A Produção Científica Sobre Masculinidade na Administração: Uma Análise dos Trabalhos Publicados no Decênio 2001 a 2010 Autoria: Eloisio Moulin de Souza, Marcos Winicius Pezete Sanches de Moraes, Pedro Paulo Pinheiro Duarte, Roberto Higashi Resumo Este presente artigo pretende analisar o desenvolvimento da produção científica brasileira que tem como foco temático o masculino nas organizações e os estudos de gêneros que dêem preferência a análise do masculino no período de 2001 a 2010. Buscou-se por meio de uma pesquisa bibliográfica artigos relacionados a produção científica acerca do masculino em cinco revistas da área de administração, bem como nos anais do EnAnpad. Ainda existe na área uma forte concepção e correlação de que masculino é um atributo pertencente e presente apenas nos homens. A maioria dos trabalhos aproxima-se das Teorias de Hierarquia de Gênero. 1 1 Introdução Segundo Laqueur (2001), a partir do século XVIII ocorreu uma cisão no ser humano, inventou-se que homens e mulheres são totalmente diferentes em raciocínio, lógica e visão acerca do mundo organizacional e em função destas diferenças identidades sociais foram atribuídos tanto aos homens, quanto as mulheres. Surgiram estudos de gênero para descobrir as nuances de cada gênero, tentando compreender uma pouco mais as suas diferenças. Contudo, apesar da concepção hegemônica de dominação masculina observa-se que nem todos os homens são dominadores, alguns se desenvolvem como atores sociais mais próximos dos papeis tidos como femininos pela sociedade ocidental atual. Entende-se que há vários níveis de masculinidades de acordo com a posição social, status, sexualidade, raça, dentre outras (CONNELL, 2005). Historicamente o homem é visto como o provedor da casa. De acordo com Mosse (1996 apud TREVISAN, 1998), o ideal de masculino voltado para a força e a honra se origina e se desenvolve entre o século II e XVIII D.C., tornando-se estereótipo a partir da Idade Média. Seguindo a tradição patriarcal de supremacia do homem sobre a mulher (BOURDIEU, 2010; MURARO, 2007), o masculino também seria a maneira historicamente considerada “legítima”, o gênero mais apto intelectualmente para as novas demandas. Atualmente as mulheres têm significativa participação no mercado de trabalho (HOFFMAN, LEONE, 2004), e os homens paulatinamente se admitem a realizar serviços socialmente considerados secundários que antes elas faziam, como, por exemplo, serviços domésticos. Apesar de ainda existir diferença salarial entre homens e mulheres, a mesma tem diminuído e surge a necessidade de se perceber os efeitos que estes movimentos históricos, sociais e culturais têm em relação ao masculino no local de trabalho. Além disso, aliado a maior participação das mulheres nas organizações, tem-se percebido a partir da década de setenta movimentos homossexuais reivindicando, com relativa freqüência, anseios de um grupo social até então marginalizado, que se dava pouca ou nenhuma visibilidade (FACCHINI, 2005), contribuindo também para a crise do masculino. Assim, este artigo pretende problematizar o tema masculinidade, suas implicações e principais conceitos utilizados pela academia em Administração do Brasil para se estudar tal fenômeno. Para tanto se analisou o campo do saber Administrativo como um todo, ou seja, suas diversas áreas temáticas, como Estudos Organizacionais, Marketing, Gestão de Pessoas, dentre outras. Dados o novo contexto histórico vivido, com suas novas formas de relações de trabalho e significações, analisa-se aqui a produção acerca do masculino, tentando entender as diversas abordagens sobre o tema que estão sendo discutidas nos estudos da Administração no período compreendido entre 2001 até 2010.. O artigo está organizado da seguinte forma: primeiro é apresentado o referencial teórico relacionado ao masculino, bem como os principais conceitos sobre o tema. Em seguida a metodologia de pesquisa utilizada para construção deste trabalho é discutida. O próximo tópico trata da análise dos artigos encontrados na pesquisa bibliográfica realizada, e por fim as principais conclusões são apresentadas. 2 Masculinidades Muitos estudos sobre gerentes e administração, desde livros-texto, pesquisas empíricas e até biografias de gestores consagrados, podem ser relidos como carregados de assuntos implícitos acerca dos homens, suas práticas e suas masculinidades (CONNELL, HEARN e KIMMEL, 2004). Não há consenso entre os estudiosos quanto ao entendimento da masculinidade e feminilidade, de modo que divergem entre sua identificação como de origem biológica (determinismo biológico) ou como uma construção social (culturalismo ou 2 construcionismo). Em função deste debate algumas perguntas emergem: Masculino é sinônimo de homem? Assim sendo, é um atributo que não pertencente e não se relaciona as mulheres? Masculino e feminino são características auto-excludentes? O masculino é biologicamente determinado? Ou é socialmente construído? Neste sentido, os próximos parágrafos desta sessão pretendem apresentar o conceito de masculinidades, defendendo-se aqui um conceito construcionista sobre o tema. Segundo Morrell e Swart (2004) a complexidade das relações de gênero fez com que os projetos que atacavam ao patriarcado não fossem suficientes para trazer mais justiça nestas relações. A concepção de um gênero dividido entre masculino e feminino e o enfoque unidirecional dos primeiros estudos de gênero sobre o feminino não trouxeram soluções para os problemas de gênero. Tal fato contribuiu para a emergência dos estudos sobre masculinidade na metade da década de noventa do século passado. Vale ressaltar que os estudos de gênero não estão somente relacionados com mulheres, crianças, reprodução, mas preocupam-se também por homens, ou seja, pela esfera de produção tanto de homens e mulheres (HOLTER, 2004). Isto nos remete as seguintes afirmações: masculino não significa homem como também feminino não é sinônimo de mulher, e vice-versa. Ambos, masculino e feminino, são produtos socialmente construídos, transcendendo o sexo biológico, não tendo relação direta com o mesmo. Para Holter (2004) a construção social da masculinidade e da feminilidade origina-se em posições específicas que não têm relação direta com sexo, mas são criadas por diversas esferas relacionais de produção e reprodução social. Gardiner (2004) concorda com Holter (2004) e considera também gênero uma construção social. Para a autora a masculinidade e feminilidade são fracamente definidas, historicamente variáveis e associadas a prescrições sociais para as pessoas com certos tipos de corpos, mas, apesar disso, gênero não está diretamente relacionado com similaridades entre genitálias ou com a natureza biológica. Para ela Este conceito tem alterado a crença clássica sobre características inerentes de homens e mulheres e também sobre a divisão das pessoas em categorias de homem e mulher. Os sexos tradicionais são agora vistos como agrupamentos culturais ao invés de um fato natural baseado sobre a divisão estática entre dois tipos diferentes de pessoas [...] (GARDINER, 2004, p. 35, tradução nossa). Segundo Connell (2004) não existe uma a-priori entre masculinidade e feminilidade, ou seja, a masculinidade não existia primeiramente para depois entrar em relação com o feminino, e vice-versa. Masculinidades e feminilidades são produzidas conjuntamente em um processo que constitui uma ordem de gênero. Jerusalinsky (2005) afirma que masculinidade pode ser exercida tanto por homens quanto por mulheres, ou seja, não é a anatomia do órgão sexual que define a masculinidade. Holter (2004) divide os estudos sobre masculinidade em dois campos: (a) teorias de hierarquia de gênero e (b) teorias sobre a desigualdade estrutural. Ambas são perspectivas construcionistas sociais, fato que as caracteriza como divergentes e antagônicas das afirmações sócio-biológicas que emergiram aproximadamente há três décadas sobre o tema. Enquanto as teorias de hierarquia de gênero enfatizam em seus estudos aspectos relacionados à dominação masculina, as teorias de desigualdade estrutural estão preocupadas com as relações sócio-estruturais que envolvem as desigualdades ou discriminações de gênero. Desta forma, conforme salientado por Holter (2004), existe um movimento bem similar nestas duas correntes, pois ambas para entenderem o que é masculinidade se afastam de uma perspectiva em que o sexo biológico determinaria o gênero (biologismo) e dirigem-se para um conceito de masculinidade socialmente construída por aspectos econômicos, 3 históricos, culturais, sociológicos, psicológicos, dentre outros. Este afastamento do biológico não somente desafia a concepção de que gênero é algo biológico, mas também coloca em cheque a clássica divisão entre masculino e feminino, combatendo a visão de que gênero é algo neutro, mas sim uma construção social envolvida por diversas relações de poder. As teorias sobre hierarquia de gênero foram as primeiras reações a neutralização de gênero e a certas perspectivas das ciências sociais que ignoraram as relações entre gênero e poder. Contudo, apesar destas contribuições das teorias sobre hierarquia de gênero e de sua visão de masculinidade como uma construção social, há uma tendência desta abordagem em tratar a masculinidade como algo homogêneo, estático e sólido, ou seja, um processo de criação de identidade. Contudo, contrariamente a esta visão estática de masculinidade Holter (2004) afirma que masculinidade é algo flexível (HOLTER, 2004). De acordo com Collinson e Hearn (2004) existem múltiplas masculinidades e gêneros masculinos no local de trabalho e esta heterogeneidade tem sido evidente nos estudos recentes sobre homens nas organizações. Por exemplo, o pós-estruturalismo tem reconhecido homens e mulheres como diversos, fragmentados e contraditórios. Em relação a gênero os pósestruturalistas têm focado as subjetividades “generadas” (tradução do termo gendered) e suas ambigüidades, descontinuidades e múltiplas características dentro de relações assimétricas. Para os pós-estruturalistas as categorias de homem e mulher são instáveis, as pessoas não podem ser categorizadas pelo seu desejo sexual habitual direcionado a uma ou duas categorias (homem e/ou mulher), objetivando acabar com o binarismo compulsório de gênero e em seu lugar emergir uma forma de se entender gênero mais flexível e despatologizada (GARDINER, 2004). Sedgwick (1995) já afirmava que como mulher ela é consumidora de masculinidades, produtora de masculinidade e performática da masculinidade. O feminismo pós-estruturalista encorajam, ao mesmo tempo, a variedade e flexibilidade tanto de identidade quanto de desejo, desconectando gênero de identidade e preferência sexual (GARDINER, 2004). Rubin (1992) também enfatiza em seus estudos a manifestação da masculinidade em corpos de mulheres e não somente em homens. Por exemplo, categorias existentes entre as lésbicas de “butch” e “femme” compõem um sistema de gêneros alternativo, pois não é apenas uma imitação convencional de dois tipos de gêneros: feminino e masculino. Halberstam (1998) analisa diferentes variedades de masculinidade em corpos de fêmeas, denominada pela autora de “masculinidade sem homem”, dentre elas a androginia, a “fêmea marido”, “açougueira de pedra” e a “drag King”. Para Halberstam (1998) todos nós somos transexuais ao mesmo tempo em que não existem transexuais. Neste aspecto Butler (1990) contribui muito para a emergência da principal teoria pósestruturalista sobre gênero, denominada por muitos de teoria queer, que promove uma agenda política anti-homofóbica em aliança com o movimento gay, lésbico, bigênero e transexual. Para o pós-estruturalismo existem diversas masculinidades alternativas entre homens em relação à masculinidade hegemônica (GARDINER, 2004). Não somente mulheres são discriminadas por questões de gênero, mas também os homens. Holter (2004) afirma que homens com baixo status são mais envolvidos em discriminações de gênero que homens com alto status social. Assim, gênero e patriarcado operam como um sistema de supressão tanto de mulheres como de homens não dominantes, ou seja, produz desigualdades não somente entre homens e mulheres, mas também entre homens e entre mulheres. Por exemplo, Ekenstam, Hohansson e Kuosmanen (2001) salientam que sanções sociais ligadas a formação da masculinidade enfatizam a importância de que um dos seus atributos é “não falhar”, o que cria um medo generalizado entre os homens de falharem na vida, seja no trabalho ou na realização do ato sexual. Neste sentido, Jerusalinsky (2005) salienta que no imaginário social a masculinidade é atribuída como sendo ativa e à feminilidade como passiva. 4 Em relação à sexualidade masculina os jovens apreendem desde cedo a grande importância simbólica que a sexualidade tem na vida dos homens. Segundo as observações de Plummer (2004) sexualidade torna-se um símbolo de poder no qual a capacidade de ereção é vista como sendo uma arma pronta para conquistar o mundo, mas a flacidez é um sinal de fraqueza, de falta de controle. Enfim, ao mesmo tempo que é um símbolo de poder a sexualidade masculina também são sinais de fraquezas e vulnerabilidade e muitos problemas relacionadas a sexualidade masculina produzem inseguridade e medo nos homens. Edwards (2004) mostra que ao longo dos séculos gays e masculinidade foram entendidos como antagônicos, onde os homossexuais foram associados à efeminação. Dentro de uma estrutura heterossexual biologizante estereotipada o homem é identificado com o masculino e deve aprender a desejar o que ele não é: a fêmea. Entretanto, em um contexto homossexual esta relação é mais complexa, pois o “homem, em possibilidade ainda continua sendo identificado como masculino, mas fortemente minado por estereótipos e atitudes para o contrário, desejando o que talvez ainda é ou quer ser, o qual também é masculino” (EDWARDS, 2004, p. 51, tradução nossa). Jerusalinsky (2005) afirma que provavelmente quem mais sabe sobre masculinidade são os homossexuais. Connell (1995) afirma que embora os gays subvertam de forma fundamental a heterossexualidade, os corpos de homens gays incorporam fortemente a masculinidade, ou seja, em seus desejos os gays ainda permanecem bastante héteros. Neste sentido, Edwards (2004) observa que em relação a gênero e sexualidade as teorias pós-estruturalistas provêem uma crítica fundamental as políticas de identidade que pode ser evidenciada em três pontos: (a) identidades individuais ou de grupo são percebidas como semanticamente e socialmente dinâmicas, abertas, plurais, conflitantes, contingentes ao invés de fixas, fechadas, unitárias e consensuais, por exemplo, a categorização de um jovem advogado afrodescendente é algo incategorizável; (b) as políticas de identidade não desafiam os binarismos (branco/negro; homem/mulher; heterossexual/homossexual), pelo contrário, os reforçam; (c) as políticas de identidade minam qualquer plataforma política mais ampla capaz de desafiar o conservadorismo e a opressão de minorias devido sua tendência de reforçar as diferenças e divisões dentro e entre diferentes grupos. 3 Metodologia Iniciou-se a pesquisa bibliográfica de artigos utilizando os sites de periódicos em administração de alto valor de relevância para os estudos de administração segundo o critério do Qualis CAPES, tendo-se pesquisados os periódicos: Revista de Administração Pública (RAP), Revista de administração de Empresas (RAE), Revista Organizações e Sociedade (O&S), Revista de Administração da USP (RAUSP) e Revista de Administração Contemporânea (RAC). Também se pesquisou os anais do EnAnpad. As pesquisas abrangeram as publicações realizadas nos periódicos e no EnAnpad entre o período de 2001 até 2010. Vale ressaltar que em termos de Qualis CAPES, triênio 2007-2009, as revistas pesquisadas possuem a seguinte classificação: RAP (A2), RAE (B1), RAC (B1), O&S (B2) e RAUSP (B2). As palavras-chaves utilizadas foram gênero, gêneros, masculino, masculinos, homem, homens, masculinidade e masculinidades. Dos 102 artigos filtrados com a utilização das palavras-chave, 78 artigos (76,47%) não abordavam estudos referentes ao masculino, destes, 30 abordavam o estudo do feminino nas organizações, salientando-se que em sua maioria estes artigos foram filtrados usando “gênero” como chave de pesquisa. 5 TABELA 1 – DISTRIBUIÇÃO POR TEMA DOS ARTIGOS MASCULINO Anais do Temas O&S RAC RAE EnAnpad Estudos feministas 23 4 1 1 Homem como ser humano 5 5 . . Empreendedorismo 3 . . . Nome do(a) autor(a) 3 . . . Outros 9 3 1 2 Estudos de gêneros 10 . 1 . TOTAL 53 12 3 3 Fonte: os autores QUE NÃO ABORDAM O RAP RAUSP ∑ . 1 . . 1 1 3 30 11 3 3 19 12 78 1 . . . 3 . 4 Em seguida, para se definir quais artigos obtidos pelo uso de palavras-chave eram relacionados de fato com o tema masculino utilizaram-se os seguintes critérios: (1) analisaram-se os resumos de todos os artigos sendo que os artigos que apresentaram como objeto de estudo homem ou masculino foram selecionados; (2) para os artigos sobre gênero que estudavam de forma simultânea masculino e feminino utilizou-se como critério a leitura integral dos mesmos e não apenas o resumo, sendo que os artigos que possuíam em seus textos uma predominância de análise relacionada a aspectos sobre o feminino em detrimento do masculino foram excluídos, ou seja, os artigos que tratavam do masculino de forma secundária e/ou periférica não foram selecionados. Desta forma, artigos que fazem a comparação de outros temas e situam o fator gênero como uma simples diferenciação ou um dado complementar, sem nenhuma análise sobre o tema e estudos paralelos não foram considerados como atendentes ao critério (2). Com um total de 102 artigos filtrados, obteve-se 23 (22,55%) artigos classificados como dentro do nosso objeto de análise. A partir de então pode-se iniciar a análise de tais artigos e perceber suas principais conclusões sobre o masculino e homem nos estudos da administração. Os mesmos foram agrupados em 3 áreas temáticas, seguindo-se os critérios de Análise de conteúdo (BARDIN, 1977) por categorização realizada a-posteriori. As áreas temáticas foram assim denominadas: (1) Consumo, Beleza e Inovação, (2) Discriminação e Preconceito; e (3) Identidade e Relação de Gêneros. Abaixo uma previa das publicações encontradas: TABELA 2 – DISTRIBUIÇÃO POR TEMA DOS ARTIGOS MASCULINO Anais do Temas O&S RAC RAE RAP EnAnpad Consumo e Beleza 10 . . . . Discriminação 2 . . . 1 Identidade e Relação de 7 1 1 . . Gêneros Total: 19 1 1 . 1 Fonte: os autores. QUE ABORDAM O RAUSP ∑ . . 1 10 3 10 1 23 Estes artigos têm como objeto de pesquisa o masculino, sendo oito (34,78%) deles da área de marketing, cinco (21,74%) da área de gestão com pessoas, nove (39,13%) de estudos organizacionais e um (4,35%) de gestão da ciência. Conforme tabela acima, os 23 artigos foram classificados em três categorias temáticas de modo que assim se distribuíram: dez (43,48%) sobre Consumo, Beleza e Inovação, três (13,04%) sobre Discriminação e 6 Preconceito na Organização e dez (43,48%) sobre Identidade e Relações de Gêneros. No quadro abaixo se tem a descrição do significado de cada categoria temática. Tema Consumo, beleza inovação Descrição e Envolve artigos que versam sobre o homem e/ou o masculino no consumo de bens ou serviços, bem como o consumo de produtos recém lançados no mercado (produtos inovadores). Discriminação e Abrange artigos voltados para questões discriminatórias e Preconceito preconceituosas envolvendo o masculino ou o homem nas organizações. Compreende todos os artigos que versam sobre identidade de Identidade e relação de gênero masculina e suas construções, significações e gêneros implicações na organização, bem como sua relação com o feminino. QUADRO 1 – DESCRIÇÃO DOS TEMAS ABORDADOS NOS ARTIGOS SELECIONADOS Fonte: os autores 4 Análise de Conteúdo dos Artigos Conforme anteriormente afirmado, os artigos foram agrupados em três categorias temáticas: Consumo, Beleza e Inovação; Discriminação e Preconceito; Identidade e Relação de Gêneros. Os próximos parágrafos pretendem discutir o que cada artigo analisado fala sobre estas áreas temáticas. 4.1 Consumo, Beleza e Inovação Cupolilo (2008) na busca por entender como o homem heterossexual do bairro de Tijuca usa o consumo para construção de sua identidade, discorre sobre a identidade de gênero especificamente masculina, situando o consumo de determinados bens como processo de expressão da masculinidade ou de heterossexualidade/homossexualidade. Carvalho et al (2008) pesquisaram sobre gênero e consumo pela internet. Para os autores os homens percebem menos riscos ao comprar pela internet do que as mulheres. Homens se preocuparam mais com demora em trocas, interceptação de dados financeiros, prazo de entrega e dano no transporte; enquanto as mulheres com a demora de trocas, interceptação de dados financeiros, invasão de privacidade/divulgação de dados financeiros e prazo de entrega. Monteiro (2008) analisou o perfil de jovens no consumo de bens inovadores relacionados a indústria da moda segundo o gênero. Percebeu que entre os adotantes tardios para os consumidores de bens inovadores existem algumas diferenças entres os gêneros, 20% dos inovadores são casados enquanto 23% dos adotantes tardios são casados, isso entre os homens. Já no público feminino nenhuma diferença foi notada. Uma grande diferença entre os gêneros encontrada foi que os homens adotantes tardios são pessoas com um perfil mais competitivo que mulheres adotantes tardias. Contudo, os consumidores inovadores homens e mulheres são tão competitivos uns quanto os outros. Consumidores de produtos inovadores tendem a ser menos impulsivos que os adotantes tardios. A inovação em moda para homens estaria mais associada à racionalidade e melhoria da aparência tanto profissional quanto para relacionamentos amorosos. 7 Em um trabalho similar ao de Monteiro (2008), Monteiro e Veiga (2008) abordaram sobre as diferenças dos gêneros e a inovação em moda entre universitários. Suas principais observações foram que os homens mais inovadores acompanham mais as tendências de moda que os não inovadores, além de que homens valorizam mais o conforto a estética ou estilo, planejam suas compras e mantém o foco na hora de comprar; enquanto mulheres passeiam e olham vitrines. Os autores perceberam um efeito da idade sobre o consumo inovador masculino duas vezes mais forte que nas mulheres, ou seja, homens mais velhos perdem muito rápido o interesse por tendências. Eles identificaram que homens casados tendem a serem menos inovadores em moda, talvez por relaxarem mais com a aparência por não procurarem mais relacionamentos afetivos. Também pesquisando jovens, Veiga e Matos (2008) analisaram 732 indivíduos quanto a intenção ao uso do preservativo e perceberam que os homens tendem a ser mais resistentes que as mulheres no uso dos preservativos, sendo também menos influenciados pela norma moral, que é a crença do uso de preservativo ser certo ou errado. Os autores perceberam uma maior vulnerabilidade e menor fator racional ao uso do preservativo pelos homens quanto a pressões e fatores como tesão, paixão, posse do preservativo e o uso de pílula anticoncepcional. Analisando consumo de produtos inovadores por jovens, Grohmann, Battistella e Velter (2010) analisaram o processo de aceitação e uso de produtos inovadores tecnologicamente (MP4) entre universitários. Concluíram que homens que aceitam inovação tendem a comprá-la, contudo, ao contrario do que se esperava, segundo a pesquisa os homens não fazem relação de utilidade e intenção de compra. Os homens entrevistados não comprariam produtos só por terem diversas funções, enquanto mulheres tendem a comprar pela facilidade de uso e diversão. Davidovitsch e Silva (2008) pesquisaram sobre a percepção do público masculino com o vestuário, como eles percebem os valores simbólicos das roupas e como isso afeta o envolvimento deles com o vestuário. Levantaram 3 hipóteses: H1 – quanto mais os homens percebem os valores simbólicos das roupas, maior será o seu envolvimento com o vestuário; H2 – quanto maior o nível de envolvimento com o vestuário, maior será a percepção da importância dos diferentes atributos da roupa e H3 – a ligação indireta da percepção dos valores simbólicos das roupas com a percepção da importância dos diferentes atributos das roupas é mais forte do que a ligação direta entre os dois constructos. Todas as hipóteses foram confirmadas. Fontes, Borelli e Casotti (2010) pesquisaram sobre o consumo masculino de produtos de beleza entre jovens de classe econômica alta do Rio de Janeiro. Encontraram resultados interessantes, como: (1) o homem está menos preocupado com a aparência, assim, adotam menos práticas de beleza; (2) há no público masculino pesquisado uma barreira de identidade que bloqueia algumas práticas de consumo tachadas “não permitidas ao publico masculino”; (3) os homens tacham o consumo de beleza como algo feminino do qual evitam aproximações, apesar de certa forma querer beleza; (4) os homens pesquisados deram mais importância ao sucesso profissional e inteligência do que o corpo como capital e denominaram como “potezinhos” homens que ligam muito pra roupa, malham perna e têm boa pele. Sauerbronn (2007) atenta para a relação entre consumo masculino e o sentimento de vergonha. Foram entrevistados 15 homens de 26 a 42 anos. A autora identificou 4 fatores que são capazes de gerar vergonha ao homem quanto ao consumo, são eles: (1) a falta de consumo de bens ou serviços que demonstrem posição social de destaque, não mostrando ao grupo informações positivas; (2) expor seu consumo a diferentes níveis sociais, tanto superiores ao seu nível de consumo quanto inferiores, sendo chegar com um carro de luxo em um bairro pobre ou em um carro pobre a um festa de luxo; (3) quando o homem tem a sua opção de 8 consumo considerada adequada a outro gênero, o que lembra o artigo de Fontes, Borelli e Casotti (2010), no qual algumas práticas de consumo foram tachadas como coisas de mulheres, pondo em dúvida a sexualidade do usuário perante a coletividade e (4) quando o homem faz um mau negócio ou percebe que não fez o melhor negócio possível, trazendo pra si um sentimento de vergonha, inferioridade e incapacidade. Ramos e Oliveira (2009) estudaram a aceitação de um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) por parte dos estudantes de administração a distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e concluíram que os alunos homens encontraram maior facilidade de aprender pela plataforma e acharam mais fácil usar todos os recursos da plataforma do que as mulheres, nos demais quesitos analisados nenhuma diferenciação foi plausível. Os homens utilizavam menos tempo por acesso na plataforma, detêm mais habilidade para usarem sozinhos o sistema, maior confiança em aprenderem pela plataforma e acham o método mais proveitoso e eficaz do que para as mulheres. 4.2 Discriminação e Preconceito Garcia e Souza (2010) analisaram nos setores bancários público e privado as formas de discriminação direcionadas aos trabalhadores homossexuais masculinos. Identificaram discriminações diretas e indiretas nos dois setores bancários. As discriminações diretas são mais fortes no banco privado analisado e se manifestam pela falta de transparência nas normas organizacionais sobre os direitos dos homossexuais, bem como pela falta de extensões de benefícios aos companheiros dos mesmos. Já a discriminação indireta se dá no dia-dia da organização por meio de isolamentos, condições de trabalho inferiorizadas, exclusão, xingamentos, barreiras admissionais, brincadeiras e piadas de formas caricatas e pejorativas que denigrem os sujeitos. São as discriminações indiretas que mais incomodaram os entrevistados. Os autores perceberam que os gestores vêem os homossexuais como prejudicadores da imagem do banco, fato que contribui para que os homossexuais terem uma dificuldade enorme de conseguir promoção para níveis gerenciais, pois o corpo gerencial é altamente preconceituoso. Concluem que devem ser mudados os valores culturais e filosóficos que alimentam a existência destas classificações. Lopes et al (2009) estudaram a vivencia de homossexuais masculinos nos setores públicos e privados em Aracaju, Brasília, Fortaleza e capitais da região sudeste, analisando as violências sofridas por eles relacionadas a sexualidade. Concluíram que a homofobia é uma problemática da sociedade e parte da necessidade de uns se imporem a outros mostrando superioridade por conta de uma sexualidade tida como modelo, assim, desclassificando as sexualidades distintas, humilhando e diminuindo os diferentes, tentando reafirmar sua posição heterossexual com um sentido de virilidade. Isso tudo causa um processo de afastamento dos homossexuais do convívio social. As autoras colocaram a questão do preconceito sofrido diariamente como um problema subjetivo, pois alguns podem se sentir extremamente ameaçados e outros acharem normal. Levantaram a necessidade de prevenção da homofobia, que é uma violência e as regras impostas pela organização não controlam este mal. Salientam que o contexto organizacional apenas reflete a sociedade, e que a homofobia é decorrente de uma cultura de exclusão do que foge aos padrões tidos como “normais”. Eccel e Saraiva (2009) observando como homens gays conviviam com a própria sexualidade em um ambiente heteronormativo. Concluíram que a hegemonia ou o normal está associado a uma vivencia masculina heteronormativa, as identidades homossexuais ou bissexuais são percebidas como desviantes e anormalidades capazes de impor desafios específicos para estes sujeitos. Também concluem que há varias identidades homossexuais distintas e demonstração da sexualidade e que encarar a própria homossexualidade em algum momento desperta sentimentos ambíguos na auto-aceitação. Alguns entrevistados não se 9 reconhecem gays efeminados, se diferenciando de outros homossexuais, afirmando que os gays que não fazem “coisas de homem” são discriminados por outros homossexuais. Eles preferem ficar em segredo e garantir uma auto-preservação, o que pode ter um custo psicológico para eles e por fim perceberam uma espécie de hierarquia de masculinidade partindo do padrão de homem masculino para a sociedade, onde os homossexuais discriminam os abaixo na hierarquia tidos como mais efeminados. 4.3 Identidade e Relação de Gêneros O artigo de Medeiros e Valadão Júnior (2009) envolve uma organização de terceiro setor. Os autores evidenciaram como as atribuições de masculinidade e feminilidade influenciam o significado de ser homem e ser mulher. Eles abordam o contexto histórico e social da construção do masculino e do feminino. Segundo os autores, no discurso oficial da organização e de seus fundadores, enuncia-se um tratamento homogêneo nas relações interpessoais, mas a prática revela, por exemplo, que cargos mais relevantes ficam predominantemente com os homens. Inconsistências e ambiguidades quanto à identidade de gênero permeiam os colaboradores desta organização, que atribuem diferentes papéis e significados para o homem e a mulher ainda que estes estejam em uma mesma função. Outro artigo que discorre acerca de significações no trabalho é o de Cramer (2009), desta vez no contexto vivido por profissionais de saúde. Nele se investiga os sentidos construídos pelos profissionais e pacientes do ramo e se revela que as relações de gênero neste ambiente são marcadas pela assimetria de poder relacionada à categoria profissional e a contextos históricos e sócio-culturais. Também discorre sobre a participação masculina e feminina em diferentes cargos (como médico e enfermeiro) neste ambiente, explorando a imagem construída em torno de cada profissional. Dessa forma, percebe-se a pouca representação masculina no profissional de enfermagem, com discriminação da presença do homem nessa função, sendo os homens enfermeiros tachados como homossexuais ou afeminados. Além disso, a medicina é vista como mais confiável pelos pacientes quando exercida por homens – que, não obstante, dominam os cargos de direção do hospital. De forma quase que complementar, o artigo de Alves et al (2008) também investiga a área hospitalar, mas desta vez a análise envolve somente gerentes (homens e mulheres), onde se evidencia as desproporções de poder entre os gêneros, novamente ilustradas pela predominância de homens em posições gerenciais de chefia e mulheres em gerências intermediárias. Mudando de segmento, o artigo de Vilas Boas, Neto e Cramer (2003) estuda as relações de gênero no setor de vendas de veículos à luz da Teoria das Representações Sociais, e mostra que, apesar de haver uma tentativa de maior igualdade entre os gêneros, as representações de gêneros ainda se encontram arraigadas em contradições, seja por parte dos homens quanto das mulheres. Tal teoria também será empregada por Corrêa, Gontijo, Assis, Carrieri e Melo (2007), observando que jornais de circulação interna de duas empresas auxiliaram na disseminação do discurso da alta gerência, reproduzindo padrões de comportamento relativos ao gênero preestabelecidos pela sociedade, apresentando, inclusive, elementos de preconceito. Outro estudo relativo à identidade do homem é o de Hoch, Andrade e Fossá (2009), que compara a percepção de homens e mulheres gerentes de uma organização bancária pública acerca de seu trabalho. Ambos os sexos entendem os aspectos cognitivos e emocionais como dicotômicos, e houve predominância no entendimento de que os homens têm como valores a racionalidade, o desejo de controle e a individualidade, sendo vistos como mais competitivos e “capazes” de assumir mais tarefas e, por conseguinte, mais responsabilidades. O texto de Vasconcelos, Vasconcelos e Mascarenhas (2004) denomina esta 10 diferença de atribuições ou interpretações entre os sexos de falso paradoxo, uma vez que tratam as dimensões racionais e emocionais, características masculinas e femininas, respectivamente, como desvinculadas e incompatíveis. Muitas vezes, implícitas na burocracia das organizações, esta frágil dicotomia poderia ser superada através de políticas de gestão da diversidade, onde se teria um espaço onde o sujeito, independente de seu gênero e do estereótipo existente, possa desenvolver suas habilidades e individualidade em prol do coletivo. Os dois artigos que serão apresentados a seguir, diferentemente daqueles já analisados nesta categoria temática, realizam um enfoque mais incisivo e específico sobre a masculinidade nas relações de gênero. Ambos também salientam que existe pouca produção sobre o assunto em Administração no Brasil. No texto de Eccel e Grisci (2010), contextualizado no setor petroquímico, as autoras analisam a figura do engenheiro como representante da masculinidade hegemônica a partir de relatos de mulheres e homens gerentes. Tal figura é entendida, por ambos os sexos, como racional, objetiva e com domínio técnico. Este esteriótipo será o ideal ao qual todos devem seguir, de modo que outras características individuais e mesmo outras formas de masculinidades não sejam valorizadas. Em outro artigo de Eccel e Grisci (2009), de forma semelhante, buscou-se entender a vivência dos ideais de masculinidade hegemônica em uma organização (analisa-se uma refinaria) e como eles afetam o estilo de vida das pessoas. O local analisado se mostrou um produtor de uma masculinidade “ideal”, e o artigo revelou novas relações de poder entre os gêneros, inclusive de dominação entre o masculino hegemônico e outras formas de masculino. Por fim, o artigo de Silva e Honório (2010) procurou analisar como se dá o comprometimento das pessoas na organização conforme o gênero. Ao longo do artigo, versou sobre as relações de gênero e como os homens e mulheres sentem ou entendem que deve ser seus comprometimentos com suas tarefas no trabalho. Apesar de analisar somente o segmento de construção civil, o artigo aponta para os homens como pessoas mais comprometidas quando o trabalho representa uma forma de aumento de remuneração e de maior autonomia. Já para as mulheres o comprometimento é maior quando representa a aquisição de maior conhecimento e de conquista de um espaço predominantemente masculino (geralmente cargos hierarquicamente mais altos). 5 Análise dos Estudos sobre Masculinidade em Administração Em relação a masculinidade observa-se que, na área de Administração, a maior parte dos artigos encontrados estão relacionados a Estudos Organizacionais (39,13%) e Marketing (34,70%), que juntos representam 73,91% da produção científica no período analisado sobre o tema. Muitos artigos publicados nos anais do EnAnpad na área de Estudos Organizacionais têm relação também com Gestão de Pessoas, o que torna muito impreciso e difícil a tarefa de classificação dos mesmos como pertencentes exclusivamente a Estudos Organizacionais. Contudo, o que chama atenção é a consolidação da masculinidade como tema extremamente relevante nos estudos sobre consumo em Marketing. Seguindo-se o critério de Holter (2004) para classificação dos estudos sobre masculinidade, a maioria das pesquisas analisadas pode ser classificada como Teorias de Hierarquia de Gênero, pois do total de vinte e três artigos encontrados dezoito abordam em suas temáticas aspectos relacionados a dominação masculina e/ou ao processo de criação de categorias identitárias masculinas e, a princípio, aproximam-se de uma visão construcionista. Aliás, sem exceção, todos os artigos lidos sobre Consumo, Beleza e Inovação buscaram entender as diferenças identitárias entre masculino e feminino, intentando descobrir as características que influenciam os homens a consumirem determinados produtos e/ou 11 serviços, bem como as possíveis diferenças de significados em relação às mulheres, ou seja, existe uma tendência das pesquisas da área de Marketing a trabalharem com um conceito de masculinidade como algo homogêneo, estático e sólido, além de tratar a masculinidade como algo relacionado apenas a homens, não levando em consideração em sua análise dois aspectos: (1) o caráter múltiplo e heterogêneo que envolve o conceito de masculinidade (COLLINSON; HEARN, 2004) e, consequentemente, a existência de diversas masculinidades, (2) e que sendo o masculino um produto cultural ele também se refere a mulheres e não somente a homens (CONNELL, 2004; JERUSALINSK, 2005, RUBIN, 1992, SEDGWICK, 1995). Este fato faz com que, apesar dos autores dos artigos lidos não afirmarem isto de forma explicita em seus trabalhos sobre Consumo, Beleza e Inovação se aproximem muito de uma concepção biológica de masculino e feminino (HOLTER, 2004) ao atribuírem e relacionarem exclusivamente aos homens o conceito de masculino e excluírem as mulheres deste processo de análise. Conforme salientado anteriormente, sob uma visão construcionista, masculino não se refere a homens e nem feminino a mulheres, nem a sexualidade heterossexual ou homossexual, pois os gays também são consumidores deste produto social que é o masculino (EDWARDS, 2004). Aliás, este fato observado na categoria Consumo, Beleza e Inovação também ocorre de forma esparsa em alguns artigos de outras categorias temáticas Todos os trabalhos sobre Discriminação e Preconceito versam sobre as relações sócio-estruturais que envolvem as desigualdades ou discriminações de gênero, bem como a manifestação de preconceitos, o que nos faz classificá-los como Teorias sobre a Desigualdade Estrutural (HOLTER, 2004). Estes artigos têm um aspecto interessante, pois ao incluírem em suas análises sobre o masculino os gays, tratam e reforçarem que masculino não se relaciona somente a homens heterossexuais. Por fim, dois trabalhos da categoria Identidade e Relação de Gêneros (VASCONCELOS; VASCONCELOS.; MASCARENHAS, 2004; ECCEL; GRISCCI, 2010) são trabalhos relacionados com Teorias sobre Desigualdade Estrutural, enquanto os demais artigos desta categoria temática são Teorias de Hierarquia de Gênero. Percebe-se também, principalmente no início da busca por artigos, que os assuntos abordados pelas publicações sobre o masculino se mostram ainda fortemente vinculados à comparação com o feminino. A maioria dos artigos encontrados se situa nos anos de 2008 a 2010 (83% do total), podendo-se dizer que há um despertar maior para a questão nos últimos anos, apesar de ser ainda pouco expressiva. Contudo, deve-se ressaltar que os estudos sobre o masculino começaram fora do Brasil e são relativamente recentes comparados a outros temas tradicionalmente publicados em periódicos de administração. Dos meios de publicação citados nesta pesquisa, o que mais se encontra artigos relacionados ao tema é o EnAnpad, sendo mínima a publicação de artigos sobre masculino em revistas de administração, onde nem sequer em uma década foram encontrados artigos de tal natureza na RAE. 6 Considerações finais Diante do exposto, a maioria dos trabalhos publicados nas revistas e congresso analisados tem como principal objetivo e enfoque as Teorias de Hierarquia de Gênero, sendo que apenas cinco trabalhos podem ser relacionados diretamente as Teorias sobre a Desigualdade Estrutural, a maior parte deles presente na categoria temática Discriminação e Preconceito. Apesar de entendermos que os trabalhos publicados são construcionistas em suas bases, verifica-se que ainda existe uma incoerência conceitual nos mesmos, principalmente os trabalhos sobre Consumo, Beleza e Inovação, ao relacionarem e estudarem o masculino apenas em homens, contribuindo para uma aproximação conceitual 12 equivocada e estereotipada em que masculino está relacionado a sexo e refere-se apenas a homens. Diante disto, observa-se ainda uma forte coligação e atribuição do conceito de masculino somente aos homens nos estudos em administração sobre o tema. Necessita-se romper com esta atribuição, incluindo-se também na agenda das pesquisas sobre masculino as mulheres, os gays e as lésbicas, dentre outros. Aliás, nenhuma dos trabalhos encontrados e analisados estudou o masculino em mulheres, fato que deve ser reconsiderado pelos acadêmicos da área. Assim sendo, uma maior aproximação das pesquisas sobre gênero com o pós-estruturalismo pode, em termos conceituais, contribuir como o rompimento desta visão binária, excludente e identitária. Em relação aos artigos que se aproximam das Teorias sobre a Desigualdade Estrutural, verifica-se uma carência de publicações e pesquisas que estudem o preconceito e a discriminação sofridos pelos homens. Não somente gays, lésbicas e mulheres são discriminados por questões de gênero, mas homens heterossexuais considerados como tendo baixo status masculino são também discriminados e sofrem as conseqüências relacionadas a um conceito hegemônico e identitário de masculinidade (HOLTER, 2004, EKNSTAM; HOHANSSON; KUOSMANEN, 2001). Para concluir, um fato que chamou atenção durante o processo de pesquisa bibliográfica e seleção dos artigos sobre o tema é o pouco espaço que as revistas científicas da área de administração têm dado em suas edições a discussão sobre gênero relacionado ao masculino. A maioria dos artigos encontrou espaço para publicação apenas nos congressos do EnAnpad. Faz-se necessário uma maior abertura dos corpos editoriais destas revistas para temáticas relacionadas a gênero. Referências ALVES, M.; BRITO, M. J. M.; MELO, M. C. O. L.; LEMOS, L. P.; FERREIRA, M. A. Práticas de gestão, relações de poder e de gênero na organização hospitalar. In: Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD, 05, 2008, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: ANPAD, 2008. BARDIN, L. L. Analyse de Contenu. Paris : Presses Universitaries de France, 1977. BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2010. BUTLER, J. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge, 1990. CARVALHO, J. D. S. D.; SILVA, W. V.; CORSO, J. M. D.; TORTATO, U. Relações de gênero no comportamento de compra pela internet: um estudo das dimensões do risco percebido. In: Encontro de Marketing da ANPAD, 03, 2008, Curitiba. Anais... Curitiba: ANPAD, 2008. COLLINSON, D. L.; HEARN, J. Men and masculinities in work, organizations, and management. In: KIMMEL, M. S.; HEARN, J.; CONNELL, R. W. Handbook of studies on men & masculinities. California: Sage Publications, 2004. CONNELL, R. W. Masculinities. Cambridge: Polity, 1995. 13 CONNEL, R. W. Globalization, imperialism, and masculinities. In: KMMEL, M. S.; HEARN, J.; CONNELL, R. W. Handbook of studies on men & masculinities. California: Sage Publications, 2004. CONNELL, R. W.; HEARN, J.; KIMMEL, M. S. Handbook of studies on men & masculinities. Thousand Oaks, Calif.: Sage Publications, 2004. CONNELL, R. W. Masculinities. Berkeley: University of California Press, 2005. CORRÊA, A. M. H.; GONTIJO, M. C. L.; ASSIS, L. B.; CARRIERI, A. P.; MELO, M. C. O. L. Soldadinhos-de-chumbo e bonecas: representações sociais do masculino e feminino em jornais de empresas. Revista de Administração Contemporânea, v. 11(2): 191-211, ABR./JUN. 2007. CRAMER, L. Relações de gênero, poder e profissão em organizações hospitalares: um enfoque sócioconstrucionista. In: ENAMPAD, 33, 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPAD, 2009. CUPOLILO, F. B. N. Como se faz um Tijucano? Reflexões sobre consumo, identidade e masculinidade em um bairro carioca. In: ENANPAD, 32, 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2008. DAVIDOVITSCH, L; SILVA, J. F. Implicações da percepção dos calores simbólicos das roupas: gênero masculino em foco. In: Encontro de Marketing da ANPAD, 03, 2008, Curitiba. Anais... Curitiba: ANPAD, 2008. ECCEL, C. S.; GRISCI, C. L. I. Trabalho e gênero: a produção de masculinidades na perspectiva de homens e mulheres. In: ENAMPAD, 33, 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPAD, 2009. ECCEL, C. S.; GRISCI, C. L. I. Trabalho, gênero e subjetividade: a valorização dos engenheiros em uma empresa do setor petroquímico. In: Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD, 06, 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: ANPAD, 2010. ECCEL, C. S.; SARAIVA, L. A. S. Masculinidade, auto-imagem e preconceito: um estudo das representações sociais de homossexuais. In: ENANPAD, 33, 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPAD, 2009. EDWARDS, T. Queering the pitch? Gay masculinities. In: KMMEL, M. S.; HEARN, J.; CONNELL, R. W. Handbook of studies on men & masculinities. California: Sage Publications, 2004. EKENSTAM, C.; JOHANSSON, T.; KUOSMANEN, J. Cracks in the facade: masculinities in transition. Stockholm: Gidlunds, 2001. FACCHINI, R. Sopa de letrinhas?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 1990. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. 14 FONTES, O. A.; BORELLI, F. C.; CASOTTI, L. M. Como ser homem e ser belo? Um estudo exploratório sobre práticas masculinas de consumo de beleza. In: ENANPAD, 34, 2010, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2010. GARCIA, A.; SOUZA, E. M. Sexualidade e trabalho: estudo sobre a discriminação de homossexuais masculinos no setor bancário. Revista de Administração Pública, v. 44(6): 1353-77, NOV./DEZ. 2010. GARDINER, J. K. Men, masculinities and feminist theory. In: KMMEL, M. S.; HEARN, J.; CONNELL, R. W. Handbook of studies on men & masculinities. California: Sage Publications, 2004. GROHMANN, M. Z.; BATTISTELLA, L. F.; VELTER, A. N. A aceitação e adoção de produtos com inovações tecnológicas: o gênero como fator moderador. In: ENANPAD, 34, 2010, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2010. HALBERSTAM, J. Female masculinity. Durham: Duke University Press, 1998. HOCH, R. E. E.; ANDRADE, T.; FOSSÁ, M. I. T. Valores relativos ao trabalho e gênero: a visão dos gerentes de uma organização bancária. In: ENANPAD, 33, 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPAD, 2009. HOFFMAN, R.; LEONE, E. T. Participação da mulher no mercado de trabalho e desigualdade da renda domiciliar per capita no Brasil: 1981-2002. Revista Nova Economia, v. 14(2): 35-58, MAIO/AGO. 2004. HOLTER, O. G. Social theories for researching men and masculinities: direct gender hierarchy and structural inequality. In: KMMEL, M. S.; HEARN, J.; CONNELL, R. W. Handbook of studies on men & masculinities. California: Sage Publications, 2004. JERUSALINSKY, A. Qual o sexo de Oscar Wilde? In: ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE. Masculinidade em crise. Porto Alegre: APPOA, 2005. LAQUEUR, T. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. LOPES, F. T.; BICALHO, R. A.; GANDRA, G.; DINIZ, A. P. R. Alem do assedio moral nas organizações: formas de violência interpessoal sofridas por trabalhadores homossexuais masculinos. In: Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, 02, 2009, Curitiba. Anais... Curitiba: ANPAD, 2009. MEDEIROS, C. R. O.; VALADÃO JÚNIOR, V. M.; Masculinidade e feminilidade na AMEAS: holograma, ilhas de caridade ou uma selva desconhecida. In: ENAMPAD, 33, 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPAD, 2009. MONTEIRO, P. R. R. Personalidades e segmentação do mercado de moda: contrastes e perfil de jovens inovadores segundo o gênero. In: ENANPAD, 32, 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2008. 15 MONTEIRO, P. R. R.; VEIGA, R. T. Diferenças de gênero e inovações em moda: concepção e teste de um modelo comparativo de adoção de moda por universitários. In: Encontro de Marketing da ANPAD, 03, 2008, Curitiba. Anais... Curitiba: ANPAD, 2008. MORRELL, R.; SWART, S. Men in the third world: postcolonial perspectives on masculinity. In: KMMEL, M. S.; HEARN, J.; CONNELL, R. W. Handbook of studies on men & masculinities. California: Sage Publications, 2004. MURARO, R. M. História do masculino e do feminino. Rio de Janeiro: ZIT, 2007. PLUMMER, K. Male sexualities. In: KMMEL, M. S.; HEARN, J.; CONNELL, R. W. Handbook of studies on men & masculinities. California: Sage Publications, 2004. RAMOS, A. S. M.; OLIVEIRA, B. M. K. Diferenças de gêneros na aceitação e uso de um ambiente virtual de aprendizado: um estudo com graduandos em administração na modalidade a distância. In: Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade, 02, 2009, Curitiba. Anais... Curitiba: ANPAD, 2009. RUBIN, G. Of catamites and kings: reflections on butch, gender and boundaries. In: NESTLE, J. The persistent desire: a femme-butch reader. Boston: Alyson, 1992. SAUERBRONN, J. F. R. Vergonha e consumo – uma investigação das relações entre consumo masculino e o sentimento de vergonha. In: ENANPAD, 31, 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2007. SEDGWICK, E. K. Between men: English literature and male homosexual desire. New York: Columbia Press, 1985. SILVA, L. V.; HONÓRIO, L. C. Comprometimento organizacional e gênero: empregados da construção civil em análise. In: ENANPAD, 34, 2010, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2010. TREVISAN, João Silvério. Seis balas num buraco só - a crise do masculino. Rio de Janeiro: Record, 1998 VASCONCELOS, I. F. G.; VASCONCELOS, F. C.; MASCARENHAS, A. O. Batom pó de arroz e microchips: o falso paradoxo entre as dimensões masculina e feminina nas organizações e a gestão de pessoas. Revista Organizações & Sociedade, v. 11(31): 119-33, SET./DEZ. 2004. VEIGA, R. T.; MATOS E. B. Um estudo da diferença entre gêneros em relação à intenção do uso de preservativo a partir da teoria do comportamento planejado. In: ENANPAD, 32, 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2008. VILAS BOAS, L. H. de B.; NETO, A. P.; CRAMER, L. Relações de gênero nas organizações: um estudo no setor de vendas de veículos. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, v. 38(3): 219-29, JUL./AGO.SET. 2003. 16