral catarinense. Até Marcola passou por aqui Outro que fez sombra à fama de Dilonei Francisco Melara nas prisões gaúchas foi Marcos William Herbas Camacho, o Marcola. O atual número 1 na hierarquia do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, chegou ao Rio Grande de Sul numa operação especial das polícias paulista e gaúcha. Atendendo a um pedido do governo paulista, autoridades da área prisional gaúcha aceitaram a transferência de Marcola para prisões do Estado. A alegação era de que a situação nos presídios de São Paulo começava a ficar crítica e, para contorná-la, era necessário que Marcola fosse transferido. Marcola chegou ao Estado e foi levado para a Penitenciária Modulada de Ijuí, na Região Noroeste, no dia 16 de fevereiro de 2001. Dois dias depois, como represália pela transferência, o PCC promoveu uma Marcola (cabeça encoberta) passou temporada em Ijuí megarrebelião: em 29 prisões paulistas, em 22 cidades, 28,3 mil presidiários transformaram 13 mil pessoas em reféns. Marcola ficou no Estado até as primeiras semanas de março daquele ano. PORTO ALEGRE, SÁBADO, 1º/9/2007, E DOMINGO, 2/9/2007 A disputa no início do Século ● Três grupos lutavam pela hegemonia dentro das principas cadeias gaúchas: ● Os Manos, Os Brasas e Os Abertos. ● Estimativas oficiais apontavam que 2,5 mil detentos integravam os três bandos. ● Os Manos eram hegemônicos na Pasc. ● Os Brasas tinham maior poder no Presídio Central. ● Os Abertos eram maioria na Colônia Penal Agrícola Daltro Filho. Confrontos violentos Mas nem Cláudio Adriano Ribeiro, o Papagaio, nem Marcos William Herbas Camacho, o Marcola, conseguiram fazer concorrência a Dilonei Francisco Melara no comando do crime organizado no interior de presídios gaúchos. Quem despontou nesse sentido foi Valmir Benini Pires, o Brasa. Com Melara e Brasa como respectivos líderes, surgiram como principais facções da Falange Gaúcha, na virada do século, Os Manos e Os Brasas. Havia ainda um terceiro grupo, formado por dissidentes dos outros dois: Os Abertos. Brasa As disputas entre grupos provocavam tensão, como no dia 26 de março de 2002, no Presídio Central. Integrantes de Os Brasas que estavam na 2ª e na 3ª galerias do Pavilhão D revoltaram-se com a descoberta de um plano de fuga e com a suspensão das visitas. Compositor de pagode Enquanto alguns presos pediam paz... ... alguns criavam pânico... ● Tumulto durou cinco horas no Central Os Brasas decidiram, então, que Os Manos, que estavam na 1ª galeria, pagariam o pato. Tentaram invadi-la, mas os fiéis a Melara colocaram fogo em colchões. Houve um grande tumulto, só contido cinco horas depois pela Brigada Militar. ... e outros ameaçavam A disputa entre Os Manos e os Brasas não impedia que Dilonei Francisco Melara voltasse seu pensamento para outras coisas. E, em 2004, até como compositor ele conseguiu chamar a atenção. No dia 23 de agosto daquele ano, uma rádio da Capital executou a música Casinha Na Colina, apresentada como pagode, com letra e melodia fracas, gravada num CD de demonstração (demo) por uma banda que nem nome tinha. Casinha na Colina seria uma das 25 letras já compostas pelo apenado que, segundo sua defesa, pretendia assinar contrato com alguma gravadora Casinha Na Colina Autor: D. F. Melara No começo da noite conheci você Que noite linda Que interessante, cheia de prazer Tudo o que rolou, Foi pra lá de loucura, Flutuei nas alturas fazendo amor com você Garota linda estou apaixonado Aceite o meu pedido, Deixa eu ser seu namorado, Vou fazer uma casinha Pra nós dois lá na colina, apenados que continuavam no regime fechado. Devido ao clima tenso na colônia penal e nas ruas, a segurança decidiu realizar uma ● Até seu sono era revista no alojamento vigiado ocupado pelo Manos. Como ele facilmente seria Foram encontrados reconhecido nas ruas, passou dois revólveres, duas a comandar, entre outros pistolas, uma apenados de Os Manos na espingarda, 76 CPA, assaltos e furtos em projéteis de pistola, 21 Charqueadas, durante o dia. de revólver, três Como conseqüência, o carregadores de registro de crimes contra o pistola, oito celulares, patrimônio triplicou no 66 pedras de crack e município, passando de dez vários estoques. Pelo lado para 30 diários, em média. dos rivais Os Abertos, foi No interior da CPA, a rotina encontrada até uma granada. também foi alterada. Melara As freqüentes ameaças de passou a andar cercado por morte a Melara, o risco de até seis seguranças quando um grande enfrentamento na acordado. Enquanto dormia, CPA e os assaltos em subordinados se revezavam Charqueadas pautaram uma no zelo de seu sono. reunião de autoridades das Vou te dar muito carinho Muito amor, linda menina. E o que virá depois, Só Deus mesmo pra saber, Sonho com bastante Vida e Bem pouquinho sofrer... E o que virá depois, Só Deus mesmo pra saber, Sonho com bastante Vida e Bem pouquinho sofrer... Furgão levou Melara da Pasc para a CPA Melara conquista o semi-aberto No dia 6 de outubro de 2004, um furgão da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) partiu da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) levando Dilonei Francisco Melara para a Colônia Penal Agrícola (CPA) Daltro Filho, a poucos metros de distância. Pela lei, no regime semiaberto os presos só podem sair da área da prisão com ordem judicial. Porém, a frágil vigilância permitia a apenados darem “escapadinhas” e retornarem sem que o desrespeito à norma fosse notado. Melara, pelas regras de sua facção criminosa, deveria mandar dinheiro para os para passar a viver de direitos autorais, algo só possível no país a compositores consagrados. Enquanto compunha em em sua cela na Pasc, Melara fazia planos de trocar de regime prisional, do fechado para o semiaberto, no qual o preso pode sair da cela e circular livremente dentro dos limites da cadeia. Houve uma longa batalha judicial, que tinha de um lado o Ministério Público e a Secretaria da Justiça e da Segurança, contrárias à mudança, e de outro a defesa do apenado. A disputa chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, onde Melara conseguiu a mudança de regime. áreas penitenciária e de segurança. ● Transferência em operação sigilosa Entre as decisões estava a de transferir o líder de Os Manos da CPA para a ala de regime semiaberto da Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej). No dia 25 de novembro daquele ano, numa operação praticamente sigilosa, o Melara foi transferido de prisão. Leia no próximo final de semana: a morte do mito e o fim da Falange 35 30 A morte do mito O capítulo anterior ● Texto: Renato Dornelles ● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff ● Colaboração: Denise Waskow A guerra no interior dos presídios continuava, agora com os grupos Os Manos (principal faccão da Falange Gaúcha), Os Brasas e Os Abertos como protagonistas (tema do capítulo anterior). Líder de Os Manos, Dilonei Francisco Melara, depois de uma batalha judicial, conquistou o direito de mudar do regime fechado, na Penitenciária de Alta 25 e 26/8/2007 Segurança de Charqueadas (Pasc), para o semi-aberto, na Colônia Penal Agrícola Daltro Filho. Porém, o temor de que ocorresse um grande conflito motivou sua transferência para a ala do regime semi-aberto da Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej). Foi um passo para a fuga e outro, para a morte. Alerta em todo o Sul do país Às 20h do dia 29 de novembro de 2004, depois de mais um dia de trabalho na ala do regime semi-aberto da Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej), como era rotina, os agentes começaram a conferência dos presos. Dos 38 alojados no local, um não respondeu à chamada. O alerta foi dado e, em poucos minutos, soava nos rádios de viaturas da Brigada Militar, da Polícia Civil e das Polícias Rodoviárias Federal e Estadual: – Atenção para alerta de fuga. Melara fugiu. Desde que chegara à Pej, transferido da Colônia Penal Agrícola Daltro Filho, havia uma semana, Melara trabalhava na cozinha e tinha livre acesso ao pátio, que não era cercado. Logo, só sua consicência poderia impedi-lo de fugir. No Norte do Estado, imediatamente, a Polícia Rodoviária Federal montou barreiras na rodovia ErechimConcórdia (SC), a BR-153, e no acesso à BR-480, que leva a Chapecó (SC). No município de Espumoso, a Polícia Rodoviária Estadual fez barreira na RS-332, que leva a Passo Fundo. Em Tupanci do Sul, onde moravam familiares de Melara, foi realizada uma operação de buscas. Barreiras foram montadas também durante a madrugada seguinte nas fronteiras com a Argentina e o Uruguai. Barreiras tentavam conter a fuga do bandido Caçada mobilizou grande número de policiais Foto de Melara foi espalhada pelas estradas A notícia da fuga de Melara espalhou-se rapidamente e chegou a Santa Catarina. Todas as delegacias daquele Estado foram avisadas e receberam uma foto do foragido. A polícia catarinense montou barreiras na divisa com o Rio Grande do Sul. A caçada a Melara mobilizou um grande número de policiais que, nos dias seguintes, passaram a percorrer endereços de possíveis amigos e familiares do bandido, na Região Metropolitana. O telefone do serviço Disque-Denúncia, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e o 190 da Brigada Militar passaram a tocar insistentemente com informações de pessoas que acreditavam ter visto o criminoso. Por sinal, Melara “era visto” em vários locais, a centenas de quilômetros uns dos outros, em frações de minutos, segundo os telefonemas. Uma das dicas provocou uma mobilização de 200 policiais no Norte do Estado. Um ex-taxista da Capital, que virara vendedor ambulante em Planalto, jurou ter visto o bandido a bordo de um Vectra bordô na RS-406, que liga o município de Nonoai a Santa Catarina. Apesar do forte aparato policial, nem uma pista do criminoso foi encontrada. Além disso, não eram raros os boatos sobre uma suposta morte do criminoso. Entre outras coisas, circulavam informações de que ele teria sido executado e enterrado nas proximidades da Pej. PORTO ALEGRE, SÁBADO, 8/9/2007, E DOMINGO, 9/9/2007 Coisas da Falange ● Em 1989, a Falange Gaúcha promoveu uma série de mortos por encomenda dentro dos presídios. Nos dez primeiros meses daquele ano, foram pelo menos 20. Na maioria dos casos, era simulado suicídio por enforcamento. ● Em 1994, Dilonei Melara escreveu uma carta ao então governador, Alceu Collares, negando denúncia feita por outros presos de que ele estaria planejando o seqüestro da primeira-dama, Neuza Canabarro. ● O delegado José Tadeu Vargas, da polícia catarinense, denunciou, em 1994, que a Falange Gaúcha teria ramificações naquele Estado. Os principais elos seriam dois irmãos do assaltante Carlos Jefferson dos Santos, o Bicudo (morto naquele ano). Um especialista em fugas cinematográficas Ônibus foi palco de duplo assassinato em 1985 O tempo passava, e a fuga de Dilonei Francisco Melara ia se tornando o maior motivo de dor-decabeça para a polícia. As informações anônimas continuavam causando confusão. Melara era visto de Norte a Sul, de Leste a Oeste do Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, Paraná, no Uruguai e na Argentina. Tornara-se um pesadelo que atormentava populações de diferentes cidades e lugarejos. Era a sexta fuga do Ficava pouco tempo longe das grades Dia 25 de janeiro de 2005: eram 21h40min quando moradores de uma colônia japonesa no interior de Dois Irmãos ouviram mais de dez tiros. Em seguida, um carro partiu em alta velocidade. Na manhã seguinte, o zelador de um sítio encontrou o cadáver de um homem. À sua volta, havia um boné, um celular e um óculos de sol , todos ensangüentados, além de oito estojos de munição de pistola. A perícia constatou que o rosto estava desfigurado por tiros. Havia mais de 20 perfurações de balas – 11 de entrada e nove de saída – em outras regiões da cabeça, barriga e nádegas. Em um compartimento com um fecho, no boné, havia um papel com uma declaração a Melara, com o desejo de que Deus o protegesse. ● Caiu nas mãos de dois peões Recapturado por peões em São Gabriel Após a rendição no Plaza primeira e a segunda fugas da Penitenciária Estadual de Charqueadas (Pec), até então considerada de segurança máxima. Em 1991, Melara liderou uma fuga em massa do Presídio Regional de Bagé. Três anos depois, embora estivesse na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), teve importante participação no motim realizado no Hospital Penitenciário, na Capital. Execução durante a noite Embora fosse um especialista em fugas, Melara não ficava muito tempo longe das grades. Em sua segunda fuga da Pec, em 1987, depois de resistir por uma semana com um tiro na perna, sem qualquer atendimento médico, ele embarcou em um táxi, em Viamão. Desconfiado que Preso por não receberia o dinheiro acaso em da corrida, o taxista Viamão acionou a Polícia Rodoviária Estadual. Mesmo sem reconhecêlo, patrulheiros o encaminharam à 2ª Delegacia de Polícia, onde um inspetor se surpreendeu: – Mas é o Melara – disse o policial. Da fuga de Bagé, participaram mais cinco presos que, aos poucos, foram recapturados. Melara, enquanto isso, resistia a um cerca de mais de cem policiais civis e militares. Quinze dias depois, porém, ele foi capturado em São Gabriel por dois peões de estância, que o entregaram à polícia. Em 1994, pôs em prática um plano que lhe permitiu sair da Pasc, com um motim realizado no Hospital Penitenciário. Na fuga, ele e outros dois bandidos acabaram se confinando com reféns no Hotel Plaza São Rafael, onde só lhes restou uma alternativa: a rendição. bandido, em mais de 20 anos de crimes. A primeira foi em 1985, do Presídio Regional de Passo Fundo. No período em que esteve foragido, ganhou fama como criminoso cruel ao resgatar seu comparsa João Clóvis de Oliveira Vieira, o Topo Gigio, de um escolta em um ônibus da Expresso Caxiense, em uma ação que resultou na morte de dois agentes penitenciários. Nos dois anos seguintes, protagionizou a ● Teve o mesmo destino de antigos companheiros Três fases do bandido No Departamento Médico Legal foram constatadas tatuagens espalhadas pelo corpo: uma cruz no lado esquerdo do peito, uma caveira na coxa direita e as palavras “amor”, “ódio” e “vingança” escritas na perna esquerda. Por fim, um exame das impressões confirmou: o corpo era de Melara. Morria um mito, o presidiário mais emblemático da história do sistema penitenciário gaúcho e o bandido que virou sinônimo de criminalidade no Estado. Acabava a Falange Gaúcha, organização que, durante duas décadas, comandou vidas e determinou mortes dentro e fora de presídios. Melara, agora, passava a fazer parte da mesma estatística da qual já faziam parte Jocélio, Vico, Pedro Adelar, Prego, Professor, Baleia, Alemão Arno, Toco, Anão, Carioca, Topo Gigio, Linn, Piá, Paulinho Escort, Alemão Frida, Bicudo, Betinho Boró, Pureza, Sarará da Vó, Nauro Boró, Jorginho da Cruz e tantos outros, como ele, condenados e executados pela mesma sentença informal de morte. 31