O cotidiano da Fronteira "o cruce
Denilson da Silva Domingues
Mestrando em sociologia da
Universidade
Federal
da
Grande Dourados - UFGD.
[email protected]
Resumo: O presente artigo visa expor um breve estudo sobre o cotidiano da
fronteira, estabelecida pelos municípios de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan
Caballero (PY). A proposta consiste em descrever parte dos mecanismos de
interação das relações sociais estabelecidas nas mais distintas esferas do
cotidiano de fronteira. Bem como as diversidades presentes nas situações que
se manifestam nas práticas correlacionadas as trocas, e as situações de
conflitos pertinentes a realidade projetada particularmente na região de
fronteira entre o Brasil e Paraguai. Dentro desta dinâmica, ainda tem-se o
objetivo de identificar as estratégias de afirmação e negação de identidades,
mensurando também os pontos de negociação em que tal fenômeno ocorre.
Logo, ao descrever o "viver" da fronteira, delineia-se o objetivo do presente
trabalho que centra-se em estudar como "cruce", isto é, o ato de cruzar a
fronteira se manifesta. Tendo em vista que esta temática apresenta
contribuições necessárias e significativas de estudos da área da geografia,
história, sociologia e antropologia, devido ampla gama de ciências que o
conceito de fronteira pode presenciar, pois a fronteira é algo muito mais além
de um limite territorial. Cada fronteira é um ambiente singular, que apresenta
situações únicas. Assim em primeiro momento o trabalho apresenta uma
sucinta descrição da relação entre os dois municípios, a configuração da sua
fronteira dentro de estudos já realizados, assim como a definição no seu
aspecto jurídico, o que se pode entender enquanto o cruce. Posteriormente
atingimos um outro ponto de discussão, como se manifesta o cruce tanto nas
representações materiais do cotidiano, como nas estrutura simbólicas da
identidade de ambas as culturas que convivem na fronteira. Este trabalho é
parte de estudos já realizados da elaboração de uma dissertação de mestrado
sobre a presença de estudantes de nacionalidade paraguaia que estudam em
escolas públicas no Brasil, característica peculiar de cidades de fronteira,
configuradas como cidades gêmeas.
Palavras-chave: Cotidiano, diversidade, Fronteira;
Resumen: Este artículo tiene como objetivo exponer un breve estudio de la
frontera diaria establecida por el municipio de Ponta Pora ( BR ) y Pedro Juan
Caballero ( PY ) . La propuesta es describir parte de los mecanismos de
interacción de las relaciones sociales en las más diversas esferas de la frontera
todos los días . Así como la diversidad presente en las situaciones que se
plantean en los intercambios de prácticas correlacionados , y las situaciones de
conflictos relevantes proyectadas sobre todo en la región de la frontera entre
Brasil y Paraguay realidad . Dentro de esta dinámica , sin embargo, tenemos el
objetivo de identificar las estrategias de afirmación y negación de la identidad ,
también la medición de los puntos de negociación en la que se produce este
fenómeno. Por lo tanto , en la descripción de la " vida " de la frontera , no se
discierne el propósito de este trabajo se centra en el estudio de cómo " Cruce" ,
es decir , el acto de cruzar los manifiestos fronterizas . Dado que esta cuestión
presenta las contribuciones necesarias y significativas en el área de estudio de
la geografía , la historia , la sociología y la antropología , porque amplia gama
de ciencias que el concepto de frontera puede ser testigo , porque la frontera
es algo mucho más allá de un límite territorial . Cada frontera es un ambiente
único que presenta situaciones únicas . Así que al principio el trabajo se
presenta una breve descripción de la relación entre los dos municipios , el
ajuste de su frontera en los estudios anteriores , así como la definición de su
aspecto legal , que puede ser entendido como el Cruce . Más tarde llegamos a
otro punto de la discusión , que se manifiesta tanto en las representaciones
materiales Cruce de la vida cotidiana , como en la estructura simbólica de la
identidad de las dos culturas que viven en la frontera . Este trabajo es parte de
los estudios previos de la preparación de una tesis doctoral sobre la presencia
de los estudiantes de nacionalidad paraguaya que estudian en las escuelas
públicas de Brasil , peculiar característica de las ciudades fronterizas ,
configurados como ciudades gemelas .
Palabras clave : Todos los días, la diversidad , Frontier ;
ABSTRACT: This article aims to expose a brief study of the daily border
established by city of Ponta Pora (BR) and Pedro Juan Caballero (PY). The
proposal is to describe part of the mechanisms of social interaction relations in
the most different spheres of everyday frontier. As soon as the diversity is
present in situations that arise in practice correlated with exchanges, and
situations relevant conflicts projected particularly in the border region between
Brazil and Paraguay reality. Within this dynamic, we aim identifystrategies of
affirmation and denial of identity, also measuring the points of negotiation in
which this phenomenon occurs. Thus, describing the "living" on the border,
there is discerned the purpose of this work that focuses on studying how
"Cruce", the act of crossing the border arises. The issue presents necessary
and significant contributions in the field of study of geography, history, sociology
and anthropology, because there is a wide range of sciences that the concept of
the frontier can covered, because the border is something far beyond a
territorial border. Each border is a unique environment that presents unique
situations. So initially the paper presents a brief description of the relationship
between the two municipalities, the setting of its border in previous studies, as
well as defining its legal aspect, which can be understood as the Cruce. Later
we reached another point of discussion, as manifested both in the Cruce
material representations of everyday life, as in the symbolic structure of the
identity of both cultures who live on the border. This work is part of previous
studies of the preparation of a dissertation on the presence of Paraguayan
nationality students studying in public schools in Brazil, characteristic of border
towns, configured as twin cities.
Keywords: Daily, diversity, Border;
O "Cruce" na prática
O fenômeno peculiar em análise ocorre pelas circunstâncias da
existência de uma fronteira territorial seca nos municípios de Ponta Porã (BR) e
Pedro Juan Caballero (PY), que permite a livre circulação entre cidadãos de
ambas as nacionalidades. Neste contexto, existem diferenças não só culturais,
mas também políticas e sociais. O cotidiano destes povos apresenta uma
intensa dualidade entre o tradicional e o moderno que promovem ambiguidades
no cotidiano local. Um exemplo desta relação na fronteira manifesta-se no
grande fluxo comercial de produtos de diversas partes do mundo. Assim como
no rito do consumo do tereré1, uma prática cultural que não reflete a relação
temporal da modernidade, e sim uma relação social permeada por valores
tradicionais.
Nesse sentido a presente investigação está centrada não no aspecto
econômico, mas no âmbito da educação. As famílias que habitam o lado
paraguaio da fronteira buscam a educação pública brasileira. Isto gera
situações de intenso contraste, trocas e conflitos nos complexos sociais e
culturais resultantes das relações fronteiriças.
Diante disto inúmeros questionamentos tornam-se pertinentes para
compreender tal realidade. Quais são os objetivos reais que se encontram
presentes no fato de que estas famílias buscam a escola pública do lado
brasileiro como um recurso que possa lhes proporcionar uma melhor situação
socioeconômica? E se for, qual a causa desta orientação? O que se encontra
como o verdadeiro caráter desta relação contrastante em meio às mediações
presentes no cotidiano de fronteira?
Nesta abordagem podemos conceber a fronteira a partir de duas
definições que interagem com a dinâmica espacial e temporal que a
problemática contempla.
No caso tais conceitos referem-se a RAFFESTIN
(2005, p. 13), e ALBUQUERQUE (2006, p. 05) presentes nos estudos de
PEREIRA (2009) :
A fronteira não é uma linha, a fronteira é um dos elementos da
comunicação biossocial que assume uma função reguladora.
Ela é a expressão de um equilíbrio dinâmico que não se
encontra somente no sistema territorial, mas em todos os
sistemas biossociais. (p. 52).
As fronteiras são fluxos, mas também obstáculos, misturas e
separações, integrações e conflitos, domínios e subordinações.
Elas representam espaços de poder, de conflitos variados e de
distintas formas de integração cultural. (p. 54).
A partir destas colocações, a concepção de fronteira trata de um espaço
múltiplo, que condiciona situações de resistência, afirmação, distanciamento,
sendo ao mesmo tempo um fator que proporciona situações de fluidez,
marcado por um processo de hibridização entre conjuntos culturais, ao passo
que também condiciona os elementos as dicotomias entre o tradicional e o
moderno, o local e global que permeiam o cotidiano.
Diante da dinâmica das relações de fronteira um fenômeno muito
particular ocorre nesta região: o “cruce” 2, isto é, o ato de cruzar a fronteira.
Realizar a travessia, não representa apenas algo tangível, que se materializa
em questões espaciais ou geográficas. O “cruce” também se manifesta nas
trocas simbólicas entre as culturas.
A fronteira mencionada apresenta marcas expressivas do “cruce”.
Elementos que nos remete desde a sua formação histórica, até as atividades
mais corriqueiras presente no dia a dia de sua população. Historicamente a
relação destes dois povos foi marcada de forma conflituosa, derivado dos
resquícios da Guerra do Paraguai (1864-1879). Fato que alicerçou o processo
de colonização de ambas a cidades, assim como o ciclo da erva mate nesta
região. Baseado neste marco histórico, a relação entre esses dois povos é
marcado por uma hierarquia promovida, pela necessidade oriunda da
dependência criada pelo fluxo comercial que se encontra nesta fronteira.
Um dos inúmeros “cruces” que marcam o perfil da fronteira entre Ponta
Porã e Pedro Juan Caballero, encontra-se na zona de comercio. A cidade
paraguaia é conhecida pelo seu turismo comercial, no qual os brasileiros, em
sua maior parte, vindo de ouras regiões, são os maiores consumidores. Este
“cruce”, realizado pelos brasileiros, estigmatiza esta relação de hierarquia.
Onde o brasileiro é tido como o “patrão”. De uma forma que aparenta ser
natural, mas na realidade representa uma situação imposta, em que o
comerciante paraguaio vê-se coagido a ter certo domínio da língua portuguesa.
O “cruce” protagonizado por parte da população paraguaia se manifesta
pela busca das instituições sociais do lado brasileiro. Como educação básica e
saúde, também não é muito difícil de encontrar cidadãos paraguaios realizando
trabalhos informais, ou em condições precárias, ora demonstrando certa
condição de submissão a parte brasileira.
O “cruce” também atinge as estruturas simbólicas presente na
construção das identidades dos indivíduos. Em um contexto de trocas e
conflitos culturais tende a apresentar designações variáveis, objetivando
interesses de acordo com a situação em que este indivíduo se encontra no
momento.
Trata-se das conveniências, em quais momentos é mais
conveniente ter sentimentos de pertença a cultura paraguaia? Ou ao contrário?
Dentre destas situações que o cotidiano da fronteira apresenta, o “cruce”
do estudante paraguaio que busca a educação pública brasileira torna-se um
ponto de intenso debate. Quais são os reais interesses inerentes a este
fenômeno? Como as escola, na sua função institucional se porta perante essa
realidade?
E este estudante? Qual a sua dinâmica identitária perante as
realidades ambíguas, que, de certa forma o obriga a esta negociação de seus
sentimentos de pertença.
Para a elaboração desta análise, em primeiro
momento, a proposta é descrever o fenômeno do cruce em suas manifestações
materiais e simbólicas, contrastando com a realidade vivenciada na fronteira
entre os municípios de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY). Assim
como a escola pública brasileira, na categoria de escola de fronteira, por ter
como sua singularidade o desafio de conviver com o choque cultural de duas
nacionalidades que ao mesmo tempo são distintas e completares.
1.2 - O cruce na sua materialidade
O cotidiano presente na fronteira das cidades Ponta Porã (BR) e Pedro
Juan Caballero (PY) é marcado por inúmeras “cruces”, em sua maior parte por
necessidades específicas presentes em situações de consumo, trabalho,
moradia, divergências, e entre outras situações alocadas no cotidiano das
relações de fronteira.
Ao propor esta reflexão sobre o cotidiano da cultura de fronteira, é
necessário considerar outras situações em que as singularidades da cultura de
fronteira se manifestam. Situações estas que se manifestam nas estruturas
econômicas, políticas e sociais. Como observa WILSON E DONNAN, 1999, p.
12:
A análise da cultura de fronteira considera a importância de se
levar em conta as necessidades e os desejos dos que vivem
em terra de fronteira. Primeiramente, a cultura é um fator
determinante nos tratados e nos arranjos diplomáticos que
estabelecem as fronteiras. Em segundo lugar, as culturas
locais e regionais não são unicamente reativas, pois suas
influências afetam a formação, a representação e a recepção
política. As comunidades de fronteira estão incessantemente
implicadas em uma ampla gama de negociações nacionais,
locais e internacionais. Finalmente, o enfoque da cultura de
fronteira é uma forma de identificar e analisar as redes
políticas, econômicas e sociais que entretecem indivíduos e
grupos nas terras de fronteira no interior e no exterior de cada
país. Trata-se de uma cultura que revela a reciprocidade entre
pessoas e instituições das áreas de fronteira internacional
conectadas ao próprio país e a outros lugares distantes, em
paisagens definidas por interações sociais peculiares, que
transcendem os limites de um Estado determinado (apud
FAULHABER, 2001. p.118).
Este universo singular presente na cultura de fronteira rresulta na
concepção da existência não de uma cultura de fronteira, mas de culturas de
fronteiras. Que estão em transformação contínua, e produzem novas
singularidades de acordo com as especificidades alicerçadas no contato e no
conflito simbólico dos grupos que compartilham o mesmo espaço.
Descrever o “cruce” que ocorre entre as populações destas duas
cidades significa caracterizar a singularidade que está fronteira apresenta. Em
primeiro momento, a especificidade da fronteira de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero enquanto um espaço encontra-se nas relações de integração entre
os indivíduos que compartilham este espaço. Pois trata-se de fluxos culturais,
econômicos e políticos constantes e instáveis, que apresentam sua
ambiguidade caracterizada por uma zona de alto fluxo global, relações plurais
baseados no comércio. Ao mesmo tempo encontram-se em paralelo, relações
de uma ambiente cultural tradicional, em que os hábitos e costumes são
apresentados como algo inerente a está situação.
Segundo os estudos de OLVIEIRA (2005), é possível promover uma
tipologia especifica a cada situação de fronteira, de acordo com o nível de
integração funcional e formal, nas quais se define da seguinte forma:
são formas de integração funcional: o comercio, o serviço e a
produção industrial de vizinhança, aquela que consolida a
complementaridade cotidiana, os empréstimos de máquinas,
instrumentos e equipamentos realizados, em especial, no setor
rural, e as manifestações realizadas entre unidades de
administração local não sustentadas em acordos jurídicos.
Ainda que não exclusivo, a maioria absoluta das manifestações
funcionais é sustentada pelo circuito inferior da economia;
trata-se de uma parte da economia pouco moderna... A
integração formal – pode ser configurada como aquela que se
enquadra com a geral legalidade, como os acordos bilaterais,
as importações e exportações aduaneiras, estabelecimento de
entidades supranacionais, intercâmbios estudantis, programas
de controle sanitário entre países, etc. Aqui, também, não há
exclusividade, mas, a maioria das articulações econômicas são
dadas pelo circuito superior, especialmente pelos seus
“elementos impuros” (comércio export e import, indústrias de
exportação) e pelos “elementos mistos” (atacadistas e
transportadores)... (p. 383 -384).
Sob esta ótica é possível dimensionar o nível de integração da região de
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, como uma zona de alta integração nas
duas formas, pois apresenta uma intensa troca de relações, nos âmbitos
político e econômico. OLIVEIRA (2005) define este nível de integração como
"fronteira viva", na qual os seus habitantes não se constrangem em trocar
relações, mesmo sendo de nações distintas. Interagem e constituem espaços
próprios comuns, trocam informações, relações e recursos materiais, assim
estabelecendo um novo território, com normas e articulações definidas
convenientes a sua realidade. Porém sendo uma área de constante tensão.
Como afirma OLIVEIRA (2005):
Pedro Juan Caballero e Ponta Porã formam uma conurbação
vibrante, recheada de ações formais e complementaridades
funcionais plurais. Local onde habitam 120 mil pessoas na
região urbana e, mais de 150 mil, se contado o setor rural;
estabelecem um nível de convivência com intensa
complementaridade... O nascimento, quase concomitante,
destas cidades com um crescimento e com características
muito próximas, desde a exploração da erva-mate, sempre
impôs limites ao avanço indiscriminado de uma parte sobre a
outra, possibilitando criar uma interação recheada de interrelações históricas, culturais e sociais, inda que rivais. (p. 404)
A delimitação física e política da fronteira entre essas duas cidades
configura-se como uma fronteira seca. O limite entre as duas cidades, se
estabelece pela simples travessia de uma rua local este, onde as trocas, e as
relações de integração são intensamente perceptíveis. Assim, de acordo com
Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira
(PRPDFF), do Governo Federal brasileiro. Ponta Porã e Pedro Juan Caballero
são definidas como “cidades gêmeas" devido a sua integração física existente,
localizadas na “zona de fronteira3” apresentando uma paisagem específica,
com alta transitividade, possuindo diferenças, fluxos e interações provenientes
da conjuntura transfonteiriça. (BRASIL, 2009).
Segundo MACHADO (2005), outro fator, que caracteriza as relações
presentes no ambiente de fronteira é que este local torna-se um espaço
cosmopolita, pois
é notória a presença de diversos grupos, com várias
nacionalidades.
...as cidades-gêmeas são, no mínimo, bi-nacionais, mas com
freqüência abrigam pessoas de diferentes lugares do país e do
mundo, em parte atraídas pela possibilidade de ser mais um
'estrangeiro' em meio a outros. Geralmente considerado como
algo 'natural' pelos habitantes locais, o ambiente cosmopolita
fundamentado na diversidade cultural e étnica pode ser
explorado por políticas de desenvolvimento urbano – alimentos,
música, bilingüismo, arquitetura, etc., são elementos que
enriquecem a qualidade de vida e a convivência transfronteiriça
ao mesmo tempo em que reafirmam a heterogeneidade do
lugar e, com ela, a possibilidade de se articular a redes de
diversos tipos e origens. (MACHADO, 2005, p.69)
Esta transitoriedade nos leva a entender que o “cruce” proveniente desta
região
fronteiriça
trata
de
aspectos
materiais
de
deslocamentos
socioeconômicos derivados do cenário da globalização, em que os contrastes
são perceptíveis através dos problemas sociais, no qual cada grupo busca a
sua forma de coexistir, sem que seja completamente ofuscado por outro grupo,
e assim afirme a sua identidade.
Diante desta situação cosmopolita que a fronteira apresenta. Um outro
aspecto do “cruce” se evidencia. As estratégias que ocasionam o contato entre
o tradicional e o moderno. Por ser uma região de intenso fluxo comercial, a
fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, é marcada pelo fácil acesso
á produtos de diversas partes do mundo. Ao mesmo tempo, em que observa-se
uma senhora ou outra vendendo Chipa4 ou ervas medicinais em que
geralmente adiciona-se a água do tereré, o "juju".
Utilizando os estudos de Clanclini ( 2003), está situação pode ser
apresentada como um dos inúmeros processos de hibridização presente na
fronteira. Este processo se aloca entre a presença do o moderno, manifestado
em expressões que derivam das circunstâncias provocadas pelos processos
globalizantes, em prol da modernização econômica. E ao mesmo tempo, a
presença do tradicional, entendidos como práticas que legitimam a construção
de uma cultura. Uma vez que tais práticas são realizadas, podemos
compreende-las como um patrimônio, e um patrimônio que deve ser exibido, a
critério de legitimação, pertença à cultura.
Dentre os aspectos mais significativos da materialização do cruce,
encontra-se dentro da estrutura linguística, que se constitui na fronteira, da
língua portuguesa brasileira, o castelhano (espanhol), e guarani paraguaio.
Estes idiomas, presentes no cotidiano da fronteira, constituem tradições,
heranças culturais, a expressão da identidade nacional. Assim como as
relações estabelecidas pelo fluxo comercial. No lado paraguaio da fronteira,
este “cruce” é bastante notório. Os comerciantes da linha de fronteira tornamse obrigados a utilizar a língua portuguesa, devido a sua clientela ser, em maior
parte brasileira. Enquanto do lado brasileiro espanhol é uma disciplina de
língua estrangeira em maior parte das escolas públicas.
Porém o aspecto mais comum trata-se da existência do "jopara5", isto é,
o multilinguismo que se constitui com a língua portuguesa, o Guarani e o
Espanhol. É prática comum o uso de termos em guarani pelos brasileiros como
gírias do cotidiano. Enquanto no lado paraguaio, mesmo considerado um país
bilíngue, o espanhol é visto como a língua formal, e o guarani como língua
informal.
Está situação se articula com a análise a ser explorada. Será a busca
pelo aprendizado da língua portuguesa um dos fatores que os paraguaios
buscam as escolas públicas do lado brasileiro? Se for este o caso, existem
ainda outros fatores que alicerçam está busca? E como este processo ocorre?
Estas indagações são a base para a compreensão de estratégias de afirmação,
negação e negociação da identidade cultural presentes no cotidiano da escola
de fronteira. Logo, neste processo, uma vez que se torna necessário
compreender o cruce, como o "viver a fronteira", em seus aspectos subjetivos,
ou seja, sua estrutura simbólica.
1.3 - O cruce simbólico
Além das situações tangíveis que o cruce se manifesta, podemos
descrever o contexto imaterial do cruce. Neste contexto encontram-se
presentes a questões sobre cultura e identidade. Como, por exemplo: O que é
uma cultura de fronteira? E a identidade fronteiriça? Em quais circunstancia e
como se projeta? E num ambiente tão distinto quanto o espaço escolar?
Existem estratégias de afirmação de uma identidade singular baseado em
nacionalidades díspares? Quem é o paraguaio e quem é o brasileiro? Ou, o
que são vivendo a fronteira?
Estas questões embasam a análise da estrutura simbólica do “cruce”,
isto é, também é possível pensar sobre situações em que o sujeito da fronteira,
migra de ambientes culturais distintos, e cria fluxos que lhes condicionam a
assumir varias identidades constantes e transitórias.
Para compreender a noção de uma cultura de fronteira, em primeiro
momento é necessário compreende-la como uma construção contínua, hibrida
e ambivalente. Contínua, pois como afirma Lararia (2001), toda cultura é
dinâmica, isto é, ela não é estática. No seu linear histórico, ocorre inúmeras
modificações constantes ocasionados pelo contato, ou pelas variações imposta
pela modernidade. hibrida, no sentido que se trata de universo singular que se
constituiu a partir da fusão das cultura, do cruzamento. Ou como afirma Claclini
(2003):
...processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas
discretas, que existem de forma separada, se combinam para
gerar novas estruturas, objetos e práticas... Fusão de
estruturas e práticas culturais discretas geram novas estruturas
e práticas sociais. Às vezes de forma não planejada, ou
resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos e
intercambio econômico ou comunicacional. Más a hibridização
surge frequentemente da criatividade individual e coletiva.” (p.
XIX - XII).
E enfim, ambivalente, pois ao mesmo tempo que a cultura de fronteira
existe pelas práticas interculturais vivenciadas em seu cotidiano, é uma
fronteira, ou seja, um limite, um ponto de separação de distinção, a
preservação da diferença é a manutenção da fronteira. Ou como afirma Barth (
1998):
Em primeiro lugar, fica claro que as fronteiras persistem apesar
do fluxo de pessoas que as atravessam. Em outras palavras,
as distinções de categorias étnicas não dependem de uma
ausência de mobilidade, contato e informação. Mas acarretam
processos sociais de exclusão e de incorporação pelos quais
categorias discretas são mantidas, apesar das transformações
na participação e na pertença no decorrer de histórias na
participação e na pertença no decorrer de histórias de vidas
individuais. Em segundo lugar, descobre-se que relações
sociais estáveis, persistentes e muitas vezes de uma
importância social vital, são mantidas através dessas fronteiras
e são frequentemente baseadas precisamente nos estatutos
étnicos dicotomizados. Em outras palavras as distinções
étnicas não dependem de uma ausência de interação social e
aceitação, mas são, muito ao contrário, frequentemente as
próprias fundações sobre as quais são levantados os sistemas
sociais englobantes. (p. 188).
Só é possível cruzar uma fronteira, se existe uma fronteira. Um limite
rígido, estável, que com anseios da modernidade, o deixou poroso, permeável,
agora sem limites. A cultura de fronteira é uma cultura de transito. Só existe
enquanto haver aquele que cruza a fronteira. A mescla das práticas, o próprio
patrimônio cultural, as representações, a sistematização dos códigos e
linguagens e as vivências, todos estes fatores no ambiente de fronteira são
propagados pelo “cruce”. A melhor maneira de descrever este processo, é
dizer que se trata de um vínculo, que, ora assume posturas coercitivas de
distanciamento e aproximações, sendo que sua estrutura simbólica possui uma
forma hibrida, que não se reproduz, más que assume contínuas estratégias de
resignificação, variando de acordo com as circunstancias que o “cruce”
apresenta. Neste contexto, tomamos as palavras de SANTOS (1994), a fim de
apresentar um melhor complemento ao designo de cultura de fronteira:
Para além do acentrismo e do cosmopolitismo a forma
cultural da fronteira apresenta ainda uma outra
característica: a dramatização e a carnavalização das
formas. Dado o caráter babélico, sem sincronia e
superficial das incorporações e das apropriações
forâneas, a forma fronteiriça tende a identificar-se,
nessas incorporações e apropriações, com as formas
mais do que com os conteúdos dos produtos culturais
incorporados. O substantivismo é residual e consiste no
modo como tais formas são vernaculizadas. O
desequilíbrio entre forma e conteúdo que assim se dá
tem como efeito uma certa dramatização das formas que
é também uma certa carnavalização das formas, isto é,
uma atitude de distanciamento mais lúdica que profilática,
mais feita da consciência da inconseqüência do que da
consciência da superioridade. (p. 49)
Ao se afirmar como se constitui uma cultura de fronteira, ou o viver a
fronteira, resta caracterizar aquele que vive a fronteira, sujeito fronteiriço, ou o
cruzador de fronteiras. como podemos caracterizar uma identidade de
fronteira?; De maneira mais particular ainda, qual é a identidade do indivíduos
que habita esta região de fronteira? E, além disso, como se constitui está
identidade? Quais são as estratégias e estrutura que sustentam está
identidade.
No âmbito das ciências sociais, o conceito de identidade, mais
particularmente identidade fronteiriça foca sobre a esfera do ambiente cultural
em que ela se produz marcadas por suas hibridizações, e à questão dos meios
dos quais se afirmam e constroem uma identidade nacional, em meio o viver da
fronteira. A partir do estudo de autores como Bhabha (1998), Hall (2006),
Canclini (2003), e referencias nos estudos sobre a fronteira como Albuquerque
(2010), Machado (2010), e Ferreira (2012), pode se considerar como pontos
pertinentes ao processo da construção de uma
identidade de fronteira,
questões como os aspectos da diversidade cultural, as práticas cotidianas, a
expressão da nacionalidade, além própria relação do indivíduo com a dinâmica
com o espaço em que habita.
Há uma estreita relação entre a concepção que se faz de
cultura e a concepção que se tem de identidade cultural.
Aqueles que integram a cultura como uma segunda natureza”
que recebemos de herança e da qual não podemos escapar,
concebem a identidade com um dado que definiria de uma vez
por todas o indivíduo e que o marcaria de maneira quase
indelével. (...) Em uma abordagem culturalista, a ênfase não é
colocada sobre a herança biológica, não mais considerada
como determinante, mas na herança cultural, ligada a
socialização do indivíduo no interior de seu grupo cultural
(CUCHE, 1999 p. 179).
O
segundo
conceito
de
fundamental
importância,
trata-se
da
compreensão a partir do fenômeno do hibridismo cultural presente no cenário
da América latina. Este marcado pelo constante espaço de conflitos e
negociações das culturas alocadas em meio aos anseios da modernidade e o
processo de modernização.
Assim tratamos como um ponto estratégico de compreensão, a noção de
identidade cultural, dado está uma variante de uma identidade nacional
alicerçada nas expressões simbólicas que se encontram e entram em
confluência para a caracterização da identidade de fronteira. a identidade
cultural de fronteira é a plena representação da crise que pós modernidade traz
ao próprio conceito.
As identidades culturais são pontos de identificação, os pontos
instáveis de identificação ou sutura, feitos no interior dos
discursos da cultura e história. Não uma essência, mas um
posicionamento. Donde haver sempre uma política da
identidade, uma política de posição, que não conta com
nenhuma garantia absoluta numa “lei de origem” sem
problemas, transcendental (HALL, 1996 p. 70).
Partindo das considerações de HALL (2006 p.09), no qual demonstra os
processos de crise, declínio e reconstrução do conceito de identidade na
história da sociedade moderna, cujo “fragmenta as paisagens culturais de
classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, subentende-se que
este fenômeno proporciona mudanças em nossas identidades pessoais,
abalando a ideia que ternos de nós próprios como sujeitos integrados”, a
identidade de fronteira se constitui de fragmentações variadas de diversos
aspetos. Por exemplo, quanto mais próximo da zona de contato, "a linha de
fronteira", maior os fluxos e processos globalizantes que norteia as relações de
troca, trabalho e comércio que sustentam a vida na fronteira. Em
compensação, quanto mais distante, mais se expressa o patrimônio simbólico
da cultura nacional paraguaia. Partindo deste contexto, é possível dimensionar
a manifestação do “cruce” na própria identidade do sujeito que realiza o
“cruce”. Se ora é conveniente expressar sua identidade cultural paraguaia, ele
vai expressa-la.
Logo é mais notório e perceptível devido a sua peculiaridade, é possível
a plena percepção da constante flexibilidade da identidade do sujeito ou:
A identidade torna-se uma "celebração móvel": formada
transformada continuamente em relação às formas pelas quais
somos representados ou interpelados nos sistemas culturais
que nos rodeiam (Hall, 1987). E definida historicamente, e não
biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em
diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao
redor de um "eu" coerente. (HALL, 2006. P. 13).
Portanto, a partir destas análises, pode-se dizer que a questão da
identidade de fronteira, assume tanto o papel de expressar o limite entre as
culturas, o que limita a fronteira, ao demonstrar sua identidade nacional. E ao
mesmo tempo expressa o “cruce” intangível, no momento em se pode observar
nas trocas e mesclas de diversos patrimônios culturais, momento no qual se
cria uma cultura hibrida. Uma verdadeira cultura jopará.
Notas
1)Bebida típica a base de água fria e erva mate.
2) Segundo STURZA, (2014, p. 05), o termo “cruce” é a travessia, que em algumas fronteiras é
a ponte; em outras, a balsa; em outra, apenas a rua.
3) Segundo o §2º do artigo 20 da constituição federal de 1988, a zona de fronteira é a extensão
territorial que se caracteriza geograficamente por ser uma faixa de até 150 km de largura ao
longo de 15.719 km da fronteira terrestre brasileira, que abrange 588 municípios de 11
Unidades da Federação: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará,
Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27%
do território brasileiro e reúne uma população estimada em dez milhões de habitantes. O Brasil
faz fronteira com dez países da América do Sul e busca a ocupação e a utilização da Faixa de
Fronteira de forma compatível com sua importância territorial estratégica. (BRASIL, 2009).
4) Comida típica do Paraguai, a base de queijo, farinha de milho, ovos e banha.
5) Termo guarani que significa mescla, confusão. Também trata-se de uma comida típica
paraguaia a base de milho, feijão, carne seca e outros ingredientes.
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