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PORTO ALEGRE, SÁBADO, 7/7/2007, E DOMINGO, 8/7/2007
O Diário Gaúcho
começa hoje a contar
uma história.
Durante dez sábados,
o jornal vai relembrar
uma época que marcou
o crime organizado
no Rio Grande do Sul.
Uma época diferente da
atual: um tempo em que
os bandidos cometiam
atrocidades, assaltos e
tráfico de drogas, mas
protegiam as comunidades
onde moravam. Hoje, os
criminosos da nova geração
transformam em vítimas seus
próprios vizinhos.
O primeiro capítulo da
história está publicado nas
páginas seguintes e ocorreu
há 20 anos. Ela começa
com o motim do Presídio
Central, de Porto Alegre,
em 1987. Foi quando os
gaúchos descobriram que a
massa carcerária do Estado
atuava sob um comando
único, embora espalhada
por diversas casas e unidades
prisionais, em diferentes
cidades. Foi quando se ouviu
falar, pela primeira vez, na tal
Falange Gaúcha, uma união de
presos que, já naquela época,
comandava os crimes mesmo
atrás das grades.
Renato acompanha
a saída de reféns
em Charqueadas
jornalista que viveu boa parte
dela: Renato Dornelles,
43 anos, 21 de profissão.
Como repórter policial de
Zero Hora, cobriu rebeliões
e entrevistou boa parte dos
bandidos.
E, para apresentá-la de
forma diferente ao leitor
durante os dez sábados,
colegas se uniram a
Renatinho: a diagramadora
Flávia Kampff, o
ilustrador Alexandre
Oliveira e a estudante
de Jornalismo Denise
Waskow. Formaram uma
“quadrilha” do bem, que
trabalhou pensando no
nosso leitor.
● Robin Hood só é
legal em livros
Parece filme policial: táxi
invade o saguão do Plaza
em 8 de julho de 1994
● Traficantes cuidavam
da comunidade
São deste período
personagens como Anão e
Carioca. Traficantes poderosos,
eram os “donos” do Morro
da Cruz. Operavam a venda
de drogas a partir das vielas
na parte alta do Partenon. E
cuidavam da comunidade:
no morro, ninguém matava,
roubava ou estuprava. Também
não faltavam comida nem
roupa para os moradores.
O último capítulo da história
se desenrola num 8 de julho,
como neste domingo. Só
que em 1994. Numa noite
fria de sexta-feira, Melara
e Fernandinho, dois dos
principais criminosos da época,
promoveram uma rebelião
no mesmo Presídio
Central do início da
história e fugiram,
deixando um rastro
de sangue e morte
pela madrugada. A
perseguição à dupla
terminou com
uma cena só vista nos filmes
policiais: um táxi invadiu o
saguão do então principal hotel
da Capital, o Plaza São Rafael.
No dia seguinte, a dupla se
entregou.
Melara foi morto a tiros
depois de fugir da prisão, em
Charqueadas, em janeiro de
2005. Seu corpo apareceu
perfurado a bala, numa colônia
japonesa no Interior de Dois
Irmãos. Com sua morte,
chegou ao fim uma geração de
criminosos.
● Um especialista escreve
sobre o assunto
A missão de contar a história
foi entregue a um
O time do bem: Denise (E), Alexandre,
Flávia e Renato (sentado)
Por fim, é preciso deixar
uma coisa bem clara.
O Diário Gaúcho não
quer com esta reportagem
transformar bandidos em heróis
ou passar para seus leitores a
sensação de que é seguro ter
uma organização criminosa
cuidando de seu bairro.
Bandidos devem pagar por seus
crimes. E cidadão nenhum tem
a obrigação de se submeter ao
mal para viver com uma falsa
tranqüilidade. Histórias como a
de Robin Hood, que tirava dos
ricos para dar aos pobres, só
são legais nos contos infantis.
A idéia de relembrar o
passado serve para registrar
como atuavam quadrilhas que
hoje não mais existem. Não
são bandidos melhores nem
piores do que os atuais. São
diferentes. E, no desenrolar
dos acontecimentos, também
serão lembrados atos heróicos
de homens da lei bravos e
honrados, que lutaram para
enfrentar os malfeitores.
Alguns policiais deram sua
própria vida nesta missão. Estes
exemplos, sim, queremos que
fiquem para sempre, por serem
dignificantes.
Boa leitura a todos.
ALEXANDRE BACH
EDITOR-CHEFE
30
Terror no Central
Falange, “uma quadrilha a fu”
Texto: Renato Dornelles
Fotos: Banco de Dados
Arte: Alexandre Oliveira
Diagramação: Flávia Kampff
Colaboração: Denise Waskow
Presídio Central:
local em que surgiu
a Falange Gaúcha
Dois mortos no início do motim
Numa das celas da maior
prisão gaúcha, o assaltante
Vítor Paulo Mahus Fonseca, o
Vico, 22 anos, não conseguia
controlar a ansiedade durante a
madrugada de 28 de julho de
1987. Estava prestes a,
juntamente com outros oito
apenados, colocar em prática
um audacioso plano de fuga do
Presídio Central.
Amanheceu. Seguindo o
plano, Vico juntou-se a Silvino
Vogel, o Alemão Frida, e a
Jocélio Teixeira no térreo do
Pavilhão B. Os três, com dois
revólveres calibre 38 e uma
pistola 7.65 que haviam sido
colocados no presídio dentro de
um botijão de gás, fizeram uma
religiosa refém. Usando-a como
escudo, seguiram em rápidas
passadas até o saguão do
prédio da administração.
No caminho, encontraram
dois agentes penitenciários.
Foram ouvidos 14 ou 15 tiros.
Pouco depois, um dos agentes,
Milton Clarel de Azevedo, com
um balaço na barriga, estava
estendido no saguão. No canto
oposto, estava o corpo de
Jocélio.
Vico e Frida seguiram em
frente e já chegavam ao portão
de acesso ao
Instituto de
Biotipologia Criminal
(IBC), em prédio
anexo. Estavam
sendo aguardados
por Arno
Kaulkmann da
Rosa, o Alemão
Frida,
Arno, Pedro Adelar
nervoso...
dos Santos, Luís
Ronaldo Mercaus,
o Prego, Camilo
de Melo, o
Camelinho, Paulo
Ricardo Silveira
dos Santos Roeper, o
Paulinho Escort, e
...e Carioca,
Humberto Luciano
tranqüilo
Brás de Souza, o
Carioca.
Os oito, sem maiores
dificuldades,
dominaram um guarda
e cruzaram o portão que
separava o presídio do
IBC. Em pouco tempo, a
porta da sala onde
reuniam-se psicólogos,
psiquiatras e estagiários
responsáveis pelas
vai todo mundo pra banha –
avaliações de presos – 19
gritou Frida.
mulheres e 12 homens – foi
O grupo, agora, tinha 31
aberta bruscamente.
reféns.
– Todo mundo quieto, senão
A notícia do motim
espalhou-se
rapidamente. Centenas
de policiais militares e
civis, seguidos de um
batalhão de jornalistas,
logo chegaram ao
presídio. Os profissionais
de imprensa colocaramse junto à cerca lateral
da prisão, a poucos
metros das janelas das
salas nas quais os oito
bandidos ameaçavam
os 31 reféns. Daquele
local, era possível ouvir
os amotinados:
– Se a polícia invadir,
morre todo mundo –
gritou Frida.
Vico deu um aviso:
– Só queremos ir
embora. Não vamos
ferir ninguém. Agora vai
sair daqui uma
quadrilha a fu.
O anúncio feito por
Vico dizia respeito à
associação dos
assaltantes de banco ao
tráfico de drogas. Era,
também, a confirmação
da Falange Gaúcha. A
organização havia sido
tramada mediante um
pacto, travado no
interior de prisões que,
além dos envolvidos no
motim de 1987, incluía,
entre outros, José
Astrogildo Pereira
Fontella, o Professor,
Dilonei Francisco
Melara, Cézar
Fernandes, o Baleia,
Jorge Luiz Devitz, o Piá,
e Jesus Aderbal Martins,
o Toco. À exceção de
Carioca, traficante, os
demais eram
assaltantes.
Pelo pacto,
assumiram um
compromisso: a criação
de um caixa comum. O
fundo da organização,
alimentado pelas
atividades criminosas
dos que estivessem em
liberdade, serviria não
só para financiar novas
fugas, mas igualmente
para amenizar
condições de vida no
cárcere, principalmente
através da compra de
vantagens.
A organização, criada
havia poucos meses,
seguia o modelo do
Comando Vermelho, do
Rio. Ou seja,
assaltantes e traficantes
unidos para comandar
presídios e favelas.
As exigências dos
presos foram aceitas
pelas autoridades das
áreas da Justiça e da
Segurança Pública. A
conclusão era de que
não poderiam correr
riscos: com 31 vidas
em seu poder, os oito
bandidos dominavam a
situação. Decidiram,
então, ceder-lhes dois
automóveis Monza e
permitir-lhes a fuga.
Paulinho (E)
entra no Monza
para testá-lo
30
Vico é executado
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
Assaltante e companheira foram torturados
– Bandido bom é
bandido morto – não se
cansava de repetir o velho
e experiente policial, na
manhã de 10 de agosto
de 1987, enquanto
observava, à distância, os
dois corpos encontrados
junto à margem direita
da BR-290 (a freeway),
no km 83, em
Cachoeirinha. A cada vez
que ele repetia a frase,
alguém perguntava:
– Mas quem são?
O veterano
investigador então
enchia o peito, coçava
a barba e respondia:
– É o assaltante Vico
e a amante dele.
A morte de Vitor
Paulo Mahus Fonseca,
o Vico, soou como
uma bomba no meio
policial. Havia apenas
13 dias que fugira do
Presídio Central,
liderando um motim.
Agora estava ali,
morto a tiros, de
bruços, mãos
amarradas às costas.
Sua companheira,
Jussana, estava a
Após o motim no mês Desova na
da
de julho no Presídio margem
freeway
Central (assunto
do primeiro capítulo
desta série, publicado no
final de semana passado),
que resultou na fuga de oito
bandidos, o meio policial gaúcho
continuou agitado naquele ano
de 1987. Principalmente pela ação
da Falange Gaúcha, organização
criada por um grande grupo
de bandidos, nos moldes do
Comando Vermelho, do Rio,
para dominar o crime em prisões e
Arno fez uma revelação surpreendente
favelas do Sul.
Arno Kaulkamann da Rosa, o
numa casa da Vila Santa Rosa, na
O fato de maior repercussão foi o
Alemão Arno, estava na mira da
Zona Norte da Capital. O foragido
polícia. Em menos de dois meses, foi surpreendido enquanto dormia,
execução de Vico, um dos líderes
desde que fugira do Presídio
sem chances de reação.
Central, já havia assassinado outro
Na Delegacia de Roubos e
da organização, num crime que
bandido e um comerciante no
Extorsões, Arno fez uma revelação
município de Estrela, participado
surpreendente: acusou o também
acabaria provocando outros, numa
de dois assaltos a bancos em
falangista José Astrogildo Pereira
Caxias do Sul, um em São Marcos Fontella, o Professor, de ter
e outro em Urussanga (SC). Neste assassinado Vico e ainda admitiu
reação em cadeia.
último, que teve as participações
ter participado na morte de
tícia no Diário
O assunto já foi no
7 e 8/ 7/2007
de Pedro Adelar e de Prego, dois
vigilantes foram mortos. Havia
ainda um assalto a um motel, em
Caxias do Sul. Os casais, nus,
foram reunidos numa sala grande,
onde os bandidos os obrigaram a
entregar talões de cheques e
dinheiro.
Em setembro daquele 1987, ao
prenderem o condutor de um
Monza roubado, policiais
obtiveram uma informação
preciosa: Arno estava refugiado
Jussana.
O jovem assaltante, segundo
Arno, teria sido executado à
traição, numa emboscada da qual
teriam participado ainda Pedro
Adelar e Prego. O motivo, ele não
sabia ao certo.
– Só sei que foi briga deles –
resumiu Arno.
A confissão de Arno, verdadeira
ou não, poderia lhe custar caro
devido ao prestígio que Vico
gozava entre os demais presos.
poucos metros, com duas
perfurações no peito, cinco
na cabeça, duas no braço
esquerdo e marcas de
queimaduras nas mãos.
● Havia fugido duas
vezes do Central
Naquela época, Vico, de
22 anos, era considerado o
principal assaltante de
banco do Estado. Ingressou
no crime ainda menor, com
assaltos a táxis e ao
comércio, em Canoas. Foi
preso pela primeira vez em
1983 e havia fugido em
duas oportunidades do
Presídio Central. Na
primeira, em 1985. Na
segunda fuga, em 1986,
escapou dentro de um saco
de aniagem, recolhido com
o lixo do presídio.
Quatro meses depois de
escapar, Vico foi preso de
novo, em Guaíba, junto com
Luís Mercaus da Silva, o
Prego. Nessa captura,
segundo o delegado local,
Valdo Nóbrega, um policial
de Porto Alegre fez várias
ameaças de morte ao
bandido.
Arno foi
pego na
Zona Norte
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 14/7/2007, E DOMINGO, 15/7/2007
Prisão de Carioca: questão de honra
O maior desafio para a polícia
era a recaptura do traficante
Humberto Luciano Brás de
Souza, o Carioca, um dos
líderes da Falange Gaúcha. Era
público que ele havia voltado
para o Morro da Cruz, no qual
comandava o tráfico de drogas.
Na tarde de 31 de agosto,
caminhões e dezenas de
viaturas começaram a
descarregar policiais no Morro
da Cruz e na Vila Vargas. Eram
muitos, em torno de 500. Os
civis, com coletes pretos. Os
militares, com suas tradicionais
fardas. Muitos a pé, outros, em
viaturas. Não importava o sexo
ou a idade: ninguém entrava ou
saía do morro sem ser
revistado. Do alto, em um
helicóptero, o diretor da Divisão
de Investigações da Polícia Civil,
delegado Wilson Müller,
controlava a operação.
Duas horas depois de
iniciada, a operação foi
encerrada. Porém, como se
tivesse conquistado um
território, a polícia montou uma
barraca no topo do morro, na
qual ficaram acampados alguns
agentes. A idéia era mantê-los
por tempo indeterminado, em
sistema de revezamento.
O posto improvisado na
barraca surtia efeito. Para
delinqüentes não ligados ao
tráfico, o morro “estava
sujo”. Só havia um jeito:
Carioca tinha de ser
preso.
● “Liberdade não se
mendiga”
Seguindo uma
informação anônima,
dezenas de policiais
cercaram a casa de um
advogado, no Bairro
Teresópolis, onde Carioca
havia buscado refúgio para
fugir do cerco montado no
Morro da Cruz.
O caminho foi aberto com
uma rajada de
metralhadora, disparada na
porta. Em questão de
segundos, Carioca, que
dormia ao lado de sua
companheira, de apenas 15
anos, estava cercado por
policiais armados.
Assustada com os tiros, a
mãe do advogado sofreu um
ataque cardíaco fulminante.
Carioca, enquanto isso, era
levado para a Delegacia de
Capturas e, dali, para a
penitenciária. Ainda assim, o
traficante mostrava-se
confiante:
– Liberdade não se mendiga.
Se conquista. Custe o que
custar, vou fugir de novo.
Mortes no canavial
Passo do Sossego, a 50km de
Restinga Seca (que, por sua vez, fica
a 228km de Porto Alegre) não tinha
esse nome por acaso. A localidade
vivia na maior calmaria. No dia 16 de
outubro de 1987 à tarde, porém, os
moradores estranharam a presença
Adelar
de três homens nunca vistos por
aquelas bandas, no interior de um
Monza. Resolveram avisar a polícia
que, pelas placas, descobriu que o
automóvel pertencia a um juiz auditor
de Santa Maria e havia sido furtado.
Paralelamente, na rodoviária local,
era preso o assaltante Cézar Coelho
Fernandes, o Baleia, integrante da
Prego
Falange e foragido da Penitenciária
Estadual do Jacuí. Ele revelou a
identidade dos ocupantes do Monza: Pedro Adelar,
Prego e um terceiro, conhecido como Dig. A
informação de Baleia alvoroçou a cidade.
A polícia cercou o município, montando
barreiras em suas principais saídas. Porém, por
uma estrada de chão batido, os bandidos
conseguiram seguir para Restinga Seca. Uma
prolongada perseguição acabou no interior de um
canavial. A Brigada Militar cercou a área, mas os
bandidos não se entregaram. Num tiroteio,
morreram Pedro Adelar, Prego (acusados pela
morte de Vico) e o PM Pedro Guilherme Senna.
Ninguém
escapava do
pente-fino
Helicóptero
sobrevoa a
cruz que dá
nome ao morro
Professor assume morte de Vico e paga com a vida
José Astrogildo Pereira
Fontella, o Professor, integrante
da Falange Gaúcha, mais
parecia um mito.
Seguidamente era reconhecido
em assaltos a bancos, tanto
no Rio Grande do Sul, como
em Santa Catarina. Mas nunca
acabava preso. No dia 11 de
dezembro daquele 1987, saiu
à noite, num Passat, de
Florianópolis rumo a Porto
Alegre. Na viagem, deixou
um rastro de sangue.
Em Araranguá (SC),
Professor matou atropelado
um patrulheiro que tentou
abordá-lo. Já em Torres
(RS), capotou o Passat e
fez refém um taxista que
tentou socorrê-lo.
Quilômetros à frente, o
táxi ficou sem
combustível. O bandido,
então, ainda com o
taxista, invadiu um Escort
no acostamento da BR101 e fez outro refém:
um sargento da
Aeronáutica.
Em Osório, com um
caminhão-guincho atravessado
na pista, policiais civis,
militares e patrulheiros
rodoviários tentaram pará-lo,
mas Professor, disposto a
tudo, jogou o Escort contra o
caminhão. Depois, houve um
cerrado tiroteio. Quando
cessou a troca de tiros, o
bandido foi encontrado
consciente, com escoriações
decorrentes dos
José foi
preso
depois de
acidente
dois acidentes (em Torres e
em Osório). Seus dois reféns
estavam mortos.
À polícia, Professor admitiu
ter assassinado Vico,
confirmando a versão de
Alemão Arno. À imprensa,
chegou a dizer que mudaria
esse depoimento em juízo.
Mas parecia tarde demais.
No dia 23 de dezembro, à
noite, Professor foi levado para
a Penitenciária Estadual
do Jacuí. No dia seguinte,
às 7h30min, respondeu à
conferência (contagem de
presos).
Pouco tempo depois, os
guardas foram informados
de que haviam dois corpos
em uma cela. Professor
tombou com mais de 30
estocadas (golpes de faca
artesanal). A seu lado,
estava morto Baleia, o
mesmo que fora preso em
Restinga Seca havia dois
meses. Por vingança ou
queima de arquivo, a morte
de Vico começava a produzir
conseqüências.
Leia no
próximo
final de
semana:
Falange
promove
mais dois
motins
31
34
Mais dois motins
O capítulo anterior
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
O conturbado ano
de 1987 parecia
inacabável para
a Falange Gaúcha
– organização criada por
bandidos para comandar
o crime em prisões e favelas
do Estado. Depois do motim
do Presídio Central (tema do
primeiro capítulo da série) e
da execução de Vico (segundo
capítulo), entre outros fatos,
houve novos acontecimentos.
Sexta-feira, 18 de
dezembro de 1987: dia de
pagamento de 13º salário
e propício a assaltos a
banco. Principalmente
naquele ano, que teve
quase cem crimes deste
tipo, no Estado.
Eram 12h50min, e a
agência do Banco do Brasil
de Alvorada estava lotada
quando quatro homens a
invadiram, armados,
anunciando o 91º assalto.
Um funcionário
14 e 15/7/2007
Naquele ano, ocorreram mais de
90 assaltos a bancos no Estado.
No 91º, seria capturado Jesus
Aderbal Silveira Martins, o Toco,
que, dias depois, lideraria um
motim no Hospital Penitenciário.
E 1988 começaria com uma
Toco:
rebelião na Penitenciária
audacioso
ou azarado?
Estadual do Jacuí (PEJ).
Ameaça na
janela do
hospital
Refém
colocado no
porta-mala
Banco vira campo de batalha
acionou o alarme e, em
poucos minutos, a Brigada
Militar chegava ao local.
Bandidos e PMs
travaram um tiroteio,
transformando o local num
campo de batalha. No
final, ficaram feridos duas
crianças, um cliente, um
policial militar e um dos
bandidos: Jesus Aderbal
Silveira Martins, o Toco,
integrante da Falange
Gaúcha, que, baleado
numa perna, não
conseguiu acompanhar
seus comparsas na fuga.
Toco chegou à delegacia
afirmando que havia
matado o assaltante Vitor
Mahus Fonseca, o Vico.
Apresentou uma versão
diferente da relatada por
Arno Kaulkmann da Rosa,
o Alemão Arno (que
acusara José Astrogildo
Pereira Fontella, o
Professor, de ter
assassinado Vico).
– O Vico vivia dizendo
que eu era chinelão. Ele
tinha mais é que morrer
mesmo – disse Toco.
Para fechar o ano turbulento
Havia 11 dias que Toco fora
preso. O assaltante estava com
a perna protegida por um gesso,
devido ao tiro que havia levado.
Estava no Hospital Penitenciário,
em prédio anexo ao Presídio
Central. Nele, médicos e
enfermeiros conviviam com
presos enfermos,
independentemente do
grau de periculosidade.
Às 11h30min do dia
29 de dezembro, o
médico Mário
Marques, diretor do
hospital, recebia
funcionários em seu
gabinete. Iriam
começar uma reunião
de rotina, quando
houve uma brusca
interrupção: o preso
Rudnei Braseiro,
armado com revólver,
invadiu a sala. Atrás
dele, entraram outros apenados,
empunhando facas:
– Tudo mundo no chão, vamo
– gritou Rudinei, anunciando o
início de um novo motim.
● Liberdade durou pouco
para Toco
Com o álcool recolhido na
farmácia do hospital, os
amotinados enxarcaram as
roupas de alguns reféns. A todo
o instante, repetiam que
ateariam fogo, caso a polícia
invadisse o local.
Em uma reunião entre o
secretário de Segurança Pública,
Waldir Walter, que acumulava a
pasta da Justiça, e o governador
Pedro Simon, entre outros,
foram aceitas as exigências. Um
Opala e dois Santana foram
colocados à disposição dos
criminosos.
Já passava das 22h, quando
rebelados e reféns começaram
a deixar o hospital. Os três
automóveis partiram em alta
velocidade. No início da
madrugada, todos os reféns
haviam sido liberados.
Para um dos foragidos, o
sentimento de liberdade foi
breve demais. Toco, com sua
perna engessada, não foi longe.
Procurou a casa de familiares,
em Alvorada. Porém, a polícia foi
mais rápida. Quando o bandido
chegou ao local, policiais já o
aguardavam. Enquanto Toco
retornava à prisão, o secretário
Waldir Walter explicava a posição
do governo:
– Tivemos uma postura no
sentido de preservar vidas. Não
acreditamos que a decisão de
liberar os amotinados vá
incentivar outros presos a
provocarem novas rebeliões.
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 21/7/2007, E DOMINGO, 22/7/2007
Mudam as direções
● Depois da série de motins, a Secretaria de Justiça
começou a entregar a direção das maiores prisões
gaúchas a oficiais da Brigada Militar.
● O primeiro a assumir foi o capitão PM Edward
Flores de Siqueira, a quem foi entregue o controle
da Pej.
Começava a surgir, no papel, a Penitenciária de
Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
● Alguns dias depois, foi nomeado para a direção
do Presídio Central o major PM Edson Freitas
Furtado.
● O término do motim da Pej não devolveu a
● O governador Pedro Simon adiantou que seria
tranqüilidade ao sistema penitenciário gaúcho.
No dia seguinte, 620 presos deflagraram greve
de forme no Presídio Central.
construída uma nova prisão, para ser a nova
penitenciária de segurança máxima do Estado.
Para começar o novo ano
Prédio localizado
à margem do Rio
Jacuí foi palco de
rebelião em 1988
BM pronta para
agir na Pej
A resposta ao secretário
Waldir Walter não tardou.
Seis dias depois do
motim do Hospital
Penitenciário, às
10h30min do dia 4 de
janeiro de 1988, um
grupo de 20 presos da
Penitenciária Estadual do
Jacuí (Pej), em
Charqueadas, com um
estoque e um estilete,
iniciou uma rebelião.
Foram rendendo
agentes, recolhendo
armas e, em pouco
tempo, estavam
amotinados, com 27
reféns, na sala
da
administração.
Como se não
bastasse, se
apossaram das
chaves de
todas as celas
Piá
dos mais de
600 presos e
do depósito de armas.
Entre os amotinados
estava Jorge Luiz do
Amarante Devitz, o Piá,
que havia tentado fugir no
ano anterior, com
Dilonei Francisco
Melara e outros
oito presos.
● Rivais ficaram
com medo
Para impedir
uma possível
invasão da
polícia, eles
amarraram
alguns reféns
nas grades das
janelas das duas
salas que
ocupavam, no
primeiro e
no segundo andares
do prédio da
administração.
Exigiam dois
automóveis e um
carro-forte para fugir
e jornalistas para
acompanhá-los até a
saída do município.
Os amotinados eram
bastante temidos. Tanto
que, ao descobrirem que
eles haviam se rebelado,
presos de um grupo rival
“Daqui para frente, o rigor da lei”
Por volta das 20h, a Brigada
Militar iniciou uma operação de
guerra. Um helicóptero deixou
no telhado do pavilhão da
administração quatro PMs que
atiraram bombas de gás
lacrimogêneo nas duas salas
ocupadas. Do chão, integrantes
do Batalhão de Choque atiravam
em direção às salas.
Na madrugada seguinte,
foram retirados do prédio cinco
agentes penitenciários e uma
servente, todos baleados, e o
amotinado Jeová
Machado da Silva, que
fora rendido.
Tomados de
cansaço, sede e fome,
os presos começaram
a se render. Ao final da
manhã, apenas José
Salvador da Silva
Santos, o Zé do Doro,
permanecia irredutível.
Por volta das 15h30min
– 29 horas depois de
iniciada a rebelião – um
capitão PM aproximouse de uma das janelas e
passou um revólver a
um dos reféns.
Mesmo com as mãos
amarradas às grades, o
refém atirou três vezes
em Zé do Doro.
Socorrido, o bandido
sobreviveu. Terminado o motim,
foi computado o saldo: três
agentes e o preso Carlos Alberto
Moratto de Lima, o Betinho
Boró, mortos.
O governador Pedro Simon
mudara o discurso em relação
às rebeliões anteriores:
– Minha disposição é de não
negociar, porque isto, de fazer
motins, pode se tornar moda.
Imagina se o governo não
tomasse essa iniciativa, quando
havia a
ameaça de uma fuga em massa
de mais de 600 presos? Fique
muito claro. Nós pretendemos,
daqui para frente, agir sempre
com o rigor da lei.
O governador voltou a dizer
que o único objetivo era a fuga:
– Em se tratando de presos
perigosos, o que eles queriam
era sair. Por esta razão, mesmo
que estivessem confinados no
Hotel Plaza São Rafael, iriam
procurar um jeito de fugir.
Refém ferido
é retirado de
ambulância
Rivais dos rebelados
abriram um buraco
para se esconder
abriram
um buraco numa das
celas, cavaram um túnel
e se esconderam.
Antes do entardecer,
circulou uma notícia
referente a uma suposta
primeira vítima: Arno
Kaulkmann da Rosa, o
Alemão Arno, teria sido
morto, como represália
por ele ter participado da
execução de Vico e
Jussana.
Arno: uma morte
anunciada
A notícia de que Arno Kaulkmann da
Rosa, o Alemão Arno, teria morrido no
início do motim agitou a Pej. Porém,
terminada a rebelião, o cadáver não foi
encontrado. Para surpresa geral, Alemão
Arno estava vivo na chamada cela do
seguro (isolamento). No dia 25 daquele
mês (janeiro de 1988), ele iria à Vara de
Execuções Criminais para depor sobre a
morte de Vico.
Três dias antes de ir à Justiça e
quatro após deixar o
isolamento, Arno foi acordado
às 7h15min:
– Ô vagabundo, levanta que
hoje vamos acertar as contas –
foi a última frase que ouviu. Em
seguida, foi morto com cerca
de 50 estocadas.
Arno
Robôs, na linguagem dos
presídios, são presos que
executam serviços sujos encomendados.
Laranjas são os que assumem a autoria,
sem ter executado. Ambos recebem em
troca privilégios ou proteção. Era o caso
de Nego Chico que, em 1983, havia
assassinado ou assumido a morte do
assaltante de bancos Pingüim, no
Presídio Central.
Após a morte de Arno, Nego Chico se
vangloriava pelos corredores da Pej:
– Não “tô” arrependido. Não vinguei a
morte de Vico porque nem conhecia ele.
Apertei (matei) o Arno por minha moral
aqui dentro. A gente tinha bronca antiga.
Leia no
próximo
final de
semana: a
morte de
Carioca,
o Rei do
Morro
35
34
Os reis do morro
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
Carioca, a bola da vez
O traficante
Humberto Luciano
Brás de Souza, o
Carioca, participante
do motim de julho
de 1987 no
Presídio Central e
um dos líderes da
Falange Gaúcha,
estava custando
caro para o tráfico
do Morro da Cruz.
Para não matá-lo,
uma facção da
organização exigia
dos traficantes o
pagamento
mensal de um
“pedágio”.
Além disso,
não havia
perspectiva de
que Carioca,
agora recolhido à
Penitenciária
Estadual do Jacuí
(Pej), conseguisse
fugir. Em maio de
1989, fracassara
uma tentativa de
libertá-lo. Na
O assassinato de Alemão
Arno, na Penitenciária
Estadual do Jacuí, em
janeiro de 1988, não
encerrou o ciclo de baixas
entre os integrantes da
Falange Gaúcha – organização
criada por bandidos para
controlar o crime em prisões e
favelas.
Desde agosto de 1987, já
haviam morrido também
Vico, Prego, Pedro Adelar,
Professor e Baleia. Em 1989,
começavam as ameaças a
Carioca, o idolatrado líder do
tráfico de drogas no Morro da
Cruz, que estava na Pej.
No dia 24 de
setembro de 1989,
um domingo,
terminado o horário de
visitas, Carioca,
recolhido a uma cela
do seguro (isolamento)
por ter denunciado as
ameaças de morte
que sofria, parecia
desesperado. Quando
sua companheira se
despediu, o traficante,
como uma criança, se
agarrou às grades e,
● Gritava como
uma criança
chorando, implorou
para que ela não
A tentativa de
fosse:
suborno já estava
– Não me deixa
sendo investigada pelo aqui. Vão me matar.
serviço de informações
A jovem foi retirada
da Brigada Militar, que pela guarda, que
havia interceptado
alegava o final do
alguns bilhetes escritos horário de visitas. A
por Carioca, propondo companheira do
a propina ao PM
traficante saiu da
envolvido. Por isso, de penitenciária
uma hora para outra,
assustada, ouvindo
foi suspenso o
ainda os gritos
pagamento do
desesperados de
pedágio.
Carioca.
Simulação de suicídio caiu por terra
O capítulo anterior
21 e 22/7/2007
ocasião, Carioca
estava na Penitenciária
Estadual de
Charqueadas (Pec), e
dois amigos seus
foram flagrados no
momento em que
entregavam a um
policial militar de
serviço na prisão uma
pasta com dinheiro
e um revólver calibre
38.
O traficante sabia
que seria morto
A jovem
companheira do
traficante já havia
retornado a Porto
Alegre, quando, na
Pej, começaram a
circular as
informações sobre
dois enforcamentos.
Um deles, na sexta
galeria. Era Paulo
Miranda da Rosa, o
Paulinho Pistoleiro,
que estava
pendurado por uma
corda presa a uma
janela basculante do
banheiro. Marcas
em seu corpo não
deixavam dúvidas de
que havia sido
assassinado:
sangramento no
nariz e hematomas
no rosto.
O outro era
justamente Carioca,
enforcado com seu
próprio cadarço de
tênis, na cela de
isolamento, onde
estava sozinho. A
versão oficial era de
que se matara, durante
uma crise depressiva.
● Piso molhado,
meias secas
No dia seguinte,
essa versão começaria
a cair por terra. O
Instituto Médico Legal
revelava a existência
de equimoses e
escoriações
(ferimentos) nas
costas, braços, dedos
e testículos.
Além disso, Carioca,
havia deixado uma lista
de pessoas que tinham
a intenção de matá-lo,
num bilhete
encontrado na frente
de sua cela. Outros
indícios foram
destacados pelo
secretário da Justiça,
Bernardo de Souza:
– De acordo com o
laudo do IML, os sinais
encontrados na língua
de Carioca são
diferentes dos que
deveriam ser
encontrados em caso
de suicídio por
enforcamento.
Uma outra pista foi
deixada pelos
criminosos. O piso da
cela estava molhado, e
as meias de Carioca,
que estava sem tênis,
secas. Além disso,
presidiários disseram
que viram cinco
homens entrando e
saindo da cela do
traficante.
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 28/7/2007, E DOMINGO, 29/7/2007
Marcado para morrer
● Jesus Aderbal Silveira Martins,
o Toco, assim como Professor e
Alemão Arno, que haviam sido
assassinados na prisão, estava
condenado. O motivo: havia dito que
matara Vico.
● No dia 4 de maio de 1988, numa
das celas da Penitenciária Estadual
de Charqueadas (PEC), Toco comeu
um sanduíche que lhe chegou às
mãos envenenado. Passou mal,
vomitou, sentiu tonturas, mas
acabou socorrido a tempo.
● Naquele mesmo mês, um preso que
trabalhava como auxiliar de plantão
da guarda interna (condenados com
bom comportamento que cuidavam
dos portões das galerias) afirmou
ter recebido uma proposta de
Cz$ 10 mil de Dilonei Francisco
Melara e de Celestino Linn pela
chave da cela de Toco.
Luto volta ao Morro da Cruz
Com a morte de Carioca,
parte do Morro da Cruz
cobriu-se de luto. O
traficante foi velado numa
das casas da comunidade.
Depois, o caixão percorreu
as principais ruas e vielas da
vila, ao som de tiros de
revólveres e rajadas de
metralhadoras. O enterro foi
realizado no Cemitério
Ecumênico João XXIII.
Para uma parcela da
sofrida população local, o
traficante, equivocadamente,
era considerado um “Robin
Hood”, que obtinha dinheiro
“dos bacanas” com a venda
de tóxicos e depois ajudava
a quem precisava.
O império do tráfico foi
herdado por Carioca em
setembro de 1979. Antes
disso, ele pertencia a
Eduardo Corrêa dos Santos,
o Anão, que o criou. Em
meados da década de 70, o
pequeno homem, de um
metro e meio de altura – por
isso, o apelido – começou a
impor suas regras na área
formada por cinco vilas,
onde viviam 25 mil pessoas,
organizando o tráfico e
tornando-se seu líder.
Numa segunda etapa,
Anão procurou conquistar o
respeito e a admiração das
demais pessoas da
comunidade. Para tanto,
impôs regras de segurança,
“proibindo” homicídios,
assaltos, furtos e estupros
no morro. Quem
descumprisse, poderia se
considerar morto. Ali, só
se traficava.
● Aproveitava-se de
brechas do Estado
Além disso, distribuía
ranchos para as famílias
necessitadas, remédios
para doentes e idosos,
balas, biscoitos e
brinquedos para a
criançada.
Aproveitando-se de
brechas deixadas pelo
Estado, Anão tornouse um ídolo,
idolatrado e defendido
por muitos.
Em troca da segurança e
da assistência, Anão exigia
fidelidade e proteção
perante a polícia. O
traficante fez juras de amor
à comunidade e, certo dia,
afirmou que só sairia do
morro morto.
Anão alternava locais
em que dormia
A captura de Anão
um cobertor, uma
virou questão de honra
garrafa térmica, um
para a polícia. O
revólver calibre 38,
traficante sabia disso e,
algumas parangas de
para evitar surpresas
maconha e a Mimosa,
desagradáveis, alternava fiel vira-latas do
os locais em que
traficante. Ele havia
passava as noites. Na
sumido.
madrugada de 14 de
Na manhã seguinte, o
setembro de 1979, ele
mistério foi desfeito.
dormiu no porão
Eram 6h30min
do Grupo Escolar
quando uma
América, na Vila
jovem encontrou
Vargas.
Anão
Por volta das
agonizante, com
2h, três homens
um ferimento de
desembarcaram
bala no tórax.
de um táxi na
Socorrido,
Anão
comunidade.
morreria a
Armados, se
caminho do
apresentaram como
Hospital de Pronto
policiais e exigiram
Socorro. A notícia de sua
informações acerca do
morte espalhou-se
paradeiro do traficante.
rapidamente, e o morro
Prevaleceu a lei do
acordou de luto. Várias
silêncio. Assim mesmo,
bandeiras pretas foram
minutos depois, foram
hasteadas nas casas e,
ouvidos vários tiros.
até mesmo, na Cruz da
No local onde Anão
igreja que dá nome ao
dormia, restava apenas
morro.
Caixão de Carioca
percorreu ruas e
vielas nos braços de
seus amigos
Uma nova sucessão no comando do tráfico
Com a morte de Anão,
Carioca, seu braço-direito,
vindo do Rio de Janeiro, foi
alçado à condição de patrão.
Adotou algumas
providências, como a de
recrutar meninos para o
exército do tráfico, na função
de vigias. De locais
estratégicos, em pontos
altos, eles controlavam todas
as entradas do morro. A
qualquer carro ou grupo de
pessoas estranhas que
fossem vistos, sinalizavam
com fogos de artifício ou por
rádio transmissor. A cada
alarme, Carioca tratava de
se esconder.
Mesmo assim, ele nem
Bandeira preta no
império do tráfico
sempre escapava das garras
da lei. Em 1982, desceu o
morro e foi dormir no
barraco de uma amante, na
Vila São Carlos, no Bairro
Intercap. Acordou na mira
dos revólveres da polícia e,
durante a manhã, já
chegava ao Presídio Central.
O traficante ficou cinco
anos em regime fechado.
Em 1987, beneficiado pela
troca de regime, foi
transferido para o semiaberto, na Colônia Penal
Agrícola Daltro Filho, em
Charqueadas. Fugiu, mas
acabou recapturado pela
polícia, que subiu o Morro
da Cruz disfarçada em um
caminhão de mudanças.
Meses depois, Carioca
voltaria a fugir, participando
do motim no Presídio
Central.
Antes disso, havia
associado o tráfico às
quadrilhas de assaltantes de
banco.
Mas agora Carioca estava
morto, e o luto voltava ao
Morro da Cruz. Além disso,
uma nova sucessão estava
prevista no comando do
tráfico de drogas do local.
Chegava a vez de Jorge Luís
Queirós Ventura, o Jorginho
da Cruz, 28 anos, braçodireito de Carioca, que se
encontrava foragido.
Leia no
próximo
final de
semana:
começa a
guerra nas
prisões
gaúchas
35
34
Guerra na prisão
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
Com a morte do
traficante Carioca
(tema do capítulo
anterior), seu braço
direito, Jorginho da Cruz,
era o mais cotado para
assumir o comando do tráfico no
Morro da Cruz. Seria mantida,
assim, uma tradição iniciada
com a sucessão de Anão por
Carioca, havia dez anos.
Porém, na Falange Gaúcha –
organização criada por bandidos
para comandar o crime em
prisões e favelas – havia mais
gente interessada no comando
do tráfico: Melara. Criou-se uma
guerra nas prisões.
O capítulo anterior
28 e 29/7/2007
Jorginho não resiste ao cerco policial
Jorginho
foi preso no
Interior
O cerco policial ao traficante
Jorge Luís Queirós Ventura, o
Jorginho da Cruz, aumentou
consideravelmente. Foi uma das
conseqüências da morte de
Humberto Luciano Brás de
Souza, o Carioca. Afinal,
Jorginho era o sucessor no
comando do tráfico do Morro da
Cruz. O traficante, então,
resolveu buscar refúgio
temporariamente no Interior do
Estado.
Pouco a pouco, os homens
mais próximos a Jorginho na
hierarquia do tráfico foram
capturados. No dia 8 de julho de
1990, o próprio líder esteve
perto de ser preso, quando
policiais cercaram um sítio onde
ele estava escondido, em
Camaquã (Zona Sul do Estado.
Porém, Jorginho conseguiu furar
o bloqueio, seguindo para São
Lourenço do Sul.
A Delegacia de Tóxicos de
Porto Alegre manteve-se no
encalce do traficante. No dia 19
de setembro daquele ano,
quando embarcava em um táxi
em São Lourenço, para buscar
maconha em Camaquã,
Jorginho acabou surpreendido
por agentes da especializada.
Naquela época, o traficante
estava indiciado em cinco
inquéritos e com prisão
preventiva decretada pela
Justiça. Para a polícia, sua
prisão representava um grande
golpe no esquema de tráfico do
Morro da Cruz.
Melara foge e é preso numa fazenda
A cotação do Presídio
Regional de Bagé estava
alta. Havia muito tempo
que ninguém conseguia
fugir de lá. Por isso, alguns
dos principais bandidos do
Estado haviam sido
transferidos para aquela
prisão. Entre eles, Dilonei
Francisco Melara,
condenado a 48 anos de
reclusão por assaltos e
duplo homicídio.
Em 14 de março de
1991, porém, Melara
liderou a fuga de um grupo
de presos. Para recapturálos, houve uma grande
mobilização, inclusive com
o envio de policiais civis da
Delegacia de Capturas e
militares do Grupamento
de Ações Tático Especiais
(Gate), da Capital, que se
juntaram ao contingente
local. Aos poucos, os
foragidos iam sendo pegos.
Passadas duas semanas,
faltava apenas Melara. No
dia 27 daquele mês,
quando mais de cem
policiais o procuravam,
inclusive com um avião
bimotor e cães farejadores,
o bandido assava, num
matagal da Estância do
Céu, em São Gabriel, uma
Peões
prenderam
Melara e...
abóbora furtada.
A fumaça acabou
chamando a atenção
de dois peões que,
apenas com o uso de
relhos, prenderam
Melara. A dupla
entregou o assaltante
à Brigada Militar. Um
Melara cabisbaixo,
calado e
inconformado foi
algemado e devolvido
ao sistema
penitenciário.
... o entregaram
à Brigada Militar
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 4/8/2007, E DOMINGO, 5/8/2007
Para a Pasc, às pressas
● A guerra entre os detentos das principais prisões precipitou uma
decisão da Secretaria de Justiça, em janeiro de 1992: 55 deles,
de alta periculosidade, foram removidos do Presídio Central,
da Pej e da Pec para a Penitenciária de Alta Segurança de
Charqueadas (Pasc), ativada em caráter emergencial.
Foram várias batalhas
Grupos liderados por Jorginho da Cruz e por
Melara começaram a disputar, dentro das
prisões, a hegemonia da Falange Gaúcha.
Incêndio
● No dia 14 de março de 1991, no Pavilhão
C do Presídio Central, numa disputa entre as
facções, seis presos morreram carbonizados e
22 ficaram feridos.
Pistolas
● Em fevereiro de 1991, Careca Quico, do grupo
de Jorginho da Cruz, recebeu, na Galeria C do
Presídio Central, duas pistolas 7.65, dentro de
um motor de refrigerador. Elas teriam sido ali
colocadas por um agente penitenciário, subornado
para facilitar a entrada de drogas e armas na prisão.
● Uma das pistolas foi escondida debaixo de um
azulejo, na parede de uma cela. A outra era usada
por Jorginho da Cruz, líder do Pavilhão C.
Seqüestros
● Em 1990, a polícia havia prendido um assaltante
que tinha um bilhete com orientações para o
seqüestro do então governador Pedro Simon. A
mensagem estava assinada com as letras D.F.M.,
de Dilonei Francisco Melara.
● Em 1990, também, Nego Dago, Dentinho, Pelezinho
e Pé de Pato, do grupo de Jorginho da Cruz,
planejaram seqüestrar um juiz da Vara de Execuções
Criminais. Desistiram porque o magistrado
estava com seguranças.
● Em reunião no Pavilhão C do Presídio Central,
em 1991, o grupo de Jorginho da Cruz
decidiu seqüestrar o então governador Alceu
Collares. Quatro assaltantes estiveram perto
de tentar executar o plano.
Agentes e PMs
contiveram
tumulto na Pec
Estadual do Jacuí, em janeiro de 1988.
● A morte de Topo Gigio provocou reações contrárias
nos pavilhões B (ocupado por aliados de Melara) e
C (do grupo liderado por Jorginho da Cruz).
● No pátio, presos do C comemoravam. Indignada,
a turma do B se armou de trabucos e, pelas janelas
das celas, começou a alvejar os rivais. Houve revide.
Um preso ficou ferido na perna.
● O tráfico mantinha um caixa no Pavilhão C do
Presídio Central, para a compra de regalias, como
acesso a drogas, quatro visitas semanais e até a
escolha de melhores alojamentos.
Ataque
● No 25 de outubro de 1991, na Penitenciária
Estadual de Charqueadas (Pec), um grupo de
presos da galeria B atacou 45 rivais da Galeria
C, no pátio. Quem atacou levou a pior: três
presos da galeria B foram mortos.
● Melara, da galeria B, assistiu a tudo de sua
cela. Jorginho da Cruz, que estava no pátio,
saiu ileso. Os dois tinham segurança, feita por
presos de suas facções.
● Melara e Jorginho tinham até quem
provasse seus alimentos para ver se não
estavam envenenados.
● Piá, a principal testemunha do massacre de
Topo Gigio, resolveu abrir a boca. Ao secretário de
Justiça, Geraldo Gama, ele disse que havia sido
espancado por agentes penitenciários, juntamente
com Topo Gigio, na cela de triagem.
Trabucos
● 7 de janeiro de 1992: era dia de visitas para o
Pavilhão C, e, às 10h, os presos aguardavam seus
familiares no pátio. Do Pavilhão B
partiram tiros de trabuco.
● Quatro presos que estavam no pátio
ficaram feridos.
● Outros três, entre os quais, Chico
Piá
Cavalheiro, que estavam no pavilhão
B e efetuaram os disparos, foram
gravemente feridos no rosto por tiros
que, literalmente, saíram pela culatra.
Piá
● No dia 31 de janeiro de 1992, circulou entre
os presos a informação de que Piá seria morto.
A Superintendência dos Serviços Penitenciários
(Susepe)
determinou sua remoção para a
recém-ativada Penitenciária de
Alta Segurança de Charqueadas
(Pasc). Porém, ele não aceitou.
● O medo de que a comida fosse
envenenada provocou
um crime em novembro
Topo Gigio de 1991. Foi morto,
com um tiro de trabuco
● Dois dias depois, Piá foi
● Em todos os planos, a idéia era trocar a
(espingarda artesanal), o
enforcado em uma cela do
autoridade seqüestrada por presidiários.
preso Leandro Araújo dos Santos,
pavilhão B do Presídio Central.
o Zé Galinha, 37 anos, que
Era a única testemunha da
Armas
trabalhava na cozinha da Pec.
morte de Topo Gigio.
● Sob o assoalho de uma casinha de santo, na frente
do terreiro da mãe-de-santo de Jorginho da Cruz, na ● O autor do crime foi Francisco
Pistola e pólvora
dos Reis Cavalheiro, o Chico
Vila São José, na Capital, foram encontradas uma
● Em maio de 1992, a
Cavalheiro, do grupo da galeria B.
metralhadora 9mm, quatro pistolas e munição.
segurança da Pec recebeu a
Alegou que Zé Galinha, a serviço de
informação de que pólvora,
● As armas e a munição seriam utilizadas no
Jorginho da Cruz, pretendia matar
espoleta e uma pistola
seqüestro de autoridades e, depois, devolvidas ao
os rivais por envenenamento.
entrariam na prisão, para que
tráfico do Morro da Cruz.
Topo Gigio
fossem mortos quatro presos:
Armas na
Jorginho da Cruz, Nego Pinto,
Mulher tentou
● No Presídio Central, em 10 de
casinha de
Mamadeira e Luizinho.
levar maconha e
dezembro de 1991, João Clóvis
santo
pólvora para a Pec
de Oliveira Vieira, o Topo Gigio,
● Dias depois, na revista a
37 anos, braço direito de Melara,
visitantes, foram descobertas num
amanheceu morto na cela de triagem, com
fundo falso de um pote de comida, levado por uma
escoriações e hematomas pelo corpo.
mulher, pólvora, espoleta e maconha.
● Topo Gigio era conhecido por ter sido libertado
Incêndio
por Melara e Celestino Linn num ônibus da
● Em 13 de agosto de 1992, o grupo de Melara
Empresa Caxiense, em 1985, num episódio em
tentou matar 140 rivais, incendiando um pavilhão
que foram mortos dois agentes penitenciários.
da Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej). Provocaram
● Topo Gigio estava na cela com Jorge Luiz Devitz,
um curto-circuito e atearam fogo em colchões. Mas
o Piá, um dos líderes do motim da Penitenciária
os presos foram retirados a tempo para o pátio.
Leia no
próximo
final de
semana:
cresce o
poder de
Melara
35
34
Melara, o eleito
“O preso tratado como cidadão”
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
Depois da morte
de importantes
líderes da Falange
Gaúcha – criada
por bandidos para
comandar o crime em
prisões e favelas gaúchas
– , como Vico, Professor
e Carioca, começou a ser
travada uma guerra pelo
controle da organização
criminosa. De um lado, o
grupo de Melara. De outro, a
facção de Jorginho da Cruz.
Nessa guerra, aos poucos,
Melara ganhava terreno,
e sua fama e seu poder
iam crescendo no mundo
do crime. Paralelamente,
uma nova geração de
bandidos começava a surgir
e a engrossar as fileiras da
Falange Gaúcha.
O capítulo anterior
4 e 5/8/2007
O secretário
Geraldo Gama (E)
reuniu-se com
Melara (D)
Na disputa pelo comando
da Falange Gaúcha, Dilonei
Francisco Melara começava a
levar vantagem sobre o arquirival Jorge Queirós Ventura, o
Jorginho da Cruz. Por
determinação de Melara, 600
presos do Presídio Central e
das penitenciárias Estadual de
Charqueadas (Pec), Estadual
do Jacuí (Pej) e de Alta
Segurança de Charqueadas
(Pasc) decretaram greve de
fome em fevereiro de 1992.
O secretário de Justiça, do
Trabalho e da Cidadania,
Geraldo Gama, reuniu-se
durante três horas com
Melara, no refeitório da Pasc.
O presidiário levou, como
assessor, Celestino Linn.
Geraldo Gama deixou a
Pasc elogiando Melara:
– É uma pessoa simples e
um bom negociador. Detém
uma liderança forte, mas não
é intransigente. Adotamos
uma nova política prisional: a
de manter uma maior
aproximação com o apenado.
Dessa política, nasceu o
slogan “O preso tratado como
cidadão”. E como todo o
cidadão que se preze, os
presos foram convocados a
irem às urnas para elegerem
seus líderes, aqueles que
seriam seus porta-vozes nas
reuniões com os
representantes do governo.
Na Pasc, Melara foi eleito
com cerca de 30% dos votos.
Roubos começaram em táxis e ônibus
Presos
elegeram seus
representantes
O eleito na Pasc para
ser representante dos
presos, Dilonei Francisco
Melara, não admitia
qualquer comando ou
influência sobre a massa
carcerária e negava a
existência de uma falange
nos presídios gaúchos.
Com 1,85m de altura
e cabelos grisalhos, aos
33 anos, naquele ano de
1992, Melara mais do
que nunca se esforçava
para passar a idéia de um
“bandido social”, fruto de
um sistema injusto, e
tentava impressionar com
frases fortes. Dizia que o
gerador de conflitos nas
prisões era o próprio
sistema penitenciário
“precário e falido”.
● Fugiu duas vezes
da Pec
Seu ingresso no mundo
do crime ocorrera na
década de 70, com
assaltos a táxi e ônibus
em Caxias do Sul. No
início dos anos 80, foi
condenado por assalto a
banco.
Em 1985, ficou
marcado ao liderar a
operação que libertou seu
parceiro João Clóvis de
Oliveira Vieira, o Topo
Gigio. Na ação, Melara e
Celestino Linn mataram
dois agentes
penitenciários.
Melara também foi o
responsável pela primeira
e pela segunda fugas
ocorridas na Penitenciária
Estadual de Charqueadas
(Pec), na época, de
segurança máxima.
34
Melara, o eleito
“O preso tratado como cidadão”
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
Depois da morte
de importantes
líderes da Falange
Gaúcha – criada
por bandidos para
comandar o crime em
prisões e favelas gaúchas
– , como Vico, Professor
e Carioca, começou a ser
travada uma guerra pelo
controle da organização
criminosa. De um lado, o
grupo de Melara. De outro, a
facção de Jorginho da Cruz.
Nessa guerra, aos poucos,
Melara ganhava terreno,
e sua fama e seu poder
iam crescendo no mundo
do crime. Paralelamente,
uma nova geração de
bandidos começava a surgir
e a engrossar as fileiras da
Falange Gaúcha.
O capítulo anterior
4 e 5/8/2007
O secretário
Geraldo Gama (E)
reuniu-se com
Melara (D)
Na disputa pelo comando
da Falange Gaúcha, Dilonei
Francisco Melara começava a
levar vantagem sobre o arquirival Jorge Queirós Ventura, o
Jorginho da Cruz. Por
determinação de Melara, 600
presos do Presídio Central e
das penitenciárias Estadual de
Charqueadas (Pec), Estadual
do Jacuí (Pej) e de Alta
Segurança de Charqueadas
(Pasc) decretaram greve de
fome em fevereiro de 1992.
O secretário de Justiça, do
Trabalho e da Cidadania,
Geraldo Gama, reuniu-se
durante três horas com
Melara, no refeitório da Pasc.
O presidiário levou, como
assessor, Celestino Linn.
Geraldo Gama deixou a
Pasc elogiando Melara:
– É uma pessoa simples e
um bom negociador. Detém
uma liderança forte, mas não
é intransigente. Adotamos
uma nova política prisional: a
de manter uma maior
aproximação com o apenado.
Dessa política, nasceu o
slogan “O preso tratado como
cidadão”. E como todo o
cidadão que se preze, os
presos foram convocados a
irem às urnas para elegerem
seus líderes, aqueles que
seriam seus porta-vozes nas
reuniões com os
representantes do governo.
Na Pasc, Melara foi eleito
com cerca de 30% dos votos.
Roubos começaram em táxis e ônibus
Presos
elegeram seus
representantes
O eleito na Pasc para
ser representante dos
presos, Dilonei Francisco
Melara, não admitia
qualquer comando ou
influência sobre a massa
carcerária e negava a
existência de uma falange
nos presídios gaúchos.
Com 1,85m de altura
e cabelos grisalhos, aos
33 anos, naquele ano de
1992, Melara mais do
que nunca se esforçava
para passar a idéia de um
“bandido social”, fruto de
um sistema injusto, e
tentava impressionar com
frases fortes. Dizia que o
gerador de conflitos nas
prisões era o próprio
sistema penitenciário
“precário e falido”.
● Fugiu duas vezes
da Pec
Seu ingresso no mundo
do crime ocorrera na
década de 70, com
assaltos a táxi e ônibus
em Caxias do Sul. No
início dos anos 80, foi
condenado por assalto a
banco.
Em 1985, ficou
marcado ao liderar a
operação que libertou seu
parceiro João Clóvis de
Oliveira Vieira, o Topo
Gigio. Na ação, Melara e
Celestino Linn mataram
dois agentes
penitenciários.
Melara também foi o
responsável pela primeira
e pela segunda fugas
ocorridas na Penitenciária
Estadual de Charqueadas
(Pec), na época, de
segurança máxima.
34
Melara, o eleito
“O preso tratado como cidadão”
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
Depois da morte
de importantes
líderes da Falange
Gaúcha – criada
por bandidos para
comandar o crime em
prisões e favelas gaúchas
– , como Vico, Professor
e Carioca, começou a ser
travada uma guerra pelo
controle da organização
criminosa. De um lado, o
grupo de Melara. De outro, a
facção de Jorginho da Cruz.
Nessa guerra, aos poucos,
Melara ganhava terreno,
e sua fama e seu poder
iam crescendo no mundo
do crime. Paralelamente,
uma nova geração de
bandidos começava a surgir
e a engrossar as fileiras da
Falange Gaúcha.
O capítulo anterior
4 e 5/8/2007
O secretário
Geraldo Gama (E)
reuniu-se com
Melara (D)
Na disputa pelo comando
da Falange Gaúcha, Dilonei
Francisco Melara começava a
levar vantagem sobre o arquirival Jorge Queirós Ventura, o
Jorginho da Cruz. Por
determinação de Melara, 600
presos do Presídio Central e
das penitenciárias Estadual de
Charqueadas (Pec), Estadual
do Jacuí (Pej) e de Alta
Segurança de Charqueadas
(Pasc) decretaram greve de
fome em fevereiro de 1992.
O secretário de Justiça, do
Trabalho e da Cidadania,
Geraldo Gama, reuniu-se
durante três horas com
Melara, no refeitório da Pasc.
O presidiário levou, como
assessor, Celestino Linn.
Geraldo Gama deixou a
Pasc elogiando Melara:
– É uma pessoa simples e
um bom negociador. Detém
uma liderança forte, mas não
é intransigente. Adotamos
uma nova política prisional: a
de manter uma maior
aproximação com o apenado.
Dessa política, nasceu o
slogan “O preso tratado como
cidadão”. E como todo o
cidadão que se preze, os
presos foram convocados a
irem às urnas para elegerem
seus líderes, aqueles que
seriam seus porta-vozes nas
reuniões com os
representantes do governo.
Na Pasc, Melara foi eleito
com cerca de 30% dos votos.
Roubos começaram em táxis e ônibus
Presos
elegeram seus
representantes
O eleito na Pasc para
ser representante dos
presos, Dilonei Francisco
Melara, não admitia
qualquer comando ou
influência sobre a massa
carcerária e negava a
existência de uma falange
nos presídios gaúchos.
Com 1,85m de altura
e cabelos grisalhos, aos
33 anos, naquele ano de
1992, Melara mais do
que nunca se esforçava
para passar a idéia de um
“bandido social”, fruto de
um sistema injusto, e
tentava impressionar com
frases fortes. Dizia que o
gerador de conflitos nas
prisões era o próprio
sistema penitenciário
“precário e falido”.
● Fugiu duas vezes
da Pec
Seu ingresso no mundo
do crime ocorrera na
década de 70, com
assaltos a táxi e ônibus
em Caxias do Sul. No
início dos anos 80, foi
condenado por assalto a
banco.
Em 1985, ficou
marcado ao liderar a
operação que libertou seu
parceiro João Clóvis de
Oliveira Vieira, o Topo
Gigio. Na ação, Melara e
Celestino Linn mataram
dois agentes
penitenciários.
Melara também foi o
responsável pela primeira
e pela segunda fugas
ocorridas na Penitenciária
Estadual de Charqueadas
(Pec), na época, de
segurança máxima.
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 11/8/2007, E DOMINGO, 12/8/2007
35
Pensamentos de Melara
Seguindo o exemplo dos “ídolos”
Bicudo manteve
jovem sob mira
de sua arma
participara da morte de um
A guerra entre presos parecia
professor de Educação Física para
interminável. No interior do
roubar o seu carro, na Rua José
Estado, passaram quase
Bonifácio, em Porto Alegre. No
despercebidas as mortes de
mesmo ano, assaltara uma
Alemão Frida, Paulinho Escort,
videolocadora e, diante
participantes do motim de
da chegada da polícia,
1987 no Presídio Central,
mantivera uma
e Toco, que afirmara ter
funcionária do
matado Vico. Os três
estabelecimento como
foram assassinados dentro
refém, com uma arma
de prisões.
apontada para a sua
Por outro lado, uma
cabeça. Depois, liderara
nova geração de
Bicudo
um motim na antiga
assaltantes começou a
Fundação Estadual do
preocupar a polícia e a
Menor – Febem (atual Fundação
ganhar destaque no noticiário
de Assistência Sócio-Educativa).
policial. Um deles era Carlos
Bicudo, agora, tinha mais de
Jefferson dos Santos, o
18 anos e estava condenado por
Bicudo, o mesmo jovem que,
aos 16 anos, em 1987, havia assaltos e estupros. Preso na
sido preso por arrombamentos Penitenciária de Alta Segurança
em Canoas e confessara ser fã de Charqueadas (Pasc), onde
tever a chance de realizara o
de Vico, Professor e Melara.
sonho de conhecer e se juntar ao
O mesmo Bicudo, em 1988,
bando de Melara.
aos 17 anos incompletos,
Assaltante de peruca loira
Outro integrante da nova
geração era Fernando
Rodolfo Dias, o
Fernandinho, um exintegrante de gangues
juvenis, alto, magro,
branco, frio e calculista,
que passou a assaltar
bancos com uma
peculiaridade: usava uma
peruca loira.
Foi assim que
Fernandinho e outros três
homens atacaram o posto
bancário localizado no
bloco dos consultórios
médicos do Hospital
Moinhos de Vento, em
Porto Alegre, numa sextafeira 13, de agosto, em
1993.
Fernandinho, vestindo
um sobretudo e com a
sua tradicional
peruca, misturouse aos clientes do
posto. De
surpresa, sacou
uma pistola
automática e rendeu
dez pessoas.
Depois, agarrou
quatro malotes com
dinheiro e saiu
correndo.
Dois outros
assaltantes o
aguardavam no
saguão e um quarto
ao volante de
um Voyage,
já com o
motor
ligado.
Os
ladrões já se preparavam
para fugir, quando o PM
que patrulhava aquela
área da cidade surgiu na
entrada do prédio. Ao
perceber que ocorria um
assalto, o policial militar se
entrincheirou atrás de
floreiras. Como havia
grande movimento no
local, resolveu não atirar.
Fernandinho não teve a
mesma preocupação. Com
sua pistola, disparou uma
saraivada de tiros contra o
policial militar, acertando
dois. Enquato o PM era
socorrido, Fernandinho e
seus companheiros fugiam
no Voyage, em alta
velocidade.
Dois meses depois,
Fernandinho foi preso
em Caxias do Sul
e transferido
para o Presídio
Central, em
Porto Alegre.
Fernandinho foi
preso em Caxias
Policiais na
frente da casa
assaltada
Invasão na Boa Vista
No dia 6 de outubro de
na suíte do casal para
1993, outro assaltante
formalizar o assalto:
ganhava as manchetes:
– Queremos 200 mil
Eram 8h15min, quando
dólares – foram enfáticos.
um estudante de 18 anos,
Um dos assaltantes era
atrasado, deixava sua casa,
Luiz Paulo Chardozin Pereira,
no Bairro Boa Vista, em
o Chardozinho, indiciado em
Porto Alegre, para ir à
cinco inquéritos:
aula, no Colégio
três por roubo,
Anchieta. Ao entrar em
um por homicídio
seu carro, ouviu uma
e outro por furto.
voz estranha, em tom
Quando o dono
de deboche:
da casa entrou
– Pô, cara. Tu
em contato com
demorou, e a gente já
amigos a fim de
Chardozin arrecadar a
tava indo embora.
O rapaz foi dominado
quantia solicitada,
por dois homens e
um deles
forçado a retornar à
desconfiou e chamou a
residência, onde estavam
polícia.
seus pais, sua irmã, uma
A casa foi cercada por
cozinheira e uma copeira.
policiais militares e civis, e o
Encapuzados, os dois
caso virou um assalto com
assaltantes reuniram todos
reféns. Foram mais de nove
horas de negociações. Para
se entregar, os bandidos
pediam para serem levados
para presídios do Interior.
Chardozinho considerava
essencial essa exigência. Ele
estava comprometido com a
facção da Falange Gaúcha
liderada por Melara e, dessa
forma, obrigado a mandar
dinheiro para dentro das
penitenciárias. Havia
falhado, e isso poderia
custar-lhe a vida, caso fosse
levado para o Presídio
Central ou para o complexo
de Charqueadas.
Quando os policiais foram
autorizados a entrar na casa,
os dois assaltantes foram
algemados e presos.
Chardozinho, contra sua
vontade, foi levado ao
Presídio Central.
Leia no
próximo
final de
semana: a
invasão do
Plaza São
Rafael
30
s
Terror nas ruas
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
O gelado dia 8 de julho de
1994 ficou na história
de Porto Alegre.
Pela manhã, carros,
telhados e calçadas foram
momentaneamente cobertos
por fragmentos de gelo,
classificados pelos especialistas
como neve granular.
À noite, a seqüência de um motim
promovido pela facção da
Falange Gaúcha liderada por
Melara no Hospital Penitenciário,
ganhou as ruas com cenas típicas de
cinema e parou uma amedrontada
Capital. O desfecho se daria no
principal hotel da cidade, na época,
não sem antes deixar um saldo de
cinco mortos.
O começo
No dia 7 de julho, uma quintafeira, à tarde, seis presos-pacientes
– Fernando Rodolfo Dias, o
Fernandinho, Francisco dos Reis
Cavalheiro, o Chico Cavaheiro,
Pedro Ronaldo Inácio, o Bugigão,
José Carlos Pureza, Vladimir
Santana, o Sarará da Vó, e Nauro
Pereira, o Boró – armados
renderam 27 funcionários do
Hospital Penitenciário, em prédio
anexo ao Presídio Central, e
começaram o motim.
Já no início das
negociações, os
amotinados exigiram
que a eles se
juntassem Carlos
Jéfferson Souza dos
Santos, o Bicudo, e
Luiz Paulo
Schardozin Pereira,
o Chardozinho, que
estavam no
Pavilhão B do
Presídio Central,
dominado pelo grupo de
Melara. Os negociadores cederam em troca
uma telefonista que havia passado mal.
Bicudo assumiu o comando do motim.
O líder
Na madrugada do dia 8,
avançaram as negociações
entre os presos e uma
comissão formada por
representantes dos três
poderes, da Polícia Civil e da
Brigada Militar. Uma nova
exigência foi atendida: foram
Melara deixa a
Pasc pela porta da
frente. Atrás (D),
Celestino Linn
removidos da Penitenciária de
Alta Segurança de
Charqueadas (Pasc) para o
local do motim os presos
Dilonei Francisco Melara e
Celestino Linn, que saíram
pela porta da frente e sem
algemas.
Claudinei, baleado, fica
caído ao lado do Gol
A fuga
Às 21h40min do dia 8, terminou a rebelião
no Hospital Penitenciário. Divididos em três
Gol cedidos a eles, dez amotinados deixaram
o pátio do Presídio Central, com três reféns
em cada carro. Começava uma longa,
cinematográfica, dramática e sangrenta
caçada pelas ruas de Porto Alegre. Dezenas
de automóveis, com centenas de policiais,
seguiram os carros dos bandidos.
O capítulo anterior
11 e 12/8/2007
As exigências
Bicudo (E) com o
refém Claudinei
Enrolados em
cobertores, bandidos se
preparam para a fuga
Tiroteio
Bicudo, que dirigia o Gol no qual
estavam também Melara,
Fernandinho e Linn, abandonou o
volante na Rua Ivo Corseul, no
Bairro Petrópolis, e fugiu a pé. Um
dos reféns, o diretor do Hospital
Penitenciário, Claudinei Santos,
assumiu a direção. Porém, pouco
tempo depois, houve tiroteio na
rua. Claudinei foi atingido nas
costas e, a seu pedido, retirado do
carro. Na rua, o inspetor João
Bento Freitas Nunes também foi
baleado e morreu.
30
Motim sem fim
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
A rebelião iniciada
no Hospital
Penitenciário
no dia 7 de julho
de 1994, que ganhou
as ruas da cidade
no dia 8, e foi ter um
desfecho no hotel Plaza
São Rafael, no dia 9 (tema
do capítulo anterior),
continuou repercutindo
e produzindo
conseqüências.
O capítulo anterior
18 e 19/8/2007
Investigações revelaram
que o motim demonstrou
o poder de Melara, líder da
Falange Gaúcha, no interior
dos principais presídios. No
pós-motim, continuaram
as mortes e, para alguns,
as conseqüências foram
definitivas.
A morte de Linn
No pós-motim, depois da
rendição de Melara e
Fernandinho, outros destinos
foram sendo traçados. Um
deles foi o de Celestino Linn,
que chegara a invadir o Plaza
São Rafael, na noite de 8 de
julho, mas que fora
dominado em seguida. Ele
deixou o local caminhando.
Linn foi levado por policiais
ao Hospital de Pronto
Socorro (HPS). Porém,
temendo que outros
bandidos tentassem resgatá-lo,
médicos lhe deram alta. O bandido foi
conduzido, então, ao Hospital Penitenciário,
no dia 9. No dia 10, um médico prescreveu
seu estado como “estável”. À noite, o
atendimento ficou por conta da equipe de
segurança, pois, ainda traumatizados com o
motim, os auxiliares de enfermagem não
Um líder à distância
A mais longa e
sangrenta rebelião da
história do sistema
prisional gaúcho não
começou no momento
em que foram feitos
reféns no Hospital
Penitenciário, no dia 7
de julho de 1994, e
não terminou na tarde
de 9 de julho, com a
rendição de Dilonei Francisco
Melara e Fernando Rodolfo
Dias, o Fernandinho – que
haviam invadido o hotel Plaza
São Rafael.
Havia pelo menos dois
meses que Melara começara a
planejar a ação. Recolhido a
uma cela individual na
Penitenciária de Alta
Segurança de Charqueadas
(Pasc) e vendo como quase
nulas suas chances de fugir
daquela prisão, arquitetou um
motim para o Hospital
Penitenciário – anexo ao
Presídio Central (PC).
Como parte do plano, Melara
conseguiu com que Carlos
Jéfferson Souza dos Santos, o
Bicudo, que também estava na
Pasc, fosse transferido por via
administrativa, à revelia de
qualquer decisão judicial, para
Melara,
na Pasc,
arquitetou
o motim
o PC, menos de um mês antes
da realização do motim.
Dois dias antes da rebelião,
Fernandinho, que estava no
PC, procurara atendimento no
Hospital Penitenciário, mas fora
encaminhado de volta ao
presídio. Porém, sob a pressão
de líderes do Pavilhão B (como
Bicudo) e com a alegação de
que pretendia evitar tumultos,
a direção do PC convenceu os
diretores do hospital a
aceitarem a baixa do bandido.
Em uma época em que os
telefones celulares eram raros
entre a população e não
chegavam aos presos, Melara
transmitia recados e orientava
ações nas principais prisões
(cerca de 600 apenados eram
fiéis a ele) usando visitantes
como pombos-correio.
Conseqüências para toda a vida
O bandido
saiu do Plaza
caminhando
haviam ido trabalhar.
No dia seguinte, por volta das 7h, um
agente penitenciário foi ao quarto de Linn
para lhe servir café e o encontrou morto. Pelo
laudo de necropsia, o assaltante morreu com
quatro ferimentos por projéteis de arma de
fogo (tiros).
Entre os reféns, dois de uma
Edilei sobreviveu, mas, com os
mesma família sofreram as piores 12 tiros que levou, perdeu parte
consequências: Claudinei Carlos
de um rim e do intestino, teve a
dos Santos (na época diretor do
bexiga furada e ficou com um
Hospital Penitenciário) foi levado
braço paralisado. Além do trauma
como refém no carro em que
psicológico.
estavam Melara, Bicudo,
Fernandinho e Linn. Ele
Tiro mudou
levou um tiro que garante
a vida de
ter sido disparado de fora do
Claudinei
carro. A bala perfurou seus
pulmões, cortou sua medula
espinhal e lhe deixou preso a
uma cadeira de rodas.
Seu filho, Edilei, também
funcionário do hospital, foi
levado no carro que foi
crivado de balas pela polícia,
na Lomba do Pinheiro. Os
três bandidos que estavam no
veículo – Boró, Pureza e
Sarará da Vó – morreram.
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 25/8/2007, E DOMINGO, 26/8/2007
Recapturados
● O assaltante Pedro Ronaldo Ignácio, o Bugigão, um
dos foragidos do Presídio Central depois do motim
do Hospital Penitenciário, foi preso na madrugada
do dia 24 de julho de 1994 (duas semanas
depois da rebelião), no Bairro Rubem Berta, em
Porto Alegre. Com graves problemas de saúde, foi
indultado (recebeu perdão judicial) em 2002.
● Dois dias depois da captura de Bugigão,
a polícia terminou a caçada aos fugitivos
prendendo Francisco dos Reis Cavalheiro, o
Chico Cavalheiro, encontrado em um barraco
da Vila Divinéia, também na Capital. Chico
Cavalheiro foi assassinado com 12 facadas, na
Pasc, em outubro de 2006.
A curta vida de um bandido
Preso por
assaltos
(8/12/87)
Preso por
latrocínio
(10/5/88)
No dia 19 de julho de
1994, o motim do Hospital
Penitenciário nem havia
deixado as manchetes
quando um assalto a
banco movimentou a
Região Metropolitana.
Por volta das
11h30min, o participante
da rebelião Carlos
Jefferson Souza dos
Santos, o Bicudo, 23
anos, e outros dois
homens, a pé,
aproximaram-se de uma
agência bancária na Vila
Fernandes, em Canoas.
Líder de uma
Enquanto isso, um outro
quadrilha de
estacionava um Kadett
menores (E)
na frente do banco.
(28/8/87)
Antes de entrar na
agência, Bicudo deu um
tiro no vigilante, acertando-o
na barriga. Depois, numa ação
rápida, ele e seus parceiros
roubaram cerca de R$ 70 mil
e fugiram, no Kadett.
Em Esteio, a quadrilha
passou a ser perseguida por
uma guarnição da Brigada
Militar. Em seguida, surgiram
outras viaturas e houve troca
de tiros. Na Vila Vargas, junto
à RS-118, entre Sapucaia do
Sul e Viamão, os
assaltantes
abandonaram o
automóvel e
Na fuga,
após o
motim
(8/7/94)
fugiram a pé, em meio
a um conjunto de casebres.
● Morte ainda na
juventude
Os quatro começaram a
jogar dinheiro para o alto,
tentando fazer com que os
moradores atrapalhassem a
perseguição da polícia.
Incansáveis, os criminosos
pulavam cercas, corriam pelos
terrenos, sem, no entanto,
conseguir abrir vantagem em
relação aos PMs.
Uma doméstica apavorou-se
quando viu Bicudo invadir sua
propriedade. Foi ela quem
primeiro percebeu que, além
de uma
pistola, o
bandido carregava uma
granada. A doméstica entrou
rapidamente em casa e ouviu
tiros. Em seguida, olhou pela
janela e viu Bicudo caindo. O
assaltante havia recebido um
balaço no lado esquerdo da
cabeça.
Os policiais colocaram
Bicudo em uma ambulância e
o levaram para o Hospital
Getúlio Vargas. Pouco tempo
depois, ele morreria com
hemorragia grave. Chegava ao
fim a carreira do bandido que
crescera se espelhando em
criminosos como Vico (morto
em 1987), que sonhara fazer
parte da Falange Gaúcha e
que morrera muito jovem,
como seu “ídolo”.
Preso por
estupro
(18/5/90)
Depois de um
assalto com
reféns a uma
videolocadora
(7/6/88)
Recapturado após
liderar motim na
Febem (23/6/88)
Queriam matar Melara, mas quem morre é Jorginho da Cruz
Passados os efeitos imediatos do
maior motim da história do sistema
prisional gaúcho, a guerra no interior
dos presídios continuou. Em
novembro de 1995, a fidelidade a
Melara provocou uma rebelião.
O líder da Falange Gaúcha havia
sido punido e proibido de receber
visitas na Penitenciária de Alta
Segurança de Charqueadas (Pasc).
Por conta disso, eclodiu uma revolta
na vizinha Penitenciária Estadual de
Charqueadas (Pec): 106 dos 206
presidiários decidiram não retornar a
suas celas depois das visitas.
A revolta resultou em batalha: de
um lado, presos ateando fogo em
colchões e atirando pedras retiradas missão de matar Melara. A pistola foi
de um muro. De outro, cerca de
entregue à Justiça.
200 homens do Batalhão de Choque
da Brigada Militar com
● O luto voltou ao Morro
bombas de efeito moral. A
da Cruz
rebelião só foi controlada
uma hora e meia depois.
A morte tramada foi a de
Enquanto na Pec Melara
Melara, mas quem acabou
recebia solidariedade, na
morrendo foi Jorginho Luiz
Pasc tentavam matá-lo. No
Ventura, o Jorginho da Cruz,
mesmo dia em que eclodia
seu principal rival na disputa
Jorginho pelo comando da Falange
a rebelião, era descoberta
com um preso uma pistola
Gaúcha. Aos 33 anos, ele foi
Browning, calibre 6.35, de
enforcado na cela 2 da 4ª galeria da
fabricação belga. Disse ele que
Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej),
recebeu a arma de um agente
em Charqueadas, no dia 5 de
penitenciário, em sua cela, com a
fevereiro de 1996. Foi uma morte
semelhante à de seu antecessor no
comando do tráfico de drogas no
Morro da Cruz, Luciano Brás de
Souza, o Carioca, assassinado em
1989. Os outros oito presos que
dividiam a cela com ele estavam no
pátio no momento em que o corpo
foi encontrado. Ao serem
interrogados, cumpriram a lei do
silêncio, uma das regras mais
conhecidas no cárcere.
Jorginho foi velado na sede da
Associação dos Moradores da Vila
Vargas, atrás do Morro da Cruz. O
luto voltou ao local, inclusive com
bandeiras pretas em algumas
casas.
Leia no
próximo
final de
semana:
a guerra
entre Os
Manos e
Os Brasas.
31
34
Manos X Brasas
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
Com a morte de seu principal
rival, o traficante Jorge Luís
Ventura, o Jorginho da Cruz
(tema do capítulo anterior),
Dilonei Francisco Melara acreditava
que finalmente reinaria absoluto
no comando da Falange Gaúcha
(organização criada por bandidos
para comandar o crime em presídios e
favelas). Porém, logo surgiriam outros
nomes para disputar o posto.
Entre os novos concorrentes de
Melara despontava Valmir Benini
Pires, o Brasa. Fiéis a ele, centenas de
presos criaram o grupo Os Brasas, que
passaram a rivalizar com Os Manos,
como se autodenominou, a partir
de então,
O capítulo anterior
a facção
da Falange
Gaúcha
liderada por
Melara.
25 e 26/8/2007
Papagaio driblou vigilância da Pasc
Na última virada de século,
uma nova geração de
bandidos começava a fazer
sombra a Dilonei Francisco
Melara, dentro e fora das
prisões. Um deles era o
assaltante Cláudio Adriano
Ribeiro, o
Papagaio, líder de uma
quadrilha responsável por
assaltos milionários a bancos
e carros-fortes no Rio Grande
do Sul e em Santa Catarina.
Além dos assaltos,
Papagaio ganhou notoriedade
Papagaio foi
recapturado
em Santa
Catarina
por sua misteriosa fuga da
Penitenciária de Alta
Segurança de Charqueadas
(Pasc), em 5 de junho de
1999. Para tanto, ele e outro
preso teriam, durante a
madrugada, arrancado
grades de suas celas e
passado por um muro de
oito metros para chegar ao
pátio interno da
penitenciária.
Depois, teriam passado
sob duas cercas de seis
metros de altura. Papagaio
ainda teria vencido um
muro de dois metros,
última barreira que o
separava das ruas. Seu
companheiro foi
recapturado antes de
ultrapassar a muralha.
Tudo isso teria ocorrido
durante uma falta de
energia elétrica. Em 6 de
janeiro do ano seguinte,
Papagaio foi recapturado
no Litoral catarinense.
Até Marcola passou por aqui
Outro que fez sombra à
fama de Dilonei Francisco
Melara nas prisões gaúchas
foi Marcos William Herbas
Camacho, o Marcola. O atual
número 1 na hierarquia do
Primeiro Comando da Capital
(PCC), de São Paulo, chegou
ao Rio Grande de Sul numa
operação especial das
polícias paulista e gaúcha.
Atendendo a um pedido
do governo paulista,
autoridades da área
prisional gaúcha
aceitaram a
transferência de
Marcola para prisões
do Estado. A
alegação era de que
a situação nos
presídios de São
Paulo começava a
ficar crítica e, para
contorná-la, era
necessário que
Marcola fosse
transferido.
Marcola chegou
ao Estado e foi
levado para a Penitenciária
Modulada de Ijuí, na Região
Noroeste, no dia 16 de
fevereiro de 2001. Dois dias
depois, como represália pela
transferência, o PCC
promoveu uma
Marcola (cabeça
encoberta) passou
temporada em Ijuí
megarrebelião: em 29
prisões paulistas, em 22
cidades, 28,3 mil presidiários
transformaram 13 mil
pessoas em reféns. Marcola
ficou no Estado até as
primeiras semanas de março
daquele ano.
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 1º/9/2007, E DOMINGO, 2/9/2007
A disputa no início do Século
● Três grupos lutavam pela hegemonia dentro das
principas cadeias gaúchas:
● Os Manos, Os Brasas e Os Abertos.
● Estimativas oficiais apontavam que 2,5 mil
detentos integravam os três bandos.
● Os Manos eram hegemônicos na Pasc.
● Os Brasas tinham maior poder no Presídio
Central.
● Os Abertos eram maioria na Colônia Penal
Agrícola Daltro Filho.
Confrontos violentos
Mas nem Cláudio Adriano
Ribeiro, o Papagaio, nem Marcos
William Herbas Camacho, o
Marcola, conseguiram fazer
concorrência a Dilonei Francisco
Melara no comando do crime
organizado no interior de
presídios gaúchos. Quem
despontou nesse sentido foi
Valmir Benini Pires, o Brasa.
Com Melara e Brasa como
respectivos líderes, surgiram
como principais facções da
Falange Gaúcha, na virada do
século, Os Manos
e Os Brasas.
Havia ainda um
terceiro grupo,
formado por
dissidentes
dos outros
dois: Os
Abertos.
Brasa
As disputas
entre grupos provocavam tensão,
como no dia 26 de março de
2002, no Presídio Central.
Integrantes de Os Brasas que
estavam na 2ª e na 3ª galerias
do Pavilhão D revoltaram-se
com a descoberta de um plano
de fuga e com a suspensão das
visitas.
Compositor de pagode
Enquanto
alguns presos
pediam paz...
... alguns
criavam
pânico...
● Tumulto durou cinco horas
no Central
Os Brasas decidiram, então,
que Os Manos, que estavam
na 1ª galeria, pagariam o pato.
Tentaram invadi-la, mas os
fiéis a Melara colocaram fogo
em colchões. Houve um
grande tumulto, só contido
cinco horas depois pela
Brigada Militar.
... e outros
ameaçavam
A disputa entre Os
Manos e os Brasas não
impedia que Dilonei
Francisco Melara voltasse
seu pensamento para
outras coisas. E, em
2004, até como
compositor ele conseguiu
chamar a atenção.
No dia 23 de agosto
daquele ano, uma rádio da
Capital executou a música
Casinha Na Colina,
apresentada como
pagode, com letra e
melodia fracas, gravada
num CD de demonstração
(demo) por uma banda
que nem nome tinha.
Casinha na Colina seria
uma das 25 letras já
compostas pelo apenado
que, segundo sua defesa,
pretendia assinar contrato
com alguma gravadora
Casinha Na Colina
Autor: D. F. Melara
No começo da noite
conheci você
Que noite linda
Que interessante, cheia
de prazer
Tudo o que rolou,
Foi pra lá de loucura,
Flutuei nas alturas
fazendo amor com você
Garota linda estou
apaixonado
Aceite o meu pedido,
Deixa eu ser seu
namorado,
Vou fazer uma casinha
Pra nós dois lá na
colina,
apenados que continuavam
no regime fechado.
Devido ao clima tenso
na colônia penal e nas
ruas, a segurança
decidiu realizar uma
● Até seu sono era
revista no alojamento
vigiado
ocupado pelo Manos.
Como ele facilmente seria
Foram encontrados
reconhecido nas ruas, passou dois revólveres, duas
a comandar, entre outros
pistolas, uma
apenados de Os Manos na
espingarda, 76
CPA, assaltos e furtos em
projéteis de pistola, 21
Charqueadas, durante o dia.
de revólver, três
Como conseqüência, o
carregadores de
registro de crimes contra o
pistola, oito celulares,
patrimônio triplicou no
66 pedras de crack e
município, passando de dez
vários estoques. Pelo lado
para 30 diários, em média.
dos rivais Os Abertos, foi
No interior da CPA, a rotina encontrada até uma granada.
também foi alterada. Melara
As freqüentes ameaças de
passou a andar cercado por
morte a Melara, o risco de
até seis seguranças quando
um grande enfrentamento na
acordado. Enquanto dormia,
CPA e os assaltos em
subordinados se revezavam
Charqueadas pautaram uma
no zelo de seu sono.
reunião de autoridades das
Vou te dar muito
carinho
Muito amor, linda
menina.
E o que virá depois,
Só Deus mesmo pra
saber,
Sonho com bastante
Vida e
Bem pouquinho sofrer...
E o que virá depois,
Só Deus mesmo pra
saber,
Sonho com bastante
Vida e
Bem pouquinho
sofrer...
Furgão levou
Melara da Pasc
para a CPA
Melara conquista o semi-aberto
No dia 6 de outubro de
2004, um furgão da
Superintendência dos
Serviços Penitenciários
(Susepe) partiu da
Penitenciária de Alta
Segurança de Charqueadas
(Pasc) levando Dilonei
Francisco Melara para a
Colônia Penal Agrícola (CPA)
Daltro Filho, a poucos metros
de distância.
Pela lei, no regime semiaberto os presos só podem
sair da área da prisão com
ordem judicial. Porém, a frágil
vigilância permitia a
apenados darem
“escapadinhas” e retornarem
sem que o desrespeito à
norma fosse notado.
Melara, pelas regras de sua
facção criminosa, deveria
mandar dinheiro para os
para passar a viver de
direitos autorais, algo só
possível no país a
compositores consagrados.
Enquanto compunha em
em sua cela na Pasc,
Melara fazia planos de
trocar de regime prisional,
do fechado para o semiaberto, no qual o preso
pode sair da cela e circular
livremente dentro dos
limites da cadeia.
Houve uma longa
batalha judicial, que tinha
de um lado o Ministério
Público e a Secretaria da
Justiça e da Segurança,
contrárias à mudança, e
de outro a defesa do
apenado. A disputa chegou
ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ), em Brasília,
onde Melara conseguiu a
mudança de regime.
áreas
penitenciária e de segurança.
● Transferência em
operação sigilosa
Entre as decisões estava a
de transferir o líder de Os
Manos da CPA para a ala de
regime semiaberto da Penitenciária
Estadual do Jacuí (Pej).
No dia 25 de novembro
daquele ano, numa operação
praticamente sigilosa, o
Melara foi transferido de
prisão.
Leia no
próximo
final de
semana:
a morte
do mito e
o fim da
Falange
35
30
A morte do mito
O capítulo anterior
● Texto: Renato Dornelles
● Fotos: Banco de Dados ● Arte: Alexandre
Oliveira ● Diagramação: Flávia Kampff
● Colaboração: Denise Waskow
A guerra no interior
dos presídios
continuava, agora
com os grupos Os
Manos (principal faccão
da Falange Gaúcha), Os
Brasas e Os Abertos como
protagonistas (tema do
capítulo anterior).
Líder de Os Manos, Dilonei
Francisco Melara, depois de
uma batalha judicial,
conquistou o direito de mudar
do regime fechado, na
Penitenciária de Alta
25 e 26/8/2007
Segurança
de Charqueadas (Pasc), para o
semi-aberto, na Colônia Penal
Agrícola Daltro Filho. Porém, o
temor de que ocorresse um
grande conflito motivou sua
transferência para a ala do
regime semi-aberto da
Penitenciária Estadual do Jacuí
(Pej). Foi um passo para a fuga
e outro, para a morte.
Alerta em todo o Sul do país
Às 20h do dia 29 de novembro
de 2004, depois de mais um dia
de trabalho na ala do regime
semi-aberto da Penitenciária
Estadual do Jacuí (Pej), como era
rotina, os agentes começaram a
conferência dos presos. Dos 38
alojados no local, um não
respondeu à chamada.
O alerta foi dado e, em poucos
minutos, soava nos rádios de
viaturas da Brigada Militar, da
Polícia Civil e das Polícias
Rodoviárias Federal e Estadual:
– Atenção para alerta de fuga.
Melara fugiu.
Desde que chegara à Pej,
transferido da Colônia Penal
Agrícola Daltro Filho, havia uma
semana, Melara trabalhava na
cozinha e tinha livre acesso ao
pátio, que não era cercado. Logo,
só sua consicência poderia
impedi-lo de fugir.
No Norte do Estado,
imediatamente, a Polícia
Rodoviária Federal montou
barreiras na rodovia ErechimConcórdia (SC), a BR-153, e no
acesso à BR-480, que leva a
Chapecó (SC).
No município de Espumoso, a
Polícia Rodoviária Estadual fez
barreira na RS-332, que leva a
Passo Fundo. Em Tupanci do Sul,
onde moravam familiares de
Melara, foi realizada uma
operação de buscas.
Barreiras foram montadas
também durante a madrugada
seguinte nas fronteiras com a
Argentina e o Uruguai.
Barreiras
tentavam conter a
fuga do bandido
Caçada mobilizou grande número de policiais
Foto de Melara
foi espalhada
pelas estradas
A notícia da fuga de Melara
espalhou-se rapidamente e
chegou a Santa Catarina.
Todas as delegacias daquele
Estado foram avisadas e
receberam uma foto do
foragido. A polícia catarinense
montou barreiras na divisa
com o Rio Grande do Sul.
A caçada a Melara
mobilizou um grande número
de policiais que, nos dias
seguintes, passaram a
percorrer endereços de
possíveis amigos e familiares
do bandido, na Região
Metropolitana. O telefone do
serviço Disque-Denúncia, do
Departamento Estadual de
Investigações Criminais (Deic)
e o 190 da Brigada Militar
passaram a tocar
insistentemente com
informações de pessoas que
acreditavam ter visto o
criminoso. Por sinal, Melara
“era visto” em vários locais, a
centenas de quilômetros uns
dos outros, em frações de
minutos, segundo os
telefonemas.
Uma das dicas provocou
uma mobilização de 200
policiais no Norte do Estado.
Um ex-taxista da Capital, que
virara vendedor ambulante
em Planalto, jurou ter visto o
bandido a bordo de um
Vectra bordô na RS-406, que
liga o município de Nonoai a
Santa Catarina. Apesar do
forte aparato policial, nem
uma pista do criminoso foi
encontrada.
Além disso, não eram raros
os boatos sobre uma suposta
morte do criminoso. Entre
outras coisas, circulavam
informações de que ele teria
sido executado e enterrado
nas proximidades da Pej.
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 8/9/2007, E DOMINGO, 9/9/2007
Coisas da Falange
● Em 1989, a Falange Gaúcha promoveu uma série
de mortos por encomenda dentro dos presídios. Nos
dez primeiros meses daquele ano, foram pelo menos
20. Na maioria dos casos, era simulado suicídio por
enforcamento.
● Em 1994, Dilonei Melara escreveu uma carta
ao então governador, Alceu Collares, negando
denúncia feita por outros presos de que ele
estaria planejando o seqüestro da primeira-dama,
Neuza Canabarro.
● O delegado José Tadeu Vargas, da polícia catarinense,
denunciou, em 1994, que a Falange Gaúcha teria
ramificações naquele Estado. Os principais elos
seriam dois irmãos do assaltante Carlos Jefferson dos
Santos, o Bicudo (morto naquele ano).
Um especialista em fugas cinematográficas
Ônibus foi
palco de duplo
assassinato em
1985
O tempo passava, e a
fuga de Dilonei Francisco
Melara ia se tornando o
maior motivo de dor-decabeça para a polícia. As
informações anônimas
continuavam causando
confusão. Melara era
visto de Norte a Sul, de
Leste a Oeste do Rio
Grande do Sul, em Santa
Catarina, Paraná, no
Uruguai e na Argentina.
Tornara-se um pesadelo
que atormentava
populações de diferentes
cidades e lugarejos.
Era a sexta fuga do
Ficava pouco tempo longe das grades
Dia 25 de janeiro de 2005:
eram 21h40min quando
moradores de uma colônia
japonesa no interior de Dois
Irmãos ouviram mais de dez
tiros. Em seguida, um carro
partiu em alta velocidade.
Na manhã seguinte, o
zelador de um sítio
encontrou o cadáver de
um homem. À sua volta,
havia um boné, um celular
e um óculos de sol , todos
ensangüentados, além de
oito estojos de munição de
pistola.
A perícia constatou que o
rosto estava desfigurado por
tiros. Havia mais de 20
perfurações de balas – 11
de entrada e nove de saída –
em outras regiões da cabeça,
barriga e nádegas.
Em um compartimento com
um fecho, no boné, havia um
papel com uma declaração a
Melara, com o desejo de que
Deus o protegesse.
● Caiu nas mãos de
dois peões
Recapturado
por peões em
São Gabriel
Após a rendição
no Plaza
primeira e a segunda
fugas da Penitenciária
Estadual de Charqueadas
(Pec), até então
considerada de segurança
máxima.
Em 1991, Melara
liderou uma fuga em
massa do Presídio
Regional de Bagé. Três
anos depois, embora
estivesse na Penitenciária
de Alta Segurança de
Charqueadas (Pasc), teve
importante participação
no motim realizado no
Hospital Penitenciário, na
Capital.
Execução durante a noite
Embora fosse um
especialista em fugas,
Melara não ficava muito
tempo longe das grades.
Em sua segunda fuga da
Pec, em 1987, depois de
resistir por uma semana
com um tiro na perna,
sem qualquer
atendimento médico, ele
embarcou em um táxi, em
Viamão. Desconfiado que Preso por
não receberia o dinheiro
acaso em
da corrida, o taxista
Viamão
acionou a Polícia
Rodoviária Estadual.
Mesmo sem reconhecêlo, patrulheiros o
encaminharam à 2ª
Delegacia de Polícia, onde
um inspetor se
surpreendeu:
– Mas é o Melara –
disse o policial.
Da fuga de Bagé,
participaram mais cinco
presos que, aos poucos,
foram recapturados.
Melara, enquanto isso,
resistia a um cerca de
mais de cem policiais civis
e militares. Quinze dias
depois, porém, ele foi
capturado em São Gabriel
por dois peões de
estância, que o
entregaram à polícia.
Em 1994, pôs em
prática um plano que lhe
permitiu sair da Pasc, com
um motim realizado no
Hospital Penitenciário. Na
fuga, ele e outros dois
bandidos acabaram se
confinando com reféns no
Hotel Plaza São Rafael,
onde só lhes restou uma
alternativa: a rendição.
bandido, em mais de 20
anos de crimes. A
primeira foi em 1985, do
Presídio Regional de
Passo Fundo. No período
em que esteve foragido,
ganhou fama como
criminoso cruel ao
resgatar seu comparsa
João Clóvis de Oliveira
Vieira, o Topo Gigio, de
um escolta em um ônibus
da Expresso Caxiense, em
uma ação que resultou
na morte de dois agentes
penitenciários.
Nos dois anos
seguintes, protagionizou a
● Teve o mesmo destino
de antigos companheiros
Três fases
do bandido
No Departamento Médico Legal
foram constatadas tatuagens espalhadas pelo corpo:
uma cruz no lado esquerdo do peito, uma caveira na
coxa direita e as palavras “amor”, “ódio” e “vingança”
escritas na perna esquerda. Por fim, um exame das
impressões confirmou: o corpo era de Melara.
Morria um mito, o presidiário mais emblemático da
história do sistema penitenciário gaúcho e o bandido
que virou sinônimo de criminalidade no Estado.
Acabava a Falange Gaúcha, organização que, durante
duas décadas, comandou vidas e determinou mortes
dentro e fora de presídios.
Melara, agora, passava a fazer parte da mesma
estatística da qual já faziam parte Jocélio, Vico, Pedro
Adelar, Prego, Professor, Baleia, Alemão Arno, Toco,
Anão, Carioca, Topo Gigio, Linn, Piá, Paulinho Escort,
Alemão Frida, Bicudo, Betinho Boró, Pureza, Sarará da
Vó, Nauro Boró, Jorginho da Cruz e tantos outros,
como ele, condenados e executados pela mesma
sentença informal de morte.
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