artigo original SOBECC, Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 38-46. Rev.Rev. SOBECC, SãoSão Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 26-37. www.sobecc.org.br www.sobecc.org.br 38 38 A DESINFECÇÃO DE ENDOSCÓPIOS COM ÁCIDO PERACÉTICO POR DEZ MINUTOS É EFETIVA? IS ENDOSCOPE DISINFECTION WITH PERACETIC ACID DURING TEN MINUTES EFFECTIVE? ¿LA DESINFECCIÓN DEL ENDOSCOPIO CON ÁCIDO PERACÉTICO DURANTE DIEZ MINUTOS ES EFECTIVA? CARRARA, Dirceu; SHIRAHIGE, Cristina Akiko; BRAGA, Agda do Carmo Pereira Vinagre; ISHIOKA, Shinichi; SAKAI, Paulo; TAKEITI, Márcia Hitomi; STRABELLI, Tânia Mara Varejão RESUMO: Artigos médico-hospitalares permanentes necessitam ser processados de maneira segura. Os objetivos foram avaliar a efetividade do ácido peracético na desinfecção de endoscópios; identificar a oxidação dos equipamentos e verificar o tempo de atividade da solução. Métodos: Coletamos 40 amostras antes e 40 após a desinfecção dos gastroscópios e colonoscópios. Os lavados foram enviados para identificação de bactérias, fungos e micobactérias. A avaliação da integridade foi feita antes e após seis meses. A monitoração da atividade da solução foi diária. Resultados: Pré-desinfecção, 12,5% dos videogastroscópios foram positivas e pós, todas negativas. Na pré-desinfecção dos videocolonoscópios, 34,1% positivas e na pós-desinfecção, negativas. Pesquisa para micobactérias foi negativa. A duração média de atividade foi 16,1 dias. Conclusões: a desinfecção por dez minutos de endoscópios com ácido peracético foi efetiva, os equipamentos não oxidaram, e a solução apresentou boa estabilidade. Palavras-chave: Endoscopia. Desinfecção. Ácido peracético. ABSTRACT: Introduction: Permanent medical devices need to be processed securely. The objectives were to evaluate the effectiveness of peracetic acid in the disinfection of endoscopes; identify the oxidation in the equipment and check the uptime of the solution. Methods: 40 samples were collected before and after disinfection of 40 gastroscopes and colonoscopes. Endoscopy washing fluid was sent for cultures to detect the presence of bacteria, fungi and acid fast bacilli. Integrity evaluation was performed before starting the study and six months after. The solution activity was monitored daily. Results: Before disinfection 12.5% of videogastroscopes samples and 34,1% of colonoscopies were positive. After disinfection; all samples were negative in both groups. All samples were Acid Fast Bacilli negative. The average solution activity was 16.1 days. Conclusions: Endoscope disinfection with peracetic acid during ten minutes was effective, the equipments were not oxidized and the solution had good stability. Key words: endoscopy; disinfection; peracetic acid. RESUMEN: Introducción: Articulos médicos deben ser procesados de manera segura. Los objetivos fueron evaluar la efectividad del ácido peracético en la desinfección de los endoscopios; identificar la oxidación y verificar el tiempo de actividad de la solución. Método: Fueron recogidas muestras antes y después de la desinfección de 40 videocolonoscópios y video gastroscopios. Los lavados fueron enviados para detectar bacterias, hongos y mico bacterias. La evaluación de la integridad físico-funcional fue hecha antes y después de seis meses. La monitorización de la actividad de la solución fue diaria. Resultados: Antes de la desinfección 12,5% de los videogastroscopios positivos y el 34,1% de los videocolonoscopios positivos. Las muestras después de la desinfección fueron negativas. La búsqueda de micobacterias fue negativa. La duración de la actividad fue 16,1 días. Conclusiones: La desinfección de los endoscopios durante diez minutos fue efectiva, los articulos no se oxidaron y la solución fue mantenida estable. Palabras clave: endoscopia; desinfección; ácido peracético. Rev. SOBECC, São Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 38-46. www.sobecc.org.br 39 INTRODUÇÃO e rinite também foram observadas em pessoas(1). Todos os artigos médico-hospitalares que não são descartáveis necessitam ser reprocessados com segurança antes de cada nova utilização. Reprocessamento pode ser entendido como o processo aplicado a produtos médico-hospitalares, exceto os de uso único, para permitir sua reutilização, que inclui limpeza, desinfecção, preparo, embalagem, rotulagem, esterilização, testes biológicos e químicos, análise de possíveis resíduos do agente esterilizante conforme legislação vigente de integridade física de amostras e controle de qualidade. O tipo de reprocessamento adotado depende de como este artigo será reutilizado, do risco de infecção que oferece ao paciente e do custo de cada reprocessamento(1). Um dos princípios ativos que tem apresentado maiores vantagens em relação ao glutaraldeído nos processos de esterilização e desinfecção é o ácido peracético. A limpeza é o mecanismo fundamental para remoção de matéria orgânica e deve sempre preceder a desinfecção ou esterilização; deve ser realizada com água e detergente enzimático, com ou sem ação mecânica. Os métodos utilizados para a desinfecção podem ser classificados em meios físicos e químicos. No nosso estudo, o alvo é a utilização de germicidas/ desinfetantes para o processo de desinfecção de alto nível. Germicida se aplica a produtos usados tanto em tecidos vivos como objetos inanimados, enquanto desinfetantes são usados apenas para os produtos(1). O Center for Disease Control and Prevention (CDC) recomenda a desinfecção de alto nível para qualquer produto semicrítico, como os endoscópios que entram em contato com a mucosa, e, durante o procedimento, pode ocorrer lesão(1). Atualmente, o mais conhecido dos agentes químicos utilizado no processo de esterilização e desinfecção de alto nível é o glutaraldeído, na concentração de 2% para esta última. Trata-se de um dialdeído saturado, com ação bactericida, viricida, micobactericida e fungicida. Não é corrosivo para metais, não danifica plástico e é relativamente barato. Entretanto o glutaraldeído possui toxicidade cutânea, libera vapor que causa irritação do trato respiratório. Epistaxe, dermatites de contato, asma O ácido peracético é um peroxidado, caracterizado pela rápida ação contra todos os microrganismos. É um agente bactericida, viricida e esporicida, cuja vantagem especial é sua decomposição em produtos não-tóxicos, ou seja, água, oxigênio e peróxido de hidrogênio. É efetivo na presença de matéria orgânica e esporicida mesmo em baixas temperaturas. Seu mecanismo de ação se dá pela desnaturação proteica e ruptura da permeabilidade da membrana. A obtenção do ácido peracético se dá por duas vias. Na primeira, conhecida como via clássica, ele é obtido a partir de uma reação química entre o peróxido de hidrogênio e o ácido acético. Na via chamada de alternativa a reação se dá utilizando o peróxido de hidrogênio ativado com radicais acetilcaprolactam. A principal vantagem deste último é a ausência de ácido fosfórico, sulfúrico ou nítrico como solução estabilizante e desta forma apresenta pH mais próximo do neutro (5,0 a 7,5), enquanto os ácidos obtidos a partir da via clássica apresentam pH < 3,0, aumentando a possibilidade de oxidação dos equipamentos expostos. Em estudo que testou a eficácia do ácido peracético em endoscópios, considerou-o como uma alternativa ao uso do glutaraldeído, já que a atividade foi a mesma, porém sem toxicidade ou corrosividade em relação a este último(2). Ao testar a eficácia de alguns desinfetantes, conclui-se que o ácido peracético possui a mesma atividade do glutaraldeído 2%, com a vantagem de sua decomposição final resultar em produtos atóxicos(3). No reprocessamento de endoscópios, o ácido peracético (0.2% a 0.35%) é efetivo contra vírus e microrganismos vegetativos em menos de 5 minutos (desinfecção de alto nível) e esporicidas em 10 minutos (esterilizantes)(3). O poder germicida e as vantagens do ácido per- Rev. SOBECC, São Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 38-46. www.sobecc.org.br 40 acético têm sido mostrados em vários estudos. A limitação do seu uso refere-se à sua estabilidade, necessitando, portanto, de mais investigação para sua segura utilização. Devido às inúmeras vantagens que o ácido peracético possui em relação ao glutaraldeído, é preciso comprovar sua eficácia na desinfecção de alto nível. Este estudo teve como objetivos: Avaliar a eficácia do ácido peracético 1500ppm no processo de desinfecção de gastroscópios e colonoscópios. Identificar a ocorrência de oxidação nos equipamentos. Verificar o tempo de atividade da solução de ácido peracético após sua ativação MATERIAL E MÉTODO Trata-se de um estudo descritivo analítico desenvolvido no Serviço de Endoscopia de um hospital público do Estado de São Paulo especializado em cardiologia. Foram coletados 160 lavados com soro fisiológico 0,9% dos canais dos endoscópios, sendo 40 antes e 40 após a desinfecção de gastroscópios, e 40 antes e 40 após a desinfecção de colonoscópios. A avaliação da integridade físico-funcional dos equipamentos foi feita por uma empresa credenciada pelo fabricante antes do início do uso do produto e ao final de seis meses de exposição ao produto. A estabilidade da solução foi monitorada diariamente antes do início do uso da solução através de fita teste validada pelo fornecedor/fabricante. O produto utilizado nesse estudo foi o Anioxyde 1000®, produzido pelos laboratórios Anios – Lille, França. É compatível com produtos médico-hospitalares termossensíveis e endoscópios. O Anioxyde 1000® é uma solução para pronto uso, pH neutro, não corrosiva em metais ferrosos e não-ferrosos. Sua obtenção se dá pela produção extemporânea de ácido peracético a partir de radicais acetilcaprolactam. A fita reagente foi desenvolvida especificamente para este produto, para o controle da concentração e pH (5,5 a 7,0). O tempo de contato para esterilização é de 30 (trinta) minutos e para desinfecção de alto nível é de 10 (dez) minutos. Etapas do reprocessamento Pré-lavagem -Lavar as mãos; colocar: protetor de corpo impermeável, avental de manga comprida, máscara facial, óculos de proteção, luva nitrílica com cano longo; logo após a retirada do endoscópio do paciente, limpar o tubo de inserção com uma compressa ou gaze; aspirar detergente enzimático e água para limpeza do excesso de secreção no canal; lavar externamente o endoscópio com auxílio de uma compressa ou esponja umedecida com detergente enzimático; limpar o canal de biópsia e de aspiração com escova de limpeza de canal, até a saída da porção distal; escovar o local das válvulas com escova macia contendo detergente enzimático. Limpeza e desinfecção -Lavar as mãos; colocar: protetor de corpo impermeável, avental com manga longa, máscara facial, óculos de proteção, luva nitrílica com cano longo; ligar a reprocessadora de endoscópios; colocar 10 litros da solução de ácido peracético e colocar a data de início do uso da solução; colocar 0,7 litros de detergente enzimático; programar o tempo de ciclo para limpeza (4 minutos) e desinfecção (10 minutos); colocar o endoscópio na reprocessadora; conectar as mangueiras de recirculação (válvula de ar, válvula de água e canal de biópsia) de “leaking test”; fechar a reprocessadora e apertar o botão “start”; são realizados os seguintes processos: Programa 1: “leaking test”; Programa 2: lavagem – dosagem e detergente enzimático, recirculação, drenagem, enxágue, drenagem final e secagem final; Programa 3: desinfecção – recirculação, retorno de desinfetante, enxágue do desinfetante, drenagem e secagem(4). As amostras biológicas foram coletadas em dois momentos: pré-desinfecção, após a etapa de limpeza manual do endoscópio, antes da limpeza com detergente enzimático e antes da escovação dos canais e antes da sua colocação dentro da máquina e pós-desinfecção, imediatamente após o processo final de secagem. O material coletado foi analisado no Instituto Paulista de Doenças Infecciosas e Parasitárias - Microbiologia (IDIPA), Rev. SOBECC, São Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 38-46. www.sobecc.org.br 41 laboratório este devidamente credenciado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Procedimento para coleta de amostras Lavagem das mãos; colocação de EPIs necessários; injeção de 50cc de solução fisiológica no canal de biópsia e coleta na parte distal do canal num recipiente próprio (coletor universal estéril com tampa vermelha); identificação do recipiente com modelo, série, patrimônio do equipamento, data, hora da coleta, pré ou pós-desinfecção, responsável pela coleta; encaminhamento imediato ao laboratório. Processamento Acréscimo da solução neutralizadora; inoculação de 0,1ml desta mistura nos meios ágar sangue, ágar Sabouraud e caldo BHI (Brain Heart Infusion) e posteriormente semeado em LowensteinJensem, após descontaminação; Incubação: o ágar sangue a 35± 2ºC por 24hs; o ágar Sabouraud em temperatura ambiente por até 30 dias; o meio de Lowenstein - Jensen a 35± 2ºC por até 60 dias. No meio de ágar sangue, após o período de incubação era feita a contagem das colônias e expressadas em UFC/mL (Unidade Formadora de Colônia). Identificação e bancada dos microorganismos de acordo com as técnicas utilizadas no laboratório. Incluiu-se no estudo a pesquisa das micobactérias de crescimento rápido na avaliação da eficácia do produto, como por exemplo, o Mycobacterium massiliense – Cepa BRA 100. RESULTADOS Durante o teste-piloto, a coleta do material (lavado dos canais) foi feita antes da desinfecção após a limpeza e escovação manual, porém antes da limpeza automatizada. Nestas amostras (60 coletas) não houve crescimento de micro-organismos. A partir desta observação, passou-se a coletar o material após a aplicação do jato de água e antes da escovação dos canais. Os resultados relatados como “pré-desinfecção” referem-se a amostras da coleta após a aplicação do jato de água antes da escovação dos canais. Na tabela 01 observa-se que em 12,5% das amostras coletadas dos videogastroscópios, foi identificado o Streptococcus viridans como agente contaminante dos equipamentos. No período pósdesinfecção, não foram encontradas formas viáveis de micro-organismos nos equipamentos analisados. Pode-se observar na tabela 02 que, na avaliação pré-desinfecção dos videocolonoscópios, foram identificados agentes microbiológicos em 34,1% das amostras. Na análise das amostras coletadas no período pós-desinfecção, não foram encontrados micro-organismos viáveis. Não houve crescimento de micobactérias de crescimento rápido no material coletado em nenhum dos momentos avaliados. Observa-se na tabela 3 que a duração média da atividade da solução desinfetante contendo ácido peracético foi de 16,1 dias (+7,6) e mediana de 14 dias. DISCUSSÃO Recomendações para a limpeza e desinfecção de endoscópios foram previstas ao longo dos últimos 20 anos por organizações profissionais incluindo a Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology, the American Public Health Association, the Society for Gastrointestinal Nurses and Associates, the American Society for Gastrointestinal Endoscopy, the British Society of Gastroenterology, the Association of PeriOperative Registered Nurses e The American Society for Testing and Materials. As recomendações feitas por associações e sociedades bem conceituadas são importantes para orientar as instituições, que devem estabelecer seus protocolos de maneira individual de acordo com as políticas institucionais. Protocolos e procedimentos devem ser validados em termos de aplicabilidade e estar disponíveis em cada área, dependendo de suas características específicas(4). É consensual que, para evitar a transmissão de patógenos em potencial, todos os endoscópios devem ser submetidos à limpeza meticulosa e desinfecção de alto nível após cada uso. A limpeza do instrumental constitui etapa fundamental para Rev. SOBECC, São Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 38-46. www.sobecc.org.br 42 diminuir a quantidade de material biológico e reduzir a carga microbiana. O bioburden dos endoscópios gastrointestinais, após o uso, varia de 105 a 1010 UFC e os níveis mais altos foram encontrados nos canais de sucção. A limpeza com o auxílio de solução enzimática tem reduzido o nível de contaminação microbiana de 4 a 6 log10(5). Na análise da carga microbiana de 10 colonoscópios imediatamente após o uso, antes mesmo da limpeza, recuperaram um bioburden que variou de 1,3 x 107 a 2,0 x 1010 UFC nos canais de sucção, identificando os seguintes agentes: Escherichia coli, Bacterióides spp, Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter spp, Pasteurella spp e Klebsiella spp. Após a limpeza manual e antes da desinfecção, recuperaram 1,3 x 103 a 4,3 x 105 UFC, indicando que a limpeza manual reduziu 5 ½ logs de carga microbiana. Os micro-organismos identificados nesta etapa foram a Pseudomonas spp, Xantomonas spp e Aeromonas spp. Esses dados demonstraram o desafio enfrentado pelo processo de desinfecção(6). Como nos estudos citados acima, nesse estudo encontrou-se principalmente Escherichia coli e Klebsiella pneumomiae nas amostras coletadas antes da desinfecção dos colonoscópios. Após o processo de desinfecção não foram encontrados micro-organismos em nenhuma das quarenta amostras coletadas, evidenciando a eficácia do processo de limpeza. Em outro estudo, taxa de contaminação identificada em gastroscópios foi de 1,9% e em colonoscópios 1,8%, equipamentos estes prontos para o uso, ou seja, após o processamento habitual evidenciando a presença de Pseudomonas aeruginosa tanto em gastroscópios quanto em colonoscoscópios. Cita que as amostras foram obtidas da superfície interna dos endoscópios e, portanto, é pouco provável que o material tenha sido proveniente da equipe que manipulava o endoscópio. Esses mesmos autores recuperaram de um gastroscópio, após o processamento, Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus spp e Staphilococcus meticilina resistentes e que havia sido utilizado em um paciente com infecção por estes micro-organismos. A análise com regressão linear indicou que o número de vezes em que o endoscópio estava con- taminado foi diretamente proporcional ao número de ocasiões que o equipamento foi utilizado. Os autores concluem em que esses achados refletem a capacidade de sobrevivência do micro-organismo ao processo de limpeza e desinfecção. Destacam que em 40% dos endoscópios havia presença de ácidos nucleicos indicando a existência de micro -organismos provenientes de biofilmes. Todavia, nenhum dos pacientes apresentou alguma complicação um mês após a realização do procedimento(7). Uma pesquisa realizada em dois hospitais do Brasil revelou que Pseudomonas aeruginosa foi o micro-organismo mais frequentemente isolado das amostras dos endoscópios. Os autores ressaltam que este micro-organismo apresenta capacidade em resistir a enzimas e detergentes catiônicos e alcalinos além da habilidade em formar biofilme(8). É grande a dificuldade em remover os micro-organismos de um colonoscópio que originalmente estava contaminado com mais de 500 bactérias. Após realizarem seis reprocessamentos, incluíram duas etapas de limpeza e uma de desinfecção com produtos atuais, persistiu uma contaminação significativa, mas houve redução para 195 bactérias, sendo isoladas, principalmente, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella ornithinolytica e Micrococcus spp. Referem que a hipótese da presença de biofilme foi prontamente sugerida. Após a imersão do endoscópio em uma solução multi-enzimática, por 30 minutos, com preenchimento dos canais, enxágue e nova secagem e novamente imersão em solução detergente por mais 30 minutos, novo enxágue e nova secagem, a contaminação dos canais foi quase totalmente erradicada após a terceira vez em que o procedimento foi realizado. Sugerem que se use regularmente esse detergente (multi-enzimático) para evitar acúmulo de bactérias que aderem à superfície dos canais(9). É importante destacar que a limpeza é fundamental na prevenção de formação de biofilme. A literatura aponta a recorrência de biofilme nas superfícies internas dos endoscópios, apesar da existência de protocolos bem estabelecidos. Os biofilmes representam um reservatório de micro-organismos que podem desprender e contaminar o paciente, Rev. SOBECC, São Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 38-46. www.sobecc.org.br 43 além de ser uma fonte de endotoxinas que podem atingir a corrente sanguínea se houver o contato com a mucosa não íntegra(10). A membrana mucosa integra do trato gastrointestinal é geralmente resistente à infecção por esporos bacterianos, mas suscetível a outros microorganismos como as bactérias, micobactérias e vírus(11). O principal problema no reprocessamento dos endoscópios está na limpeza e desinfecção dos canais internos. Embora seja possível escovar o canal de sucção/biópsia, há dificuldades em acessar e limpar o canal de ar/água que é submetido somente a jatos de água e detergente. Conclui-se que a contaminação pode permanecer nos canais e que o desenho do equipamento tem importante influência no processamento do endoscópio(12). Outro cuidado importante é o de remover o excesso de matéria orgânica imediatamente após o término do procedimento e transportar o aparelho para a área de limpeza antes que ocorra o ressecamento do material na superfície dos canais internos. Esta ação ajuda a reduzir a formação de biofilme. A imediata limpeza diminui a quantidade de contaminação microbiana e, consequentemente, a formação de biofilme(13). Durante o teste-piloto deste estudo, a coleta do material antes da desinfecção foi feita após a limpeza e escovação manual e antes da limpeza automatizada, e nestas amostras não se identificou a existência de micro-organismos viáveis no lavado dos canais. A partir desta observação, passou-se a coletar o material somente após a aplicação do jato de água e antes da escovação dos canais. Este achado corrobora os achados da literatura, ressaltando a importância da etapa de limpeza, que deve ser feita de maneira vigorosa, caso contrário a ação do desinfetante será prejudicada e a eliminação dos micro-organismos será ineficiente. Neste estudo utilizou-se o processamento automatizado dos endoscópios e colonoscópios, com um ciclo de pré-lavagem, lavagem, desinfecção e secagem final. Reitera-se que o tempo de desinfecção foi de dez minutos e o tempo total de cada ciclo, dezessete minutos. O uso das reprocessadoras automatizadas têm a finalidade de reduzir ou até mesmo eliminar erros humanos que possam ocorrer em alguma etapa do processo. A máquina, quando utilizada adequadamente, assegura que os canais sejam irrigados totalmente e de maneira contínua durante o processo de lavagem, propicia menor diluição e ou contaminação do desinfetante, diminui a exposição dos profissionais aos produtos químicos, é programável, ou seja, os ciclos de limpeza, desinfecção, enxágue e secagem são previamente estabelecidos, tornando o processo mais seguro. Além disso, as máquinas podem vir acompanhadas por filtros bacteriológicos, o que favorece o enxágue do endoscópio com água livre de bactérias e de melhor qualidade. Entretanto, a contaminação da água pode ocorrer quando não se tem o devido controle de substituição dos filtros bacteriológicos, podendo, além disso, causar diminuição na vazão de água para alimentar o ciclo da máquina. A reprocessadora automática diminui a probabilidade de alguma etapa do reprocessamento ser omitida ou de ter o seu tempo reduzido. Algumas marcas possuem registro de todo o processo, sinais sonoros ou visuais que são ativados quando há falha no processo(14). Como desvantagens, esse mesmo autor relata que a limpeza manual prévia, com escova, pode ser mais eficaz do que a limpeza automatizada, e que esta aumenta uma etapa no tempo total do processo. Relata ainda que as máquinas não realizam a rinsagem com álcool 70%. Vale ressaltar que o Serviço de Endoscopia do Incor possui um protocolo bem estabelecido para o reprocessamento de instrumental de gastroscopia e colonoscopia, o que é um critério fundamental para o sucesso no processo de desinfecção. Na avaliação da corrosividade, não foi identificado nenhum tipo de oxidação por utilização do ácido peracético nos equipamentos durante o período de estudo. Outros estudos também chegaram a esta mesma conclusão embora em período(3). Ressalta-se nesse aspecto a importância da avaliação da integridade dos equipamentos antes da Rev. SOBECC, São Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 38-46. www.sobecc.org.br 44 exposição ao produto pelo fato de que, em alguns Serviços, os equipamentos não foram submetidos à manutenção preventiva embora em uso por período prolongado. A estabilidade da solução de ácido peracético pronto uso geralmente é bastante superior quando comparada às que necessitam de ativação. Esta última apresenta estabilidade de 24 (vinte e quatro) horas após a ativação(15). Em contrapartida, as de pronto uso apresentam pelo menos duas semanas de atividade desde que usadas em condições adequadas, ou seja, manter fechado o compartimento que contém a solução e secar completamente os equipamentos antes da exposição ao produto, para prevenir a rediluição do mesmo. Com relação ao tempo de atividade, a recomendação do fabricante do produto utilizado no estudo (Anioxyde 1000®) é de que ele permanece ativo por 22 dias. Neste estudo, este tempo foi de 14 dias em média. O fato da máquina utilizada para o tratamento dos equipamentos não apresentar a drenagem completa da água da cuba após o enxágue e exigir a secagem manual do compartimento e da parte externa do endoscópio, causando maior diluição do produto, podem estar relacionados ao menor tempo de atividade encontrado neste estudo. CONCLUSÃO Neste estudo, a desinfecção por dez minutos de gastroscópios e coloscópios com ácido peracético foi eficaz, uma vez que não foram identificados microorganismos viáveis (incluindo-se micobactérias de crescimento rápido) nas amostras coletadas após a exposição dos equipamentos ao produto. Após seis meses de uso e exposição ao ácido peracético, os gastroscópios e colonoscópios não apresentaram oxidação. A solução pronto uso do ácido peracético apresentou boa estabilidade após o início do uso. Para obtenção de resultados mais decisivos há necessidade do desenvolvimento de novos estudos com tamanho amostral maior, para aumentar a significância estatística dos achados. REFERÊNCIAS 1. Rutala WA, Weber DJ. and Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee (HICPAC). Guideline for disinfection and sterilization in healthcare facilities, 2008. Atlanta (USA): Centers for Disease Control and Prevention (CDC); 2008. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/ Disinfection_Sterilization/toc.html 2. Vizcaino-Alcaide MJ, Herruzo-Cabrera R, Fernandez-Aceñero MJ. Comparison of the disinfectant efficacy of perafaser and 2% glutaraldehyde in vitro tests. J Hosp Infect. 2003;53(2):124-8. 3. Lorena NOS, Pitombo MB, Côrtes PB, Araújo Maya MCA, Silva MG, Carvalho ACS, et al. Mycobacterium massiliense BRA100 strain recovered from postsurgical infections: resistance to high concentrations of glutaraldehyde and alternative solutions for high level disinfection. 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Autores Dirceu Carrara Enfermeiro Especialista em Cardiologia, Mestre e Doutor, Enfermeiro Chefe da Unidade de Controle de Infecção Hospitalar do Instituto do Coração do HC FMUSP, Supervisor do Programa de Aprimoramento em Enfermagem em Controle de Infecção Hospitalar do HC FMUSP. E-mail: [email protected]. Paulo Sakai Médico, Mestre em Medicina (Cirurgia do Aparelho Digestivo), Doutor em Medicina (Cirurgia do Aparelho Digestivo), Livre-Docente (Departamento de Gastroenterologia), Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP e Diretor do Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do HC FMUSP. Cristina Akiko Shirahige Enfermeira Especialista em Cardiologia e Administração Hospitalar, Chefe do Serviço de Apoio Diagnóstico e Terapêutico do Instituto do Coração do HC FMUSP. Márcia Hitomi Takeiti Enfermeira Chefe da Seção de Produção e Esterilização e Controle de Materiais e Equipamentos (SPECME) do Instituto do Coração do HC FMUSP, Especialista em Enfermagem em CC, RA e CME e Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde, Mestranda em Enfermagem no Processo de Cuidar em Saúde do Centro Universitário São Camilo. Agda do Carmo Pereira Vinagre Braga Farmacêutica e Bioquímica Especialista, Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – UNIFESP, Laboratório Central HSP. Shinichi Ishioka Médico, Especialista em Gastroenterologia, Especialista em Endoscopia Peroral, Especialista em Endoscopia Digestiva, Mestre em Medicina (Cirurgia do Aparelho Digestivo), Doutor em Medicina (Cirurgia do Aparelho Digestivo). Tânia Mara Varejão Strabelli Médica Infectologista, Doutora em Ciências pela FMUSP, Diretora da Unidade de Controle de Infecção do Instituto do Coração do HC FMUSP. Recebido em 02/10/2012 Aprovado em 26/12/2012 Rev. SOBECC, São Paulo. out./dez. 2013; 18(4): 38-46. www.sobecc.org.br 46 Anexos Tabela 1 - Distribuição dos micro-organismos identificados nas amostras coletadas os videogastroscópios nos períodos pré e pós-desinfecção. São Paulo, 2007 Equipamento: Videogastroscópio Total de Amostras Amostras Positivas Nº (%) Micro-organismo Identificado UFC Pré-desinfecção 40 5 (12,5) Streptococcus viridans 10 000 - >100 000 Pós-desinfecção 40 00 Tabela 2 - Distribuição dos micro-organismos identificados nas amostras coletadas dos videocolonoscópios nos períodos pré e pós-desinfecção. São Paulo, 2007 Equipamento: Videocolosnoscópio Pré-desinfecção Pós-desinfecção Total de Amostras Coletadas 41 Total de Amostras Positivas 14(34,1) 41 0 N° (%) Amostras Positivas Microorganismos Identificados UFC 08 (57,1) Escherichia coli 30 000 – >100 000 03 (21,4) Klebsiella pneumoniae 30 000 – >100 000 02 (14,3) Candida albicans 01 (07,1) Enterobacter spp 01 (07,1) Aspergillus unguis 0 (0) Tabela 3 - Distribuição do número de dias de atividade da solução desinfetante. São Paulo, 2007 Troca Número de dias 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º Total Média Mediana Desvio Padrão (DP) 8 10 28 14 10 20 23 113 16,1 14,0 7,6 50 000