O cotidiano da Fronteira "o cruce Denilson da Silva Domingues Mestrando em sociologia da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. [email protected] Resumo: O presente artigo visa expor um breve estudo sobre o cotidiano da fronteira, estabelecida pelos municípios de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY). A proposta consiste em descrever parte dos mecanismos de interação das relações sociais estabelecidas nas mais distintas esferas do cotidiano de fronteira. Bem como as diversidades presentes nas situações que se manifestam nas práticas correlacionadas as trocas, e as situações de conflitos pertinentes a realidade projetada particularmente na região de fronteira entre o Brasil e Paraguai. Dentro desta dinâmica, ainda tem-se o objetivo de identificar as estratégias de afirmação e negação de identidades, mensurando também os pontos de negociação em que tal fenômeno ocorre. Logo, ao descrever o "viver" da fronteira, delineia-se o objetivo do presente trabalho que centra-se em estudar como "cruce", isto é, o ato de cruzar a fronteira se manifesta. Tendo em vista que esta temática apresenta contribuições necessárias e significativas de estudos da área da geografia, história, sociologia e antropologia, devido ampla gama de ciências que o conceito de fronteira pode presenciar, pois a fronteira é algo muito mais além de um limite territorial. Cada fronteira é um ambiente singular, que apresenta situações únicas. Assim em primeiro momento o trabalho apresenta uma sucinta descrição da relação entre os dois municípios, a configuração da sua fronteira dentro de estudos já realizados, assim como a definição no seu aspecto jurídico, o que se pode entender enquanto o cruce. Posteriormente atingimos um outro ponto de discussão, como se manifesta o cruce tanto nas representações materiais do cotidiano, como nas estrutura simbólicas da identidade de ambas as culturas que convivem na fronteira. Este trabalho é parte de estudos já realizados da elaboração de uma dissertação de mestrado sobre a presença de estudantes de nacionalidade paraguaia que estudam em escolas públicas no Brasil, característica peculiar de cidades de fronteira, configuradas como cidades gêmeas. Palavras-chave: Cotidiano, diversidade, Fronteira; Resumen: Este artículo tiene como objetivo exponer un breve estudio de la frontera diaria establecida por el municipio de Ponta Pora ( BR ) y Pedro Juan Caballero ( PY ) . La propuesta es describir parte de los mecanismos de interacción de las relaciones sociales en las más diversas esferas de la frontera todos los días . Así como la diversidad presente en las situaciones que se plantean en los intercambios de prácticas correlacionados , y las situaciones de conflictos relevantes proyectadas sobre todo en la región de la frontera entre Brasil y Paraguay realidad . Dentro de esta dinámica , sin embargo, tenemos el objetivo de identificar las estrategias de afirmación y negación de la identidad , también la medición de los puntos de negociación en la que se produce este fenómeno. Por lo tanto , en la descripción de la " vida " de la frontera , no se discierne el propósito de este trabajo se centra en el estudio de cómo " Cruce" , es decir , el acto de cruzar los manifiestos fronterizas . Dado que esta cuestión presenta las contribuciones necesarias y significativas en el área de estudio de la geografía , la historia , la sociología y la antropología , porque amplia gama de ciencias que el concepto de frontera puede ser testigo , porque la frontera es algo mucho más allá de un límite territorial . Cada frontera es un ambiente único que presenta situaciones únicas . Así que al principio el trabajo se presenta una breve descripción de la relación entre los dos municipios , el ajuste de su frontera en los estudios anteriores , así como la definición de su aspecto legal , que puede ser entendido como el Cruce . Más tarde llegamos a otro punto de la discusión , que se manifiesta tanto en las representaciones materiales Cruce de la vida cotidiana , como en la estructura simbólica de la identidad de las dos culturas que viven en la frontera . Este trabajo es parte de los estudios previos de la preparación de una tesis doctoral sobre la presencia de los estudiantes de nacionalidad paraguaya que estudian en las escuelas públicas de Brasil , peculiar característica de las ciudades fronterizas , configurados como ciudades gemelas . Palabras clave : Todos los días, la diversidad , Frontier ; ABSTRACT: This article aims to expose a brief study of the daily border established by city of Ponta Pora (BR) and Pedro Juan Caballero (PY). The proposal is to describe part of the mechanisms of social interaction relations in the most different spheres of everyday frontier. As soon as the diversity is present in situations that arise in practice correlated with exchanges, and situations relevant conflicts projected particularly in the border region between Brazil and Paraguay reality. Within this dynamic, we aim identifystrategies of affirmation and denial of identity, also measuring the points of negotiation in which this phenomenon occurs. Thus, describing the "living" on the border, there is discerned the purpose of this work that focuses on studying how "Cruce", the act of crossing the border arises. The issue presents necessary and significant contributions in the field of study of geography, history, sociology and anthropology, because there is a wide range of sciences that the concept of the frontier can covered, because the border is something far beyond a territorial border. Each border is a unique environment that presents unique situations. So initially the paper presents a brief description of the relationship between the two municipalities, the setting of its border in previous studies, as well as defining its legal aspect, which can be understood as the Cruce. Later we reached another point of discussion, as manifested both in the Cruce material representations of everyday life, as in the symbolic structure of the identity of both cultures who live on the border. This work is part of previous studies of the preparation of a dissertation on the presence of Paraguayan nationality students studying in public schools in Brazil, characteristic of border towns, configured as twin cities. Keywords: Daily, diversity, Border; O "Cruce" na prática O fenômeno peculiar em análise ocorre pelas circunstâncias da existência de uma fronteira territorial seca nos municípios de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY), que permite a livre circulação entre cidadãos de ambas as nacionalidades. Neste contexto, existem diferenças não só culturais, mas também políticas e sociais. O cotidiano destes povos apresenta uma intensa dualidade entre o tradicional e o moderno que promovem ambiguidades no cotidiano local. Um exemplo desta relação na fronteira manifesta-se no grande fluxo comercial de produtos de diversas partes do mundo. Assim como no rito do consumo do tereré1, uma prática cultural que não reflete a relação temporal da modernidade, e sim uma relação social permeada por valores tradicionais. Nesse sentido a presente investigação está centrada não no aspecto econômico, mas no âmbito da educação. As famílias que habitam o lado paraguaio da fronteira buscam a educação pública brasileira. Isto gera situações de intenso contraste, trocas e conflitos nos complexos sociais e culturais resultantes das relações fronteiriças. Diante disto inúmeros questionamentos tornam-se pertinentes para compreender tal realidade. Quais são os objetivos reais que se encontram presentes no fato de que estas famílias buscam a escola pública do lado brasileiro como um recurso que possa lhes proporcionar uma melhor situação socioeconômica? E se for, qual a causa desta orientação? O que se encontra como o verdadeiro caráter desta relação contrastante em meio às mediações presentes no cotidiano de fronteira? Nesta abordagem podemos conceber a fronteira a partir de duas definições que interagem com a dinâmica espacial e temporal que a problemática contempla. No caso tais conceitos referem-se a RAFFESTIN (2005, p. 13), e ALBUQUERQUE (2006, p. 05) presentes nos estudos de PEREIRA (2009) : A fronteira não é uma linha, a fronteira é um dos elementos da comunicação biossocial que assume uma função reguladora. Ela é a expressão de um equilíbrio dinâmico que não se encontra somente no sistema territorial, mas em todos os sistemas biossociais. (p. 52). As fronteiras são fluxos, mas também obstáculos, misturas e separações, integrações e conflitos, domínios e subordinações. Elas representam espaços de poder, de conflitos variados e de distintas formas de integração cultural. (p. 54). A partir destas colocações, a concepção de fronteira trata de um espaço múltiplo, que condiciona situações de resistência, afirmação, distanciamento, sendo ao mesmo tempo um fator que proporciona situações de fluidez, marcado por um processo de hibridização entre conjuntos culturais, ao passo que também condiciona os elementos as dicotomias entre o tradicional e o moderno, o local e global que permeiam o cotidiano. Diante da dinâmica das relações de fronteira um fenômeno muito particular ocorre nesta região: o “cruce” 2, isto é, o ato de cruzar a fronteira. Realizar a travessia, não representa apenas algo tangível, que se materializa em questões espaciais ou geográficas. O “cruce” também se manifesta nas trocas simbólicas entre as culturas. A fronteira mencionada apresenta marcas expressivas do “cruce”. Elementos que nos remete desde a sua formação histórica, até as atividades mais corriqueiras presente no dia a dia de sua população. Historicamente a relação destes dois povos foi marcada de forma conflituosa, derivado dos resquícios da Guerra do Paraguai (1864-1879). Fato que alicerçou o processo de colonização de ambas a cidades, assim como o ciclo da erva mate nesta região. Baseado neste marco histórico, a relação entre esses dois povos é marcado por uma hierarquia promovida, pela necessidade oriunda da dependência criada pelo fluxo comercial que se encontra nesta fronteira. Um dos inúmeros “cruces” que marcam o perfil da fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, encontra-se na zona de comercio. A cidade paraguaia é conhecida pelo seu turismo comercial, no qual os brasileiros, em sua maior parte, vindo de ouras regiões, são os maiores consumidores. Este “cruce”, realizado pelos brasileiros, estigmatiza esta relação de hierarquia. Onde o brasileiro é tido como o “patrão”. De uma forma que aparenta ser natural, mas na realidade representa uma situação imposta, em que o comerciante paraguaio vê-se coagido a ter certo domínio da língua portuguesa. O “cruce” protagonizado por parte da população paraguaia se manifesta pela busca das instituições sociais do lado brasileiro. Como educação básica e saúde, também não é muito difícil de encontrar cidadãos paraguaios realizando trabalhos informais, ou em condições precárias, ora demonstrando certa condição de submissão a parte brasileira. O “cruce” também atinge as estruturas simbólicas presente na construção das identidades dos indivíduos. Em um contexto de trocas e conflitos culturais tende a apresentar designações variáveis, objetivando interesses de acordo com a situação em que este indivíduo se encontra no momento. Trata-se das conveniências, em quais momentos é mais conveniente ter sentimentos de pertença a cultura paraguaia? Ou ao contrário? Dentre destas situações que o cotidiano da fronteira apresenta, o “cruce” do estudante paraguaio que busca a educação pública brasileira torna-se um ponto de intenso debate. Quais são os reais interesses inerentes a este fenômeno? Como as escola, na sua função institucional se porta perante essa realidade? E este estudante? Qual a sua dinâmica identitária perante as realidades ambíguas, que, de certa forma o obriga a esta negociação de seus sentimentos de pertença. Para a elaboração desta análise, em primeiro momento, a proposta é descrever o fenômeno do cruce em suas manifestações materiais e simbólicas, contrastando com a realidade vivenciada na fronteira entre os municípios de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY). Assim como a escola pública brasileira, na categoria de escola de fronteira, por ter como sua singularidade o desafio de conviver com o choque cultural de duas nacionalidades que ao mesmo tempo são distintas e completares. 1.2 - O cruce na sua materialidade O cotidiano presente na fronteira das cidades Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY) é marcado por inúmeras “cruces”, em sua maior parte por necessidades específicas presentes em situações de consumo, trabalho, moradia, divergências, e entre outras situações alocadas no cotidiano das relações de fronteira. Ao propor esta reflexão sobre o cotidiano da cultura de fronteira, é necessário considerar outras situações em que as singularidades da cultura de fronteira se manifestam. Situações estas que se manifestam nas estruturas econômicas, políticas e sociais. Como observa WILSON E DONNAN, 1999, p. 12: A análise da cultura de fronteira considera a importância de se levar em conta as necessidades e os desejos dos que vivem em terra de fronteira. Primeiramente, a cultura é um fator determinante nos tratados e nos arranjos diplomáticos que estabelecem as fronteiras. Em segundo lugar, as culturas locais e regionais não são unicamente reativas, pois suas influências afetam a formação, a representação e a recepção política. As comunidades de fronteira estão incessantemente implicadas em uma ampla gama de negociações nacionais, locais e internacionais. Finalmente, o enfoque da cultura de fronteira é uma forma de identificar e analisar as redes políticas, econômicas e sociais que entretecem indivíduos e grupos nas terras de fronteira no interior e no exterior de cada país. Trata-se de uma cultura que revela a reciprocidade entre pessoas e instituições das áreas de fronteira internacional conectadas ao próprio país e a outros lugares distantes, em paisagens definidas por interações sociais peculiares, que transcendem os limites de um Estado determinado (apud FAULHABER, 2001. p.118). Este universo singular presente na cultura de fronteira rresulta na concepção da existência não de uma cultura de fronteira, mas de culturas de fronteiras. Que estão em transformação contínua, e produzem novas singularidades de acordo com as especificidades alicerçadas no contato e no conflito simbólico dos grupos que compartilham o mesmo espaço. Descrever o “cruce” que ocorre entre as populações destas duas cidades significa caracterizar a singularidade que está fronteira apresenta. Em primeiro momento, a especificidade da fronteira de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero enquanto um espaço encontra-se nas relações de integração entre os indivíduos que compartilham este espaço. Pois trata-se de fluxos culturais, econômicos e políticos constantes e instáveis, que apresentam sua ambiguidade caracterizada por uma zona de alto fluxo global, relações plurais baseados no comércio. Ao mesmo tempo encontram-se em paralelo, relações de uma ambiente cultural tradicional, em que os hábitos e costumes são apresentados como algo inerente a está situação. Segundo os estudos de OLVIEIRA (2005), é possível promover uma tipologia especifica a cada situação de fronteira, de acordo com o nível de integração funcional e formal, nas quais se define da seguinte forma: são formas de integração funcional: o comercio, o serviço e a produção industrial de vizinhança, aquela que consolida a complementaridade cotidiana, os empréstimos de máquinas, instrumentos e equipamentos realizados, em especial, no setor rural, e as manifestações realizadas entre unidades de administração local não sustentadas em acordos jurídicos. Ainda que não exclusivo, a maioria absoluta das manifestações funcionais é sustentada pelo circuito inferior da economia; trata-se de uma parte da economia pouco moderna... A integração formal – pode ser configurada como aquela que se enquadra com a geral legalidade, como os acordos bilaterais, as importações e exportações aduaneiras, estabelecimento de entidades supranacionais, intercâmbios estudantis, programas de controle sanitário entre países, etc. Aqui, também, não há exclusividade, mas, a maioria das articulações econômicas são dadas pelo circuito superior, especialmente pelos seus “elementos impuros” (comércio export e import, indústrias de exportação) e pelos “elementos mistos” (atacadistas e transportadores)... (p. 383 -384). Sob esta ótica é possível dimensionar o nível de integração da região de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, como uma zona de alta integração nas duas formas, pois apresenta uma intensa troca de relações, nos âmbitos político e econômico. OLIVEIRA (2005) define este nível de integração como "fronteira viva", na qual os seus habitantes não se constrangem em trocar relações, mesmo sendo de nações distintas. Interagem e constituem espaços próprios comuns, trocam informações, relações e recursos materiais, assim estabelecendo um novo território, com normas e articulações definidas convenientes a sua realidade. Porém sendo uma área de constante tensão. Como afirma OLIVEIRA (2005): Pedro Juan Caballero e Ponta Porã formam uma conurbação vibrante, recheada de ações formais e complementaridades funcionais plurais. Local onde habitam 120 mil pessoas na região urbana e, mais de 150 mil, se contado o setor rural; estabelecem um nível de convivência com intensa complementaridade... O nascimento, quase concomitante, destas cidades com um crescimento e com características muito próximas, desde a exploração da erva-mate, sempre impôs limites ao avanço indiscriminado de uma parte sobre a outra, possibilitando criar uma interação recheada de interrelações históricas, culturais e sociais, inda que rivais. (p. 404) A delimitação física e política da fronteira entre essas duas cidades configura-se como uma fronteira seca. O limite entre as duas cidades, se estabelece pela simples travessia de uma rua local este, onde as trocas, e as relações de integração são intensamente perceptíveis. Assim, de acordo com Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PRPDFF), do Governo Federal brasileiro. Ponta Porã e Pedro Juan Caballero são definidas como “cidades gêmeas" devido a sua integração física existente, localizadas na “zona de fronteira3” apresentando uma paisagem específica, com alta transitividade, possuindo diferenças, fluxos e interações provenientes da conjuntura transfonteiriça. (BRASIL, 2009). Segundo MACHADO (2005), outro fator, que caracteriza as relações presentes no ambiente de fronteira é que este local torna-se um espaço cosmopolita, pois é notória a presença de diversos grupos, com várias nacionalidades. ...as cidades-gêmeas são, no mínimo, bi-nacionais, mas com freqüência abrigam pessoas de diferentes lugares do país e do mundo, em parte atraídas pela possibilidade de ser mais um 'estrangeiro' em meio a outros. Geralmente considerado como algo 'natural' pelos habitantes locais, o ambiente cosmopolita fundamentado na diversidade cultural e étnica pode ser explorado por políticas de desenvolvimento urbano – alimentos, música, bilingüismo, arquitetura, etc., são elementos que enriquecem a qualidade de vida e a convivência transfronteiriça ao mesmo tempo em que reafirmam a heterogeneidade do lugar e, com ela, a possibilidade de se articular a redes de diversos tipos e origens. (MACHADO, 2005, p.69) Esta transitoriedade nos leva a entender que o “cruce” proveniente desta região fronteiriça trata de aspectos materiais de deslocamentos socioeconômicos derivados do cenário da globalização, em que os contrastes são perceptíveis através dos problemas sociais, no qual cada grupo busca a sua forma de coexistir, sem que seja completamente ofuscado por outro grupo, e assim afirme a sua identidade. Diante desta situação cosmopolita que a fronteira apresenta. Um outro aspecto do “cruce” se evidencia. As estratégias que ocasionam o contato entre o tradicional e o moderno. Por ser uma região de intenso fluxo comercial, a fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, é marcada pelo fácil acesso á produtos de diversas partes do mundo. Ao mesmo tempo, em que observa-se uma senhora ou outra vendendo Chipa4 ou ervas medicinais em que geralmente adiciona-se a água do tereré, o "juju". Utilizando os estudos de Clanclini ( 2003), está situação pode ser apresentada como um dos inúmeros processos de hibridização presente na fronteira. Este processo se aloca entre a presença do o moderno, manifestado em expressões que derivam das circunstâncias provocadas pelos processos globalizantes, em prol da modernização econômica. E ao mesmo tempo, a presença do tradicional, entendidos como práticas que legitimam a construção de uma cultura. Uma vez que tais práticas são realizadas, podemos compreende-las como um patrimônio, e um patrimônio que deve ser exibido, a critério de legitimação, pertença à cultura. Dentre os aspectos mais significativos da materialização do cruce, encontra-se dentro da estrutura linguística, que se constitui na fronteira, da língua portuguesa brasileira, o castelhano (espanhol), e guarani paraguaio. Estes idiomas, presentes no cotidiano da fronteira, constituem tradições, heranças culturais, a expressão da identidade nacional. Assim como as relações estabelecidas pelo fluxo comercial. No lado paraguaio da fronteira, este “cruce” é bastante notório. Os comerciantes da linha de fronteira tornamse obrigados a utilizar a língua portuguesa, devido a sua clientela ser, em maior parte brasileira. Enquanto do lado brasileiro espanhol é uma disciplina de língua estrangeira em maior parte das escolas públicas. Porém o aspecto mais comum trata-se da existência do "jopara5", isto é, o multilinguismo que se constitui com a língua portuguesa, o Guarani e o Espanhol. É prática comum o uso de termos em guarani pelos brasileiros como gírias do cotidiano. Enquanto no lado paraguaio, mesmo considerado um país bilíngue, o espanhol é visto como a língua formal, e o guarani como língua informal. Está situação se articula com a análise a ser explorada. Será a busca pelo aprendizado da língua portuguesa um dos fatores que os paraguaios buscam as escolas públicas do lado brasileiro? Se for este o caso, existem ainda outros fatores que alicerçam está busca? E como este processo ocorre? Estas indagações são a base para a compreensão de estratégias de afirmação, negação e negociação da identidade cultural presentes no cotidiano da escola de fronteira. Logo, neste processo, uma vez que se torna necessário compreender o cruce, como o "viver a fronteira", em seus aspectos subjetivos, ou seja, sua estrutura simbólica. 1.3 - O cruce simbólico Além das situações tangíveis que o cruce se manifesta, podemos descrever o contexto imaterial do cruce. Neste contexto encontram-se presentes a questões sobre cultura e identidade. Como, por exemplo: O que é uma cultura de fronteira? E a identidade fronteiriça? Em quais circunstancia e como se projeta? E num ambiente tão distinto quanto o espaço escolar? Existem estratégias de afirmação de uma identidade singular baseado em nacionalidades díspares? Quem é o paraguaio e quem é o brasileiro? Ou, o que são vivendo a fronteira? Estas questões embasam a análise da estrutura simbólica do “cruce”, isto é, também é possível pensar sobre situações em que o sujeito da fronteira, migra de ambientes culturais distintos, e cria fluxos que lhes condicionam a assumir varias identidades constantes e transitórias. Para compreender a noção de uma cultura de fronteira, em primeiro momento é necessário compreende-la como uma construção contínua, hibrida e ambivalente. Contínua, pois como afirma Lararia (2001), toda cultura é dinâmica, isto é, ela não é estática. No seu linear histórico, ocorre inúmeras modificações constantes ocasionados pelo contato, ou pelas variações imposta pela modernidade. hibrida, no sentido que se trata de universo singular que se constituiu a partir da fusão das cultura, do cruzamento. Ou como afirma Claclini (2003): ...processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existem de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas... Fusão de estruturas e práticas culturais discretas geram novas estruturas e práticas sociais. Às vezes de forma não planejada, ou resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos e intercambio econômico ou comunicacional. Más a hibridização surge frequentemente da criatividade individual e coletiva.” (p. XIX - XII). E enfim, ambivalente, pois ao mesmo tempo que a cultura de fronteira existe pelas práticas interculturais vivenciadas em seu cotidiano, é uma fronteira, ou seja, um limite, um ponto de separação de distinção, a preservação da diferença é a manutenção da fronteira. Ou como afirma Barth ( 1998): Em primeiro lugar, fica claro que as fronteiras persistem apesar do fluxo de pessoas que as atravessam. Em outras palavras, as distinções de categorias étnicas não dependem de uma ausência de mobilidade, contato e informação. Mas acarretam processos sociais de exclusão e de incorporação pelos quais categorias discretas são mantidas, apesar das transformações na participação e na pertença no decorrer de histórias na participação e na pertença no decorrer de histórias de vidas individuais. Em segundo lugar, descobre-se que relações sociais estáveis, persistentes e muitas vezes de uma importância social vital, são mantidas através dessas fronteiras e são frequentemente baseadas precisamente nos estatutos étnicos dicotomizados. Em outras palavras as distinções étnicas não dependem de uma ausência de interação social e aceitação, mas são, muito ao contrário, frequentemente as próprias fundações sobre as quais são levantados os sistemas sociais englobantes. (p. 188). Só é possível cruzar uma fronteira, se existe uma fronteira. Um limite rígido, estável, que com anseios da modernidade, o deixou poroso, permeável, agora sem limites. A cultura de fronteira é uma cultura de transito. Só existe enquanto haver aquele que cruza a fronteira. A mescla das práticas, o próprio patrimônio cultural, as representações, a sistematização dos códigos e linguagens e as vivências, todos estes fatores no ambiente de fronteira são propagados pelo “cruce”. A melhor maneira de descrever este processo, é dizer que se trata de um vínculo, que, ora assume posturas coercitivas de distanciamento e aproximações, sendo que sua estrutura simbólica possui uma forma hibrida, que não se reproduz, más que assume contínuas estratégias de resignificação, variando de acordo com as circunstancias que o “cruce” apresenta. Neste contexto, tomamos as palavras de SANTOS (1994), a fim de apresentar um melhor complemento ao designo de cultura de fronteira: Para além do acentrismo e do cosmopolitismo a forma cultural da fronteira apresenta ainda uma outra característica: a dramatização e a carnavalização das formas. Dado o caráter babélico, sem sincronia e superficial das incorporações e das apropriações forâneas, a forma fronteiriça tende a identificar-se, nessas incorporações e apropriações, com as formas mais do que com os conteúdos dos produtos culturais incorporados. O substantivismo é residual e consiste no modo como tais formas são vernaculizadas. O desequilíbrio entre forma e conteúdo que assim se dá tem como efeito uma certa dramatização das formas que é também uma certa carnavalização das formas, isto é, uma atitude de distanciamento mais lúdica que profilática, mais feita da consciência da inconseqüência do que da consciência da superioridade. (p. 49) Ao se afirmar como se constitui uma cultura de fronteira, ou o viver a fronteira, resta caracterizar aquele que vive a fronteira, sujeito fronteiriço, ou o cruzador de fronteiras. como podemos caracterizar uma identidade de fronteira?; De maneira mais particular ainda, qual é a identidade do indivíduos que habita esta região de fronteira? E, além disso, como se constitui está identidade? Quais são as estratégias e estrutura que sustentam está identidade. No âmbito das ciências sociais, o conceito de identidade, mais particularmente identidade fronteiriça foca sobre a esfera do ambiente cultural em que ela se produz marcadas por suas hibridizações, e à questão dos meios dos quais se afirmam e constroem uma identidade nacional, em meio o viver da fronteira. A partir do estudo de autores como Bhabha (1998), Hall (2006), Canclini (2003), e referencias nos estudos sobre a fronteira como Albuquerque (2010), Machado (2010), e Ferreira (2012), pode se considerar como pontos pertinentes ao processo da construção de uma identidade de fronteira, questões como os aspectos da diversidade cultural, as práticas cotidianas, a expressão da nacionalidade, além própria relação do indivíduo com a dinâmica com o espaço em que habita. Há uma estreita relação entre a concepção que se faz de cultura e a concepção que se tem de identidade cultural. Aqueles que integram a cultura como uma segunda natureza” que recebemos de herança e da qual não podemos escapar, concebem a identidade com um dado que definiria de uma vez por todas o indivíduo e que o marcaria de maneira quase indelével. (...) Em uma abordagem culturalista, a ênfase não é colocada sobre a herança biológica, não mais considerada como determinante, mas na herança cultural, ligada a socialização do indivíduo no interior de seu grupo cultural (CUCHE, 1999 p. 179). O segundo conceito de fundamental importância, trata-se da compreensão a partir do fenômeno do hibridismo cultural presente no cenário da América latina. Este marcado pelo constante espaço de conflitos e negociações das culturas alocadas em meio aos anseios da modernidade e o processo de modernização. Assim tratamos como um ponto estratégico de compreensão, a noção de identidade cultural, dado está uma variante de uma identidade nacional alicerçada nas expressões simbólicas que se encontram e entram em confluência para a caracterização da identidade de fronteira. a identidade cultural de fronteira é a plena representação da crise que pós modernidade traz ao próprio conceito. As identidades culturais são pontos de identificação, os pontos instáveis de identificação ou sutura, feitos no interior dos discursos da cultura e história. Não uma essência, mas um posicionamento. Donde haver sempre uma política da identidade, uma política de posição, que não conta com nenhuma garantia absoluta numa “lei de origem” sem problemas, transcendental (HALL, 1996 p. 70). Partindo das considerações de HALL (2006 p.09), no qual demonstra os processos de crise, declínio e reconstrução do conceito de identidade na história da sociedade moderna, cujo “fragmenta as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, subentende-se que este fenômeno proporciona mudanças em nossas identidades pessoais, abalando a ideia que ternos de nós próprios como sujeitos integrados”, a identidade de fronteira se constitui de fragmentações variadas de diversos aspetos. Por exemplo, quanto mais próximo da zona de contato, "a linha de fronteira", maior os fluxos e processos globalizantes que norteia as relações de troca, trabalho e comércio que sustentam a vida na fronteira. Em compensação, quanto mais distante, mais se expressa o patrimônio simbólico da cultura nacional paraguaia. Partindo deste contexto, é possível dimensionar a manifestação do “cruce” na própria identidade do sujeito que realiza o “cruce”. Se ora é conveniente expressar sua identidade cultural paraguaia, ele vai expressa-la. Logo é mais notório e perceptível devido a sua peculiaridade, é possível a plena percepção da constante flexibilidade da identidade do sujeito ou: A identidade torna-se uma "celebração móvel": formada transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). E definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. (HALL, 2006. P. 13). Portanto, a partir destas análises, pode-se dizer que a questão da identidade de fronteira, assume tanto o papel de expressar o limite entre as culturas, o que limita a fronteira, ao demonstrar sua identidade nacional. E ao mesmo tempo expressa o “cruce” intangível, no momento em se pode observar nas trocas e mesclas de diversos patrimônios culturais, momento no qual se cria uma cultura hibrida. Uma verdadeira cultura jopará. Notas 1)Bebida típica a base de água fria e erva mate. 2) Segundo STURZA, (2014, p. 05), o termo “cruce” é a travessia, que em algumas fronteiras é a ponte; em outras, a balsa; em outra, apenas a rua. 3) Segundo o §2º do artigo 20 da constituição federal de 1988, a zona de fronteira é a extensão territorial que se caracteriza geograficamente por ser uma faixa de até 150 km de largura ao longo de 15.719 km da fronteira terrestre brasileira, que abrange 588 municípios de 11 Unidades da Federação: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27% do território brasileiro e reúne uma população estimada em dez milhões de habitantes. O Brasil faz fronteira com dez países da América do Sul e busca a ocupação e a utilização da Faixa de Fronteira de forma compatível com sua importância territorial estratégica. (BRASIL, 2009). 4) Comida típica do Paraguai, a base de queijo, farinha de milho, ovos e banha. 5) Termo guarani que significa mescla, confusão. Também trata-se de uma comida típica paraguaia a base de milho, feijão, carne seca e outros ingredientes. Bibliografia ALBUQUERQUE, José Lindomar C.FRONTEIRAS EM MOVIMENTO E IDINTIDADES NACIONAIS: A imigração brasileira no Paraguai. Tese (Doutorado), UFC. Fortaleza, 2005. BHABHA, H. O local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. BAUMAM, Z. Modernidade e Ambivalência. – Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1999. BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. FAIXA DE FRONTEIRA Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira - PDFF. Ministério da Integração Nacional. 2009. BRASIL. ESCOLAS INTERCULTURAIS DE FRONTEIRA. 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