R-6873/08 (A6)
Of. de 2010-1-8
Assunto: Pessoal não docente dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar
e do ensino básico. Transferência de atribuições e competências para as autarquias
locais.
Reporto-me às comunicações que versam sobre vários aspectos do regime jurídico da
transferência de competências e atribuições do Estado para as autarquias locais em
matéria de gestão do pessoal não docente dos estabelecimentos públicos da educação
pré-escolar e do ensino básico.
As preocupações expressas reconduzem-se, no essencial, aos grupos de questões que a
seguir se enunciam e passam a analisar.
I) Alegada inconstitucionalidade material da autorização legislativa contida no
Orçamento do Estado para 2008:
O Decreto-Lei n.º 144/2008, de 28 de Julho, desenvolve o quadro de transferência de
competências para os municípios em matéria de educação, de acordo com o regime
previsto na Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, lei-quadro de transferência de atribuições
e competências para as autarquias locais (v. art.º 1.º daquele diploma).
Ainda de acordo com o art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 144/2008, este diploma dá execução
à autorização legislativa constante das alíneas a) a e) e h) do n.º 1 do art.º 22.º do
Orçamento do Estado para 2008 (OE2008).
1
Ora, o OE2008 determina no seu art.º 22.º, sob a epígrafe “Descentralização de
competências para os municípios”, concretamente nos n.ºs 1, alíneas a) a e) e h), e 4, o
seguinte:
“1 – Durante o ano de 2008, fica o Governo autorizado a transferir para os
municípios as dotações inscritas no orçamento dos ministérios relativas a
competências a descentralizar nos domínios da educação, acção social e saúde,
designadamente as relativas a:
a)
Pessoal não docente do ensino básico;
b)
Fornecimento de refeições e apoio ao prolongamento de horário na
educação pré-escolar;
c)
Actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico;
d)
Gestão do parque escolar nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico;
e)
Acção social escolar nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico;
(...)
h)
Componentes de apoio à família no ensino pré-escolar na rede pública
dos estabelecimentos de ensino pré-escolar.
(...)
4 – No ano de 2008, para efeitos do disposto na Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro
(...), fica o Governo autorizado a transferir para os municípios as verbas
necessárias aos exercício por estes das novas competências transferidas (...)”.
Na perspectiva de V.ªs Ex.ªs, o referido art.º 22.º1, que habilitou o Governo a aprovar o
Decreto-Lei n.º 144/2008, não define o sentido e a extensão da autorização legislativa
no
mesmo
contida.
Tal
circunstância
poderá
traduzir-se
numa
eventual
inconstitucionalidade material da própria disposição legal de autorização por violação
do art.º 165.º, n.º 2, da Constituição.
1
O Orçamento do Estado para 2009, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, contém, nos
art.ºs 45.º e 46.º, novas normas habilitantes relativas ao processo de transferência de atribuições e
competências no domínio da educação. O processo de transferência de atribuições e competências para as
autarquias locais tem vindo a efectivar-se de forma gradual, com sucessivas prorrogações do prazo para o
efeito estabelecido no art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 159/99.
2
A questão colocada na queixa não pode, no entanto, deixar de ser apreciada no quadro
global do regime jurídico da transferência de atribuições e competências do Estado para
as autarquias locais.
Em primeiro lugar, as atribuições e competências a transferir em concreto para as
autarquias locais são as que constam do elenco de matérias do capítulo III (art.ºs 16.º a
31.º) do quadro estabelecido na Lei n.º 159/99. Note-se que, enquanto lei-quadro, esta
legislação veio não só definir novas atribuições e competências para as autarquias locais
como sistematizar as que anteriormente já lhes estavam cometidas.
O art.º 19.º deste diploma define o rol de atribuições e competências já transferidas à
data ou a transferir no futuro, relacionadas com a educação, e que vão desde a
construção e manutenção dos estabelecimentos da educação pré-escolar e do ensino
básico, até à gestão do pessoal não docente2, passando pelos transportes escolares,
alimentação nas escolas, alojamento dos alunos, acção social escolar, actividades
complementares da acção educativa e educação extra-escolar.
Em segundo lugar, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, da mesma Lei n.º 159/99, “a
transferência de atribuições e competências é acompanhada dos meios humanos, dos
recursos financeiros e do património adequados ao desempenho da função transferida”.
Concretamente quanto à transferência dos meios humanos, questão que mais
directamente motiva a queixa a que respondo, dispõe o art.º 12.º, sob a epígrafe
“Transferência de pessoal” da mesma Lei n.º 159/99, que os diplomas de concretização
estabelecerão os mecanismos de transição do pessoal, o qual deverá ser adequado ao
âmbito das funções transferidas, com garantia da plenitude dos seus direitos.
2
A circunstância de a Lei n.º 159/99 referir expressamente, no art.º 19.º, n.º 3, alínea g), apenas a gestão
do pessoal não docente dos estabelecimentos da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico
provavelmente terá a sua justificação no facto de a gestão efectiva do parque escolar destes níveis de
ensino ter passado imediatamente para a alçada dos municípios. De qualquer forma, as transferências de
competências implicam sempre a concomitante transferência dos recursos, designadamente humanos,
necessários para o respectivo exercício (art.º 3.º, n.º 2, daquela Lei).
3
Finalmente, do art.º 4.º da Lei n.º 159/99, verifica-se que a transferência em apreço
deverá ser precedida por regulamentação adequada, em diplomas específicos, dotada do
necessário suporte orçamental.3
O sentido e a extensão da autorização legislativa contida no art.º 22.º do OE2008 terão
de ser entendidos no quadro legislativo amplo referido, que precisa a vontade
parlamentar com base na qual o Governo veio a aprovar o Decreto-Lei n.º 144/2008.
Assim:
a) A Lei n.º 159/99 contém, no elenco das competências transferidas ou a transferir
no futuro, as que são objecto da transferência operada por via do Decreto-Lei n.º
144/2008;
b) A mesma Lei n.º 159/99 determina que a transferência de competências seja
acompanhada designadamente dos meios humanos adequados ao desempenho
das funções transferidas, o que, no caso das matérias da educação, importará a
transferência da gestão do pessoal não docente dos estabelecimentos da
educação pré- escolar e ensino básico;
c) O estatuto específico deste pessoal está enquadrado pelo Decreto-Lei n.º
184/2004, de 29 de Julho4;
d) A transição deste pessoal é feita obrigatoriamente nos moldes definidos no art.º
12.º da Lei n.º 159/99, designadamente com manutenção da plenitude dos
direitos adquiridos, concretamente o direito à mobilidade para quaisquer
3
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 144/2008, pode ler-se que “as competências a transferir para os
municípios, que constam do presente decreto-lei, resultam (...) de um consenso negocial entre o Governo
e a Associação Nacional de Municípios Portugueses”. Por outro lado, a transferência de competências
designadamente na área do pessoal não docente das escolas básicas e da educação pré-escolar depende da
celebração prévia de contratos de execução com cada município (v. art.ºs 2.º, n.º 2, e 12.º do Decreto-Lei
n.º 144/2008).
4
O pessoal não docente integra o conjunto de trabalhadores que, no âmbito das respectivas funções,
contribuem para apoiar a organização e a gestão, bem como a actividade sócio-educativa das escolas,
incluindo os serviços especializados de apoio sócio-educativo (art.º 2.º, n.º 1). O Decreto-Lei n.º
121/2008, de 11 de Julho, veio extinguir, com data a partir da entrada em vigor do Regime do Contrato de
Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, as carreiras e
categorias previstas neste diploma, transitando os respectivos trabalhadores para as carreiras gerais e
categorias de técnico superior, assistente técnico e assistente operacional.
4
serviços ou organismos da administração central e local, e o direito a regimes
especiais, quando aplicáveis5;
e) O art.º 22.º do Orçamento do Estado para 2008 cumpre o requisito imposto na
lei relativo à obrigatoriedade de as transferências, e os meios que as
acompanham, estarem previamente autorizadas pela lei do orçamento,
funcionando como lei habilitante mais imediata para a respectiva concretização;
f) O Decreto-Lei n.º 144/2008 procede, finalmente, à transferência efectiva dessas
competências, concretizando as orientações materiais definidas quer na Lei n.º
159/99, quer no Orçamento do Estado.
Mais do que uma mera emanação de um determinado regime jurídico, este complexo
normativo impõe (em termos políticos) ao Governo determinada tarefa de
descentralização,
condicionando-a
ao
cumprimento
de
certos
objectivos
(designadamente de ordem financeira e respeitante aos recursos humanos). A norma
criticada por V.ª Ex.ª apenas confere a necessária autorização de despesa, no quadro
orçamental aprovado.
II) Alegada ilegalidade por violação da Lei de Bases do Sistema Educativo:
Em vários momentos das exposições de V.ªs Ex.ªs, é de igual modo invocada a
ilegalidade da solução de fundo constante do Decreto-Lei n.º 144/2008 face aos
princípios gerais da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE)6.
Não posso, no entanto, acompanhar a argumentação aí expendida no sentido de que a
transferência de competências para as autarquias locais em matéria de educação põe em
causa os princípios gerais do sistema educativo.
5
O art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 144/2008 define, em concretização desta norma da lei-quadro das
transferências para as autarquias locais, a situação jurídico-funcional do pessoal não docente das escolas
básicas e do ensino pré-escolar transferido para os municípios.
6
Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, republicada em anexo à Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto.
5
Da leitura conjugada da LBSE e da própria lei orgânica do Ministério da Educação7, é
possível extrair com clareza as conclusões que a seguir procurarão explicitar-se.
Assim, está determinado que o sistema educativo8 se desenvolva “segundo um conjunto
organizado de estruturas e de acções diversificadas, por iniciativa e sob
responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas, particulares e
cooperativas”.9 Em consequência, tal sistema tem que se organizar de forma a
“descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas de modo a
proporcionar uma correcta adaptação às realidades, um elevado sentido de participação
das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de decisão
eficientes”, e a “contribuir para a correcção das assimetrias de desenvolvimento regional
e local, devendo incrementar em todas as regiões do País a igualdade no acesso aos
benefícios da educação, da cultura e da ciência” (art.º 3.º, alíneas g) e h), da LBSE).
O art.º 46.º da mesma Lei garante ainda que, não obstante os objectivos programáticos
associados à descentralização e desconcentração dos serviços da administração pública,
o Ministério da Educação mantém as suas atribuições de definição, coordenação,
execução e avaliação da política nacional relativa ao sistema de ensino.10 A própria lei
orgânica do Ministério da Educação é bastante clara quando afirma, no art.º 2.º, n.º 2,
que “as atribuições do ME [explicitadas no art.º 2.º, n.º 1] são exercidas segundo o
princípio da subsidariedade, através da descentralização de atribuições nas autarquias
locais e da efectiva participação das comunidades educativas na gestão do sistema
educativo” (sublinhado meu). Por último, o objectivo da descentralização e
desconcentração administrativas tem dignidade constitucional (art.º 267.º, n.ºs 1 e 2). Os
dispositivos legais atrás enunciados mais não fazem do que dar satisfação a tal
desiderato constitucional.
7
Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 213/2006, de 27 de Outubro, e subsequentes alterações.
O conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação: cfr. art.º 1.º, n.º 2, da LBSE.
9
Art.º 1.º, n.º 3, da LBSE.
10
V. art.º 1.º da Lei Orgânica do Ministério da Educação.
8
6
Por outro lado, concretamente as matérias objecto das transferências operadas por via
do Decreto-Lei n.º 144/2008 – gestão do pessoal não docente, gestão dos edifícios
escolares e dos transportes escolares, das actividades de enriquecimento curricular e de
apoio à família – não interferirão com o mencionado núcleo de funções de coordenação
do sistema de ensino, materialmente mais associadas às questões do pessoal docente,
das actividades curriculares e programas pedagógicos, que deverão permanecer, sem
prejuízo do aprofundamento da autonomia das escolas, na esfera de competência da
administração central.
III) Alegada ilegalidade por violação do regime de autonomia dos estabelecimentos
públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário:
Entendo, igualmente, que não será de acompanhar a fundamentação expendida nas
exposições de V.ªs Ex.ªs no sentido de que as transferências efectivadas pelo DecretoLei n.º 144/2008 traduzam uma violação dos princípios gerais do regime de autonomia,
administração e gestão dos estabelecimentos públicos de ensino, actualmente vertido no
Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril.
Desde logo, reparem V.ªs Ex.ªs que as transferências são feitas da administração central
para as autarquias locais, e não das escolas para as autarquias locais, isto é, as
competências que o Estado transfere para as autarquias são as competências que a
administração central mantém após a entrada em vigor do regime de autonomia das
escolas. À partida, a autonomia reconhecida às escolas face ao Estado mantém-se, desta
feita face à autarquia em causa.
No caso do pessoal não docente, o Ministério da Educação mantém a gestão dos
trabalhadores que não estejam abrangidos pelos contratos de execução celebrados com
os municípios para a transferência destas competências. Estas transferências não
interferem, deste modo, com o leque de atribuições hoje em dia prosseguidas
autonomamente pelos próprios estabelecimentos de ensino, que se mantém intacto.
7
E se é certo que o Ministério da Educação pode delegar algumas das suas atribuições
nas escolas, o mesmo também acontece com os municípios. Por exemplo, no caso do
pessoal vinculado às autarquias locais, as competências destas em matéria disciplinar e
em matéria de avaliação do desempenho podem ser objecto de delegação nos órgãos de
direcção, administração e gestão dos agrupamentos de escolas e escolas não
agrupadas11.
De resto, diga-se que o regime de autonomia das escolas mais não representa do que um
verdadeiro processo de descentralização directamente de competências da administração
central, ou de atribuições já anteriormente transferidas do Estado para as autarquias
locais.
IV) Portaria n.º 1049-A/2008, de 16 de Setembro:
A Portaria n.º 1049-A/2008, de 16 de Setembro, define os critérios e a respectiva
fórmula de cálculo para a determinação da dotação máxima de referência do pessoal não
docente, por agrupamento de escolas ou escola não agrupada.
V.ªs Ex.ªs colocam, desde logo, a questão de não terem sido os sindicatos ouvidos no
âmbito do procedimento legislativo que culminou na aprovação da Portaria em
referência. Não creio, no entanto, que assista razão a V.ªs Ex.ªs quanto à obrigatoriedade
legal de as organizações representativas dos trabalhadores serem ouvidas a propósito da
elaboração deste diploma.
De facto, a Portaria n.º 1049-A/2008 não regula, directa ou reflexamente, quaisquer das
matérias que a lei, concretamente a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, elenca como objecto
de negociação colectiva ou de participação dos trabalhadores através das suas
associações sindicais. A Portaria em causa não regula nem as matérias aí apontadas nem
aspectos do regime geral ou especial dos trabalhadores susceptíveis de integrarem
11
Cf. art.º 5.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 144/2008.
8
designadamente a cláusula residual constante da alínea m) do art.º 10.º da Lei n.º 23/98,
mas sim aspectos relacionados com as necessidades inerentes a uma gestão racional e
eficiente dos
recursos
humanos, a que a Administração
está,
em
geral,
constitucionalmente obrigada.
Por outro lado, afirmam V.ªs Ex.ªs que a Portaria estabelece as dotações de referência
apenas para os auxiliares de acção educativa e para os assistentes de administração
escolar. Com a entrada em vigor do Regime do Contrato de Trabalho em Funções
Públicas, o pessoal não docente dos estabelecimentos públicos de ensino transitou,
como se sabe, para as novas carreiras e categorias decorrentes da actual legislação.
Perspectivando, no entanto, a questão do seu ponto de vista substantivo, diria que a
circunstância de o legislador ter focalizado a disciplina jurídica constante da Portaria n.º
1049-A/2008 nas anteriores categorias de auxiliar de acção educativa e de assistente de
administração escolar, estará directamente relacionada com o conteúdo funcional
associado a estas categorias.
De facto, olhando para os conteúdos funcionais das diversas categorias a que se refere o
Decreto-Lei n.º 184/2004, independentemente da sua anterior ou actual designação
legal, obrigatoriamente se conclui no sentido de que aos trabalhadores inseridos nas
referidas categorias incumbem as funções de carácter geral, no campo administrativo ou
educativo, de apoio à estrutura básica e permanente de uma escola. Neste sentido, as
categorias em causa são, não só as que tendencialmente abrangerão o maior número de
trabalhadores dentro de uma escola, como necessariamente estarão presentes em todas
as escolas, em maior ou menor número, dependendo das características específicas de
cada estabelecimento.
Os rácios constantes da Portaria n.º 1049-A/2008, que permitem determinar a dimensão
adequada das dotações de pessoal com estas funções, tendo em vista objectivos de
funcionalidade da escola, segurança dos seus utilizadores e gestão racional dos recursos
humanos ao seu serviço, são elaborados precisamente com base em critérios que podem
ser aplicados a todas as escolas, por traduzirem necessidades comuns a todas elas.
9
Outras categorias de pessoal não docente não exigirão com igual intensidade, seja pela
sua dimensão relativa no âmbito da estrutura escolar, seja pelo exercício de funções de
alguma forma mais diferenciadas, a concepção de critérios deste tipo.
A propósito da alegada desconsideração, na Portaria em análise, do critério da
localização de cada edifício escolar, constante designadamente do elenco de critérios a
utilizar para este fim a que alude o art.º 5.º, n.º 1, neste caso alínea a), segunda parte, do
Decreto-Lei n.º 184/2004, sempre se dirá, por um lado, que este elenco de critérios, do
diploma de 2004, não será propriamente impositivo mas indicativo, e que
provavelmente o critério mencionado se revelará mais vocacionado para a concepção de
rácios de gestão de trabalhadores com outras funções, por exemplo, mais directamente
associadas à prevenção e manutenção da segurança no perímetro exterior da escola.
Finalmente, e no que toca à observação, feita na queixa, no sentido de que as dotações
de referência encontradas não permitirão assegurar uma escola de qualidade, não será
possível ao Provedor de Justiça, conforme V.ªs Ex.ªs facilmente compreenderão, não só
tecer considerações a partir de um conjunto de normas em abstracto, sem aplicação ao
caso concreto, como até entrar na discussão do que possa considerar-se uma escola de
qualidade, por implicar este tipo de análise inevitavelmente a apreciação de opções de
natureza política do legislador e do seu resultado, que estão fora do âmbito de
intervenção do órgão.
V) SIADAP:
Especificamente quanto às questões colocadas relativas ao actual sistema de avaliação
do desempenho do pessoal não docente dos estabelecimentos públicos da educação préescolar e dos ensinos básico e secundário, importa ainda acrescentar o que segue.
10
A Portaria n.º 759/2009, de 16 de Julho, procede à adaptação do sistema integrado de
gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP), aprovado pela
Lei n.º 66-B/2007, de 28 de Dezembro, ao referido pessoal.
Esta possibilidade de adaptação da legislação em causa apoia-se, antes de mais, em
normas expressas da mencionada Lei n.º 66-B/2007, que estabelece o SIADAP, e que
determina, logo no art.º 2.º, n.º 1, o seu âmbito de aplicação “aos serviços da
administração directa e indirecta do Estado, bem como, com as necessárias adaptações,
designadamente no que respeita às competências dos correspondentes órgãos, aos
serviços da administração regional autónoma e à administração autárquica”
(sublinhados meus). Por seu turno, no art.º 3.º, sob a epígrafe “adaptações”, lê-se que
“podem ser aprovados sistemas alternativos ao SIADAP adaptados às especificidades
das administrações regional e autárquica” (n.º 2), acrescentando o legislador que “por
portaria conjunta dos membros do Governo da tutela e responsáveis pelas áreas das
finanças e da Administração Pública, podem ser realizadas adaptações ao regime
previsto na presente lei em razão das atribuições e organização dos serviços, das
carreiras do seu pessoal ou das necessidades da sua gestão” (n.º 3).
De outra banda, o Decreto-Lei n.º 184/2004 que, como se disse, estabelece o regime
estatutário específico do pessoal não docente dos estabelecimentos públicos de
educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, esclarece que “a avaliação do
desempenho obedece aos princípios, objectivos e regras em vigor para a Administração
Pública, sem prejuízo da adaptação à situação específica dos estabelecimentos de
educação ou de ensino”, feita por diploma regulamentar próprio (art.ºs 23.º e 24.º).
Ora, os actualmente em vigor Decreto Regulamentar n.º 8/2009, de 21 de Maio, e
Portaria n.º 759/2009, já mencionada, concretizam, com respeito pelos requisitos de
11
ordem formal das mesmas constantes, as possibilidades e orientações do legislador
acima explanadas12.
A este propósito diga-se, ainda, que o legislador assume, no preâmbulo da Portaria n.º
759/2009, a observância dos procedimentos decorrentes da Lei n.º 23/98, no que, de
resto, estava expressamente obrigado por via do disposto no já citado art.º 24.º do
Decreto-Lei n.º 184/2004, que impõe que a adaptação relativa ao pessoal não docente
em causa seja feita “mediante a participação, nos termos da lei, das organizações
sindicais”.
Cumpridos que se mostram os requisitos de natureza formal impostos pela lei para a
adaptação da legislação em análise, impõe-se verificar se foram igualmente respeitados,
no caso em apreciação, os limites de natureza material à mesma associados.
Ora, o legislador determina, na própria Lei n.º 66-B/2007, que as adaptações têm de ser
feitas com respeito pelo disposto nesta lei em matéria de “princípios, objectivos e
subsistemas do SIADAP” (enunciados nos art.ºs 5.º, 6.º e 9.º do diploma), “avaliação do
desempenho baseada na confrontação entre objectivos fixados e resultados obtidos e, no
caso de dirigentes e trabalhadores, também as competências demonstradas e a
desenvolver”, e a “diferenciação de desempenhos, respeitando o número mínimo de
menções de avaliação e o valor das percentagens máximas previstas na lei” (alíneas a) a
c) do n.º 6 do art.º 3.º).
A Portaria n.º 759/2009 estabelece, quanto ao pessoal não docente dos estabelecimentos
públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, várias
especificidades face ao regime da Lei n.º 66-B/2007, isto de acordo com os seus art.ºs
2.º a 5.º Verificado o seu teor, nota-se que as mesmas se mantêm dentro dos limites
12
Aliás, esta adaptação já havia sido anteriormente concretizada pelo Decreto Regulamentar n.º 4/2006,
de 7 de Março, entretanto revogado pelo mencionado Decreto Regulamentar n.º 8/2009. A própria Lei n.º
66-B/2007, no seu art.º 86.º, n.º 4, alínea d), considera adaptado ao correspondente sub-sistema do
SIADAP, sem prejuízo de eventual revisão, “o sistema de avaliação de desempenho do pessoal não
12
materiais impostos pelo regime legal citado. Em tudo o mais, aplicar-se-á à avaliação do
desempenho do pessoal em causa o regime da Lei n.º 66-B/2007, independentemente da
modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público; ao pessoal não
docente vinculado às autarquias locais é ainda aplicável subsidiariamente o Decreto
Regulamentar n.º 18/2009, de 4 de Setembro, que procede à adaptação aos serviços em
geral da administração autárquica do SIADAP.
A possibilidade em abstracto de adaptação do regime dos trabalhadores com funções
públicas ao pessoal das autarquias locais é enquadrada por norma da Constituição, o seu
art.º 243.º, n.º 2, expressamente habilitando o legislador naquele sentido. Em anotação a
este preceito da Lei Fundamental, revelam Jorge Miranda e Rui Medeiros13 que “a
equivalência de regimes jurídicos não obsta a que o legislador disponha de modo
diverso para os trabalhadores da Administração local. Não exclui a diferenciação de
regimes laborais. (...). Do que se trata é, pois, de encontrar um equilíbrio entre o
princípio da autonomia das autarquias e a equivalência, convergência e
comparabilidade de regimes jurídicos”.
Assim sendo, também quanto a este aspecto não creio assistir razão ao peticionado por
V.ªs Ex.ªs.
VI) Contratos em execução com os trabalhadores não docentes das escolas:
Por último, e relativamente aos problemas suscitados quanto aos contratos dos
trabalhadores não docentes das escolas, é do conhecimento deste órgão do Estado que
foi autorizada a abertura de procedimentos concursais comuns de recrutamento para
ocupação de postos de trabalho em regime de contrato de trabalho em funções públicas
por tempo indeterminado para a carreira e categoria de assistente técnico e para a
carreira e categoria de assistente operacional, tendo a respectiva competência sido
docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário,
aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 4/2006 (...)”.
13
Ob. cit., Tomo III, pp. 507 e 508.
13
delegada nos directores dos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas pelo
Despacho n.º 16552/2009 do Director-Geral dos Recursos Humanos da Educação
(publicado no Diário da República n.º 139, 2.ª Série, de 21 de Julho de 2009),
encontrando-se, assim, criadas as condições para a solução das situações relatadas no
sentido preconizado por V.ªs Ex.ªs.
Por tudo o que antecede, abstenho-me de pedir a declaração de inconstitucionalidade ao
Tribunal Constitucional.
Aproveito a oportunidade para apresentar a V.ªs Ex.ªs os meus melhores cumprimentos,
O Provedor de Justiça,
Alfredo José de Sousa
14
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