MERCADO DE CAPITAIS NOVOS CAMINHOS PARA AS CORRETORAS DE VALORES NO BRASIL Há quatro anos enfrentando dificuldades e prejuízos por conta da redução do interesse dos investidores por ações no Brasil, as corretoras de valores têm buscado se reinventar, diversificando as atividades para além da bolsa e, ao mesmo tempo, mudando suas estruturas e sua forma de atuação no mercado. por ISABELLA ABREU É nesse cenário que Carlos Alberto Botelho de Souza Barros assume a presidência da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras (Ancord). Terceira geração da mais antiga corretora de valores em funcionamento no mercado de capitais brasileiro, fundada em 1928, Souza Barros tem agora o desafio de acelerar a reinvenção do setor. Confira detalhes na entrevista a seguir. RI: Como está o relacionamento da Ancord com a BM&FBovespa? Carlos Souza Barros (Ancord): Historicamente existe uma grande proximidade da associação com a BM&FBovespa que é, juntamente como a CETIP, importante parceiro da Ancord e seus associados. Temos vários projetos em parceria com a Bolsa dos quais destacamos: o relacionado com a definição 6 REVISTA RI Maio 2014 dos modelos de atuação PN e PNP e os trabalhos da PWC e da Boston Consulting Group - BCG - sobre o segmento de intermediação no Brasil vis-à-vis o resto do mundo. Já com a CETIP e a ABBC participamos do projeto “CETIP TRADER”, plataforma na qual os bancos ofertam CDBs e Letras de Câmbio - e os corretores, em nome de seus clientes, negociam as ofertas numa operação “ganha-ganha”, onde os bancos utilizam a capilaridade das corretoras para distribuir seus produtos. RI: Como você avalia a atuação da BM&FBovespa Supervisão de Mercado (BSM)? Carlos Souza Barros: A supervisão de mercados administrados pela BM&FBovespa e a dos Agentes Autônomos são atividades delegadas pela CVM (Comissão de Valores Mobili- ários) respectivamente para BSM e para a Ancord. Para tratar deste assunto temos trabalhado muito próximos da BSM, via comitês de trabalho da Ancord. Estamos muito atentos para que a regulação sirva para fortalecer o segmento de intermediação. Nos últimos anos as Corretoras e Distribuidoras têm sido foco de atenção dos reguladores, porém identificamos sobreposição de auditorias que gera custos para todos os envolvidos. Uma regulação que fortaleça a atividade de intermediação é muito bem vinda. Precisamos, porém, além de otimizar os processos dimensioná-los, de maneira que o custo da regulação não iniba a realização dos negócios que se pretenda regular. RI: Quais as medidas efetivas que sua gestão irá buscar para melhorar eficiência e transparência do mercado? Carlos Souza Barros: Segregação de atividades. Precisamos que o regulador consiga efetivamente auditar toda a cadeia de operação: corretoras, distribuidoras, bancos e gestores - com a mesma profundidade e seriedade que faz com os corretores/distribuidores. Esta prática, segregação de atividades, está em discussão em fóruns internacionais - Europa e Estados Unidos - precisa entrar em pauta no Brasil. Precisamos tomar cuidado para não criarmos instituições “too big to fail” e comprometer a segurança do sistema e do mercado financeiro e de capitais brasileiro. O Mercado de Capitais já está no radar do governo há bastante tempo. No Brasil, a dívida pública precisa passar por alongamento de prazo e redução da parcela pós-fixada. Além disso, uma redução da participação do BNDES fará com que o mercado financeiro e de capitais cresça. RI: O que fazer para colocar o Mercado de Capitais no radar do governo? Carlos Souza Barros: O Mercado de Capitais já está no radar do governo há bastante tempo. No Brasil, a dívida pública precisa passar por alongamento de prazo e redução da parcela pós-fixada. Além disso, uma redução da participação do BNDES fará com que o mercado financeiro e de capitais cresça. A Ancord busca uma agenda positiva que possa aproximar ainda mais mercado de capitais e o governo. Em 2007, as emissões primárias de ações, as aberturas de capital, alcançaram R$ 39,8 bilhões - aumento de 139,8% ante o ano anterior. Essas operações, somadas ao levantamento de recursos via debêntures e outros títulos privados, alcançaram R$ 131 bilhões (aqui estamos somando Debêntures, FIDICS). Nas economias mais desenvolvidas o mercado de capitais é uma importante ferramenta de financiamento de longo prazo. O governo sabe disso. Assim será no Brasil. RI: Como a Ancord vê a adoção do novo modelo de vínculo dos Agentes Autônomos que atendem clientes institucionais a partir de 2015? Existe algum trabalho sendo feito para apoiar as corretoras a mitigar o possível risco trabalhista que esta mudança traz? CARLOS SOUZA BARROS, ANCORD Maio 2014 REVISTA RI 7 MERCADO DE CAPITAIS Carlos Souza Barros: Quem define as atividades do Agente Autônomo são o Banco Central e a CVM, e esta acompanha mais diretamente suas atividades (tendo delegado esse acompanhamento para a Ancord, mediante convênio). Assim, não existe um “novo modelo de vínculo dos Agentes Autônomos”, o que há é uma regulamentação da BM&FBovespa no que diz respeito a atuação dos AAIs (Agentes Autônomos de investimentos) nos seus ambientes de negociação. Os Agentes Autônomos são prioridade para a Ancord, com a participação de até dois Agentes no Conselho. Há diversos trabalhos sendo desenvolvidos no sentido de fortalecer a atuação dos Agentes Autônomos, uma importante figura para popularização do mercado financeiro e de capitais no Brasil e no mundo. Por meio deles conseguimos acessar regiões onde existe baixa oferta de produtos financeiros, possibilitando assim a inclusão financeira de novos participantes, empresas e pessoas físicas. RI: A Ancord apoiou um estudo sobre consolidação do setor, a própria Souza Barros foi uma das primeiras a aderir ao modelo PN (Participante de Negociação) e PNP (Participante de Negociação Pleno). Na sua visão, com o mercado com margens cada vez menores, porque o modelo não “pegou” como esperado? Carlos Souza Barros: Historicamente temos um número ao redor de 80 corretoras no segmento Bovespa atuando no Brasil - número que, com pequenas oscilações, se mantém há 30 anos. A Ancord apoiou um estudo sobre o desenho do segmento de intermediação no Brasil e no mundo. Neste trabalho salta aos olhos o peso da regulação no mercado local, ou como diria Tomás Tosta de Sá, ex-presidente da CVM, vivemos no mercado de capitais “o delírio regulatório”. Uma régua muito alta para poucos negócios e poucos participantes. O modelo de Distribuidoras e Corretoras é um modelo consolidado no mundo. No mercado local está renascendo com este nome PN e PNP, com especialistas em suas atividades. Resumindo o modelo, as Corretoras seguem provendo para Distribuidoras acesso aos mercados organizados (bolsas) e as Distribuidoras atendendo os clientes finais. RI: Qual a sua avaliação sobre o novo modelo de intermediação proposto pela BM&FBovespa. As alterações vão conseguir recuperar a rentabilidade das corretoras? Há preocupação com o aumento dos custos regulatórios? Carlos Souza Barros: Primeiro o mercado precisa ajudar, com mais volume e novos investidores. Sobre o modelo ele não é novo, pois os modelos PN/Distribuidora e PNP/Corretora não difere do que sempre existiu. É bom lembrar que são praticadas no Brasil as operações “por-conta-e-ordem” por bancos comerciais que contratam corretoras para acessar as bolsas, 8 REVISTA RI Maio 2014 enfim são modelos de acesso que já funcionam há muito tempo. Acredito que vai melhorar o resultado da indústria, pois empresas com estrutura mais leve têm seus custos reduzidos. Mas tudo isso ainda está sendo conversado e discutido e vai precisar que a regulação seja distribuída por atividade de cada membro do mercado sem que sufoque os participantes independentes. Temos visto nos mercados mais desenvolvidos a importância da segregação de atividades, separando a atividade de captação e gestão da atividade de execução/trade. Este é um ponto muito relevante para aumento da segurança no mercado e redução de conflitos. Recentemente no mercado internacional vimos o regulador autuando Bancos pela manipulação de taxas de câmbio, juros, preço de metais (ouro) estas instituições também chamadas de “grandes demais para quebrar” são grandes demais para se fiscalizar e regular. É muito importante que os reguladores percebam que o “Chinese Wall” ideal é a segregação destas atividades em empresas 100% independentes. Neste ponto, corretoras puras tem uma importante atividade a exercer. Elas fortalecem e trazem segurança ao mercado. RI: Em todos os mercados desenvolvidos, o mercado secundário é forte e conta com boa penetração de clientes pessoa física. O que a Ancord propõe para aumentar a participação do cliente PF no mercado brasileiro? Carlos Souza Barros: Atuamos para aumentar a participação do investidor pessoa física, mas também para o investidor Institucional e o investidor pessoa jurídica não-financeira. O mercado de capitais tem grande potencial de crescimento no Brasil. Isso está no nosso DNA e uma das grandes iniciativas que tivermos em fevereiro deste ano, em parceria com a ABBC - Associação Brasileira de Bancos e a Cetip foi o lançamento da plataforma CETIP Trader - Captação, sistema que oferece uma alternativa de captação de recursos aos bancos de pequeno e médio porte. O projeto consiste em uma ferramenta para colocação de produtos de renda fixa. Os bancos colocam suas ofertas e as corretoras e distribuidoras, mediante a ordem de seus clientes, agridem (compram ou vendem) estas ofertas. Assim os bancos passam a utilizar a capilaridade das corretoras para oferecer um produto para investidores pessoa física. Com o novo sistema, os emissores terão maior abrangência para distribuição, pois contarão com toda a rede das corretoras. Estas, por sua vez, se beneficiarão com novas alternativas de investimento para seus clientes. O investidor terá acesso a uma gama maior de produtos e passará a enxergar as Corretoras, Distribuidoras e os Agentes Autônomos de Investimento, como importantes parceiros na escolha dos melhores investimentos, levando em consideração seu perfil e objetivos. O segmento de intermediação é muito importante para inclusão financeira, os A Ancord não acredita que a vinda de uma nova bolsa vá impactar para bem ou para o mal o desempenho financeiro das corretoras. Não existe apenas um fator que faz com que uma instituição, especialmente as corretoras independentes (não ligadas a bancos), resolvam seus problemas de rentabilidade. corretores em todo o mundo são atores ativos nesta atividade, apresentando alternativas de investimento, comparando diferentes produtos para investidores pessoa física e jurídica com necessidades e perfis diferentes. Assim surge a figura do consultor financeiro que será uma evolução do Agente Autônomo de Investimento. RI: Qual a sua opinião sobre a responsabilização integral da corretora pela atuação indevida do Agente Autônomo de Investimento (AAI)? Ao atrapalhar corretoras com capilaridade e inibir essa atuação, isso não é um fator que prejudica o crescimento do varejo? Carlos Souza Barros: A CVM delegou para Ancord a Autorregulação do Agente Autônomo de Investimento (AAI). A Ancord vem fazendo um trabalho de treinamento e capacitação intenso com estes profissionais em prol do mercado de capitais brasileiro. No Brasil, existem cerca de 7 mil agentes autônomos. Na medida em que o volume de poupança aumentar e com ele o número de investidores, precisaremos de mais profissionais para distribuir produtos de renda fixa, variável, fundos locais e internacionais. Temos trabalhado intensamente para facilitar a comunicação entre a Ancord e o investidor sobre o comportamento dos agentes autônomos. Entre 2007 e 2008 entraram muitos novos investidores na Bolsa atraídos pela forte valorização das ações de empresas listadas e os vários IPOs. O número de investidores cresceu 7 vezes, de 85 mil em 2002 para aproximadamente 600 mil em 2012. Gosto muito de uma entrevista que o Luiz Matta Machado, na época, diretor de autorregulação da BSM deu em 2011. Ele relata que em 2008, auge da crise financeira, o MRP (mecanismo de ressarcimento de prejuízo) recebeu 143 reclamações, a maioria por conta de prejuízos causados pela queda no preço das ações, "A pessoa tinha prejuízo e resolvia recorrer. Isso ocorreu em 90% dos casos que chegaram naquela época." Segundo Matta Machado, em momentos de alta, muitos clientes acabam confiando no operador e autorizando que ele aja em seu nome. "Quando dá errado, diz que não autorizou." Concluindo, a responsabilidade pelas operações e suas consequências passa pelo cliente, pelo AAI, pela Corretora (a quem o Agente está vinculado) e pelo mercado em que o cliente escolheu atuar. Todos estão juntos: clientes, AAIs, Corretoras e Distribuidoras e a Bolsa. RI: O mercado está preparado para mais de uma bolsa? No que isso beneficiaria os distribuidores, e investidores? Carlos Souza Barros: Até o final da década de 90 havia várias bolsas atuando no Brasil. Bolsa Extremo Sul em Porto Alegre, Bolsa de Valores do Paraná em Curitiba, Bolsa de Valores de Santos, Bolsa do Rio de Janeiro, Bolsa de Valores de Minas, Espírito Santo e Brasília, Bolsa de Valores da Bahia, Bolsa de Valores de Pernambuco e Bolsa de Valores Regional que ficava no Ceará. Só no Nordeste tínhamos 3 bolsas. Em 2000 a Bovespa patrocinou da integração das bolsas de valores brasileiras. A Ancord não acredita que a vinda de uma nova bolsa vá impactar para bem ou para o mal o desempenho financeiro das corretoras. Não existe apenas um fator que faz com que uma instituição, especialmente as corretoras independentes (não ligadas a bancos), resolvam seus problemas de rentabilidade. Hoje, existe um conjunto de fatores macroeconômicos que não tem ajudado. De 2002 até 2007, com o crescimento da economia brasileira o mercado de capitais também cresceu, e junto cresceram as corretoras. A queda de rentabilidade das corretoras não é diferente da queda de rentabilidade que outros segmentos tiveram nos últimos anos no Brasil. Com a queda de volume e a concentração em investidores institucionais todo segmento de intermediação sofre, inclusive a BM&FBovespa que fica dependente de poucos clientes. A concorrência beneficia a todos porque cria oportunidades. Participantes ativos forçam a todos oferecer o melhor de si, corretores, distribuidores e a própria BM&FBovespa e a CETIP. RI: Qual a sua visão sobre a criação de um cadastro único e aberto às instituição financeiras com histórico do AAI, suas certificações, queixas no MRP (Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos), denúncias da CVM, etc? Carlos Souza Barros: A Ancord é a favor de transparência do mercado, certificação dos profissionais e formas que visem deixar o investidor informado sobre quem o está atendendo: Agente Autônomo de Investimento (AAI), Corretora e Distribuidora. RI Maio 2014 REVISTA RI 9