A Produção Científica Sobre Masculinidade na Administração: Uma Análise dos
Trabalhos Publicados no Decênio 2001 a 2010
Autoria: Eloisio Moulin de Souza, Marcos Winicius Pezete Sanches de Moraes, Pedro Paulo Pinheiro Duarte,
Roberto Higashi
Resumo
Este presente artigo pretende analisar o desenvolvimento da produção científica brasileira que
tem como foco temático o masculino nas organizações e os estudos de gêneros que dêem
preferência a análise do masculino no período de 2001 a 2010. Buscou-se por meio de uma
pesquisa bibliográfica artigos relacionados a produção científica acerca do masculino em
cinco revistas da área de administração, bem como nos anais do EnAnpad. Ainda existe na
área uma forte concepção e correlação de que masculino é um atributo pertencente e presente
apenas nos homens. A maioria dos trabalhos aproxima-se das Teorias de Hierarquia de
Gênero.
1
1
Introdução
Segundo Laqueur (2001), a partir do século XVIII ocorreu uma cisão no ser humano,
inventou-se que homens e mulheres são totalmente diferentes em raciocínio, lógica e visão
acerca do mundo organizacional e em função destas diferenças identidades sociais foram
atribuídos tanto aos homens, quanto as mulheres. Surgiram estudos de gênero para descobrir
as nuances de cada gênero, tentando compreender uma pouco mais as suas diferenças.
Contudo, apesar da concepção hegemônica de dominação masculina observa-se que nem
todos os homens são dominadores, alguns se desenvolvem como atores sociais mais próximos
dos papeis tidos como femininos pela sociedade ocidental atual. Entende-se que há vários
níveis de masculinidades de acordo com a posição social, status, sexualidade, raça, dentre
outras (CONNELL, 2005).
Historicamente o homem é visto como o provedor da casa. De acordo com Mosse
(1996 apud TREVISAN, 1998), o ideal de masculino voltado para a força e a honra se origina
e se desenvolve entre o século II e XVIII D.C., tornando-se estereótipo a partir da Idade
Média. Seguindo a tradição patriarcal de supremacia do homem sobre a mulher
(BOURDIEU, 2010; MURARO, 2007), o masculino também seria a maneira historicamente
considerada “legítima”, o gênero mais apto intelectualmente para as novas demandas.
Atualmente as mulheres têm significativa participação no mercado de trabalho
(HOFFMAN, LEONE, 2004), e os homens paulatinamente se admitem a realizar serviços
socialmente considerados secundários que antes elas faziam, como, por exemplo, serviços
domésticos. Apesar de ainda existir diferença salarial entre homens e mulheres, a mesma tem
diminuído e surge a necessidade de se perceber os efeitos que estes movimentos históricos,
sociais e culturais têm em relação ao masculino no local de trabalho. Além disso, aliado a
maior participação das mulheres nas organizações, tem-se percebido a partir da década de
setenta movimentos homossexuais reivindicando, com relativa freqüência, anseios de um
grupo social até então marginalizado, que se dava pouca ou nenhuma visibilidade
(FACCHINI, 2005), contribuindo também para a crise do masculino.
Assim, este artigo pretende problematizar o tema masculinidade, suas implicações e
principais conceitos utilizados pela academia em Administração do Brasil para se estudar tal
fenômeno. Para tanto se analisou o campo do saber Administrativo como um todo, ou seja,
suas diversas áreas temáticas, como Estudos Organizacionais, Marketing, Gestão de Pessoas,
dentre outras. Dados o novo contexto histórico vivido, com suas novas formas de relações de
trabalho e significações, analisa-se aqui a produção acerca do masculino, tentando entender as
diversas abordagens sobre o tema que estão sendo discutidas nos estudos da Administração no
período compreendido entre 2001 até 2010..
O artigo está organizado da seguinte forma: primeiro é apresentado o referencial
teórico relacionado ao masculino, bem como os principais conceitos sobre o tema. Em
seguida a metodologia de pesquisa utilizada para construção deste trabalho é discutida. O
próximo tópico trata da análise dos artigos encontrados na pesquisa bibliográfica realizada, e
por fim as principais conclusões são apresentadas.
2
Masculinidades
Muitos estudos sobre gerentes e administração, desde livros-texto, pesquisas empíricas
e até biografias de gestores consagrados, podem ser relidos como carregados de assuntos
implícitos acerca dos homens, suas práticas e suas masculinidades (CONNELL, HEARN e
KIMMEL, 2004). Não há consenso entre os estudiosos quanto ao entendimento da
masculinidade e feminilidade, de modo que divergem entre sua identificação como de origem
biológica (determinismo biológico) ou como uma construção social (culturalismo ou
2
construcionismo). Em função deste debate algumas perguntas emergem: Masculino é
sinônimo de homem? Assim sendo, é um atributo que não pertencente e não se relaciona as
mulheres? Masculino e feminino são características auto-excludentes? O masculino é
biologicamente determinado? Ou é socialmente construído? Neste sentido, os próximos
parágrafos desta sessão pretendem apresentar o conceito de masculinidades, defendendo-se
aqui um conceito construcionista sobre o tema.
Segundo Morrell e Swart (2004) a complexidade das relações de gênero fez com que
os projetos que atacavam ao patriarcado não fossem suficientes para trazer mais justiça nestas
relações. A concepção de um gênero dividido entre masculino e feminino e o enfoque
unidirecional dos primeiros estudos de gênero sobre o feminino não trouxeram soluções para
os problemas de gênero. Tal fato contribuiu para a emergência dos estudos sobre
masculinidade na metade da década de noventa do século passado.
Vale ressaltar que os estudos de gênero não estão somente relacionados com mulheres,
crianças, reprodução, mas preocupam-se também por homens, ou seja, pela esfera de
produção tanto de homens e mulheres (HOLTER, 2004). Isto nos remete as seguintes
afirmações: masculino não significa homem como também feminino não é sinônimo de
mulher, e vice-versa. Ambos, masculino e feminino, são produtos socialmente construídos,
transcendendo o sexo biológico, não tendo relação direta com o mesmo. Para Holter (2004) a
construção social da masculinidade e da feminilidade origina-se em posições específicas que
não têm relação direta com sexo, mas são criadas por diversas esferas relacionais de produção
e reprodução social.
Gardiner (2004) concorda com Holter (2004) e considera também gênero uma
construção social. Para a autora a masculinidade e feminilidade são fracamente definidas,
historicamente variáveis e associadas a prescrições sociais para as pessoas com certos tipos de
corpos, mas, apesar disso, gênero não está diretamente relacionado com similaridades entre
genitálias ou com a natureza biológica. Para ela
Este conceito tem alterado a crença clássica sobre características
inerentes de homens e mulheres e também sobre a divisão das pessoas
em categorias de homem e mulher. Os sexos tradicionais são agora
vistos como agrupamentos culturais ao invés de um fato natural
baseado sobre a divisão estática entre dois tipos diferentes de pessoas
[...] (GARDINER, 2004, p. 35, tradução nossa).
Segundo Connell (2004) não existe uma a-priori entre masculinidade e feminilidade,
ou seja, a masculinidade não existia primeiramente para depois entrar em relação com o
feminino, e vice-versa. Masculinidades e feminilidades são produzidas conjuntamente em um
processo que constitui uma ordem de gênero. Jerusalinsky (2005) afirma que masculinidade
pode ser exercida tanto por homens quanto por mulheres, ou seja, não é a anatomia do órgão
sexual que define a masculinidade.
Holter (2004) divide os estudos sobre masculinidade em dois campos: (a) teorias de
hierarquia de gênero e (b) teorias sobre a desigualdade estrutural. Ambas são perspectivas
construcionistas sociais, fato que as caracteriza como divergentes e antagônicas das
afirmações sócio-biológicas que emergiram aproximadamente há três décadas sobre o tema.
Enquanto as teorias de hierarquia de gênero enfatizam em seus estudos aspectos relacionados
à dominação masculina, as teorias de desigualdade estrutural estão preocupadas com as
relações sócio-estruturais que envolvem as desigualdades ou discriminações de gênero.
Desta forma, conforme salientado por Holter (2004), existe um movimento bem
similar nestas duas correntes, pois ambas para entenderem o que é masculinidade se afastam
de uma perspectiva em que o sexo biológico determinaria o gênero (biologismo) e dirigem-se
para um conceito de masculinidade socialmente construída por aspectos econômicos,
3
históricos, culturais, sociológicos, psicológicos, dentre outros. Este afastamento do biológico
não somente desafia a concepção de que gênero é algo biológico, mas também coloca em
cheque a clássica divisão entre masculino e feminino, combatendo a visão de que gênero é
algo neutro, mas sim uma construção social envolvida por diversas relações de poder.
As teorias sobre hierarquia de gênero foram as primeiras reações a neutralização de
gênero e a certas perspectivas das ciências sociais que ignoraram as relações entre gênero e
poder. Contudo, apesar destas contribuições das teorias sobre hierarquia de gênero e de sua
visão de masculinidade como uma construção social, há uma tendência desta abordagem em
tratar a masculinidade como algo homogêneo, estático e sólido, ou seja, um processo de
criação de identidade. Contudo, contrariamente a esta visão estática de masculinidade Holter
(2004) afirma que masculinidade é algo flexível (HOLTER, 2004).
De acordo com Collinson e Hearn (2004) existem múltiplas masculinidades e gêneros
masculinos no local de trabalho e esta heterogeneidade tem sido evidente nos estudos recentes
sobre homens nas organizações. Por exemplo, o pós-estruturalismo tem reconhecido homens
e mulheres como diversos, fragmentados e contraditórios. Em relação a gênero os pósestruturalistas têm focado as subjetividades “generadas” (tradução do termo gendered) e suas
ambigüidades, descontinuidades e múltiplas características dentro de relações assimétricas.
Para os pós-estruturalistas as categorias de homem e mulher são instáveis, as pessoas
não podem ser categorizadas pelo seu desejo sexual habitual direcionado a uma ou duas
categorias (homem e/ou mulher), objetivando acabar com o binarismo compulsório de gênero
e em seu lugar emergir uma forma de se entender gênero mais flexível e despatologizada
(GARDINER, 2004). Sedgwick (1995) já afirmava que como mulher ela é consumidora de
masculinidades, produtora de masculinidade e performática da masculinidade. O feminismo
pós-estruturalista encorajam, ao mesmo tempo, a variedade e flexibilidade tanto de identidade
quanto de desejo, desconectando gênero de identidade e preferência sexual (GARDINER,
2004).
Rubin (1992) também enfatiza em seus estudos a manifestação da masculinidade em
corpos de mulheres e não somente em homens. Por exemplo, categorias existentes entre as
lésbicas de “butch” e “femme” compõem um sistema de gêneros alternativo, pois não é apenas
uma imitação convencional de dois tipos de gêneros: feminino e masculino. Halberstam
(1998) analisa diferentes variedades de masculinidade em corpos de fêmeas, denominada pela
autora de “masculinidade sem homem”, dentre elas a androginia, a “fêmea marido”,
“açougueira de pedra” e a “drag King”. Para Halberstam (1998) todos nós somos transexuais
ao mesmo tempo em que não existem transexuais.
Neste aspecto Butler (1990) contribui muito para a emergência da principal teoria pósestruturalista sobre gênero, denominada por muitos de teoria queer, que promove uma agenda
política anti-homofóbica em aliança com o movimento gay, lésbico, bigênero e transexual.
Para o pós-estruturalismo existem diversas masculinidades alternativas entre homens em
relação à masculinidade hegemônica (GARDINER, 2004).
Não somente mulheres são discriminadas por questões de gênero, mas também os
homens. Holter (2004) afirma que homens com baixo status são mais envolvidos em
discriminações de gênero que homens com alto status social. Assim, gênero e patriarcado
operam como um sistema de supressão tanto de mulheres como de homens não dominantes,
ou seja, produz desigualdades não somente entre homens e mulheres, mas também entre
homens e entre mulheres. Por exemplo, Ekenstam, Hohansson e Kuosmanen (2001) salientam
que sanções sociais ligadas a formação da masculinidade enfatizam a importância de que um
dos seus atributos é “não falhar”, o que cria um medo generalizado entre os homens de
falharem na vida, seja no trabalho ou na realização do ato sexual. Neste sentido, Jerusalinsky
(2005) salienta que no imaginário social a masculinidade é atribuída como sendo ativa e à
feminilidade como passiva.
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Em relação à sexualidade masculina os jovens apreendem desde cedo a grande
importância simbólica que a sexualidade tem na vida dos homens. Segundo as observações de
Plummer (2004) sexualidade torna-se um símbolo de poder no qual a capacidade de ereção é
vista como sendo uma arma pronta para conquistar o mundo, mas a flacidez é um sinal de
fraqueza, de falta de controle. Enfim, ao mesmo tempo que é um símbolo de poder a
sexualidade masculina também são sinais de fraquezas e vulnerabilidade e muitos problemas
relacionadas a sexualidade masculina produzem inseguridade e medo nos homens.
Edwards (2004) mostra que ao longo dos séculos gays e masculinidade foram
entendidos como antagônicos, onde os homossexuais foram associados à efeminação. Dentro
de uma estrutura heterossexual biologizante estereotipada o homem é identificado com o
masculino e deve aprender a desejar o que ele não é: a fêmea. Entretanto, em um contexto
homossexual esta relação é mais complexa, pois o “homem, em possibilidade ainda continua
sendo identificado como masculino, mas fortemente minado por estereótipos e atitudes para o
contrário, desejando o que talvez ainda é ou quer ser, o qual também é masculino”
(EDWARDS, 2004, p. 51, tradução nossa). Jerusalinsky (2005) afirma que provavelmente
quem mais sabe sobre masculinidade são os homossexuais.
Connell (1995) afirma que embora os gays subvertam de forma fundamental a
heterossexualidade, os corpos de homens gays incorporam fortemente a masculinidade, ou
seja, em seus desejos os gays ainda permanecem bastante héteros. Neste sentido, Edwards
(2004) observa que em relação a gênero e sexualidade as teorias pós-estruturalistas provêem
uma crítica fundamental as políticas de identidade que pode ser evidenciada em três pontos:
(a) identidades individuais ou de grupo são percebidas como semanticamente e socialmente
dinâmicas, abertas, plurais, conflitantes, contingentes ao invés de fixas, fechadas, unitárias e
consensuais, por exemplo, a categorização de um jovem advogado afrodescendente é algo
incategorizável; (b) as políticas de identidade não desafiam os binarismos (branco/negro;
homem/mulher; heterossexual/homossexual), pelo contrário, os reforçam; (c) as políticas de
identidade minam qualquer plataforma política mais ampla capaz de desafiar o
conservadorismo e a opressão de minorias devido sua tendência de reforçar as diferenças e
divisões dentro e entre diferentes grupos.
3
Metodologia
Iniciou-se a pesquisa bibliográfica de artigos utilizando os sites de periódicos em
administração de alto valor de relevância para os estudos de administração segundo o critério
do Qualis CAPES, tendo-se pesquisados os periódicos: Revista de Administração Pública
(RAP), Revista de administração de Empresas (RAE), Revista Organizações e Sociedade
(O&S), Revista de Administração da USP (RAUSP) e Revista de Administração
Contemporânea (RAC). Também se pesquisou os anais do EnAnpad. As pesquisas
abrangeram as publicações realizadas nos periódicos e no EnAnpad entre o período de 2001
até 2010. Vale ressaltar que em termos de Qualis CAPES, triênio 2007-2009, as revistas
pesquisadas possuem a seguinte classificação: RAP (A2), RAE (B1), RAC (B1), O&S (B2) e
RAUSP (B2).
As palavras-chaves utilizadas foram gênero, gêneros, masculino, masculinos, homem,
homens, masculinidade e masculinidades. Dos 102 artigos filtrados com a utilização das
palavras-chave, 78 artigos (76,47%) não abordavam estudos referentes ao masculino, destes,
30 abordavam o estudo do feminino nas organizações, salientando-se que em sua maioria
estes artigos foram filtrados usando “gênero” como chave de pesquisa.
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TABELA 1 – DISTRIBUIÇÃO POR TEMA DOS ARTIGOS
MASCULINO
Anais do
Temas
O&S
RAC RAE
EnAnpad
Estudos feministas
23
4
1
1
Homem como ser humano 5
5
.
.
Empreendedorismo
3
.
.
.
Nome do(a) autor(a)
3
.
.
.
Outros
9
3
1
2
Estudos de gêneros
10
.
1
.
TOTAL
53
12
3
3
Fonte: os autores
QUE NÃO ABORDAM O
RAP RAUSP
∑
.
1
.
.
1
1
3
30
11
3
3
19
12
78
1
.
.
.
3
.
4
Em seguida, para se definir quais artigos obtidos pelo uso de palavras-chave eram
relacionados de fato com o tema masculino utilizaram-se os seguintes critérios: (1)
analisaram-se os resumos de todos os artigos sendo que os artigos que apresentaram como
objeto de estudo homem ou masculino foram selecionados; (2) para os artigos sobre gênero
que estudavam de forma simultânea masculino e feminino utilizou-se como critério a leitura
integral dos mesmos e não apenas o resumo, sendo que os artigos que possuíam em seus
textos uma predominância de análise relacionada a aspectos sobre o feminino em detrimento
do masculino foram excluídos, ou seja, os artigos que tratavam do masculino de forma
secundária e/ou periférica não foram selecionados. Desta forma, artigos que fazem a
comparação de outros temas e situam o fator gênero como uma simples diferenciação ou um
dado complementar, sem nenhuma análise sobre o tema e estudos paralelos não foram
considerados como atendentes ao critério (2).
Com um total de 102 artigos filtrados, obteve-se 23 (22,55%) artigos classificados
como dentro do nosso objeto de análise. A partir de então pode-se iniciar a análise de tais
artigos e perceber suas principais conclusões sobre o masculino e homem nos estudos da
administração. Os mesmos foram agrupados em 3 áreas temáticas, seguindo-se os critérios de
Análise de conteúdo (BARDIN, 1977) por categorização realizada a-posteriori. As áreas
temáticas foram assim denominadas: (1) Consumo, Beleza e Inovação, (2) Discriminação e
Preconceito; e (3) Identidade e Relação de Gêneros. Abaixo uma previa das publicações
encontradas:
TABELA 2 – DISTRIBUIÇÃO POR TEMA DOS ARTIGOS
MASCULINO
Anais do
Temas
O&S
RAC RAE RAP
EnAnpad
Consumo e Beleza
10
.
.
.
.
Discriminação
2
.
.
.
1
Identidade e Relação de 7
1
1
.
.
Gêneros
Total:
19
1
1
.
1
Fonte: os autores.
QUE ABORDAM O
RAUSP
∑
.
.
1
10
3
10
1
23
Estes artigos têm como objeto de pesquisa o masculino, sendo oito (34,78%) deles da
área de marketing, cinco (21,74%) da área de gestão com pessoas, nove (39,13%) de estudos
organizacionais e um (4,35%) de gestão da ciência. Conforme tabela acima, os 23 artigos
foram classificados em três categorias temáticas de modo que assim se distribuíram: dez
(43,48%) sobre Consumo, Beleza e Inovação, três (13,04%) sobre Discriminação e
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Preconceito na Organização e dez (43,48%) sobre Identidade e Relações de Gêneros. No
quadro abaixo se tem a descrição do significado de cada categoria temática.
Tema
Consumo, beleza
inovação
Descrição
e Envolve artigos que versam sobre o homem e/ou o masculino
no consumo de bens ou serviços, bem como o consumo de
produtos recém lançados no mercado (produtos inovadores).
Discriminação
e Abrange artigos voltados para questões discriminatórias e
Preconceito
preconceituosas envolvendo o masculino ou o homem nas
organizações.
Compreende todos os artigos que versam sobre identidade de
Identidade e relação de
gênero masculina e suas construções, significações e
gêneros
implicações na organização, bem como sua relação com o
feminino.
QUADRO 1 – DESCRIÇÃO DOS TEMAS ABORDADOS NOS ARTIGOS
SELECIONADOS
Fonte: os autores
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Análise de Conteúdo dos Artigos
Conforme anteriormente afirmado, os artigos foram agrupados em três categorias
temáticas: Consumo, Beleza e Inovação; Discriminação e Preconceito; Identidade e Relação
de Gêneros. Os próximos parágrafos pretendem discutir o que cada artigo analisado fala sobre
estas áreas temáticas.
4.1 Consumo, Beleza e Inovação
Cupolilo (2008) na busca por entender como o homem heterossexual do bairro de
Tijuca usa o consumo para construção de sua identidade, discorre sobre a identidade de
gênero especificamente masculina, situando o consumo de determinados bens como processo
de expressão da masculinidade ou de heterossexualidade/homossexualidade. Carvalho et al
(2008) pesquisaram sobre gênero e consumo pela internet. Para os autores os homens
percebem menos riscos ao comprar pela internet do que as mulheres. Homens se preocuparam
mais com demora em trocas, interceptação de dados financeiros, prazo de entrega e dano no
transporte; enquanto as mulheres com a demora de trocas, interceptação de dados financeiros,
invasão de privacidade/divulgação de dados financeiros e prazo de entrega.
Monteiro (2008) analisou o perfil de jovens no consumo de bens inovadores
relacionados a indústria da moda segundo o gênero. Percebeu que entre os adotantes tardios
para os consumidores de bens inovadores existem algumas diferenças entres os gêneros, 20%
dos inovadores são casados enquanto 23% dos adotantes tardios são casados, isso entre os
homens. Já no público feminino nenhuma diferença foi notada. Uma grande diferença entre os
gêneros encontrada foi que os homens adotantes tardios são pessoas com um perfil mais
competitivo que mulheres adotantes tardias. Contudo, os consumidores inovadores homens e
mulheres são tão competitivos uns quanto os outros. Consumidores de produtos inovadores
tendem a ser menos impulsivos que os adotantes tardios. A inovação em moda para homens
estaria mais associada à racionalidade e melhoria da aparência tanto profissional quanto para
relacionamentos amorosos.
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Em um trabalho similar ao de Monteiro (2008), Monteiro e Veiga (2008) abordaram
sobre as diferenças dos gêneros e a inovação em moda entre universitários. Suas principais
observações foram que os homens mais inovadores acompanham mais as tendências de moda
que os não inovadores, além de que homens valorizam mais o conforto a estética ou estilo,
planejam suas compras e mantém o foco na hora de comprar; enquanto mulheres passeiam e
olham vitrines. Os autores perceberam um efeito da idade sobre o consumo inovador
masculino duas vezes mais forte que nas mulheres, ou seja, homens mais velhos perdem
muito rápido o interesse por tendências. Eles identificaram que homens casados tendem a
serem menos inovadores em moda, talvez por relaxarem mais com a aparência por não
procurarem mais relacionamentos afetivos.
Também pesquisando jovens, Veiga e Matos (2008) analisaram 732 indivíduos quanto
a intenção ao uso do preservativo e perceberam que os homens tendem a ser mais resistentes
que as mulheres no uso dos preservativos, sendo também menos influenciados pela norma
moral, que é a crença do uso de preservativo ser certo ou errado. Os autores perceberam uma
maior vulnerabilidade e menor fator racional ao uso do preservativo pelos homens quanto a
pressões e fatores como tesão, paixão, posse do preservativo e o uso de pílula
anticoncepcional.
Analisando consumo de produtos inovadores por jovens, Grohmann, Battistella e
Velter (2010) analisaram o processo de aceitação e uso de produtos inovadores
tecnologicamente (MP4) entre universitários. Concluíram que homens que aceitam inovação
tendem a comprá-la, contudo, ao contrario do que se esperava, segundo a pesquisa os homens
não fazem relação de utilidade e intenção de compra. Os homens entrevistados não
comprariam produtos só por terem diversas funções, enquanto mulheres tendem a comprar
pela facilidade de uso e diversão.
Davidovitsch e Silva (2008) pesquisaram sobre a percepção do público masculino
com o vestuário, como eles percebem os valores simbólicos das roupas e como isso afeta o
envolvimento deles com o vestuário. Levantaram 3 hipóteses: H1 – quanto mais os homens
percebem os valores simbólicos das roupas, maior será o seu envolvimento com o vestuário;
H2 – quanto maior o nível de envolvimento com o vestuário, maior será a percepção da
importância dos diferentes atributos da roupa e H3 – a ligação indireta da percepção dos
valores simbólicos das roupas com a percepção da importância dos diferentes atributos das
roupas é mais forte do que a ligação direta entre os dois constructos. Todas as hipóteses foram
confirmadas.
Fontes, Borelli e Casotti (2010) pesquisaram sobre o consumo masculino de produtos
de beleza entre jovens de classe econômica alta do Rio de Janeiro. Encontraram resultados
interessantes, como: (1) o homem está menos preocupado com a aparência, assim, adotam
menos práticas de beleza; (2) há no público masculino pesquisado uma barreira de identidade
que bloqueia algumas práticas de consumo tachadas “não permitidas ao publico masculino”;
(3) os homens tacham o consumo de beleza como algo feminino do qual evitam
aproximações, apesar de certa forma querer beleza; (4) os homens pesquisados deram mais
importância ao sucesso profissional e inteligência do que o corpo como capital e
denominaram como “potezinhos” homens que ligam muito pra roupa, malham perna e têm
boa pele.
Sauerbronn (2007) atenta para a relação entre consumo masculino e o sentimento de
vergonha. Foram entrevistados 15 homens de 26 a 42 anos. A autora identificou 4 fatores que
são capazes de gerar vergonha ao homem quanto ao consumo, são eles: (1) a falta de consumo
de bens ou serviços que demonstrem posição social de destaque, não mostrando ao grupo
informações positivas; (2) expor seu consumo a diferentes níveis sociais, tanto superiores ao
seu nível de consumo quanto inferiores, sendo chegar com um carro de luxo em um bairro
pobre ou em um carro pobre a um festa de luxo; (3) quando o homem tem a sua opção de
8
consumo considerada adequada a outro gênero, o que lembra o artigo de Fontes, Borelli e
Casotti (2010), no qual algumas práticas de consumo foram tachadas como coisas de
mulheres, pondo em dúvida a sexualidade do usuário perante a coletividade e (4) quando o
homem faz um mau negócio ou percebe que não fez o melhor negócio possível, trazendo pra
si um sentimento de vergonha, inferioridade e incapacidade.
Ramos e Oliveira (2009) estudaram a aceitação de um Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA) por parte dos estudantes de administração a distância da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte e concluíram que os alunos homens encontraram maior
facilidade de aprender pela plataforma e acharam mais fácil usar todos os recursos da
plataforma do que as mulheres, nos demais quesitos analisados nenhuma diferenciação foi
plausível. Os homens utilizavam menos tempo por acesso na plataforma, detêm mais
habilidade para usarem sozinhos o sistema, maior confiança em aprenderem pela plataforma e
acham o método mais proveitoso e eficaz do que para as mulheres.
4.2 Discriminação e Preconceito
Garcia e Souza (2010) analisaram nos setores bancários público e privado as formas
de discriminação direcionadas aos trabalhadores homossexuais masculinos. Identificaram
discriminações diretas e indiretas nos dois setores bancários. As discriminações diretas são
mais fortes no banco privado analisado e se manifestam pela falta de transparência nas
normas organizacionais sobre os direitos dos homossexuais, bem como pela falta de
extensões de benefícios aos companheiros dos mesmos. Já a discriminação indireta se dá no
dia-dia da organização por meio de isolamentos, condições de trabalho inferiorizadas,
exclusão, xingamentos, barreiras admissionais, brincadeiras e piadas de formas caricatas e
pejorativas que denigrem os sujeitos. São as discriminações indiretas que mais incomodaram
os entrevistados. Os autores perceberam que os gestores vêem os homossexuais como
prejudicadores da imagem do banco, fato que contribui para que os homossexuais terem uma
dificuldade enorme de conseguir promoção para níveis gerenciais, pois o corpo gerencial é
altamente preconceituoso. Concluem que devem ser mudados os valores culturais e
filosóficos que alimentam a existência destas classificações.
Lopes et al (2009) estudaram a vivencia de homossexuais masculinos nos setores
públicos e privados em Aracaju, Brasília, Fortaleza e capitais da região sudeste, analisando as
violências sofridas por eles relacionadas a sexualidade. Concluíram que a homofobia é uma
problemática da sociedade e parte da necessidade de uns se imporem a outros mostrando
superioridade por conta de uma sexualidade tida como modelo, assim, desclassificando as
sexualidades distintas, humilhando e diminuindo os diferentes, tentando reafirmar sua
posição heterossexual com um sentido de virilidade. Isso tudo causa um processo de
afastamento dos homossexuais do convívio social. As autoras colocaram a questão do
preconceito sofrido diariamente como um problema subjetivo, pois alguns podem se sentir
extremamente ameaçados e outros acharem normal. Levantaram a necessidade de prevenção
da homofobia, que é uma violência e as regras impostas pela organização não controlam este
mal. Salientam que o contexto organizacional apenas reflete a sociedade, e que a homofobia é
decorrente de uma cultura de exclusão do que foge aos padrões tidos como “normais”.
Eccel e Saraiva (2009) observando como homens gays conviviam com a própria
sexualidade em um ambiente heteronormativo. Concluíram que a hegemonia ou o normal está
associado a uma vivencia masculina heteronormativa, as identidades homossexuais ou
bissexuais são percebidas como desviantes e anormalidades capazes de impor desafios
específicos para estes sujeitos. Também concluem que há varias identidades homossexuais
distintas e demonstração da sexualidade e que encarar a própria homossexualidade em algum
momento desperta sentimentos ambíguos na auto-aceitação. Alguns entrevistados não se
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reconhecem gays efeminados, se diferenciando de outros homossexuais, afirmando que os
gays que não fazem “coisas de homem” são discriminados por outros homossexuais. Eles
preferem ficar em segredo e garantir uma auto-preservação, o que pode ter um custo
psicológico para eles e por fim perceberam uma espécie de hierarquia de masculinidade
partindo do padrão de homem masculino para a sociedade, onde os homossexuais
discriminam os abaixo na hierarquia tidos como mais efeminados.
4.3 Identidade e Relação de Gêneros
O artigo de Medeiros e Valadão Júnior (2009) envolve uma organização de terceiro
setor. Os autores evidenciaram como as atribuições de masculinidade e feminilidade
influenciam o significado de ser homem e ser mulher. Eles abordam o contexto histórico e
social da construção do masculino e do feminino. Segundo os autores, no discurso oficial da
organização e de seus fundadores, enuncia-se um tratamento homogêneo nas relações
interpessoais, mas a prática revela, por exemplo, que cargos mais relevantes ficam
predominantemente com os homens. Inconsistências e ambiguidades quanto à identidade de
gênero permeiam os colaboradores desta organização, que atribuem diferentes papéis e
significados para o homem e a mulher ainda que estes estejam em uma mesma função.
Outro artigo que discorre acerca de significações no trabalho é o de Cramer (2009),
desta vez no contexto vivido por profissionais de saúde. Nele se investiga os sentidos
construídos pelos profissionais e pacientes do ramo e se revela que as relações de gênero neste
ambiente são marcadas pela assimetria de poder relacionada à categoria profissional e a
contextos históricos e sócio-culturais. Também discorre sobre a participação masculina e
feminina em diferentes cargos (como médico e enfermeiro) neste ambiente, explorando a
imagem construída em torno de cada profissional. Dessa forma, percebe-se a pouca
representação masculina no profissional de enfermagem, com discriminação da presença do
homem nessa função, sendo os homens enfermeiros tachados como homossexuais ou
afeminados. Além disso, a medicina é vista como mais confiável pelos pacientes quando
exercida por homens – que, não obstante, dominam os cargos de direção do hospital. De
forma quase que complementar, o artigo de Alves et al (2008) também investiga a área
hospitalar, mas desta vez a análise envolve somente gerentes (homens e mulheres), onde se
evidencia as desproporções de poder entre os gêneros, novamente ilustradas pela
predominância de homens em posições gerenciais de chefia e mulheres em gerências
intermediárias.
Mudando de segmento, o artigo de Vilas Boas, Neto e Cramer (2003) estuda as
relações de gênero no setor de vendas de veículos à luz da Teoria das Representações Sociais,
e mostra que, apesar de haver uma tentativa de maior igualdade entre os gêneros, as
representações de gêneros ainda se encontram arraigadas em contradições, seja por parte dos
homens quanto das mulheres. Tal teoria também será empregada por Corrêa, Gontijo, Assis,
Carrieri e Melo (2007), observando que jornais de circulação interna de duas empresas
auxiliaram na disseminação do discurso da alta gerência, reproduzindo padrões de
comportamento relativos ao gênero preestabelecidos pela sociedade, apresentando, inclusive,
elementos de preconceito.
Outro estudo relativo à identidade do homem é o de Hoch, Andrade e Fossá (2009),
que compara a percepção de homens e mulheres gerentes de uma organização bancária
pública acerca de seu trabalho. Ambos os sexos entendem os aspectos cognitivos e
emocionais como dicotômicos, e houve predominância no entendimento de que os homens
têm como valores a racionalidade, o desejo de controle e a individualidade, sendo vistos como
mais competitivos e “capazes” de assumir mais tarefas e, por conseguinte, mais
responsabilidades. O texto de Vasconcelos, Vasconcelos e Mascarenhas (2004) denomina esta
10
diferença de atribuições ou interpretações entre os sexos de falso paradoxo, uma vez que
tratam as dimensões racionais e emocionais, características masculinas e femininas,
respectivamente, como desvinculadas e incompatíveis. Muitas vezes, implícitas na burocracia
das organizações, esta frágil dicotomia poderia ser superada através de políticas de gestão da
diversidade, onde se teria um espaço onde o sujeito, independente de seu gênero e do
estereótipo existente, possa desenvolver suas habilidades e individualidade em prol do
coletivo.
Os dois artigos que serão apresentados a seguir, diferentemente daqueles já analisados
nesta categoria temática, realizam um enfoque mais incisivo e específico sobre a
masculinidade nas relações de gênero. Ambos também salientam que existe pouca produção
sobre o assunto em Administração no Brasil. No texto de Eccel e Grisci (2010),
contextualizado no setor petroquímico, as autoras analisam a figura do engenheiro como
representante da masculinidade hegemônica a partir de relatos de mulheres e homens
gerentes. Tal figura é entendida, por ambos os sexos, como racional, objetiva e com domínio
técnico. Este esteriótipo será o ideal ao qual todos devem seguir, de modo que outras
características individuais e mesmo outras formas de masculinidades não sejam valorizadas.
Em outro artigo de Eccel e Grisci (2009), de forma semelhante, buscou-se entender a
vivência dos ideais de masculinidade hegemônica em uma organização (analisa-se uma
refinaria) e como eles afetam o estilo de vida das pessoas. O local analisado se mostrou um
produtor de uma masculinidade “ideal”, e o artigo revelou novas relações de poder entre os
gêneros, inclusive de dominação entre o masculino hegemônico e outras formas de masculino.
Por fim, o artigo de Silva e Honório (2010) procurou analisar como se dá o
comprometimento das pessoas na organização conforme o gênero. Ao longo do artigo, versou
sobre as relações de gênero e como os homens e mulheres sentem ou entendem que deve ser
seus comprometimentos com suas tarefas no trabalho. Apesar de analisar somente o segmento
de construção civil, o artigo aponta para os homens como pessoas mais comprometidas
quando o trabalho representa uma forma de aumento de remuneração e de maior autonomia.
Já para as mulheres o comprometimento é maior quando representa a aquisição de maior
conhecimento e de conquista de um espaço predominantemente masculino (geralmente cargos
hierarquicamente mais altos).
5
Análise dos Estudos sobre Masculinidade em Administração
Em relação a masculinidade observa-se que, na área de Administração, a maior parte
dos artigos encontrados estão relacionados a Estudos Organizacionais (39,13%) e Marketing
(34,70%), que juntos representam 73,91% da produção científica no período analisado sobre o
tema. Muitos artigos publicados nos anais do EnAnpad na área de Estudos Organizacionais
têm relação também com Gestão de Pessoas, o que torna muito impreciso e difícil a tarefa de
classificação dos mesmos como pertencentes exclusivamente a Estudos Organizacionais.
Contudo, o que chama atenção é a consolidação da masculinidade como tema extremamente
relevante nos estudos sobre consumo em Marketing.
Seguindo-se o critério de Holter (2004) para classificação dos estudos sobre
masculinidade, a maioria das pesquisas analisadas pode ser classificada como Teorias de
Hierarquia de Gênero, pois do total de vinte e três artigos encontrados dezoito abordam em
suas temáticas aspectos relacionados a dominação masculina e/ou ao processo de criação de
categorias identitárias masculinas e, a princípio, aproximam-se de uma visão construcionista.
Aliás, sem exceção, todos os artigos lidos sobre Consumo, Beleza e Inovação buscaram
entender as diferenças identitárias entre masculino e feminino, intentando descobrir as
características que influenciam os homens a consumirem determinados produtos e/ou
11
serviços, bem como as possíveis diferenças de significados em relação às mulheres, ou seja,
existe uma tendência das pesquisas da área de Marketing a trabalharem com um conceito de
masculinidade como algo homogêneo, estático e sólido, além de tratar a masculinidade como
algo relacionado apenas a homens, não levando em consideração em sua análise dois
aspectos: (1) o caráter múltiplo e heterogêneo que envolve o conceito de masculinidade
(COLLINSON; HEARN, 2004) e, consequentemente, a existência de diversas
masculinidades, (2) e que sendo o masculino um produto cultural ele também se refere a
mulheres e não somente a homens (CONNELL, 2004; JERUSALINSK, 2005, RUBIN, 1992,
SEDGWICK, 1995).
Este fato faz com que, apesar dos autores dos artigos lidos não afirmarem isto de
forma explicita em seus trabalhos sobre Consumo, Beleza e Inovação se aproximem muito
de uma concepção biológica de masculino e feminino (HOLTER, 2004) ao atribuírem e
relacionarem exclusivamente aos homens o conceito de masculino e excluírem as mulheres
deste processo de análise. Conforme salientado anteriormente, sob uma visão construcionista,
masculino não se refere a homens e nem feminino a mulheres, nem a sexualidade
heterossexual ou homossexual, pois os gays também são consumidores deste produto social
que é o masculino (EDWARDS, 2004). Aliás, este fato observado na categoria Consumo,
Beleza e Inovação também ocorre de forma esparsa em alguns artigos de outras categorias
temáticas
Todos os trabalhos sobre Discriminação e Preconceito versam sobre as relações
sócio-estruturais que envolvem as desigualdades ou discriminações de gênero, bem como a
manifestação de preconceitos, o que nos faz classificá-los como Teorias sobre a Desigualdade
Estrutural (HOLTER, 2004). Estes artigos têm um aspecto interessante, pois ao incluírem em
suas análises sobre o masculino os gays, tratam e reforçarem que masculino não se relaciona
somente a homens heterossexuais. Por fim, dois trabalhos da categoria Identidade e Relação
de Gêneros (VASCONCELOS; VASCONCELOS.; MASCARENHAS, 2004; ECCEL;
GRISCCI, 2010) são trabalhos relacionados com Teorias sobre Desigualdade Estrutural,
enquanto os demais artigos desta categoria temática são Teorias de Hierarquia de Gênero.
Percebe-se também, principalmente no início da busca por artigos, que os assuntos
abordados pelas publicações sobre o masculino se mostram ainda fortemente vinculados à
comparação com o feminino. A maioria dos artigos encontrados se situa nos anos de 2008 a
2010 (83% do total), podendo-se dizer que há um despertar maior para a questão nos últimos
anos, apesar de ser ainda pouco expressiva. Contudo, deve-se ressaltar que os estudos sobre o
masculino começaram fora do Brasil e são relativamente recentes comparados a outros temas
tradicionalmente publicados em periódicos de administração. Dos meios de publicação
citados nesta pesquisa, o que mais se encontra artigos relacionados ao tema é o EnAnpad,
sendo mínima a publicação de artigos sobre masculino em revistas de administração, onde
nem sequer em uma década foram encontrados artigos de tal natureza na RAE.
6
Considerações finais
Diante do exposto, a maioria dos trabalhos publicados nas revistas e congresso
analisados tem como principal objetivo e enfoque as Teorias de Hierarquia de Gênero, sendo
que apenas cinco trabalhos podem ser relacionados diretamente as Teorias sobre a
Desigualdade Estrutural, a maior parte deles presente na categoria temática Discriminação e
Preconceito. Apesar de entendermos que os trabalhos publicados são construcionistas em
suas bases, verifica-se que ainda existe uma incoerência conceitual nos mesmos,
principalmente os trabalhos sobre Consumo, Beleza e Inovação, ao relacionarem e
estudarem o masculino apenas em homens, contribuindo para uma aproximação conceitual
12
equivocada e estereotipada em que masculino está relacionado a sexo e refere-se apenas a
homens.
Diante disto, observa-se ainda uma forte coligação e atribuição do conceito de
masculino somente aos homens nos estudos em administração sobre o tema. Necessita-se
romper com esta atribuição, incluindo-se também na agenda das pesquisas sobre masculino
as mulheres, os gays e as lésbicas, dentre outros. Aliás, nenhuma dos trabalhos encontrados e
analisados estudou o masculino em mulheres, fato que deve ser reconsiderado pelos
acadêmicos da área. Assim sendo, uma maior aproximação das pesquisas sobre gênero com o
pós-estruturalismo pode, em termos conceituais, contribuir como o rompimento desta visão
binária, excludente e identitária.
Em relação aos artigos que se aproximam das Teorias sobre a Desigualdade Estrutural,
verifica-se uma carência de publicações e pesquisas que estudem o preconceito e a
discriminação sofridos pelos homens. Não somente gays, lésbicas e mulheres são
discriminados por questões de gênero, mas homens heterossexuais considerados como tendo
baixo status masculino são também discriminados e sofrem as conseqüências relacionadas a
um conceito hegemônico e identitário de masculinidade (HOLTER, 2004, EKNSTAM;
HOHANSSON; KUOSMANEN, 2001).
Para concluir, um fato que chamou atenção durante o processo de pesquisa
bibliográfica e seleção dos artigos sobre o tema é o pouco espaço que as revistas científicas da
área de administração têm dado em suas edições a discussão sobre gênero relacionado ao
masculino. A maioria dos artigos encontrou espaço para publicação apenas nos congressos do
EnAnpad. Faz-se necessário uma maior abertura dos corpos editoriais destas revistas para
temáticas relacionadas a gênero.
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1 A Produção Científica Sobre Masculinidade na