Restauração de Madeira
Por Alessandra Ferrari
Existem testemunhos da utilização da madeira como suporte para
pintura desde os tempos mais remotos, graças às suas características de bom
manuseio, resistência mecânica e durabilidade no tempo. O período de maior
difusão deste uso se deu em torno de ‘300 e ‘400 na Europa meridional e ‘400
e ‘500 na Europa setentrional. A partir da metade do séc. VI, se iniciou a
divulgação dos ícones cristãos – imagens de culto representando santos e
mártires e mais tarde, Cristo, Madonna e protagonistas da Bíblia. Na Itália,
entre 1200 e 1500 foi o período de ápice da pintura em madeira: as obras
primas de Cimabue, Leonardo da Vinci, Giotto, Botticcelli e Raffaello (só
para citar alguns) são pintadas sobre madeira.
Na grande maioria das vezes a pintura sobre madeira era tida como
objeto de veneração religiosa, pois tinha o seu valor na imagem pintada que
muitas vezes era considerada como milagrosa. Com o passar dos tempos, se
difunde a utilização da madeira como suporte, para outros tipos de pinturas,
como bípticos, trípticos, crucifixos esculpidos, santos, altares etc. A madeira
pintada passa a ser utilizada da pequena para a grande dimensão e cada vez
mais de formas mais complexas na procura sempre de dar a uma simples tábua
de madeira retangular, efeitos de esplendor decorativos sempre maiores com
tipologias e morfologias apresentadas com enorme variedade.
As técnicas pictóricas utilizadas na execução destas pinturas sofrem
alterações com o passar dos tempos, às vezes as madeiras vinham preparadas
por marceneiros, outras vezes eram preparadas pelos próprios artistas, mas
sempre se trabalhava em conjunto, sendo que uma terceira pessoa se incumbia
de dourá-las quando necessário e depois a madeira retornava ao pintor para
que esse executasse a pintura. Cada atelier tinha o seu receituário próprio, suas
técnicas e opções no tratamento e preparo da madeira, bem como na execução
da pintura, apesar da escassez de materiais disponíveis na época. Foram
usados através dos tempos, inúmeros tipos de essências lenhosas com a
finalidade de se escolher à madeira ideal como suporte para pintura, tendo
como fator determinante destas escolhas, a localização geográfica e o período
de seu desenvolvimento natural. Obviamente, a escolha da madeira pelo artista
era condicionada à disponibilidade local, sujeitando muitas vezes a técnica
pictórica a ser utilizada em função do material disponível no momento.A
tradição e o costume não excluiam entretanto, um espaço para a pesquisa do
artista na tentativa de personalizar ou de melhor adaptar à sua própria
sensibilidade, os materiais à disposição e o modo de usá-los. Portanto, nem
sempre as regras conhecidas eram observadas em absoluto e com o passar do
tempo, pelo menos do ponto de vista técnico, se transformavam às vezes em
um verdadeiro uso impróprio de materiais.
Por isso, a restauração de madeira é muito mais complexa do que se
pode imaginar, e em função disso, se apresentou a necessidade, há pouco
tempo, de uma maior participação da ciência e da tecnologia ao conhecimento,
valorização, conservação e restauração de obras de arte, pois os fatos a serem
pesquisados, analisados e considerados são infinitos, sobretudo neste tipo de
restauração que estamos tratando neste artigo, que por si só torna-se mais
vasto na sua pesquisa, não permitindo uma apreciação pequena e simples do
assunto, – que dará margem para muitos outros artigos ainda - pois tem como
protagonista uma matéria “viva” como suporte: a própria madeira. Ela, apesar
de ter sido extraída da árvore há tantos anos e ter sido no tempo tratada e
utilizada com várias finalidades e ter destinos tão diversos, “não perdeu sua
memória celular”. É como se ela sempre retornasse à posição inicial de onde
foi constituída, ou seja, ela se move constantemente, mesmo depois de tantos
anos pois mantém uma certa capacidade de reação ao ambiente que é
determinado em parte pela sua natureza, e em parte pelo seu tratamento e
acondicionamento. A XILOLOGIA, como se sabe, ou ainda mais em
particular, a XILOCRONOLOGIA, permite extrair dos manufaturados
lenhosos as mensagens que as plantas matrizes escreveram em códigos nos
próprios tecidos durante a sua vida, e que de qualquer modo, ficaram
registrados através dos séculos.
A madeira como suporte de pinturas, assume a conotação de documento
que contribui para definir a colocação temporal da obra pictórica, dando um
testemunho do seu uso, tradições, práticas comerciais, culturais e ainda
enquadrando obras e autores em um contexto histórico, cultural e humano
(CORONA, 1991).
Se a literatura compreende, senso lato, todas as manifestações culturais
de um povo, de um movimento histórico, de uma região através de
documentos escritos, por seu lado não se pode negar à madeira o valor de um
documento autêntico que em uma linguagem sutil como a linguagem de
valores universais contribuiu para se escrever a história da arte, ou ainda, a
história do próprio homem.
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