RBMFC Sumário EDITORIAL Maria Inez Padula Anderson. ................................................................................................................................ 147 ARTIGOS Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica. Ricardo Donato Rodrigues. .................................................................................................................................... 149 A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades. Maria Inez Padula Anderson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo donato Rodrigues. ................................................................................................................................... 157 Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS. Carmen Luiza Correa Fernandes, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias Curra e Luis Felipe Cunha Mattos. ................................................................................................. 173 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget. .......................................................................................................................... 180 A especialização em MFC e o desafio da qualificação médica para a Estratégia Saúde da Família: proposta de especialização, em larga escala, via educação à distância. Eno Dias de Castro Filho, Gustavo Diniz Ferreira Gusso, Marcelo Marcos Piva Demarzo, Airton Tetelbom Stein, João Carlos Schneider, Marcello Dala Bernardina Dalla, Maria Inez Padula Anderson, Mário Roberto Garcia Tavares, Ricardo Donato Rodrigues, José de Almeida Castro Filho e Raphael Augusto Teixeira de Aguiar. .................................................................................................................... 199 Telessaúde em apoio à Atenção Primária à Saúde no Brasil. Eno Dias de Castro Filho. ..................................................................................................................................... 210 RESUMOS DE TESE. ............................................................................................................................ 216 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro v.3 nº 11 p. 145-232 out / dez 2007 RBMFC Summary EDITORIAL Maria Inez Padula Anderson. ................................................................................................................................ 147 ARTICLES Family and Community Medicine Residency Program of the State University of Rio de Janeiro: a historical perspective. Ricardo Donato Rodrigues. .................................................................................................................................... 149 Family and Community Medicine, Primary Care and Undergraduate Medical Education: recommendations and potentialities. Maria Inez Padula Anderson, Marcelo Marcos Piva Demarzo and Ricardo donato Rodrigues. ................................................................................................................................ 157 Workshop for qualifying preceptors in Family and Community Medicine: a qualification strategy in Family and Community Medicine and Primary Care Carmen Luiza Correa Fernandes, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias Curra and Luis Felipe Cunha Mattos. .............................................................................................. 173 Bases for an adequate expansion and development of Family and Community Medicine Residency Programs. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla and Monique Marie Marthe Bourget. ....................................................................................................................... 180 Specialization in FCM and the challenge of medical qualification for the Family Health Strategy: a proposal for large-scale specialization through distance education Eno Dias de Castro Filho, Gustavo Diniz Ferreira Gusso, Marcelo Marcos Piva Demarzo, Airton Tetelbom Stein, João Carlos Schneider, Marcello Dala Bernardina Dalla, Maria Inez Padula Anderson, Mário Roberto Garcia Tavares, Ricardo Donato Rodrigues, José de Almeida Castro Filho and Raphael Augusto Teixeira de Aguiar. ................................................................................................................. 199 Telehealth in support of Primary Care in Brazil. Eno Dias de Castro Filho. ..................................................................................................................................... 210 THESE ABSTRACTS. ............................................................................................................................. 216 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro v.3 nº 11 p. 145-232 oct / dec 2007 RBMFC Editorial Editorial Maria Inez Padula Anderson* Provocar e promover mudanças de rumo na formação, nas práticas e na organização dos serviços de saúde num país que, de forma hegemônica, privilegiou, e ainda privilegia, o paradigma anátomo-clínico e, com ele, a medicina da doença, a super-especialização e a tecnologia industrial como sinônimos de boa prática médica e status profissional, não são tarefas corriqueiras. Esta edição da RBMFC é constituída por artigos que pretendem deixar uma contribuição ao processo de mudança vivenciado hoje no Brasil em prol da Atenção Primária à Saúde (APS). Refere-se, especificamente, à formação e capacitação médica no nível da graduação e pós-graduação no campo da Medicina de Família e Comunidade e da Estratégia de Saúde da Família. Neste cenário, os desafios são muitos: Como instituir as mudanças estruturais e conjunturais fundamentais para que ocorra este processo de mudança? Quais as modificações que se fazem necessárias no seio da escola médica? Como lidar com o aumento da demanda por especialistas em Medicina de Família e Comunidade, sem um número suficiente de programas de pós-graduação? Como capacitar em serviço? Como formar e aumentar o quantitativo de educadores que possam, a um só tempo, atender a estas diferentes necessidades? Como sociedade científica, a SBMFC, deve ser e estar genuinamente comprometida em colaborar no enfrentamento destes desafios. Para além das atividades de cunho cientifico que promove, através dos congressos e eventos afins, ela deve deixar registradas as iniciativas que desenvolve no âmbito técnico e político que, em última análise, possam servir de base para orientar este processo de transformação. Sem a pretensão de esgotar a temática, esta edição especial da RBMFC traz o registro de algumas destas iniciativas, promovidas no decorrer da gestão da Diretoria da SBMFC dos últimos quatro anos. Contribuíram para sua elaboração, profissionais com diferentes tipos e tempos de inserção nesta caminhada, todos comprometidos e experientes no ensino e na prática da Medicina de Família e Comunidade e da Estratégia de Saúde da Família. Os textos que constituem esta revista vêm se somar a outros já escritos e divulgados pela própria RBMFC, por outras publicações da área e também pelo Ministério da Saúde nos últimos períodos. Conformam, assim, um conjunto de reflexões e, também, de estratégias de ação acessíveis a todos que, de algum modo, atuam e colaboram na consolidação qualificada do ensino e da formação em Atenção Primária à Saúde em nosso país. Compõem esta edição, seis artigos, a saber: 1. Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma Perspectiva Histórica; 2. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: Recomendações e Potencialidades; 3. Bases para Expansão e Desenvolvimento Adequado de Programas de Residência em MFC; 4. Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS; 5. A Especialização em MFC e o Desafio da Qualificação Médica para a ESF e 6. Telessaúde em Apoio à Atenção Primária à Saúde no Brasil. * Presidente SBMFC 147 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson Editorial Acreditamos que estes textos trazem informações e reflexões relevantes que podem colaborar para incrementar a capacidade de enfrentar e lidar com os desafios anteriormente citados. Vivenciamos, atualmente, um momento particularmente estratégico da implementação e consolidação da Estratégia de Saúde da Família. Apesar dos benefícios evidentes que este modelo de atenção tem trazido à população e ao sistema de saúde há, ainda, que enfrentar resistências, vencer obstáculos e ultrapassar limites. Respostas são demandadas, resultados cobrados e o caminho permanece longo. Alguns parceiros, cansados, ameaçam fraquejar. Outros alegam que as dificuldades são intransponíveis. Muitos, porém, entendem que, simplesmente, se deve continuar trabalhando, fazendo o que deve ser feito. De parte da SBMFC, não há outra forma de alcançar a mudança. Como já disse alguém, a perseverança pode mais que a força. Boa leitura e bom proveito. 148 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica Family and Community Medicine Residency Program of the State University of Rio de Janeiro: a historical perspective Ricardo Donato Rodrigues* Resumo O Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ é um dos pioneiros desta especialidade no Brasil – foi criado, junto com dois outros, em 1976. Este artigo apresenta o cenário político da época, inclusive quanto às dificuldades para implantar um programa centrado em uma perspectiva inovadora no campo da saúde. Apresenta, de forma sucinta, o marco teórico-conceitual e os eixos de estruturação do PRMFC da UERJ, contrapostos a uma concepção simplista sobre Atenção Primária à Saúde (APS) e formação profissional nesta área que ainda predomina em alguns círculos, realçando que concepções simplistas não fazem justiça à complexidade das questões de saúde que se apresentam neste nível de atenção. Ressalta que, para promover saúde, prevenir a ocorrência de doenças evitáveis de complicações precoces de doenças instaladas que carregam o risco de comprometer a autonomia, provocar invalidez ou morte prematura, é necessário desenvolver competências específicas, razão de ser de um Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade e da própria especialidade. Por fim, discorre sobre os campos de prática e aponta perspectivas, sem deixar de assinalar dificuldades institucionais, em especial aquelas relativas aos cenários de treinamento, ressaltando, entretanto, que o programa Saúde na Vila – implantado no entorno do complexo docenteassistencial da UERJ – tem constituído uma alternativa alentadora. Abstract The Family and Community Medicine Residency Program of the Medical Course of the Rio de Janeiro State University is a forerunner of this specialty in Brazil. The program was established in 1976, together with two other programs. This article portrays the political scenario of that time describing the struggles to start a program focused on an innovative perspective. It provides an idea of the theoretical and conceptual framework and of the structure of the Family and Community Medicine Residency Program of the State University of Rio de Janeiro, in contraposition to a simplistic concept of Primary Care and the qualification of professionals in this area. Such simplistic Palavras-chave: Medicina de Família e Comunidade; Residência Médica; Atenção Primária à Saúde. Key Words: Family Practice; Internship and Residency; Primary Healthcare. *Médico, Doutor em Saúde Coletiva, Professor Adjunto, Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. 149 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica Ricardo Donato Rodrigues conceptions however, though still prevailing in some circles, are unfit for facing the complexity of the health issues at this care level. It is stressed that for promoting health it is necessary to develop specific competences, prevent diseases and avoid precocious effects of existing diseases capable of compromising the individual’s autonomy and of causing disablement or sudden death. This is the reason of being of the Family and Community Medicine Residency Program and of the specialty itself. Finally the article addresses necessary practical actions, among others with respect to institutional difficulties especially those concerning training facilities. On the other hand, the program “Saúde na Vila” – a program for integral healthcare delivery maintained in the neighborhoods of the University Hospital – is emphasized as an extremely encouraging alternative. 1. Primórdios O Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade (RMFC) da Faculdade de Ciências Médicas/ UERJ (FCM/UERJ) foi criado em 1976, ainda sob a denominação de Residência em Medicina Integral. Neste mesmo ano foram instituídos, em Murialdo, Porto Alegre, e Vitória de Santo Antão, na região metropolitana de Recife, dois outros Programas de Residência em Medicina Geral Comunitária (RMGC), denominação que se tornou obrigatória a partir de 1981, com a regulamentação dos Programas de Residência Médica no país pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). Finalmente, em 2002, por proposta da SBMFC, a CNRM substituiu a denominação original por Medicina de Família e Comunidade1. Esses três programas, pioneiros, de residência foram instituídos, portanto, dois anos antes da histórica Conferência Internacional de Alma-Ata, que, sob inspiração de Halfdan Mahler, então diretor executivo da Organização Mundial de Saúde, consagrou a meta “Saúde Para Todos no Ano 2000” e elegeu os “Cuidados Primários de Saúde” como estratégia privilegiada para alcançá-la2. Nesta época, entretanto, o setor saúde no Brasil avançava em outra direção3. Foi necessário enfrentar poderosos obstáculos para implantar um programa de residência que visava à formação de especialistas a partir de uma racionalidade médica inovadora, capaz de torná-los protagonistas de um processo de 150 mudança do modelo assistencial adotado neste país, cuja hegemonia, entretanto, estende-se até os dias atuais. Os anseios por mudanças tanto no plano da educação médica quanto da prática médica vinham de longe. Em 1968 – ano em que a juventude, unida pelo sonho de ver o nascimento de dias melhores para a humanidade, tomou conta das ruas do mundo, inclusive no Rio –, um grupo de alunos da FCM-UERJ, desafiando a brutalidade policialmilitar instaurada no país pelo golpe de 64, iniciou um estudo sobre o ensino médico na área das Ciências Médicas, por meio da aplicação de um questionário aos alunos do 2° ao 6° ano. Essa iniciativa, desencadeada a partir de uma visão que considerava o ensino médico na FCM (como de resto, no país) elitista, voltado para o atendimento hospitalar de doenças raras, desconsiderando as necessidades de saúde da maioria da população, visava à “alimentação” de um processo de discussão capaz de gerar subsídios para a construção de uma proposta discente de reforma curricular. A área das Ciências Médicas vivia dias agitados, a ditadura não dava trégua ao movimento estudantil e as forças da repressão “chegavam com tudo” às portas da escola – um estudante, baleado na cabeça, morreu no centro cirúrgico do Hospital Universitário Pedro Ernesto (então, Hospital de Clínicas da UEG). A violência abortou a constituição de Comissões Paritárias, formadas por professores e alunos, que levariam adiante o processo de reforma curricular4. Entretanto, ela não conseguiu deter o desenvolvimento do Internato Geral Rotativo, destinado ao treinamento prático dos alunos dos últimos períodos nas chamadas áreas básicas, logo adotado pela FCM; tampouco, conseguiu desmantelar o recém-criado Serviço Ambulatorial de Medicina Integral (AMI). Afinal, o mundo já vinha dando mostras de insatisfação com os modelos da educação e os resultados das práticas no âmbito da saúde; sobretudo, uma insatisfação com os elevados custos da assistência médico-hospitalar em decorrência do acelerado processo de fracionamento da Medicina em especialidades. Assim, pouco a pouco foram surgindo condições favoráveis ao florescimento de experiências inovadoras, tanto relacionadas ao desenvolvimento da Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica Ricardo Donato Rodrigues Medicina Preventiva quanto da Medicina Comunitária e Medicina Integral5. 2. Do Serviço de Medicina Integral ao Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade A criação do AMI com o objetivo de propiciar treinamento prático em medicina ambulatorial sob supervisão representava o primeiro passo de uma longa jornada, pois ainda havia uma distância considerável entre intenção e gesto. No Brasil, a exemplo de tantos países, a atenção médica seguia os ditames do modelo biomédico e o ensino seguia rezando a cartilha flexneriana. Assim, este ambulatório do Pedro Ernesto, não raro, assemelhava-se, nesta época, a uma ante-sala das enfermarias, selecionando casos (ditos) interessantes para internação de acordo com as necessidades de ensino. Mantinha uma clientela pequena e cativa, com agravos crônicos, submetida às regras de uma medicina cientificista. Este embrionário projeto de Medicina Integral não parecia suficiente para suplantar uma visão de prática médica hospitalocêntrica centrada em uma concepção biotecnológica. As atenções continuavam dirigidas fortemente para o diagnóstico e tratamento das doenças. Assim, persistiam existindo velhos formulários de muitas páginas para o registro exaustivo das queixas clínicas, da história da doença atual, da anamnese dirigida e inventário sistematizado dos sistemas orgânicos. Enquanto isso, o interrogatório nos terrenos sociodemográfico, familiar e epidemiológico comprometia-se, basicamente, com a formulação de um dignóstico etiopatogênico. O exame físico detalhado e exames laboratoriais em profusão, solicitados a título de rotina, serviam para reforçar o foco na doença6. Tais práticas constituíam uma espécie de paradigma de excelência para a rede assistencial e para a educação médica. Para alguns, ainda hoje é assim. Entretanto, a ineficiência desse modelo, sua baixa capacidade resolutiva, o uso abusivo de medicinas e hospitalizações, os acidentes iatrogênicos, os custos explosivos e tantas outras distorções acabavam engrossando o sentimento de insatisfação que tomava conta de usuários, estudantes e setores profissionais. 151 Os próprios hospitais universitários sofriam as conseqüências nefastas de tais práticas. Movidos pela escassez de recursos puseram-se atrás de novas fontes de financiamento 7,8. Nesta ocasião, na tentativa de sanar problemas decorrentes do desmantelamento do milagre econômico brasileiro, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) estabeleceu, dentre outras medidas, convênios ampliados com o setor público, particularmente com os hospitais universitários. O Pedro Ernesto foi o segundo hospital universitário do país a assinar, no final de 1974, esta modalidade inovadora de convênio com o INPS. Foi exponencial o crescimento da demanda hospitalar, inclusive da demanda ambulatorial, em decorrência deste convênio. Para fazer frente a esta nova conjuntura, inclusive a esta nova demanda, crescente e diversificada, a alternativa da instituição, apoiada por atores engajados nas iniciativas prévias de reforma docente-assistencial, foi reestruturar o AMI a partir de uma visão holística da tríade saúde-doençacuidado 9. Nesse contexto, implantou-se finalmente o Programa de Residência de Medicina de Família e Comunidade na UERJ. Estruturada de acordo com um regime eminentemente extra-hospitalar de treinamento, esse programa de Residência da FCM/UERJ tinha por finalidade formar especialistas em Medicina de Família e Comunidade visando a contribuir, deste modo, para viabilizar a implantação e potencializar o desenvolvimento de projetos que se inscrevem no âmbito da Atenção Primária à Saúde. Para tanto, esperava-se que este profissional tivesse elevada qualificação clínica, capacidade de planejar, implementar e avaliar as ações de saúde no nível de sua área de atuação, além de realizar estudos/pesquisas com base na população a qual assistia, como forma de adequar e aperfeiçoar a sua prática. Desde o início, portanto, o PRMFC visava à formação de especialistas que iriam atuar em um campo de práticas que emergiu e se organizou com o propósito de fazer frente aos graves problemas experimentados pela humanidade em termos de atenção à saúde. Isso é, objetivava – e ainda o faz – formar especialistas que iriam atuar em um campo que se organizou em contraposição às distorções Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica Ricardo Donato Rodrigues do atual modelo assistencial hospitalocêntrico, particularmente no que diz respeito à crescente especialização biotécnica dos cuidados de saúde e ao consumo abusivo e irracional de medicinas. Em vista dessas considerações, esperava-se, desde o início, que o egresso deste PRMFC se convertesse antes de tudo em agente de mudança no campo da saúde, recusando-se a assumir um papel de mero prestador de serviços subserviente aos interesses do mercado, sem compromisso maior com a saúde individual e com a saúde coletiva. Esperava-se que este egresso não dominasse apenas a teoria das doenças, mas fosse capaz de entender e lidar de forma responsável e competente com a saúde das pessoas, com a saúde das famílias, da sociedade, enfim, com a vida humana. Esperava-se que o egresso soubesse valorizar a relação médico-paciente e entendesse a importância do trabalho em equipe e da participação individual e comunitária nas questões de saúde. Era esperado também que desenvolvesse competências no campo da resiliência, isto é, da capacidade de superação, dessa totalidade biopsicossocial que é o ser humano10. 3. Obstáculos encontrados no caminho É óbvio que um PRMFC com as características sumariamente apresentadas acima depara-se com numerosos problemas e enfrenta sérias dificuldades. Mas não são obstáculos conjugados somente no passado. Ao contrário, são recorrentes e não se deixam de projetar no presente. Efetivamente, não parece difícil imaginar o que se passa com um programa em nível de pós-graduação que não está em sintonia com os programas hegemônicos, seja em termos docentes, isto é, em termos do ensino, pesquisa e produção de conhecimento no campo médico, seja em termos da prática médica. Em outras palavras, não parece difícil imaginar os problemas que afetam um programa docente-assistencial que se desenvolvia até pouco tempo às margens das políticas governamentais das áreas da educação e da saúde, um programa periférico, mas viável enquanto, lá nos confins do sistema de saúde, serve a alguns interesses pragmáticos das instituições e seus dirigentes. 152 Até hoje, duas questões de fundo sempre aparecem na literatura e no círculo de debates quando se pretende questionar a necessidade de instituir programas de residência na área da Medicina de Família e Comunidade – certamente, não faltaram no cenário da Faculdade de Ciências Médicas. A primeira, cujas variações semânticas não conseguem disfarçar o tom pejorativo que vez por outra acompanha o questionamento, argumenta que não seria necessário existir um programa de pós-graduação nesta área, pelo menos na modalidade de residência médica, em face ao conceito de “terminalidade” do ensino de graduação em Medicina. A equipe do antigo Ambulatório de Medicina Integral, hoje transformado em Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária, sempre esposou uma tese sobre a “terminalidade” do ensino de graduação, a qual significa que a Escola Médica tem a responsabilidade de formar, em seis anos, um profissional com conhecimentos suficientes para atuar em qualquer ramo da Medicina, desde que inserido em uma equipe de trabalho, compartilhando sua prática especializada com colegas mais experientes. De acordo com esta tese esposada pela equipe do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da FCM/UERJ, a Escola Médica tem, portanto, a responsabilidade de formar um profissional altamente qualificado, ainda que recém-formado – vale dizer, com menos experiência. Neste sentido, entende que tal recémformado deverá passar por um período de amadurecimento, experimentará um período de transição, tanto mais produtivo e menos traumático, para si e para outros, à medida que for acolhido em um ambiente organizado para tal fim. A experiência nacional e internacional tem revelado que a Residência Médica cumpre este papel com a vantagem de expor o recém-formado a programas regulamentados que, além da prática em serviço sob supervisão, exigem a verticalização do conhecimento teórico nas respectivas especialidades médicas; quando não, a produção de novos conhecimentos. Mais ainda, como não são estabelecidas relações trabalhistas típicas entre residentes e instituição Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica Ricardo Donato Rodrigues fomentadora do programa, criam-se condições especiais que permitem avaliações críticas, independentes da influência direta de gerentes e patronato, a propósito das políticas e programas assistenciais, “descortinando”, dessa maneira, novos horizontes favoráveis ao aperfeiçoamento do próprio sistema de atenção à saúde. Uma segunda linha de argumentação, que também não faltou no cenário da UERJ, sustenta que não há necessidade de instituir programas de residência no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), como o PRMFC, sob a alegação que, neste nível do sistema de saúde, são atendidas condições ou problemas simples de saúde. Nessa concepção, os problemas mais complexos seriam referidos para os centros de Atenção Secundária ou Terciária, isto é, centros que, nesta mesma lógica, são considerados mais especializados de um sistema hierarquizado em níveis crescentes de complexidade. Aqui, os problemas da argumentação provocam múltiplas contestações. Uma expressão corrente, que ecoa no Departamento de Medicina Integral e Familiar da FCM/ UERJ desde a década de 1970, deve-se a Abraam Sonis e José Maria Paganini, autores argentinos que sustentavam que tal assertiva confundia APS com Atenção Primitiva, isto é, com “uma medicina de segunda classe para cidadãos de segunda classe prestada por pessoal de segunda classe” 11. A equipe de preceptores do PRMFC da FCM/ UERJ tem insistido ao longo dos anos que aquela concepção simplista não faz justiça à complexidade das questões de saúde que se apresentam no campo da Atenção Primária. Além da responsabilidade de fazer frente a necessidades de saúde de várias ordens, este nível do sistema tem um compromisso com a saúde de todos. A APS tem, entre outras, a função de promover saúde; prevenir a ocorrência de doenças evitáveis; evitar a ocorrência de complicações precoces de doenças instaladas que carregam o risco de comprometer a autonomia, provocar invalidez ou mesmo a morte prematura das pessoas. Para tanto, é necessário desenvolver competências específicas, razão de ser de um Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade e desta própria especialidade. 153 Vale aqui mencionar alguns pontos deste PMFC, relacionados à complexidade envolvida na APS, que vêm merecendo uma atenção muito especial da equipe do Departamento. O primeiro diz respeito à formação de Grupo Balint com os residentes de 1° ano, realizado semanalmente até o final deste período da residência. O segundo ponto é o treinamento teórico-prático para o Trabalho com Grupos que é realizado durante todo o segundo ano da residência. O terceiro, que tem merecido uma atenção especial e ocupa os dois anos da residência, diz respeito à Abordagem Familiar compreendendo um momento teórico semanal e atividades práticas, incluindo interconsultas e consultas conjuntas com terapeuta de família. O quarto ponto é o treinamento teórico-prático em Saúde Mental na APS também com interconsultas e consultas conjuntas com a equipe da Psicologia Médica da FCM. O quinto ponto é um Programa de Saúde Escolar, voltado para a promoção do autocuidado, da resiliência e da qualidade de vida de estudantes, professores e funcionários desta comunidade escolar. O programa é implementado a partir de um diagnóstico de saúde e do interesse revelado por esta comunidade. Após o estabelecimento de vínculos e relações de confiança, a equipe implementa ações de saúde, especialmente no plano da educação em saúde escolar, com a participação ativa tanto de residentes de Medicina de Família e Comunidade quanto de estudantes de graduação. Todos esses pontos são articulados e reforçados no contexto do Programa Saúde na Vila, que é um cenário de práticas docente-assistenciais no campo da saúde da família constituído no entorno do Hospital Universitário Pedro Ernesto e hoje representa um dos eixos estruturantes do PRMFC. Por último, vale fazer menção particular à Clínica do Médico de Família, tema que até hoje tem sido objeto de estudos e discussões. O Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da UERJ entende que a clínica compreende a prestação de cuidados de saúde a pessoas cuja primeira etapa é o estabelecimento de um diagnóstico. Enquanto os Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica Ricardo Donato Rodrigues especialistas focais da atenção secundária e da atenção terciária priorizam os diagnósticos da doença e das alterações fisiopatológicas exibidas por cada doente particular, os especialistas em Medicina de Família e Comunidade inseridos na APS, postos frente a frente com um doente, priorizam o diagnóstico da doença, o respectivo leque de condicionantes envolvidos e a teia por eles tecida em cada situação particular. Parece óbvio que, frente a um paciente com dor no peito, por exemplo, ambos possam estabelecer um diagnóstico de infarto agudo do miocárdio e tomar as primeiras medidas terapêuticas indicadas. Entretanto, depois de um exame clínico objetivo, os cardiologistas certamente irão mobilizar recursos subespecializados para, em primeiro lugar, identificar alterações anatômicas e os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, e, logo adiante, definir a estratégia terapêutica mais indicada. Quando for o caso, podem mobilizar um outro contingente de especialistas para realizar novos procedimentos no campo do diagnóstico ou da terapêutica. Ou seja, empreendem uma prática à luz do paradigma biomédico que tem como eixo estruturante a teoria das doenças então concebidas como um conjunto de sinais e sintomas conseqüentes a alterações anatômicas e fisiopatológicas provocadas na intimidade tecidual pela ação de agentes causais específicos. Já o especialista em Medicina de Família e Comunidade, iluminado pelo paradigma da integralidade biopsicossocial, que concebe o fenômeno saúde-doença como um processo condicionado por um emaranhado de variáveis biológicas e psicossociais articuladas por uma teia de relações, sabe que é necessário exercer uma clínica que possibilite o diagnóstico das condições que favorecem ou causam prejuízo à saúde do paciente e, por conseqüência, viabilize a prática de um cuidado integral. Ou seja, em Medicina de Família e Comunidade, não basta diagnosticar a doença para instituir um cuidado adequado. Para isso, também é necessário diagnosticar as condições que interferem no seu curso, sejam condições internas de ordem biopsíquica, sejam condições externas, inclusive as redes sociais de apoio e facilidades de acesso a serviços de saúde de qualidade. 154 Em face das questões apresentadas até aqui neste texto, o Departamento de Medicina Integral da FCM/ UERJ considera que a formação de especialistas em Medicina de Família e Comunidade não é, definitivamente, uma questão trivial. Ao contrário de arremedo, é uma medicina de alta complexidade, cuja dimensão clínica, centrada no paradigma da integralidade, é de natureza biopsicossocial. 4. Cenários de Prática e Perspectivas O Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade foi instituído em 1976, portanto, dois anos antes da Conferência de Alma-Ata e 18 anos antes da adoção, pelo Ministério da Saúde, do Programa Saúde da Família, hoje, Estratégia Saúde da Família (ESF). Nesta época, como se sabe, o Sistema de Saúde no Brasil, como de resto, na maior parte do mundo, caracterizava-se por um modelo assistencial hospitalocêntico, organizado em torno de grandes centros especializados de diagnóstico e tratamento, inclusive hospitais de todo tipo e porte. A Saúde Pública ficava por conta de um Ministério da Saúde sempre às voltas com uma dotação orçamentária insuficiente, quando não, irrisória. Assim sendo, boa parte da Atenção Primária ficava por conta do improviso. Neste contexto de desorganização da APS no Rio de Janeiro e em outras cidades do planeta, o Programa de Residência nos primeiros anos era subdividido em dois grandes módulos. Um, eminentemente clínico e de natureza teórico-prática, concentrava-se em consultórios da Unidade de Pacientes Externos do Hospital Universitário Pedro Ernesto, situado em prédio anexo ao mesmo, no Campus Biomédico da UERJ, bairro de Vila Isabel. O outro módulo, dominantemente voltado para a Medicina Comunitária, localizava-se no bairro de Austin, município de Nova Iguaçu, onde a UERJ, com apoio da Fundação Kellog e em parceria com a Secretaria de Saúde daquele município, desenvolvia um programa de Atenção Primária. Apesar dos inconvenientes, sobretudo no que diz respeito às distâncias entre os dois cenários, foi com este desenho que se formaram as primeiras turmas. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica Ricardo Donato Rodrigues Alguns anos depois, com o esgotamento do apoio da Kellog e da parceria com o município de Nova Iguaçu, por iniciativa conjunta da Direção Geral do Hospital Universitário Pedro Ernesto e da Coordenação do Programa de Residência, foi implantado um programa de APS na comunidade do Borel, que se tornou um novo cenário de prática da Residência. Foi constituída uma equipe própria, multidisciplinar, cuja coordenação foi exercida inicialmente por um médico e, depois, por uma enfermeira. Durante anos foi possível desenvolver um trabalho compartilhado e proveitoso, bem aceito pelos residentes e pela comunidade. Apesar de a unidade localizar-se bem no centro de uma comunidade, em uma região considerada de risco, as equipes tinham trânsito livre, sendo alertadas, quando necessário, pela própria associação de moradores. Mas, um dia, aconteceu uma ação inesperada da polícia civil e o veículo que transportava uma equipe ficou sob fogo cruzado, desencadeando uma situação inaceitável de convivência. Aos poucos se foi organizando um novo programa, ainda que incipiente, de Medicina de Família e Comunidade no entorno do Hospital Universitário. Com a constituição do Pólo de Formação, Capacitação e Educação Permanente de Pessoal para a Saúde da Família e a organização e implantação das primeiras equipes de Saúde da Família pela Secretaria Municipal de Saúde, criou-se grande expectativa no sentido de redesenhar o Programa de Residência e deslocar o treinamento dos residentes para as novas Unidades Básicas da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro. Entretanto, a implantação muito lenta da ESF neste município e a localização das unidades em conhecidas áreas conflagradas da cidade, serviram para arrefecer o ímpeto inicial do Departamento que, desde então, vem ampliando um Programa de Medicina de Família e Comunidade, iniciado anos antes no entorno do campus biomédico da UERJ. Chamado de Saúde na Vila este programa compreende sete microáreas cuja população totaliza cerca de 80 mil pessoas. As atuais perspectivas parecem mais animadoras. Tudo faz crer que a intenção do Departamento de Medicina de Família e Comunidade de retomar um projeto de integração academia-serviço, fortalecer e tornar o Saúde na 155 Vila um programa de interesse interinstitucional, visando ao aperfeiçoamento da ESF no Rio de Janeiro, poderá ser bem sucedida. Afinal, as Secretarias Municipais e a Secretaria de Estado da Saúde e Defesa Civil vêm reconhecendo, nos últimos tempos, a importância da capacitação profissional e da formação de especialistas em Medicina de Família e Comunidade para promover tal aperfeiçoamento. Inclusive, vêm participando e concedendo apoio à realização de congressos e outros eventos científicos relacionados à APS, sejam promovidos pela academia ou pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e respectiva regional. Seja como for, todos sabem que a saúde no Rio precisa mudar. E as instâncias gestoras da Atenção Básica desta cidade e desse estado sabem que o Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade tem, pelo menos, 32 anos de história para contar. 5. Referências 1. Falk JW. A Medicina de Família e Comunidade e Sua Entidade Nacional: Histórico e Perspectivas. Rev Bras de Med de Fam e Com. Abr. 2004; 1 (1): 5-10. 2. UNICEF. Cuidados Primários de Saúde. Brasília (DF): UNICEF; 1979. 64p. 3. Mello CG. O Sistema de Saúde em Crise. São Paulo, Rio de Janeiro: Cebes, Hucitec; 1981. 205p. 4. Daflon F. Título Provisório: O Movimento Estudantil nas Ciências Médicas. São Paulo: Quilombo; 1980. 103p. 5. Silva Jr AG. Modelos Tecnoassistenciais em Saúde: o debate no campo da saúde coletiva. São Paulo: HUCITEC; 1998. 143P. 6. Landmann J. Evitando a Saúde e Promovendo a Doença. Rio de Janeiro: Achiamé; 1982. 187p. 7. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Documentos do Ensino Médico. Brasília(DF): MEC; 1989. 204p. 8. Mello CG. O Sistema de Saúde em Crise. São Paulo, Rio de Janeiro: Cebes, Hucitec; 1981. 205p. 9. Noronha JC; Oliveira JA; Rodrigues RD; Landmann J. Transformação de um Ambulatório de Medicina Integral com Vistas a um Programa de Atenção Médica Primária. Rev Saúde Públ. 1977; 11: 429-43. 10. Rodrigues RD. Notas sobre um Programa de Residência Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ: uma perspectiva histórica Ricardo Donato Rodrigues em Ambulatório. XXV Congresso Brasileiro de Homeopatia; 2002. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Homeopatia; 2002. p.201-4. 11. Sonis A; Paganini JM. Medicina Sanitária y Administración de Salud. Tomo II. Buenos Aires: El Ateneo; 1976. 341p. Endereço para Correspondência: Rua 28 de setembro, sala 605, Rio de Janeiro RJ CEP: 20.551-031 Endereço Eletrônico: [email protected] 156 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades Family and Community Medicine, Primary Care and Undergraduate Medical Education: recommendations and potentialities Maria Inez Padula Anderson1 Marcelo Marcos Piva Demarzo2 Ricardo Donato Rodrigues3 Resumo Este documento tem por objetivo apresentar a importância e as potencialidades da Medicina de Família e Comunidade (MFC) e, conseqüentemente, da Atenção Primária à Saúde, no curso de graduação em Medicina, em especial no momento de reforma do ensino médico brasileiro, à luz das diretrizes curriculares nacionais para o curso de Medicina. Ele destaca os principais conteúdos teóricos e práticos atinentes à Medicina de Família e Comunidade recomendados para a graduação e as formas de organização institucional mais adequadas ao seu desenvolvimento e à sua implementação e, por último, relaciona os resultados mais relevantes das I e II Mostras Brasileiras de Medicina de Família e Comunidade e Graduação, realizadas em setembro de 2005 e 2006, como também uma síntese dos resultados da Oficina “Desafios do Ensino e da Aprendizagem da Atenção Primária à Saúde e da Medicina de Família e Comunidade na Graduação e Pós-Graduação em Medicina”, realizada durante o Congresso da Associação Brasileira de Educação Médica de 2007. Pretende-se que este documento possa contribuir para a consolidação deste campo de saber e prática no âmbito da formação médica, como acontece na grande maioria das escolas médicas de todo o mundo, principalmente naquelas que implementaram reformas competentes no ensino e nos sistemas de saúde no sentido de os tornarem mais adequados às necessidades de saúde da população. Abstract The objective of this paper is to show the importance and potentialities of Family and Community Medicine (FCM) and consequently of Primary care in undergraduate medical education, particularly in a moment when the Brazilian medical courses are undergoing a reform in the light of the national course curriculum guidelines. The article highlights the principal theoretical and practical content related to Family and Palavras-chave: Medicina de Família e Comunidade; Atenção Primária à Saúde; Educação Médica; Diretrizes. Key Words: Family Practice; Primary Healthcare; Medical Education; Medical Guidelines. 1 Médica de Família e Comunidade, Doutora em Saúde Coletiva, Professora adjunta e preceptora da Residência em MFC, FCM, UERJ, Presidente da SBMFC, Rio de Janeiro, Brasil. 2 Médico de Família e Comunidade, Diretor de Graduação da SBMFC. Doutor em Ciências Médicas, Prof. Adj. Dep.de Medicina, UFSCAR, São Carlos, São Paulo, Brasil. 3 Clínico Geral, Doutor em Saúde Coletiva, Professor adjunto e preceptor da Residência em MFC, FCM, UERJ, Presidente da AMFC-RJ, Rio de Janeiro, Brasil. 157 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades Community Medicine recommended for the undergraduate course and the forms of institutional organization most appropriate for its development and implementation. Finally, it refers to the most relevant results of the I and II Brazilian Exhibits on Family and Community Medicine and Undergraduate Medical Education, held in September 2005 and 2006, and of the Workshop “Challenges in Learning/ Teaching of Primary Care and Family and Community Medicine in the Undergraduate and Graduate Medical Education” held during the Congress of the Brazilian Association of Medical Education in 2007. This article aims to contribute to the consolidation of this field of knowledge and practice in medical education as happens in most medial schools worldwide, mainly where medical education and health systems underwent competent reforms for meeting the health needs of the population. 1. Introdução A Medicina de Família e Comunidade (MFC) é uma especialidade eminentemente clínica que também desenvolve, de forma integrada e integradora, práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde, dirigidas a pessoas, famílias e comunidades. Esses atributos a tornam uma disciplina estratégica para a ressignificação das bases estruturais da própria profissão médica, adquirindo papel fundamental na constituição dos novos paradigmas em Saúde. A MFC tem potencial transformador tanto no âmbito da prática médica quanto na formação de recursos humanos e no desenvolvimento de pesquisas, contribuindo para uma maior efetividade dessas áreas, inspiradas em bases mais humanas e comunitárias. Ela tem, também, assumido papel relevante principalmente na promoção de Atenção Integral à Saúde. Seus preceitos, conceitos e direcionamentos relacionam-se aos da Atenção Primária à Saúde (APS), de tal modo que é reconhecida internacionalmente como a especialidade médica de excelência da APS, sendo estratégica para o pleno desenvolvimento da mesma. Por isso, tem sido considerada, assim como a APS, uma especialidade médica com potencial estruturante para os Sistemas Nacionais de Saúde, em especial, em cenário de crise e reforma sanitária, como o que vivencia- 158 mos em nível nacional e internacional. Os princípios e as práticas da MFC são centrados na “pessoa” (e não na “doença”), na relação entre médico e indivíduo, e na relação deste sujeito, mais ou menos sadio, com sua família e com a comunidade em que vive. A MFC aborda o processo saúde-adoecimento como um fenômeno complexo, relacionado à interação de fatores biológicos, psicológicos, socioambientais e espirituais, sendo, portanto, um processo influenciado fortemente pela estrutura familiar e comunitária do indivíduo. 2. Princípios da Medicina de Família e Comunidade Com base em princípios, conceitos e recomendações internacionais formalizados pela Organização Mundial dos Médicos de Família – WONCA1 –, a especialidade Medicina de Família e Comunidade tem por objetivos: • Atuar, prioritariamente, no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), a partir de uma abordagem biopsicossocial e existencial do processo saúde-adoecimento. • Desenvolver ações integradas de promoção, proteção, recuperação da saúde, no nível individual e coletivo. • Priorizar a prática médica centrada na pessoa, na relação médico-paciente, com foco na família e orientada para comunidade, privilegiando o acesso, o primeiro contato, o vínculo, a continuidade e a integralidade do cuidado na atenção à saúde. • Coordenar os cuidados de saúde prestados a determinado indivíduo, família e comunidade, referenciando, sempre que necessário, para outros especialistas ou outros níveis e setores do sistema, mas sem perda do vínculo. • Atender, com elevado grau de qualidade e resolutividade, no âmbito da Atenção Primária à Saúde, cerca de 85% dos problemas de saúde relativos a uma população específica, sem diferenciação de gênero ou faixa etária. • Desenvolver, planejar, executar e avaliar, junto à equipe de saúde, programas integrais de atenção, objetivando dar respostas adequadas às necessidades de saúde de uma população adscrita, tendo por base metodologias apropriadas de investigação, com ênfase na utilização do método científico e epidemiológico. • Estimular a resiliência, a participação e a autonomia dos Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades indivíduos, das famílias e da comunidade. • Desenvolver novas tecnologias em Atenção Primária à Saúde. • Desenvolver habilidades no campo da metodologia pedagógica e a capacidade de auto-aprendizagem e empoderamento dos indivíduos. • Desenvolver a capacidade de atuação médica humanizada, relevando seus aspectos científicos, éticos e sociais. 3. A MFC e a Graduação em Medicina Recomendações internacionais Segundo Byrne e colaboradores2, há sete razões principais para incluir a Medicina de Família e Comunidade (MFC) nas universidades, particularmente no Ensino de Graduação em Medicina: 1. Os estudantes de Medicina devem vivenciar e entender o cenário e as maneiras pelas quais a grande maioria da população é cuidada pelos serviços de saúde. 2. Os estudantes de Medicina devem vivenciá-la na sua forma mais integrada e integradora, o que é mais bem evidenciado no cenário de prática do Médico de Família e Comunidade. 3. Os estudantes de Medicina devem vivenciá-la centrada na pessoa (um dos pilares da Medicina de Família e Comunidade), invertendo a tendência de enfoque na doença e na tecnologia dura. 4. Os estudantes de Medicina devem ter a chance de vivenciar a prática da MFC, a fim de poderem incluir essa especialidade na lista de opções para a futura carreira profissional. Os estudantes de Medicina que têm perfil e podem se tornar futuros médicos de família e comunidade necessitam ter contato com esta especialidade, a exemplo do que ocorre em relação as outras especialidades no curso de graduação. 5. Estudantes de Medicina que seguirão outras especialidades, que não a MFC, necessitam conhecer as bases de atuação desta especialidade. Isso é particularmente importante se considerarmos que a maioria das especialidades atuará no sistema de saúde como referência para o encaminhamento e/ou parecer de casos provenientes dos médicos de família e 159 comunidade, e/ou utilizarão os médicos de família e comunidade como referência para o acompanhamento clínico geral dos pacientes atendidos por eles. 6. A participação de médicos de família e comunidade como professores no ensino médico de graduação abre novas possibilidades de ensino, pesquisa e extensão à escola médica, ampliando o envolvimento e a responsabilidade da mesma com as necessidades e demandas de saúde das pessoas e das comunidades. 7. A MFC, como também as outras especialidades da profissão médica, necessita da vivência no Ensino de Graduação, possibilitando assim espaço e estímulo para o seu desenvolvimento acadêmico no sentido mais amplo. O potencial transformador da Medicina de Família e Comunidade (“Medicina Integral, Geral, Familiar e/ou Comunitária” em outros países) para a graduação, principalmente, em Medicina tem sido evidenciado por organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS)3 e a Associação Mundial dos Médicos Gerais e de Família (WONCA). Isso pode ser comprovado pela inserção dos conceitos e das práticas da MFC na estrutura de destacadas escolas médicas de todo o mundo. Observa-se também que a grande maioria destas escolas constituiu Departamentos de Medicina de Família e Comunidade (ou denominações equivalentes), muitas com incentivo financeiro governamental, como no caso das escolas norte-americanas, o que ocorreu ainda na década de 70 do último século4. A OMS1 e a WONCA3 entendem que os fundamentos conceituais e éticos, as técnicas e práticas da Medicina de Família e Comunidade constituem elementos importantes na formação médica geral, independentemente da especialidade que o futuro médico irá exercer, envolvendo os estudantes em uma prespectiva ampliada do cuidado em saúde. Os conteúdos programáticos1,3 dessa especialidade, recomendados para a graduação médica, e, recentemente, revisados pela Sociedade Norte-Americana de Professores de Medicina de Família (Society of Teachers of Family Medicine)5, segundo as diretrizes do projeto “Futuro da Medicina de Família” (Future of Family Medicine6), devem Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades incluir: • Conceituação e reconhecimento da importância da Atenção Primária à Saúde, da Medicina Ambulatorial e da Medicina de Família e Comunidade nos Sistemas Nacionais de Saúde. • Compreensão e incorporação dos princípios e das atitudes envolvidas com a complementaridade e integralidade das ações médicas e de saúde. • Atuação em cenários nos quais sejam desenvolvidas práticas de Atenção Primária à Saúde (como por exemplo, a Estratégia de Saúde da Família). • Reconhecimento do papel e da influência da família no estado de saúde de seus componentes. • Comunicação e relação Médico-Paciente-FamíliaComunidade. • Reconhecimento e elaboração do diagnóstico de saúde biopsicossocial da família e da comunidade. • Conhecimento do cadastro familiar e comunitário como instrumento facilitador do diagnóstico e da abordagem familiar e comunitária. • Conhecimento e desenvolvimento de práticas de promoção, proteção e educação em saúde da população, com desenvolvimento de ações de saúde orientadas pelas necessidades e demandas percebidas por meio do contato com as famílias e a comunidade. • Estudo e reflexão sobre os problemas de saúde que mais afetam as pessoas e as populações de centros urbanos e rurais. • Práticas e metodologias próprias da clínica da medicina ambulatorial. • Cuidado humanizado e efetivo aos pacientes e suas famílias para a resolução de problemas de saúde e para a promoção de saúde. • Prática voltada ao sistema de saúde nacional, com compromisso ético e profissional com a saúde da população do próprio país, racionalizando recursos e ações e melhorando os indicadores de saúde populacionais. Assim, as competências a serem desenvolvidas nos estudantes são: • Convivência e colaboração com profissionais de outras profissões e especialidades para prover cuidado centrado na pessoa e nos aspectos preventivos, durante todas as fases 160 da vida. • Sensibilidade e responsabilidade em relação ao paciente, a sua cultura, idade, gênero e disabilidades. • Prática de diagnóstico e terapêutica com base em evidência científica e com participação do paciente e de sua família, informando-os apropriadamente e envolvendo-os no processo. • Acolhimento e resolutividade aos agravos agudos e crônicos mais comuns, segundo protocolos clínicos embasados cientificamente, e envolvendo os principais grupos de cuidado (crianças e adolescentes, mulheres, adultos e idosos). • Manejo dos agravos de saúde numa abordagem multiprofissional e interdisciplinar, envolvendo também a família, e tendo como objetivo a melhora funcional e de qualidade de vida da pessoa. • Prática da educação em saúde dos pacientes, suas famílias e comunidade, aconselhando sobre os hábitos de vida inadequados à saúde e aplicando estratégias adequadas de abordagem do problema, visando a mudanças de comportamentos e considerando a cultura de cada pessoa e população. • Descrição da prevalência e a história natural dos problemas de saúde mais comuns, tanto ao nível individual quanto familiar e comunitário. • Reflexão e discussão sobre o cuidado integral, contínuo e integrado para as pessoas, além das dificuldades inerentes a esse processo. • Identificação dos vários níveis de prevenção e aplicação das ações preventivas em cada nível, segundo embasamento científico. • Diferenciação das características epidemiológicas dos vários níveis de atenção. • Reconhecimento e interpretação das leis públicas mais relevantes referentes à promoção de saúde das populações. • Entendimento da complexidade do diagnóstico feito muitas vezes frente à escassez de dados clínicos. • Manejo adequado da tecnologia de informação em saúde. • Treinamento de técnicas de comunicação adequadas para trabalho em equipe multiprofissional e para a educação e informação em saúde dos pacientes e familiares. • Reconhecimento dos limites do conhecimento pessoal, Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades porém, sempre coordenando e advogando pelo cuidado adequado à população dentro do sistema de saúde nacional. • Reconhecimento das barreiras físicas, culturais e administrativas para o cuidado integral e adequado às pessoas. Em 2002, a WONCA Europa publicou a nova Definição Européia de Medicina Familiar1. As implicações deste trabalho para a formação e investigação em Medicina Familiar foram profundas. A EURACT (Academia Européia de Professores de Medicina Familiar) continuou a trabalhar nas questões educativas que surgiram e, como primeiro passo, elaborou uma «agenda educativa»7. A designação de «agenda» foi deliberada. O termo significa que ela constitui simultaneamente uma revisão dinâmica do ensino e aprendizagem da Medicina Familiar e uma identificação do trabalho que tem ainda de ser feito: o outro elemento da “agenda”. Segundo a Agenda Educativa da EURACT (AEE), a disciplina de Medicina de Família e Comunidade precisa definir: • Como se aprende melhor a MFC? • Onde deve ser ensinada? • Quando deve ser ensinada? • O que deve ser ensinado? • O que deve a MFC ensinar aos formandos de outras disciplinas? Segundo a AEE7, a MFC tem uma contribuição a dar ao ensino de todos os médicos em todas as fases da sua formação. Geralmente, ocorrem mudanças de atitude nos alunos de Medicina depois de terem tido oportunidade de resolver por si problemas de cuidados primários e observar como os seus professores resolvem os problemas que se apresentam e eles. O contato precoce dos alunos de Medicina com a clínica por períodos breves de alguns dias a várias semanas, no início do curso de Medicina, pode lançar as bases que permitem ao estudante de Medicina apreender o sentido de toda a formação médica, aprendendo sobre as pessoas no contexto dos seus problemas de saúde. Aulas ou pequenos seminários no período pré-clínico podem ser eficazes para dar ao aluno determinados conhecimentos necessários antes de começar a trabalhar com pacientes e 161 suas famílias. A definição da disciplina de MFC deve conduzir diretamente às competências nucleares do médico de família. Nucleares significa essenciais à disciplina, independentemente do sistema de saúde em que as competências são aplicadas7. As 11 características da disciplina referem-se às 11 aptidões que todos os especialistas de MFC devem dominar. Dadas as suas inter-relações, agrupam-se em seis categorias independentes de competências nucleares (Figura 01). 1. Gestão em Cuidados Primários Inclui a capacidade para: - gerir o contato primário com os pacientes, lidando com problemas não-selecionados; - cobrir todo o leque de problemas de saúde; - coordenar os cuidados com outros profissionais dos cuidados primários e com outros especialistas; - dominar a prestação eficaz e adequada de cuidados de saúde e a utilização dos serviços de saúde; - disponibilizar ao paciente os serviços adequados dentro do sistema de saúde; - atuar como advogado do paciente. 2. Cuidados centrados na pessoa Inclui a capacidade para: - adotar uma abordagem centrada na pessoa ao lidar com os pacientes e os seus problemas no contexto das circunstâncias do paciente; - desenvolver e aplicar a consulta de clínica geral para promover uma eficaz relação médico-paciente, com respeito pela autonomia do paciente; - comunicar, estabelecer prioridades e atuar em parceria; - proporcionar continuidade longitudinal de cuidados tal como a determinarem as necessidades do paciente no que se refere à gestão continuada e coordenada de cuidados. 3. Aptidões para a resolução de problemas específicos Inclui a capacidade para: - relacionar os processos específicos de decisão com a prevalência e incidência das doenças na comunidade; Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades - reunir e interpretar seletivamente a informação recolhida na anamnese, exame objetivo e exames complementares e aplicá-la a um plano de ação adequado em colaboração com o paciente; - adotar princípios de trabalho adequados, por exemplo, pedindo exames complementares de modo seqüencial, e usando o tempo como um instrumento e como modo de tolerar a incerteza; - intervir com urgência quando necessário; - gerir as situações que se apresentam precocemente e de forma indiferenciada; - utilizar as intervenções diagnósticas e terapêuticas de modo efetivo e eficiente. 4. Abordagem abrangente Inclui a capacidade para: - gerir simultaneamente múltiplas queixas e patologias, e tanto problemas de saúde agudos como crônicos do indivíduo; - promover a saúde e o bem-estar aplicando adequadamente as estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença; - gerir e coordenar a promoção da saúde, prevenção, cura, tratamento, paliação e reabilitação. 5. Orientação Comunitária Inclui a capacidade para: - conciliar as necessidades de cada paciente e as necessidades de saúde da comunidade em que ele vive, de acordo com os recursos disponíveis. 6. Abordagem holística Inclui a capacidade para: - usar um modelo biopsicossocial levando em conta as dimensões cultural e existencial. 162 Figura 01 - Adaptada de “WONCA tree” College of Primary Care Medicine/U. Grueninger. Referido na agenda da EURACT como a “árvore da sabedoria”: Fonte: www.kollegium.ch © 2004 4. Os Departamentos de Medicina de Família e Comunidade Segundo orientação da Organização Mundial da Saúde em conjunto com a Associação Mundial de Médicos de Família5, implantar Departamentos ou Unidades ou Atividades Curriculares de MFC permite o direcionamento necessário para a inclusão da disciplina no espaço acadêmico, como também permite a organização dos recursos que são necessários para articularem a tríade ensino, cuidado ao paciente (extensão) e programas de pós-graduação e pesquisa. Os tópicos a seguir fazem parte da publicação acima relacionada e pretendem contribuir para a criação de estruturas departamentais ou unidades docentes de MFC. Segundo estas instituições, estabelecer Departamentos de Medicina de Família requer a participação de lideranças que compreendam e apóiem as importantes funções e papéis da Medicina de Família. Essas lideranças incluem autoridades governamentais, associações médicas, médicos de família, staffs das escolas médicas e dos hospitais universitários, além de profissionais da saúde pública. Recomendam também que, desde o início, é impor- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades tante desenvolver um bom relacionamento com outros departamentos existentes, como os de Medicina Interna e Pediatria, que, compartilhando interesses, podem implementar um processo de colaboração mútua visando à implementação de atividades de ensino e de projetos de pesquisa interdisciplinares. Estes especialistas freqüentemente colaboram para o aprendizado do médico de família, e muitos têm consciência que são mais efetivos quando trabalham articulados com médicos de família capacitados. As Escolas Médicas parecem mais propensas ao desenvolvimento da Medicina de Família quando esta disciplina é vista como essencial para potencializar a função dos outros profissionais. Ainda segundo as orientações da OMS e WONCA, a constituição de Departamentos de Medicina de Família requer um provimento adequado de recursos humanos e físicos, de modo a desenvolver o amplo espectro dos programas de educação, assistência e pesquisa da MFC. Os recursos físicos devem incluir centros que integrem as atividades assistenciais e de ensino – nestes centros, o cuidado ao paciente deve ser provido por intermédio de equipes que incluem médicos de MFC, residentes e/ou estudantes em treinamento, enfermeiras, assistentes sociais e outros profissionais de saúde. Os Centros de ensino de Medicina de Família podem e devem ser incorporados às unidades assistenciais do sistema de saúde (integração ensino-serviço-comunidade) e podem também servir como importante local de desenvolvimento de pesquisa na Atenção Primária. Os Departamentos de Medicina de Família freqüentemente requerem apoio governamental e institucional, inclusive de ordem financeira. Usualmente, estes departamentos iniciam com pequeno número de especialistas e profissionais, crescendo à medida do desenvolvimento dos programas clínicos e de pesquisa. Os hospitais universitários e outros são importantes parceiros para o desenvolvimento e suporte destes departamentos de Medicina de Família, ao mesmo tempo em que estes os especialistas em MFC e os programas de residência prestam relevantes serviços para estas instituições. A Medicina de Família e Comunidade e as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Me- 163 dicina. À semelhança do que acontece em muitos países desenvolvidos, a inserção da MFC nos currículos de graduação já constitui uma realidade em um número considerável de escolas médicas brasileiras. Entretanto, ainda é necessário consolidar, adequar, qualificar e expandir este processo. Este movimento de inserção se tornou mais relevante, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (DCN)8, desde quando vêm ocorrendo mudanças mais consistentes no ensino médico em nosso país. A Medicina de Família e Comunidade tem tido importante papel nesse processo, tendo em vista a superposição entre seus princípios e práticas e as recomendações incorporadas às Diretrizes, a exemplo do que consigna seu artigo 3º: Art. 3º O Curso de Graduação em Medicina tem como perfil do formando egresso/profissional o médico, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano. Parágrafo Único. Com base nestas competências, a formação do médico deverá contemplar o sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde num sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contrareferência e o trabalho em equipe. Ou ainda: Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Medicina devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em Medicina. Conforme documento divulgado recentemente pelo Ministério da Educação em parceria com o Ministé- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades rio da Saúde (MEC/MS)9, os cursos de Medicina com maior grau de aderência aos princípios das DCN, além de outras características, apresentam a Estratégia Saúde da Família como uma das estratégias para a formação de um médico capaz de responder às necessidades sociais da população brasileira. Apesar dos conceitos e práticas da MFC se apresentarem como relevante estratégia para a operacionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, ainda são necessários esforços governamentais para incentivar o desenvolvimento da MFC e da APS, no âmago das universidades. Além disso, e com a participação da SBMFC, as diretrizes para o conteúdo programático dessa inserção devem ser sistematizadas, segundo a realidade da saúde no Brasil. Dentro dessa lógica, a SBMFC tem promovido encontros de sensibilização e trocas de experiências em nível nacional, abordando a questão da inserção acadêmica da MFC, e envolvendo vários protagonistas do processo, tais como professores, preceptores, residentes, estudantes, gestores e profissionais de saúde, e a comunidade. A seguir, são apresentados os resultados gerais dos eventos promovidos até então. 5. I Mostra de Medicina de Família e Comunidade e Graduação Em setembro de 2005, durante o I Congresso Paulista de Medicina de Família e Comunidade, ocorreu a I Mostra Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e Graduação, que teve como objetivo oferecer um espaço de discussão e troca de experiências entre as Instituições de Ensino Superior com interesse e práticas na atividade. Também fez parte da I Mostra uma pesquisa, que visou a levantar dados sobre a situação atual da inserção da MFC na graduação médica brasileira. Os dados estão apresentados na forma de tabelas e quadros (abaixo). Instituições que enviaram experiências em MFC e Graduação: • Curso de Medicina – Universidade Severino Sombra (Vassouras, RJ) • Curso de Medicina – Centro Universitário Barão de Mauá 164 (Ribeirão Preto, SP) • Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual do Rio de Janeiro • Faculdade de Medicina – Universidade de Ribeirão Preto • Faculdade de Medicina – Universidade de Uberaba (UNIUBE) • Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo – Campus Ribeirão Preto • Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo – Campus Capital • Faculdade de Medicina – Universidade Souza Marques (Rio de Janeiro) • Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) 6. Discussões e Conclusões da I Mostra Além da pesquisa e das experiências apresentadas durante a Mostra, também houve espaço para discussões e debates dentro do contexto da inserção atual da MFC na graduação em Medicina no Brasil. Apesar das dificuldades inerentes à organização e implementação sistematizada de um campo de conhecimento e prática na estrutura das escolas médicas, a opinião dos participantes foi unânime no sentido da importância desta inserção e da necessidade de desenvolvimento e consolidação desta estratégia. Os principais eixos e pontos abordados foram: 1) Por que inserir os conceitos e práticas da MFC na graduação em Medicina? - Estratégia para sensibilizar docentes e discentes em relação à especialidade MFC, fundamental para a reorganização do sistema de saúde público e suplementar no mundo e no Brasil. - Estratégia para a formação de um médico mais humano e responsável em relação às pessoas, além de voltado à realidade do país. - Embasar os estudantes para uma possível pós-graduação em MFC. 2) Como e em que momento inserir a MFC dentro da graduação? - Criação de Departamentos de MFC. - Inserção precoce e com enfoque prático. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades Tabela 1. Resultados gerais da pesquisa. Quadro 1. Principais dificuldades apontadas pelas instituições respondentes quanto à experiência de inserção da MFC na graduação. 3) Quais seriam os maiores entraves? - Relação conflituosa das instituições com o sistema de saúde local. - Mesmos problemas apontados na pesquisa (quadro 01). 4) Como avaliar os resultados, quais indicadores? - Avaliação e métodos ainda não totalmente sistematizados em relação à maioria das escolas, mas bastante desenvolvidos em algumas instituições. As instituições participantes apresentaram muitos pontos convergentes, principalmente em relação às dificul- 165 dades enfrentadas e às atividades desenvolvidas. Apesar do número de instituições na I Mostra não ser expressivo em termos nacionais, os resultados possivelmente refletem a realidade da inserção da MFC na graduação em Medicina no Brasil. Os resultados podem servir de base para discussões ampliadas junto às instituições de ensino, à Associação Brasileira de Educação Médica, ao MEC e ao Ministério da Saúde, na tentativa de gerar diretrizes e sistematizações sobre o tema, relevante para o futuro da Medicina no Brasil, como também para a consolidação do Sistema Único Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades de Saúde Brasileiro, haja vista o incentivo à Estratégia Saúde da Família e as dificuldades para a formação de recursos humanos nessa nova lógica do sistema de saúde nacional. 7. II Mostra de Medicina de Família e Comunidade na graduação e I Encontro de Ligas Acadêmicas de MFC Em setembro de 2006, durante o 44º Congresso Brasileiro de Educação Médica ocorreu a II Mostra Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e Graduação e o I Encontro de Ligas Acadêmicas de MFC e Saúde da Família, que tiveram como objetivo geral ampliar a discussão da inserção da MFC, dando prosseguimento aos trabalhos iniciados com a I Mostra de MFC na graduação12,13. Os objetivos específicos foram: 1. Traçar um breve panorama da inserção atual da MFC e da APS nas escolas médicas brasileiras. 2. Reunir e discutir experiências nacionais e internacionais no tema. 3. Promover discussão coletiva (docentes, discentes e profissionais de saúde) de recomendações para a inserção de competências da MFC nos currículos de graduação em Medicina. 4. Discutir a inserção da MFC como área essencial no ensino médico de graduação em sintonia com as proposições das Diretrizes Curriculares Nacionais, considerando as convergências das competências relativas à MFC com as referidas diretrizes. Houve diversos tipos de atividades: 1) Exposição de experiências acadêmicas, na forma de pôsteres, sobre a inserção da MFC na Graduação, segundo a vivência das diferentes instituições de ensino representadas. 2) Apresentação dos resultados do questionário, respondidos on-line pelos participantes no momento da inscrição, sobre o estado atual da inserção da MFC na Graduação em Medicina. 3) Realização do I Encontro de Ligas Acadêmicas de MFC, 166 que reuniu docentes e discentes interessados em desenvolver atividades extracurriculares relacionadas à MFC nas Faculdades de Medicina. 4) Grupos de discussão relativos às seguintes áreas temáticas: a) Competências (atitudes, conhecimentos e habilidades) da MFC na Graduação em Medicina. Por quê? b) Competências (atitudes, conhecimentos e habilidades) da MFC na Graduação em Medicina. Quais e como? c) Competências (atitudes, conhecimentos e habilidades) da MFC na Graduação em Medicina e os currículos com metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Como fazer? d) Estruturação dos cenários de prática. Quais e como? 5) Apresentação de experiências internacionais sobre a inserção da MFC na Graduação em Medicina. 6) Mesa-redonda com a temática A MFC e as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina: caminhos e potencialidades. 7) Reunião para discussão da criação da Academia Brasileira de Educadores de Medicina de Família e Comunidade, proposta com base em associações similares na Europa e América do Norte. Principais resultados e encaminhamentos: 1) Panorama geral sobre o estado atual da inserção da MFC na Graduação em Medicina, por meio da compilação das informações colhidas pelos questionários respondidos pelos participantes (tabela e quadro abaixo). 2) Participação efetiva de mais de 200 pessoas, entre docentes, discentes e profissionais de saúde, e mais de 70 instituições de ensino superior estiveram representadas. 3) Durante o I Encontro de Ligas, houve a criação da Associação de Ligas Acadêmicas de Saúde da Família e Medicina de Família e Comunidade, com a aprovação de seus estatutos, tendo sido eleita sua primeira Diretoria. 4) Aprovação da SBMFC como entidade brasileira responsável pela Tradução Oficial da Agenda EURACT para o português. 5) Realização da primeira reunião da Academia Brasileira de Educadores de Medicina de Família e Comunidade e dis- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. cussão inicial de seus estatutos. 6) Produção de edição especial da Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (RBMFC) sobre a II Mostra, reunindo os resumos e relatos completos de experiênci- as de inserção da MFC na graduação em Medicina, além de um artigo do representante da EURACT na II Mostra, e da Tradução Oficial da Agenda Educativa EURACT. Tabela 02. Dados Gerais dos Questionários Respondidos pelos Docentes durante a Inscrição para a II Mostra de MFC na Graduação*. *Considerou-se apenas um questionário por Faculdade. Quadro 02. Principais dificuldades apontadas pelos docentes respondentes quanto à experiência de inserção da MFC na Graduação*. *Foram consideradas as idéias centrais das respostas, com validação por avaliador externo *Freqüência de aparecimento da idéia, quando maior que uma vez. 167 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades 8. I Oficina “Desafios do Ensino e da Aprendizagem da Atenção Primária à Saúde e da Medicina de Família e Comunidade na Graduação e Pós-Graduação em Medicina” Em outubro de 2007, durante o 45º Congresso Brasileiro de Educação Médica, ocorreu a I Oficina “Desafios do Ensino e da Aprendizagem da Atenção Primária à Saúde e da Medicina de Família e Comunidade na Graduação e Pós-Graduação em Medicina”, que reuniu professores, preceptores, residentes, estudantes, profissionais e gestores da área da saúde em um evento preparatório para o “I Fórum de Formação em Medicina de Família e Comunidade e Atenção Primária à Saúde”, em Fortaleza (CE)14. Tendo-se em vista a opção brasileira (acertada) por um modelo de atenção à saúde fundamentado na Atenção Primária (APS) e a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Medicina (2001) que abriram fortes perspectivas para a efetivação da participação da Medicina de Família e Comunidade e da APS nos currículos e programas de graduação e pós-graduação no Brasil; e que essa inserção ainda é incipiente e carente de sistematização e incentivo, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), com o apoio da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), idealizou a Oficina “Desafios do Ensino e da Aprendizagem da Atenção Primária à Saúde e da Medicina de Família e Comunidade na Graduação e PósGraduação em Medicina”. Assim, os objetivos principais da Oficina foram: • Identificar desafios no processo de ensino e aprendizagem da APS e da MFC, na graduação e na pós-graduação, considerando: discentes, educadores, cenários e práticas pedagógicas. • Apontar estratégias de enfrentamento para lidar com esses desafios (“como lidar”?). • Elaborar um documento-base para o “I Fórum de Formação em Medicina de Família e Comunidade e Atenção Primária à Saúde”, Fortaleza (CE), 01 de maio de 2008. A partir das idéias levantadas pelas discussões preparatórias para a presente Oficina, realizadas pelo “Grupo de Formadores em MFC e APS”, na lista de discussão virtual da 168 SBMFC para esse fim, a metodologia utilizada foi a de trabalho em pequenos grupos constituídos pelos diversos atores envolvidos na formação em MFC e APS (docentes, preceptores, residentes, estudantes, profissionais e gestores da saúde). Houve uma dinâmica inicial de integração e apresentação da contextualização e dos objetivos da Oficina. Após, iniciou-se os trabalhos em quatro grupos mistos (divisão aleatória) com a proposta de olhar para o processo de ensino-aprendizagem a fim de definir os “desafios” e “estratégias” na graduação e pós-graduação para a inserção da APS e da MFC. Todo o processo foi facilitado e relatado por voluntários. 9. Principais resultados* Quadro 03. O que lembra “MFC”? * Incluindo também as questões relativas à pós-graduação, haja vista a correlação estratégica com a graduação. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades Quadro 04. Principais desafios da inserção da APS e MFC na Graduação. Quadro 05. Principais desafios da inserção da APS e MFC na Pós-Graduação. Quadro 06. Principais estratégias para superar os desafios na Graduação. 169 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades Quadro 07. Principais estratégias para superar os desafios na pós-graduação. 9. Considerações finais. A inserção dos princípios e das práticas da MFC dentro do currículo de graduação em Medicina representa uma estratégia fundamental para a formação de futuros médicos que tenham o cuidado como eixo central de sua prática e que desenvolvam o senso de co-responsabilidade pela saúde integral das pessoas. Além de tudo, que sejam engajados e comprometidos com o Sistema Único de Saúde, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Dentre os principais entraves atuais para que a inserção da MFC no currículo das escolas médicas aconteça de forma mais intensa, pode-se citar a não-existência de uma política nacional com esta finalidade, apesar de já existirem várias experiências nesse sentido e das diretrizes internacionais 170 no tema. O presente documento procura trazer informações para que as Escolas Médicas se instrumentalizem e operacionalizem a inserção da APS e da MFC nos cursos de graduação. Algumas questões necessitariam de um maior delineamento: Considerando que a MFC deve ter um caráter transversal na formação do estudante, qual o período mais adequado para iniciar a inserção no currículo (mais precoce ou mais tardia)? Como promover a relação/integração com as outras disciplinas da faculdade/curso de Medicina? Como equilibrar e guiar a relação das instituições de ensino e o sistema de saúde público (integração ensinoserviço-comunidade), em especial em relação à esfera municipal, relação esta necessária e fundamental para o sucesso Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades da inserção, segundo as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina do MEC? Entende-se que a SBMFC, enquanto sociedade cientifica da especialidade, em esforço conjunto com a ABEM, MEC e MS, tem papel estratégico no sentido de sensibilizar as escolas médicas, apoiar e assessorar a criação de estruturas acadêmicas e docente-assistenciais na especialidade, bem como elaborar diretrizes curriculares específicas para a inserção da MFC na graduação em Medicina. A Medicina de Família e Comunidade: tem potencial para colaborar na transformação de um sistema de saúde nacional, ainda fragmentado, em outro integral e integrado, com abordagem generalista e humana, por meio de uma prática multi e interdisciplinar, eliminando barreiras ao acesso, com sistema de informação avançado e informatizado, e com foco na qualidade da assistência e na racionalização dos recursos financeiros. Apesar do enorme desafio e das grandes dificuldades, a SBMFC se coloca à disposição para enfrentar o processo, entendendo ser o ensino de graduação uma estratégia fundamental, e, por isso, o porquê deste documento. 10. Referências. 1. Justin Allen et al. Definição Européia de Clínica Geral e Medicina Familiar. [s.l.]: Wonca – Europa; 2002. 2. Byrne PS, et al. The Contribution of the General Practitioner to Undergraduate Medical Education. A Statement by the working party appointed by the second European Conference on the Teaching of General Practice (Leeuwenhorst Netherlands, 1974). Netherlands: [s.n.]; 1977. 3. Relatório da Conferência conjunta da OMS e da WONCA em Ontário – Canadá. Haciendo el ejercicio médico y la formación médica más adecuados a las necesidades de la población: la contribución del médico de família. [s.l.]: Sociedad Española de Medicina de Familia y Comunitária; 1994. 4. Rodgers et al. Family Medicine. 2002; 34 (4):237-9. 5. Bucholtz JR et al. The FMCR Project's FM Clerkship/ Post Clerkship Workgroup. Future of Family Medicine (FFM) Project. Annals of Family Medicine. Mar. 2004; 171 (suppl.). 6. Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade. I Congresso Paulista de Medicina de Família e Comunidade. Revista Medicina. Set.; 2005; (supl.7). 7. Gomes LFRA, Demarzo MM. P. Tradução da Agenda Educativa da Academia Européia de Medicina de Família e Comunidade. Rev Bras Med Família e Comunidade. 2006; 5 (supl.): 77–124. 8. Brasil. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina. Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Superior – Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de Novembro de 2001. 9. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. A aderência dos cursos de graduação em enfermagem, medicina e odontologia às Diretrizes Curriculares Nacionais. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006. 10. Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade. I Mostra de medicina de família e comunidade na graduação. I Congresso Paulista de Medicina de Família e Comunidade. Rev Medicina. Set. 2005; (supl.7). 11. Organização Mundial de Saúde. Organização Mundial dos Médicos de Família. Improving Health Systems: the contribution of family medicine. [s.l.]: Wonca; 2002. 12. Demarzo MMP, Anderson MIP. Apresentação da II Mostra de Medicina de Família e Comunidade na Graduação II Mostra Nacional de Medicina de Família e Comunidade na Graduação, 2006, Gramado-RS. Rev Bras Med Família e Comunidade. 2006; 5 (supl): 6–10. 13. Oliveira AMF, Brunelli B, Kanno NP, Lora PST. Apresentação do I Encontro de Ligas Acadêmicas de Medicina de Família e Comunidade. In: II Mostra Nacional de Medicina de Família e Comunidade na Graduação, 2006, Gramado-RS. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Rev Bras Med Família e Comunidade. 2006; 5 (supl): 11-15. 14. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Desafios do Ensino e da Aprendizagem da Atenção Primária à Saúde e da Medicina de Família e Comunidade na Graduação e Pós-Graduação em Medicina. Relatório de Oficina. 45º Congresso Brasileiro de Educação Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Andreson, Marcelo Marcos Piva Demarzo e Ricardo Donato Rodrigues. A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: recomendações e potencialidades Médica (COBEM), Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), Uberlândia-MG, 20 de outubro de 2007. Disponível em: www.sbmfc.org.br. Documento Oficial da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) Endereço para Correspondência: Rua 28 de setembro, sala 605, Rio de Janeiro RJ CEP: 20.551-031 Endereço Eletrônico: [email protected] 172 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS Workshop for qualifying preceptors in Family and Community Medicine: a qualification strategy in Family and Community Medicine and Primary Care Carmen Luiza Correa Fernandes* José Mauro Ceratti Lopes* Lêda Chaves Dias Curra* Luis Felipe Cunha Mattos* Resumo Os autores foram designados pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) a desenvolver uma Oficina para capacitar preceptores nesta especialidade. A capacitação teve como objetivo nortear a formação de médicos a partir das diretrizes nacionais em virtude da abertura de novos Programas de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade (PRMMFC) e da adequação dos já existentes. A tarefa foi cumprida, a multiplicação teve início e sofreu avaliação. Queremos compartilhar essa experiência, através deste artigo, com outros profissionais que tenham interesse em formar recursos para qualificar a atenção em saúde em nosso país. Abstract The authors were designated by the Brazilian Society of Family Medicine and Community (SBMFC) to develop a workshop to train preceptores this speciality. The training aimed to guide the training of doctors from national guidelines because of the opening of new programs in Medical Residency in Family and Community Medicine at (PRMMFC) and the adequacy of existing ones. The task has been fulfilled, multiplication started and suffered evaluation. We want to share this experience through this article with others who have an interest in forming resources to qualify the health care in our country. Palavras-chave: Preceptoria, Ensino Médico, Medicina de Família e Comunidade, Residência Médica, Diretrizes. Key Words: Preceptoria, Medical Education, Family and Community Medicine, Medical Residency, Guidelines. *Médicos de Família e Comunidade do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição (SSC-GHC); Preceptores do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade do SSC – GHC. 173 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Carmen Luiza Correa Fernandes, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias Curra e Luis Felipe Cunha Mattos Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS 1. Introdução e Justificativa. A proposta de criar uma Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade surgiu como parte integrante do processo de desenvolvimento profissional contínuo da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC). A qualificação dos preceptores em Medicina de Família, sejam eles médicos de família ou não, que atuam em Atenção Básica vem ao encontro das necessidades do SUS, em sua trajetória de reestruturação do Sistema Nacional de Saúde a partir da Constituição de 1988. Nesta tarefa a Medicina de Família e Comunidade apresenta-se como a especialidade médica mais adequada para compor as equipes da Estratégia Saúde da Família. Diante disso, a SBMFC se propôs a participar da ampliação da formação desses especialistas em Atenção Primária a Saúde (APS) para fazer frente às demandas de qualificação da Estratégia Saúde da Família. A SBMFC ao aceitar este desafio, buscou superar a dificuldade em encontrar médicos de família e comunidade com a qualificação e experiência adequadas para atuar na formação de médicos residentes. Isto decorre de que adequar recursos para oferecer Atenção Primária à Saúde requer uma quantidade de profissionais capacitados de forma a oportunizar que o desempenho do médico seja embasado em conhecimento, habilidades e atitudes nas quais a sólida tomada de decisões possa ocorrer integrada à experiência e a sensatez, em harmonia com a pessoa que busca ajuda. Portanto, a Oficina é caracterizada por um conjunto de ações que visam preparar os preceptores dos Programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade, a partir de uma metodologia que privilegia a aplicação prática e imediata dos conteúdos trabalhados. Embora tenha sido concebida para preceptores de residência, mostrou-se também eficaz na capacitação de preceptores e professores da graduação médica. A Oficina baseou-se na seguinte pergunta norteadora: Como ensinar aos preceptores dos novos (e antigos) programas da especialidade uma prática pedagógica adequada e motivadora, de forma a capacitar o médico residente a agir dentro dos princípios da Medicina de Família e Comuni- 174 dade? Apresentamos a seguir o processo e os resultados iniciais da oficina, que contou com o imprescindível apoio do Ministério da Saúde. 2. A História do Processo. O processo de construção da Oficina iniciou-se a partir da realização, pela SBMFC, de um encontro no final do ano de 2005, em São Paulo, com 50 preceptores de locais reconhecidos de formação em Medicina de Família e Comunidade, para responder a seguinte questão: “O quê, por que e como deve ser o aprendizado de preceptoria da prática do médico de Família e Comunidade? Como construir uma logística de ensino capaz de impulsionar não somente a multiplicação da preceptoria, mas semear o desejo em aprofundar conhecimentos específicos da especialidade e a perseverança dos princípios norteadores da prática da Medicina de Família? E como responder as dificuldades, diferenças e dilemas de um pais com dimensões continental?” No encontro foram discutidos vários aspectos da qualificação do MFC, e constatou-se uma diversidade muito grande na formação e na qualidade dos Programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade (PRMFC), e por conseqüência no perfil de seus egressos. A decisão do grupo, encaminhada pela Diretoria da SBMFC, foi por desenvolver uma Oficina que sistematizasse os referenciais mínimos a serem abordados pelos PRMFC e que servisse para capacitar multiplicadores com o objetivo de ampliar o número de preceptores mais qualificados. Para desenvolver tal projeto sugerido no encontro, a SBMFC designou os autores através de um convite. O objetivo foi aproveitar a histórica experiência destes na formação de residentes em serviço, aliado ao comprometimento com a especialidade. Em outubro de 2006, no Rio de Janeiro, foi executada a primeira Oficina para Capacitar Preceptores, desenvolvida com 30 preceptores de todas as regiões do país, com a finalidade de testar, avaliar, validar e se necessário adequá-la as diversas realidades da especialidade em nível nacional, textualmente do Acre ao Rio Grande do Sul. A Oficina para Capa- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Carmen Luiza Correa Fernandes, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias Curra e Luis Felipe Cunha Mattos Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS citar Preceptores tinha, então, um formato inicial em que ela era desenvolvida em dois finais de semana, com intervalo de duas semanas, com tarefas a serem realizadas neste intervalo e apresentadas no segundo encontro. Houve aprovação do formato e do conteúdo, e foram realizadas algumas sugestões de aperfeiçoamento. Partiu-se então para a etapa denominada: “Oficinas Piloto”, com a finalidade de ver capacidade de ser multiplicada. A estratégia escolhida nesta segunda etapa foi fazer que alguns dos capacitados no Rio de Janeiro aplicassem a Oficina para Capacitar Preceptores sob observação de dois dos autores da mesma. O processo foi repetido neste formato em A partir de agosto de 2007, iniciaram-se as multiplicações, com previsão de realizar 10 Oficinas até dezembro 2007, tendo sido realizadas 21 multiplicações até março de 2008, com total de 325 participantes (Tabela 1). 3. Objetivos da Oficina. O principal objetivo da Oficina para Capacitar Preceptores foi instrumentalizar médicos designados pela SBMFC, com conhecimentos relacionados à prática da preceptoria, tornando-os multiplicadores de novos preceptores em Medicina de Família e Comunidade, baseando-se nos seguintes pressupostos: Tabela 1. As Oficinas realizadas. Curitiba (uma), Campo Grande (uma), e São Paulo (duas). A partir da observação e avaliação foi constatada sua “multiplicabilidade”. Devido à necessidade de formar muitos preceptores, necessidades de deslocamento e limitação dos recursos, foi proposta a realização da Oficina para Capacitar Preceptores em um único encontro para um grupo de 12 a 15 participantes adaptando algumas atividades. 175 • Conceber o homem como ser humano complexo e autônomo, reconhecendo o outro como legítimo outro¹. • Transformar os conhecimentos prévios e aqueles a serem trabalhados tornando-os referência na prática educativa do cotidiano a ser compartilhado. • Integrar de maneira sistêmica os planos conceituais e de planejamento ao universo do cotidiano. • Assumir um compromisso de cooperação e participação Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Carmen Luiza Correa Fernandes, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias Curra e Luis Felipe Cunha Mattos Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS como elementos chave da construção do processo de ensino-aprendizagem. • Incorporar a Andragogia como método diferenciador no processo de ensinagem. • Utilizar o cuidado integral e permanente às pessoas como referencial prático nas relações com o ensino. • Internalizar a importância da ética na prática cotidiana como tradutora do respeito e à dignidade humana no exercício da especialidade. 4. A Estrutura da Oficina A Oficina para Capacitar Preceptores em MFC tem uma estrutura que mescla a metodologia expositiva e conceitual com atividades participativas através de dinâmicas lúdicas; desenvolve uma atitude baseada na reflexão sobre os aspectos fundamentais a serem incorporados na formação teórico-prática do médico residente, e considera que o preceptor deva ter sua prática de trabalho utilizando o método centrado no médico residente. A Oficina tem a duração de aproximadamente 25 horas de atividades presenciais, com exigência de 100% de presença para certificação. O principal objetivo é caracterizar a atuação do preceptor na área de Medicina de Família e Comunidade, instrumentalizando-os em conhecimentos relacionados à Medicina de Família e Comunidade como especialidade, e à prática da preceptoria, a partir da incorporação de atuação metodológica adequada ao aprendizado do adulto, através da incorporação dos seguintes temas: 176 Os aspectos principais que caracterizam cada um destes itens são respectivamente: • Introdução – Dar início as atividades que irão nortear o funcionamento da Oficina e expor, simplificadamente, o Marco Teórico da Oficina. • Como conhecer seu residente? – Realizar a apresentação das pessoas que vão realizar a Oficina através de uma dinâmica que poderá ser utilizada para introduzir os médicos residentes nas equipes de saúde. • Como inserir o Residente na Equipe – Propiciar a troca de experiências do processo de integração dos residentes na Unidade Docente Assistencial, sugerir a exposição do “contrato” de funcionamento acadêmico e assistencial. • História da Medicina de Família e Comunidade – Subsidiar o embasamento teórico de formação do MFC, caracterizando a importância da história como fonte de conhecimento, aprendizado e planejamento de ensino. • Os Princípios da Medicina de Família e Comunidade – Enfocar a tomada de decisão da prática do MFC norteada pelos princípios que governam as ações. • A Abordagem Centrada na Pessoa – Utilizar a Abordagem Centrada na Pessoa para estabelecer a importância de personalizar o ensino através da atenção às necessidades do residente no processo de aprendizado. • Andragogia e a Ensinagem – Refletir sobre como se dá o aprendizado de adultos e discutir técnicas de “ensinagem”. • A Ensinagem Centrada no Residente – Estabelecer uma relação entre a Abordagem Centrada na Pessoa e a Ensinagem Centrada no Residente, estabelecer uma relação entre ser médico e ser preceptor e discutir o manejo de situações freqüentes entre residentes e preceptores. • O que é ser um bom preceptor? – Refletir sobre as características necessárias para ser um bom preceptor, comparar a abordagem tradicional com a Abordagem Centrada na Pessoa. • Abordagem Individual – Caracterizar a abordagem em APS e introduzir os instrumentos da prática do MFC, especialmente o conceito de “Consultagem”. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Carmen Luiza Correa Fernandes, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias Curra e Luis Felipe Cunha Mattos Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS • Abordagem Familiar – Consolidar técnicas e habilidades específicas da prática da MFC, detalhar técnica de entrevista familiar, genograma e ciclo de vida. • Abordagem Comunitária – Discutir formas de introduzir a abordagem comunitária como tema na formação de preceptores em MFC. As multiplicações desenvolveram-se num dos formatos básicos abaixo de disponibilização do tempo, adaptado de acordo com especificidade local: 177 Ao final da Oficina os participantes receberam material para multiplicação composto de: (a) Manual para Aplicação da Oficina, onde constam todas as atividades desenvolvidas (técnicas utilizadas em ordem de aplicação, com tempos de duração, referências bibliográficas, texto teórico de apoio para cada atividade construído pelos autores; (b) áudio visual em power-point com todas as atividades e exposições a serem realizadas; Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Carmen Luiza Correa Fernandes, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias Curra e Luis Felipe Cunha Mattos Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS (c) algumas das bibliografias mais específicas. A bibliografia principal utilizada na construção da Oficina e do Manual de Capacitação de Preceptores, bem como do material expositivo, esta relacionada no quadro anterior. 5. Conclusão. A Oficina para Capacitar Preceptores em MFC, revelou ser experiência única e inovadora a ser desenvolvida por uma Sociedade de especialidade médica do Brasil no sentido de qualificar especialistas para a tarefa de ensino referente a atuar como preceptor de Residência Médica. Quanto aos seus objetivos iniciais, mostrou-se adequada e capaz em alcançá-los, o que pode ser constatado em parte por algumas falas nas avaliações finais, e pelo número de oficinas realizado ter excedido em muito a estimativa, tendo ainda um número grande de solicitações a serem avaliadas pela SBMFC. Além dos objetivos estabelecidos inicialmente, os resultados revelaram que a Oficina de Preceptores da SBMFC trouxe outras conseqüências, tais como: se consolidou como uma estratégia importante para criação de identidade de grupo nos preceptores; foi um instrumento de aproximação entre preceptores/professores e médicos da “ponta” ou “rede”, que recebem os residentes/alunos para estágio; possibilitou uma maior compreensão da especialidade de MFC e de seus princípios por parte de preceptores de outras especialidades que atuam na formação de médicos de família e comunidade em PRMFC e em outros cenários. Portanto, podemos considerar esta Oficina como um marco e divisor de águas para a formação da Residência Médica em MFC no Brasil, bem como certamente vai influenciar o currículo da graduação, pois, sumarizando: 1) Trouxe uma reflexão sobre a prática e formação do residente em MFC, atendendo uma necessidade sentida. 2) Proporcionou a troca de experiências entre pessoas de vários serviços e com trajetórias diferentes. 3) Proporcionou a identificação do grupo e reforçou a necessidade de perseverança e união para enfrentar adver- 178 sidades. 4) Sinalizou a necessidade de aprofundar alguns dos temas referidos na oficina, em destaque: a metodologia de ensino com adultos e abordagem de família. 5) Respondeu a preocupação com a qualidade da preceptoria e formação do MFC. 6) Introduziu dinâmicas que proporcionaram a possibilidade de diálogo aberto e facilitaram a interação e o aprendizado. 7) Proporcionou encontrar profissionais com experiência e muita motivação. Apresentamos a seguir algumas avaliações dos participantes sobre os temas e a Oficina como um todo, diante da pergunta “De forma geral, o que você mais gostou na Oficina?”: – “...todos os temas abordados serviram para direcionar a aguçar a vontade de investir na preceptoria”. – “As atividades que problematizaram situações de precptores e as partes que trabalharam as situações de organização do serviço de ensino.” – “Os palestrantes mostraram dinamismo e conhecimento chamando atenção para o tema. Demonstração de experiências práticas.” – “Sim apresentou uma explanação ampla; mas seguiu os objetivos, focou bem os temas pertinentes da pratica diária.” – “A forma de abordagem do tema – forma de trabalho objetiva e clara.” – “A oportunidade de perceber a heterogeneidade de competências que integram a MFC”. – “Da sistematização do programa.” – “O entrosamento entre todos os participantes, o nível de conhecimento dos monitores/preceptores, a qualidade do material didático.” – “Das atividades em grupos, onde os conteúdos foram discutidos na prática o que facilita a memorização.” – “Da forma com os temas foram colocados, pois quebra a monotonia da maioria das capacitações das quais já participei”. – “As dinâmicas, as discussões sobre os temas e as vivências Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Carmen Luiza Correa Fernandes, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias Curra e Luis Felipe Cunha Mattos Oficina para Capacitar Preceptores em Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia para qualificar a formação em MFC e a assistência em APS dos multiplicadores.” – “O formato dinâmico e participativo.” – “Da abordagem prática e focada no assunto. A possibilidade de se instrumentalizar para a prática diária e contato com os estudantes.” – “Os trabalhos em grupo e seus comentários. E das apresentações em geral.” – “Das dinâmicas, exemplos, interação do grupo e boa comunicação dos coordenadores.” – “A interação imediata entre a teoria e a pratica.” – “Das apresentações das teorias relacionadas a MFC e da formação dos residentes, e também da qualidade teórica dos coordenadores.” – “A abordagem dada de como deve ser a formação de um médico de família e comunidade e de como formar um residente nesta área. Além de servir para mim no que diz respeito e como proceder enquanto preceptor.” – “Não gostei da Oficina! Não me senti à vontade.” – “...a liberdade para trabalhar nos grupos e a condução pelos preceptores.” – “As sistematizações dos temas, em especial abordagem centrada na pessoa, a ensinagem centrada no residente, registro, discussão de casos sobre o papel do preceptor.” – “Ouvir as experiências/vivências dos participantes, principalmente dos facilitadores.” – “Troca de experiência com preceptores e divulgação da especialidade entre colegas não MFC.” – “Riqueza de trocar experiências e de conhecer profissionais de outros serviços; aprofundamento da questão da aprendizagem centrada no aluno; atividades práticas; qualidade do material utilizado nas aulas.” Como a unanimidade é utópica, embora as avaliações estejam plenamente representadas pelas citações acima, cabe ressaltar a única expressão de desacordo com a Oficina: “Não gostei da Oficina! Não me senti à vontade.” Houve consenso entre as avaliações realizadas de que é necessário aprofundar os temas levantados nesta Oficina de Capacitação de Preceptores, mediante novas Oficinas enfocando, principalmente: método centrado na pessoa, abordagem familiar pelo mfc, registro em APS (SOAP), 179 sistemas de avaliação nos PRMFC. Houve consenso entre as avaliações realizadas de que é necessário aprofundar os temas levantados nesta Oficina de Capacitação de Preceptores, mediante novas Oficinas enfocando, principalmente: método centrado na pessoa, abordagem familiar pelo MFC, registro em APS (SOAP), sistemas de avaliação nos PRMFC. 6. Referências 1. Lopes, José Mauro Ceratti; Curra, Lêda Chaves Dias; Fernandes, Carmen Luiza Correa; Mattos, Luiz Felipe Cunha. Manual da oficina para capacitar preceptores em medicina de família e comunidade – Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, 2006. Endereço para Correspondência: Rua Carlos Silveira Martins Pacheco nº 10 sala 802 Porto Alegre – RS – CEP 91.350-000 Endereço Eletrônico: [email protected] Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Bases for an adequate expansion and development of Family and Community Medicine Residency Programs Maria Inez Padula Anderson* Eno Dias de Castro Filho** Ricardo Donato Rodrigues*** Marcello Dala Bernardina Dalla**** Monique Marie Marthe Bourget***** Resumo Este artigo é uma versão adaptada, para este número suplementar da Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, do documento original da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), editado em 2005, sob o mesmo título – disponível na íntegra no portal www.sbmfc.org.br. O texto situa a Medicina de Família e Comunidade (MFC) como uma especialidade médica centrada no paradigma da integralidade biopsicossocial que prioriza a APS, fazendo um nítido contraste com as especialidades focais. As políticas de saúde historicamente adotadas no Brasil privilegiaram, no entanto, um modelo assistencial hospitalocêntrico, bloqueando o desenvolvimento da APS e da MFC. Esta é uma tendência em mudança em face da Estratégia Saúde da Família e da experiência internacional nesta área. Neste contexto, a SBMFC, em parceria com o MS, vem incentivando a expansão dos programas de residência em MFC. Considerando a importância de que tal expansão seja implementada sem prejuízo da qualidade, a SBMFC apresentou um conjunto de critérios e recomendações, sintonizadas com a Resolução da CNRM – que regulamenta estes programas –, para que servissem de base para tal expansão. Neste artigo, são retomadas as exigências e recomendações relativas à organização do programa, à distribuição temporal das atividades e às competências básicas que deverão ser desenvolvidas ao longo do programa de formação. Além disso, são revistos os requisitos referentes à infra-estrutura e ao fluxo assistencial necessários para criar um ambiente favorável de treinamento em serviço. Por último, faz-se um pequeno relato sobre as iniciativas mais recentes que a SBMFC vem desenvolvendo no sentido de minorar a atual defasagem entre necessidade e oferta de preceptores especializados em MFC. Palavras-chave: Ação Intersetorial; Saúde da Família; Política de Saúde. Key Words: Intersectorial Action; Family Health; Health Policy. *Médica de Família e Comunidade, Doutora em Saúde Coletiva, Professora adjunta e preceptora da Residência em MFC, FCM, UERJ, Presidente da SBMFC, Rio de Janeiro, Brasil. **Médico de Família e Comunidade, Mestre em Educação, Diretor Científico SBMFC 2004-2008, Coordenador Telessaúde RS. ***Médico, Doutor em Medicina. Prof. Adj. Programa de Atenção Primária em Saúde da FM UFRJ. ****Médico de Familia e Comunidade. Mestre em Educação. Prof da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória ES e do Centro Universitário de Vila Velha. Vice presidente da SBMFC. *****Médica de Família e Comunidade. Coordenadora do PSF Santa Marcelina, SP. Vice Presidente da APMFC. 180 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget Abstract This article is a version of the original document published in 2005 under the same title by the Brazilian Society of Family and Community Medicine (BSFCM) (full text available at <www.sbmfc.org.br>), adapted for this supplement of the Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. The text defines Family and Community Medicine (FCM) as a medical specialty focused on biopsychosocial integrality an on Primary Care as privileged scenario, in distinct opposition to the medical specialties. The health policies historically adopted in Brazil used to give priority to a hospital-centered care model, hampering the strengthening of Primary Care and Family and Community Medicine. This trend however is changing due to the implementation of the Family Health Strategy and the international experience in this area. In this context, the BSFCM in cooperation with the Ministry of Health are encouraging the expansion of the Family and Community Medicine Residency Programs. Considering the importance of expanding the residency programs without loosing quality, the BSFCM elaborated a document presenting a set of criteria and recommendations in accordance with the guidelines of the National Commission of Medical Residency, the organism regulating these programs, to be used as a basis. In this article we recover the requirements and recommendations for the organization of the program, the chronogram of activities and the basic competences to be developed during the program. Furthermore we reanalyze the requisites in terms of infrastructure and service flow necessary for creating a practice environment favorable for in-service training. We finalize with a brief report about the most recent actions of the BSFCM for minimizing the current gap between offer and demand of preceptors specialized in Family and Community Medicine. 1. Introdução. Este artigo é uma versão adaptada e atualizada do documento original da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), editado em 2005, sob o mesmo título – disponível na íntegra no portal www.sbmfc.org.br. Aquele documento define Medicina de Família e Comunidade (MFC) como uma especialidade médica da integralidade, cujo cenário privilegiado de prática é a Atenção 181 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Primária à Saúde (APS). Esta especialidade está voltada para o cuidado em saúde às pessoas, famílias e comunidades de forma abrangente, continuada e contextualizada, preferencialmente no âmbito de uma equipe multidisciplinar. O médico de Família e Comunidade deve estar habilitado para cuidar com resolutividade dos problemas de saúde mais freqüentes da população a ele referenciada, sem distinção de idade ou gênero. Como especialidade médica presente em grande número de países, especialmente entre as nações mais ricas do hemisfério norte, a MFC tem contribuído para a implantação de mudanças nos sistemas de saúde com vistas à inclusão de todos com melhoria de qualidade. Em nosso país, desde seu reconhecimento como especialidade médica, em 1981, a MFC está comprometida com o conceito de excelência no âmbito da APS, inclusive da clínica, e com os preceitos da Reforma Sanitária brasileira. Insere-se, portanto, no esforço da sociedade brasileira visando à consolidação do Sistema Único da Saúde (SUS), enquanto sistema público, democrático e universal, constituído por uma rede de serviços no qual a APS seja capaz de propiciar fácil acesso a todos, dispensar cuidados abrangentes ao longo de toda a vida e ordenar o fluxo de pacientes pelos serviços dos diferentes níveis de atenção, na medida do necessário. A reforma do setor saúde brasileiro teve um grande impulso quando o Ministério da Saúde decidiu priorizar a Atenção Primária à Saúde como base de estruturação do SUS por meio da Estratégia da Saúde da Família. Entretanto, antes deste processo mais recente, entre outros paradoxos das políticas de saúde adotadas no país, havia ocorrido, no final da década de 1970, no curso da Reforma Sanitária, um retrocesso no movimento de expansão dos Programas de Residência de Medicina de Família e Comunidade (então denominada Medicina Geral Comunitária). Naquela época, a escala de formação de especialistas no campo da Atenção Primária à Saúde, que se vinha expandindo, foi severamente reduzida pelo corte de financiamento de grande parte dos Programas de Residência Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget em Medicina Geral Comunitária, pelo então Instituto de Previdência Social1. Os efeitos negativos dessa medida tornaram-se mais visíveis com a expansão acelerada da Estratégia Saúde da Família no país. Médicos especialistas focais voltados para o atendimento de problemas de saúde que afetam órgãos e sistemas, gêneros e faixas etárias acabaram assumindo maciçamente tarefas no âmbito do cuidado integral sem, contudo, estarem preparados para tal2,3,4, e isso quase sempre ocasiona importante carga de sofrimento para os próprios médicos, para as equipes e população. Em face da necessidade de qualificação e expansão da Estratégia Saúde da Família, a SBMFC e o Ministério da Saúde vêm estabelecendo parcerias, debatendo e avaliando estratégias que articulem maior oferta de programas de formação de especialistas, trabalho em equipe e expansão do acesso da população ao Saúde da Família. Entre as alternativas pactuadas vale destacar o programa de incentivo do Ministério da Saúde à implantação de novos PRMFC, especialmente àqueles em Unidades Básicas de Saúde em parceria com as Secretarias Municipais de Saúde, que previa a complementação do valor das respectivas bolsas pelo MS, aprovado no Congresso Nacional5,6,7,8,9. Com essa e outras estratégias, esperava-se uma reversão progressiva daquele paradoxo, antes mencionado, através da rápida multiplicação do número de programas. Visando a contribuir para o aperfeiçoamento e a expansão desta formação, a SBMFC empenhou-se na organização deste documento, a partir de sua especificidade como sociedade científica e sua co-responsabilidade institucional quanto à Residência Médica, definida no âmbito da CNRM. Vale notar que o processo de implantação de novos PRM, em situações e modus operandi diferenciados – predominantemente fora do ambiente hospitalar –, torna necessário um acompanhamento ainda mais cuidadoso deste processo. Sugere ainda a necessidade de uma particularização de normas complementares e transitórias até que o desenvolvimento dos programas adquira maturidade sufici- 182 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade ente. Vencida esta primeira etapa, ainda restarão, como para qualquer outro programa, os desafios permanentes com vista à qualidade da formação oferecida, sua avaliação e melhoria contínua. 2. Como formar um MFC por meio de Programas de Residência Médica? – Princípios A SBMFC entende que o especialista em MFC não é adequadamente formado com uma fusão antipedagógica das chamadas áreas básicas, como pediatria, ginecoobstetrícia, medicina interna, cirurgia e psiquiatria. Ao contrário, esta formação deve inspirar-se em um modelo de prática médica centrada na pessoa e na relação médicopaciente, com foco na família e orientada para a comunidade, privilegiando, por conseqüência, o primeiro contato, o vínculo, a continuidade e a integralidade do cuidado na atenção à saúde10. O egresso de um programa de residência, organizado em sintonia com a concepção acima, deverá ser capaz de desenvolver ações integradas de promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto no nível individual, quanto familiar e comunitário. Para tanto, é necessário o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades técnicas específicas, de modo que a formação do MFC deve ocorrer com preceptores especializados em MFC, mais experientes e pedagogicamente habilitados para o ensino-aprendizado com adultos jovens. Com o objetivo de colaborar para que estes novos e, também, os antigos programas de RMFC se desenvolvam com base em uma estrutura programática e didáticopedagógica coerente e qualificada, a Diretoria da SBMFC elaborou o presente documento. Neste, encontram-se elementos considerados necessários ao processo de estruturação de programas de residência em Medicina de Família e Comunidade, incluindo as competências básicas que deverão ser constituídas ao longo do programa de formação e a distribuição temporal das atividades. Além disso, assinala os elementos da infra-estrutura Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade e de fluxo assistencial, necessários para criar um ambiente favorável de treinamento em serviço. Na seqüência, propõe um conjunto de iniciativas que vem desenvolvendo no sentido de minorar a atual defasagem entre necessidade e oferta de preceptores especializados em MFC. (60h X 48 semanas) ou de 5.760h/dois anos. Para facilitar o cálculo dos períodos de tempo a serem atribuídos às atividades, deve ser considerada a carga horária anual total e distribuí-la por meio do período, na forma de atividades contínuas e/ou concentradas em períodos, de acordo com o tipo de atividade e sua pertinência. Para facilitar a distribuição da carga horária, o percentual atinente a cada atividade deve ser planejado em percentuais, divisíveis ou múltiplos de 5 (1, 25%, 2,5%, 5 %, 10%), considerando a carga horária anual total (2.880h). Uma vez calculada, pode-se distribuir por semana, mês, semestre ou ano, de acordo com o mais adequado em termos de treinamento. Por exemplo: uma atividade que requeira 40% da carga horária de 2.880h, ocupará 1.152h/ano a serem distribuídas em 48 semanas, que podem corresponder a 24h/semana (seis turnos de 4 horas), 96 h/mês ou 576h/ semestre. 3. Organização e desenvolvimento dos Programas de Residência Médica em MFC Recomendações para a distribuição de carga horária de acordo com as atividades práticas e teóricas a serem desenvolvidas. De acordo com as normas da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) os programas de residência se desenvolvem ao longo de, no mínimo dois anos, com carga horária semanal de 60h11. Considerando as 52 semanas, e o período regulamentar de férias do residente (quatro semanas/ano), a carga horária total do treinamento em serviço é de 2.880h/ano Quandro 1. Discriminação da carga horária das atividades práticas e teóricas dos PRMFC recomendada pela SBMFC, tendo em vista as resoluções da CNRM: 183 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade • Consultório de MFC: corresponde aos espaços institucionais reservados para a realização de consulta individual ou familiar no âmbito da APS e da MFC. • Atenção domiciliar: corresponde às consultas e internações domiciliares. • Grupos terapêuticos: correspondem às atividades de organização e realização de trabalho com grupos de pacientes/pessoas/famílias/comunidade, que contemplem a participação do residente e que tenham por objetivo: a informação; educação em saúde; incremento da autonomia; suporte terapêutico, relacionados a temáticas específicas e/ou grupos homogêneos. • Administrativo-gerenciais: correspondem às atividades de organização dos prontuários médicos e outros registros como banco de dados das famílias e comunidade que propiciem a organização e o planejamento das ações de saúde; reuniões da equipe envolvida com o cuidado em saúde, bem como a gestão de serviços e sistemas locais de saúde. • Outras atividades coletivas: correspondem às visitas domiciliares não-clínicas, cadastramento de famílias; contato com associações de moradores, participação em reuniões comunitárias, dos Conselhos de Saúde e outras instâncias de representação social da comunidade; ações de intersetorialidade. • Teóricas: correspondem ao desenvolvimento de estudos dirigidos; cursos, discussões de casos e temas clínicos; seminários de integração teórico-prática; produção científica, trabalho de final de curso; jornadas, seminários, e congressos e atividades afins na área de interesse da MFC. Nos níveis secundário e terciário da atenção: incluem o acompanhamento de pacientes sob regime de internação hospitalar e o atendimento em situação de emergência no âmbito da prática médica. A carga horária destinada a tais atividades, como o treinamento hospitalar, pode ser concentrada em períodos mensais, semestrais ou anuais durante o desenvolvimento da residência. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Os quadros a seguir apresentam os objetivos gerais, os conhecimentos, as habilidades, atitudes, bem como os requisitos mínimos para o treinamento em serviço e desen- volvimento das atividades teórico-práticas recomendados pela SBMFC no tocante a dispensação de cuidados, seja no âmbito individual ou coletivo. Para efeitos didáticos, estes quadros foram sistematizados em áreas, a saber: • Competências Clínicas na Atenção Primária nas áreas da Saúde da Mulher; do Homem; do Adulto; do Idoso; da Criança; do Adolescente. • Competências Clínicas da Atenção Secundária. • Competências Clínicas na Atenção Terciária e Emergência. • Abordagem Sistêmica da Família. • Abordagem Comunitária. A abordagem de cada área deverá ser desenvolvida com base nas melhores evidências disponíveis, fundamentando processos decisórios, particularizados e contextualizados por meio do diálogo permanente com os princípios e as estratégias da Medicina baseada em narrativa. Cenários de prática e infra-estrutura necessária ao desenvolvimento de programas de residência em Medicina de Família e Comunidade Para o desenvolvimento de um programa de residência médica, é indispensável dispor de uma estrutura compatível com o desenrolar de um processo ensino-aprendizagem de qualidade, tanto no tocante ao treinamento em serviço quanto ao desenvolvimento das atividades teóricas. As variações quanto ao espaço físico e demais recursos diferem de um programa de residência para outro, em função da especificidade de cada especialidade médica e de cada local. Em relação à residência de Medicina de Família e Comunidade, a SBMFC recomenda a seguinte estrutura: a) Unidade de Saúde para treinamento em serviço no âmbito da Clínica da MFC. Locais ou espaços onde serão desenvolvidas atividades no nível da Atenção Primária à Saúde, especialmente consultórios destinados à prática da consulta médica. Tais espaços podem ser exclusivos para tal finalidade. Neste caso configuram Unidades de Medicina/Saúde da Família, também denominadas de Unidades Básicas de Saúde. Mas também podem estar situados próximos ou na mesma edificação de outras unidades de cuidados primários, secundários ou 184 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 2. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 185 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 3. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 186 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 4. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 187 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 5. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 188 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 6. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 189 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 7. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 190 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 8. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 191 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 9. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 192 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 10. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 193 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Quadro 11. Competências a serem constituídas durante o PRMFC, cenários de treinamento e atividades teórico/práticas. Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget 194 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade terciários de saúde, a exemplo de postos ou centros de saúde, policlínicas e unidades ambulatoriais de hospitais. Devem ser adequados e bem preparados para o atendimento de crianças, adolescentes, adultos e idosos. O cenário adequado seria constituído por: 6. Disponibilidade mínima de livros para consulta clínica – Duncan, Schmidt, Giuliani Medicina Ambulatorial Ed. Artes Médicas, 3a edição, 2004. – Soares, J.L.F.; Pasqualotto, A.C.; Leite, V.R.S. Métodos diagnósticos – Consulta rápida. Porto Alegre: ArtMed Editora, 2002. - PROMEF – Editora Artmed. b) Unidades de referência/contra-referência Na sua formação, o médico de Família e Comunidade deverá ser capaz de cumprir o programa mínimo estruturado para a especialidade, incluindo a preceptoria e as competências no nível dos cuidados secundários e terciários de saúde, e, também, dispor de referência e contra-referência de pacientes quando necessário. 4. Planta física e instalações – Sala de espera. – Recepção. – Espaço para arquivamento das fichas, prontuários e outros registros de organização e planejamento do trabalho. – Consultórios (mínimo de 7,5m2/consultório) para atendimento infantil, gineco-obstétrico e clínica de adultos. – Sanitários. – Sala para desenvolvimento de atividades de grupo e atividades teóricas (que comporte de 12 a 20 pessoas e tenha de 9 a 20m2). – Ventiladores e ar-condicionado. – Instalações elétricas e iluminação adequados. 5. Mobiliário, equipamentos e outros recursos – Mesas, cadeiras, mesa ginecológica, escada de apoio e foco de luz (consultório gineco-obstétrico), balança de adulto, mesa de exame clínico pediátrico e balança para recém-natos (consultório pediátrico), biombo, mesa de exame clínico e escada de apoio; estante(s); arquivos mesa para computador. – Computador e impressora, telefone; conexão para internet. – Esfingmomanômetro, estetoscópio, termômetro, fita métrica, sonar, estetoscópio de pinard, otoscópio, oftalmoscópio, laringoscópio, maleta, sonar doppler obstétrico, microscópio (desejável). – Tubo orotraqueal, ambu, microscópio, bandeja para pequenos procedimentos em cirurgia, bandeja para cateterismo vesical, material para exame ginecológico (espéculos, pinça longa, lâmina, espátula, escova), lanterna, foco pescoço de ganso, oxigênio, nebulizador, aspirador, oxímetro de pulso, aparelho para eletrocardiografia (desejável), manguitos para esfingmomanômetro conforme faixa etária e para paciente obeso, ventilador/aquecedor, cortinas. 195 7. Os principais serviços para atender a essas necessidades incluem: • Pediatria. • Ginecologia / Obstetrícia. • Medicina interna. • Pequenas cirurgias. • Saúde mental. • Unidades de emergência. • Unidades hospitalares (pediatria, clínica médica, cirurgia geral e ginecologia/obstetrícia). c) Acesso a métodos de investigação diagnóstica No desenvolvimento de sua prática, o médico de Família e Comunidade necessita desenvolver senso crítico, conhecer e aplicar métodos de investigação diagnóstica, não só para sua formação, mas também para atingir o grau de resolutividade inerente à prática de excelência da especialidade, que corresponde a, no mínimo, 85% dos problemas de saúde de uma determinada população. Para tanto, o acesso aos meios diagnósticos é condição essencial. Dentre os principais, estão: - Métodos de imagem: radiologia, ultra-sonografia; cintilografia. - Endoscopia digestiva e intestinal. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade - Métodos gráficos: eletrocardiografia e ergometria de esforço. - Patologia clínica: Hemograma completo, pesquisa de leucócitos atípicos, monoteste, contagem de reticulócitos, ferro sérico, transferrina, ferritina, TIBIC, velocidade de hemossedimentação, lipidograma, coagulograma, dosagem/titulação de sódio, potássio, cálcio, ácido úrico, fator reumatóide, FAN, Proteína C Reativa, ASLO, uréia, creatinina, glicemia, hemoglobina glicosilada, hormônio tireoestimulante, T4 livre, amilase, CK, CKMB, transaminase oxalacética, transaminase pirúvica, fosfatase alcalina, proteínas totais e frações, tipagem sangüínea, fator Rh, sorologias (HIV, hepatite B, hepatite C, EBV, CMV, toxoplasmose, doença de Chagas), VDRL, FTA-ABS, teste de coombs, clearance de creatinina, proteinúria, EAS, urinocultura, TSA, PSA total, parasitológico de fezes, sangue oculto nas fezes, TSA. cesso pedagógico a ser utilizado. Deve ser considerado, neste caso, a forma de aprendizado dos adultos (residentes), o qual envolve o aprendizado significativo, com base em problemas concretos e reais enfrentados no dia-a-dia. Desta forma, a Discussão de Casos – de pessoas ou famílias atendidas, situações vivenciadas nos domicílios, na comunidade, seguidos e/ou precedidos de leitura e/ou sistematização de textos informativos – pode se configurar uma boa opção para estruturar estas atividades. d) Atividades teóricas – Discussão de casos, cursos, oficinas e outros Os programas de residência médica devem dedicar de 10% a 20% do seu tempo ao desenvolvimento de atividades de cunho teórico, com o objetivo de aprofundar conhecimentos mais específicos da especialidade, considerando sua aplicabilidade prática. Neste campo, as ferramentas da MFC devem ser objeto destes espaços. Necessariamente, devem ser incluídos: - A pessoa, os ciclos de vida e a abordagem integral à saúde. - Família e instrumentos de abordagem familiar. - Comunidade e instrumentos de abordagem comunitária. - Clínica do MFC. - Educação em saúde. - Gerência e avaliação de serviços locais de saúde. Nas tabelas descritivas das competências do MFC, apresentadas anteriormente, a última coluna (Atividades Teóricos/Práticas) pode servir de orientação sobre as temáticas mais relevantes para o desenvolvimento dessas atividades. Vale destacar que os melhores resultados deste tipo de atividade estão na dependência, também, do pro- 196 e) Infra-estrutura docente A função de preceptoria requer, igualmente, a disponibilidade de estrutura adequada para seu desenvolvimento. Considerando este ponto de vista, são recursos necessários: - Acesso à comunicação imediata (linha telefônica). - Material educativo (quadro branco; pilots; papel; canetas; retroprojetor; recursos de mídia). - Acesso à internet. - Biblioteca. 8. Atividades de preceptoria, normas transitórias e capacitação de preceptores Todo processo de expansão acelerada supõe, antes de tudo, uma necessidade que o justifique. Essa necessidade foi delineada na introdução deste projeto. Diante da defasagem de preceptores especializados em MFC e a crescente demanda de abertura de programas, é recomendável fazer uma adaptação transitória da norma vigente (CNRM), visando a preservar seu objetivo sem bloquear o atendimento da necessidade social de formação desse especialista em escala ampliada. A SBMFC entende que é necessário que o conjunto dos médicos que vierem a assumir a supervisão direta de residentes em novos programas inicie formação como preceptores antes do início dos mesmos. E também que, até o final do credenciamento provisório, titulem-se como especialistas, recebendo o apoio necessário para essa conquista. Já os coordenadores teriam até o primeiro recreden- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade ciamento dos respectivos programas para obterem a mesma titulação. Estas recomendações assumem ainda maior relevância à medida que se entende que a preceptoria é uma atividade eminentemente presencial, sobretudo, no que toca às práticas de consultório, considerando-se em caráter de exceção algumas situações específicas. Mesmo nesses casos que fogem à regra não se pode dispensar a preceptoria presencial em grande parte das atividades desenvolvidas pelo residente. A SBMFC entende que é necessário e pertinente o incentivo a outras formas de incrementar o processo ensino-aprendizagem, inclusive pelo acesso do residente ao preceptor via meios rápidos de comunicação, como telefone e/ou internet. Além disso, parece aceitável em algumas circunstâncias, que um mesmo especialista compartilhe a preceptoria de residentes em unidades muito próximas, mas não se pode aceitar transgressão a norma sobre proporção entre o número de residentes e preceptores. Embora a formação dos preceptores da área não possa prescindir do protagonismo da Sociedade da Especialidade, a SBMFC entende que há um outro campo de apoio à expansão simultânea da ESF e dos PRMs em MFC que deve ser compartilhado presencialmente e à distância por especialistas focais de várias áreas, assim como por MFCs experientes via recursos de telemedicina. Esta nova modalidade de supervisão será importante tanto para os médicos residentes como para os preceptores em formação. Nesta perspectiva, pediatras, internistas, tocoginecologistas, cirurgiões e psiquiatras ligados a hospitais e/ou centros de saúde de um município ou região podem ser mobilizados para supervisionar, presencialmente e/ou à distância, o atendimento de casos menos freqüentes, ou mais complicados, realizado pelos residentes nas Unidades de Saúde da Família12, 13. A disponibilidade de computadores e comunicação pela internet cria condições apropriadas para a discussão de casos e avaliações conjuntas de situações por colegas mais experientes ou com maior formação em determinadas áreas. Para isso, é essencial adotar estratégias de qualificação que possibilitem a serviços de Atenção Primá- ria com reconhecido padrão de excelência candidatar-se para prestar esta modalidade emergente de apoio à distância, obviamente, recebendo recursos públicos necessários para tal. A tudo isso deve ser acrescentada a necessidade de assegurar apoio e facilitar o acesso de preceptores dos PRMs, em especial àqueles localizados em áreas menos providas de transporte, a atividades educacionais reconhecidas no processo de revalidação de seu título de especialista. Aqui se incluem tanto as atividades presenciais como aquelas à distância. Com o objetivo de colaborar com o processo de capacitação de preceptores e de qualificação da prática da preceptoria em RMFC e outros cursos de especialização na área, a SBMFC estruturou uma Oficina de Multiplica- dores, ainda em 2005, e a seguir iniciou um processo de Capacitação de Preceptores. Estas Oficinas de Capacitação vêm sendo coordenadas por Carmem Fernandes, José Mauro Cerati Lopes, Leda Chaves Dias Curra e Luiz Felipe C Mattos, especialistas em MFC do Rio Grande do Sul, que organizaram um detalhado manual de apoio pedagógico para este fim14. O público-alvo da Oficina de Multiplicadores foi composto por médicos que tinham cursado residência médica na especialidade e que, preferencialmente, eram preceptores de programas de RMFC já existentes. O público-alvo do Curso de Capacitação de Preceptores, por sua vez, é constituído por médicos especialistas em MFC, ou outros que estejam envolvidos ou venham a se envolver com a preceptoria ou a docência clínica da Atenção Primária, Saúde e Medicina de Família e Comunidade, em especial ex-residentes ou residentes de segundo ou terceiro ano de PRMFC. Vale acrescentar, por fim, que este processo de capacitação, objeto de outro documento da SBMFC, resultou, até o final de 2007, em 30 multiplicadores e cerca de 200 preceptores capacitados, números que apontam para a excelente aceitação da estratégia. 197 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Maria Inez Padula Anderson, Eno Dias de Castro Filho, Ricardo Donato Rodrigues, Marcello Dala Bernardina Dalla e Monique Marie Marthe Bourget Bases para expansão e desenvolvimento adequados de programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade 9. Referências 1. Falk JW. A Medicina de Família e Comunidade e sua Entidade Nacional. histórico e perspectivas. Rev Bras Med Família e Comunidade. 2004; 1 (1). 2.Penaforte J, Bessa O. Apresentação in Médico de Família. Formação, Certificação e Educação Continuada. Fortaleza (CE): Escola de Saúde Pública do Ceará; 2002. p.1116. 3.Anderson MIP. A Atenção Primária à Saúde que Queremos. 2005. 7° Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade. Belo Horizonte (MG), SBMFC; 2005. 4.Anderson MIP. Primary Care and Family and Community Medicine in Brazil. Florence: WONCA EUROPE; 2006. 5.Brasil. Medida Provisória N° 411 de 28 de dezembro de 2007. Brasília: DOU de 28/12/2007 – Edição extra. Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/ paginas/42/2005/11129.htm 6.Brasil. MS/MEC Portaria Interministerial N° 1597, de 22 de julho de 2007. Disponível em: http:// dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2007/GM/ GM-1507.htm 7.Brasil. Portaria n° 649/MS, de 28 de março de 2006. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/dab/docs/ legislacao/portaria_649_28_03_2006.pdf 8.Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 1.111/GM, de 5 de junho de 2005. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/ sas/portarias/Port2005/GM/GM-1111.htm 9.Hadadd AE. Residência em Medicina de Família e Comunidade. 2006. 8° Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade. São Paulo, SBMFC; 2006. 10.Anderson MIP, Demarzo M, Rodrigues RD. A Medicina de Família e Comunidade, A Atenção Primária à Saúde e o Ensino de Graduação: Recomendações e Potencialidades. Rio de Janeiro: SBMFC; 2005. 32p. Disponível em: www.sbmfc.org.br 11.Brasil. Ministério da Educação. Resolução 04/2003/ CNRM. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/ arquivos/pdf/cnrm_042003.pdf 12.Brasil. Programa Nacional de Telessaúde. Disponível em: http://www.telessaudebrasil.org.br/php/index.php 13. Anderson MIP, Monteiro A, Joao Junior M, Gismondi R. O Estado do Rio de Janeiro, A Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Estratégia de Saúde da Família. Experiências em Telemedicina e Telessaúde. In: Alaneir FS, Souza C, Alves HJ, Santos FS. (Org.). Telessaúde. Um Instrumento de suporte Assistencial e Educação Permanente. Minas Gerais: Editora MG; 2006. p. 290-295. 14. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Portal. Disponível em: http://www.sbmfc.org.br 198 Endereço para Correspondência: Rua 28 de setembro, sala 605, Rio de Janeiro RJ CEP: 20.551-031 Endereço Eletrônico: [email protected] Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC A especialização em MFC e o desafio da qualificação médica para a Estratégia Saúde da Família: proposta de especialização, em larga escala, via educação à distância Specialization in FCM and the challenge of medical qualification for the Family Health Strategy: a proposal for large-scale specialization through distance education Eno Dias de Castro Filho1 Gustavo Diniz Ferreira Gusso2 Marcelo Marcos Piva Demarzo3 Airton Stein4 João Carlos Schneider5 Marcello Dala Bernardina Dalla6 Maria Inez Padula Anderson7 Mário Roberto Garcia Tavares8 Ricardo Donato Rodrigues9 José de Almeida Castro Filho10 Raphael Augusto Teixeira de Aguiar11 Resumo A necessidade de um processo de especialização em larga escala em Medicina de Família e Comunidade (MFC) para os médicos da Estratégia Saúde da Família no Brasil (ESF) é identificada nesse documento. Os programas de residência médica (PRMs) seguem como padrão-ouro de especialização, mas não são suficientes para atingir o objetivo acima. Estimula-se que o processo seja acreditado pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e que seus concluintes sejam certificados por meio do concurso de titulação TEMFC. Modalidades à distância com momentos presenciais são as mais adequadas, observando-se propiciar acesso a profissionais já inseridos em serviço, valorizar sua continuidade nos mesmos, orientar o aprendizado para uma integralidade inteligente e coordenar diferentes recursos para viabilizar o ensino-aprendizagem. As competências buscadas são as definidas pela WONCA, adaptadas à realidade nacional. Aprender a aprender como um MFC é o principal objetivo visado. Casos complexos, Palavras-chave: Internato e Residência; Saúde da Família; Educação à Distância. Key Words: Internship and Residency; Family Health; Education, Distance. 1 Médico de Família e Comunidade, Mestre em Educação, Diretor Científico SBMFC 2004-2008, Coordenador Telessaúde RS. Médico de Familia e Comunidade da Prefeitura Municipal de Saúde de Florianópolis/ Diretor de Residência da SBMFC. 3 Médico de Família e Comunidade, Diretor de Graduação da SBMFC. Doutor em Ciências Médicas, Prof. Adj. Dep.de Medicina, UFSCAR, São Carlos, São Paulo, Brasil. 4 Médico de Família e Comunidade e Doutor em Epidemiologia da Gerência de Ensino e Pesquisa do GHC de Porto Alegre. 5 Médico de Família e Comunidade; Presidente do Profamilia Ensino e Pesquisa. 6 Médico de Familia e Comunidade. Mestre em Educação. Prof da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória ES e do Centro Universitário de Vila Velha. Vice presidente da SBMFC. 7 Médica de Família e Comunidade, Doutora em Saúde Coletiva, Professora adjunta e preceptora da Residência em MFC, FCM, UERJ, Presidente da SBMFC, Rio de Janeiro, Brasil. 8 Médico de Família e Comunidade, Mestre em Epidemiologia, Prof da UFRGS e Preceptor da RMFC do Hospital Conceição, Porto Alegre, RS. 9 Médico, Doutor em Saúde Coletiva, Professor Ad Dep Med Integral, Fam e Com da FCM, UERJ. 10 Especialista em Medicina de Família e Comunidade/Administração em Saúde. Professor de Medicina no Centro Universitário Vila Velha. 11 Médico; Mestre em Saúde Pública, Pesquisador do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da UFMG (NESCON). 2 199 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 A especialização em MFC e o desafio da qualificação médica para a Estratégia Saúde da Família: proposta de especialização, em larga escala, via educação à distância construídos de acordo com uma matriz de agravos e problemas diversos, atendidas às realidades regionais, são a principal ferramenta do processo. A SBMFC propõe-se a impulsionar tal estratégia. Abstract This document identifies the need for large-scale specialization in Family and Community Medicine (FCM) for the physicians of the Brazilian Family Health Program (FHP). The medical residency programs (MRP) continue the golden-standard for graduate education, but they are not enough to fill that gap. It is suggested that the Brazilian Society of Family and Community Medicine (SBMFC) shall be in charge of certifying the process. E-learning with some presential moments is considered the most suitable modality for propitiating access to health professionals already in service; valuing their continuity in the services; directing the teaching-learning process towards comprehensive intelligence and for coordinating different learning resources. The competences are those defined by the WONCA, adapted to the Brazilian reality. “Learn to learn” as a Family Doctor is the main goal. Complex cases constructed according to a framework of different clinical problems adapted to regional realities are the main tool for this process and the SBMFC offers itself to encourage such strategy. “Não é ter um curso um dia na semana para poder aprender a manejar o paciente de hanseníase, por exemplo. Não é ter uma semana de AIDPI [...]”. “Tem uns cursos preparatórios [...] uns muito bons, outros que não te acrescentam muita coisa, que não te acrescentam nada mesmo [...]”. Depoimentos de médicas do PSF1. 1. Introdução A sociedade é cada vez mais exigente em relação à garantia de qualidade dos serviços públicos e privados prestados por distintos profissionais. Este incremento de 200 exigência muitas vezes não é acompanhado de crescimento e reconhecimento profissional e social desses profissionais. Esse é o caso dos médicos e demais profissionais atuantes na Estratégia Saúde da Família (ESF). Na atual conjuntura de expansão da ESF, a falta de capacitação do médico para o trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS) ainda é um dos fatores que represa a potencialidade de impacto dessa Estratégia nos indicadores de saúde da população2. Dentre as estratégias para se reverter esse quadro está a especialização, modalidade de formação pósgraduada. Nesse contexto, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) vem posicionar-se como colaboradora no processo de transformação dos serviços de saúde, respondendo às necessidades de saúde da população brasileira, e incentivando novas possibilidades e estratégias de formação de recursos humanos para a saúde3. Superando dicotomias entre sanitarismo e cuidado que pautaram décadas no debate em saúde, a qualificação dos profissionais que trabalham na Estratégia Saúde da Família (ESF) é hoje foco prioritário para o avanço e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e da APS em nosso país, e também para os sistemas de saúde no mundo3,4,5. Desde a sua implementação, a ESF depara-se com a insuficiência de profissionais capacitados para a atuação qualificada para essa estratégia de atenção à saúde. Os cursos de especialização levados a cabo desde então, na sua maioria, focaram mais no campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva, deixando em plano secundário os conhecimentos, habilidades e atitudes da prática específica do médico que trabalha em uma equipe da ESF. Essa opção provavelmente prejudicou o alcance dos resultados previamente esperados, comprometendo a capacidade resolutiva necessária neste nível de atenção. Evidencia-se, portanto, que tal qualificação requer uma abordagem própria no núcleo de competência do profissional médico, assim como deve ocorrer para cada profissão que atua na base da ESF. A SBMFC, na qualidade de representante dos Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho, Gustavo Diniz Ferreira Gusso, Marcelo Marcos Piva Demarzo, Airton Stein, João Carlos Schneider, Marcello Dala Bernardina Dalla, Maria Inez Padula Anderson, Mário Roberto Garcia Tavares, Ricardo Donato Rodrigues, José de Almeida Castro Filho e Raphael Augusto Teixeira de Aguiar profissionais médicos que atuam no cuidado integral, continuado e contextualizado das pessoas, famílias e populações, abrangidas pela ESF e outros serviços de APS, dispõe-se a contribuir nesse processo de qualificação. No contexto da qualificação para o trabalho médico na ESF e na APS, a SBMFC considera que a Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade é a estratégia pedagógica ideal para a formação do “especialista da integralidade”, o médico de Família e Comunidade. Assim, também considera a importância da residência em relação às outras especialidades médicas e outras áreas da saúde6. Entretanto, a necessidade atual de qualificar mais de 27 mil médicos que atuam na ESF e que têm acesso diminuído para os programas de residência médica, dadas suas características e exigências de remuneração por bolsa, impõe que se realizem investimentos em outras formas de capacitação, permitindo, inclusive, a possibilidade de Titulação na Especialidade de Medicina de Família e Comunidade. A pós-graduação via especialização se coloca, então, como a estratégia prioritária neste momento, principalmente quando se inclui a modalidade à distância, desde que se avalie e regule a qualidade dos programas, por meio de “acreditação” periódica. A criação do concurso para o Título de Especialista em Medicina de Família e Comunidade (TEMFC) pela SBMFC, reconhecido pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), veio preencher uma lacuna decisiva neste horizonte. Já há modo legal e legítimo para atestar a qualificação inicial exigida para o médico da APS no Brasil, para além dos programas de residência médica em MFC. Vale ressaltar que, apesar da conclusão de curso de especialização não conferir ao médico o título de especialista em Medicina de Família e Comunidade – legalmente reconhecido junto ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e à Associação Brasileira de Medicina (AMB) –, a aprovação em cursos devidamente acreditados pela SBMFC pode ser valorizada e contribuir de modo efetivo para a obtenção do título, por meio de pontuação diferenciada no concurso de TEMFC, promovido regularmente pela SBMFC e 201 AMB. A trajetória dos últimos anos demonstrou que os médicos que aderiram, de fato, à ESF não desejam apenas qualificar-se para os desafios de sua prática, mas também desejam e merecem ser reconhecidos como especialistas pelos seus pares. Essa experiência é recorrente em nível internacional, e a não consideração desta pode gerar problemas difíceis de serem superados na expansão em grande escala da qualificação para a ESF7. 2. Detalhamentos pedagógicos Via de regra, e conforme menção anterior, as experiências dos últimos dez anos do movimento das especializações, em especial no que tange à capacitação dos médicos para a prática na ESF, foram desenvolvidas sob a ótica do campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva. Mesmo quando conteúdos clínicos eram desenvolvidos, a tendência era observar conceitos focais de especialidades básicas, como pediatria, clínica médica e ginecologia-obstetrícia, muitas vezes se restringindo a programas verticais. Na oportunidade de um novo movimento, e para que as especializações direcionadas à ESF estejam à altura do desafio que lhes está posto, a SBMFC considera que alguns eixos estruturantes (operacionais, metodológicos e pedagógicos) devem se integrar adequadamente ao processo, à luz dos preceitos do cuidado em APS. I - Eixos operacionais estruturantes para o curso de especialização da SBMFC 1) Acesso: a especialização ofertar-se-á de modo tal que se compatibilize com a manutenção do trabalho da equipe de saúde da família. 2) Continuidade (valorização): na mesma linha, o ideal é que se disponha de incentivos para a fixação dos profissionais assim qualificados e certificados pelo TEMFC nos territórios em que estão inseridos. Embora o plano de carreira do SUS ainda seja uma meta sanitária e legal relativamente distante de ser atingida, os municípios podem ser criativos neste âmbito, como por exemplo: diferenciar financeiramente o especialista em APS do que não se qualificou para o trabalho nesta área. Ninguém estranharia que Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 A especialização em MFC e o desafio da qualificação médica para a Estratégia Saúde da Família: proposta de especialização, em larga escala, via educação à distância a seleção e a progressão no âmbito das UTIs valorizasse o intensivista certificado, mas há uma baixa valorização do campo de atuação que faz isso parecer novidade na Saúde da Família. No entanto, tal previsão pode ser decisiva no aproveitamento do investimento pedagógico. Toda capacitação envolve um processo de oferta e demanda. A SBMFC por meio desta proposta se dispõe a arcar com a oferta, mas é de responsabilidade do gestor criar a demanda para que os profissionais se motivem a se capacitar em direção à boa prática. 3) Integralidade inteligente: a lógica que presidiu a escolha dos “conteúdos” deste curso levou em conta os princípios da especialidade MFC, bem como o perfil dos profissionais e as necessidades em saúde nos territórios. Em sua formação anterior, os médicos já vivenciaram oportunidades de aprender que devem ser resgatadas, mas reorientadas e completadas no processo de especialização. Desconhecê-las não seria razoável. Do mesmo modo, os desafios locais de sua prática atual precisam ser levantados para gerar a problematização que norteará o curso. Aprendizagem distante dos problemas reais costuma resultar em pouco proveito para adultos. A determinação de uma teia de problemas assentada nas questões geradas pela prática de APS local, ligada à revisão do saber prévio diante de novas referências e tecnologias pode fazer ampla diferença positiva. 4) Coordenação: distintas contribuições serão integradas no processo de especialização em MFC, mas não se pode supor que o especialista da integralidade seja adequadamente formado com uma fusão antipedagógica de especialidades focais. Quando cuida de crianças, mulheres, adultos e pessoas que sofrem psiquicamente, quando desenvolve vigilância em saúde, o MFC o faz sempre a partir da integralidade das necessidades de saúde da pessoa inserida em um contexto familiar e comunitário particular. Atua a partir de um corpo de conhecimentos específicos e mediante técnicas próprias a esta abordagem. Essa ótica estruturará a aprendizagem e, para tanto, será estratégico valorizar a presença de preceptores especialistas em MFC no planejamento, gestão e avaliação dos cursos. Em suma, presidida pelos princípios da especialida- 202 de, pela integralidade na abordagem, com base em problemas atuais e vivências anteriores, orientadas para a aprendizagem de adultos, incentivada na carreira local e de fácil acesso a quem está trabalhando, a especialização ofertada pela SBMFC representará uma contribuição decisiva na superação da lacuna de qualificação para a ESF. II – Eixos estruturantes metodológicos Seguem os passos iniciais para a implementação do curso de especialização em MFC da SBMFC. 1) Priorizar médicos inseridos na ESF e que se caracterizem por: a) não ter feito residência em Medicina de Família e Comunidade ou não ter título de especialistas pela SBMFC; b) manifestem interesse em realizar o curso. 2) Identificar e priorizar municípios que se comprometam com a ESF, com a qualificação das equipes, onde haja alguma formalidade no vínculo empregatício e onde os médicos tenham baixa rotatividade na ESF – e que possam se comprometer com alguma forma de incentivo para os médicos que concluírem o curso. 3) Conhecer o diagnóstico situacional do perfil e necessidade de formação dos médicos atuantes nas ESF que irão realizar os cursos (levantamento preliminar). III – Eixo estruturante pedagógico: O desenvolvimento de uma pedagogia apropriada para o adulto (andragogia) e a identidade com o cerne da especialidade são as bases do curso. a) Competências 1) As competências atribuídas ao MFC são universais, sistematizadas e revistas regularmente pela WONCA, Organização Mundial dos Médicos de Família e suas regionais8,9. Entendemos que tais competências devem estar adequadamente contempladas nos cursos de especialização em MFC: - Compreender a Medicina de Família e Comunidade como uma especialidade da integralidade do cuidado médico em Atenção Primária à Saúde, distinta e relacionada com as especialidades focais de órgãos, sistemas, faixas etárias, gêneros e procedimentos. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho, Gustavo Diniz Ferreira Gusso, Marcelo Marcos Piva Demarzo, Airton Stein, João Carlos Schneider, Marcello Dala Bernardina Dalla, Maria Inez Padula Anderson, Mário Roberto Garcia Tavares, Ricardo Donato Rodrigues, José de Almeida Castro Filho e Raphael Augusto Teixeira de Aguiar - Ser capaz de aplicar os princípios da especialidade (cuidado personalizado longitudinal, integral e contextualizado) às diferentes situações em que as pessoas, famílias e comunidades se apresentam e com excelência clínica sobre os problemas de saúde mais freqüentes, complexos ou simples. - Interpretar e organizar as informações coletadas para a formulação de hipóteses e dos problemas de saúde das pessoas, das famílias e da comunidade, de forma ética, visando à elaboração de planos de cuidado que considerem a utilização dos recursos sociais disponíveis, articulando e promovendo, permanentemente, possíveis propostas de ações integradas para a melhoria constante da qualidade de saúde da população. - Desenvolver as habilidades de comunicação necessárias ao cuidado de pessoas com diferenças culturais em relação ao próprio médico. - Atuar a partir de uma compreensão e de uma abordagem biopsicossocial do processo saúde-adoecimento. - Desenvolver ações integradas de promoção, proteção, recuperação da saúde no nível individual e coletivo. - Estar habilitado à prática clínica centrada na pessoa. - Dominar os princípios e as ferramentas da abordagem e da terapia familiar na sua área de competência. - Orientar sua prática para as necessidades sanitárias e também pelas demandas da comunidade, apresentando-se para o primeiro contato de cuidados, criando vínculos e utilizando cada oportunidade para a Promoção da Saúde. - Desenvolver aptidões para a resolução de problemas específicos, incluindo a capacidade de relacionar os processos específicos de decisão com a prevalência e incidência das doenças na comunidade. - Gerir as situações que se apresentem precocemente e de forma indiferenciada, utilizando as intervenções diagnósticas e terapêuticas de modo efetivo e eficiente. - Atender, com elevado grau de qualidade e resolutividade clínica – no âmbito da Atenção Primária à Saúde – pelo menos os 85% dos problemas e agravos de saúde mais freqüentes na população sob seus cuidados, sem diferenciação de sexo, gênero ou faixa etária. - A partir dessa resolutividade, exercer um papel de filtro 203 sobre os problemas de saúde, somente derivando a outros pontos do sistema de saúde aqueles que efetivamente requerem cuidados focais nos ambulatórios e hospitais de referência, ampliando a pertinência desses cuidados, sem perder, entretanto, o vínculo e o acompanhamento destes pacientes e de suas famílias. - Coordenar os cuidados integrais de saúde prestados a determinado indivíduo, família e comunidade ao longo dos diferentes pontos de cuidados da comunidade ou do sistema de saúde, mantendo o vínculo. - Identificar os problemas e necessidades de saúde da comunidade, particularizando e priorizando grupos mais vulneráveis, implementando ações de promoção, proteção e recuperação da saúde de caráter coletivo e no âmbito da Atenção Primária. - Atuar em equipe, promovendo o trabalho ético, participativo, co-responsável, interdisciplinar e intersetorial. - Desenvolver, planejar, executar e avaliar, junto à equipe de saúde, programas integrais de atenção, objetivando dar respostas adequadas às necessidades de saúde de uma população adscrita, tendo por base metodologias apropriadas de investigação, com ênfase na utilização do método epidemiológico. - Estimular a resiliência, a participação e a autonomia dos indivíduos, das famílias e da comunidade. - Cuidar de pessoas que desejam morrer em domicílio e discutir e educar sobre o viver e o morrer com dignidade. - Desenvolver habilidades no campo da metodologia pedagógica e a capacidade de auto-aprendizagem. - Estimular a curiosidade e o desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender de todos os envolvidos, em todos os momentos do trabalho em saúde. - Identificar necessidades de aprendizagem próprias dos pacientes/responsáveis, dos cuidadores, familiares, equipe multiprofissional, grupos sociais e comunidade, a partir de uma situação significativa e respeitando o conhecimento prévio e o contexto sociocultural de cada um. - Participar da formação e da capacitação de pessoal auxiliar, voluntário, pacientes e estudantes, utilizando metodologias ativas de ensino-aprendizagem e promoven- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 A especialização em MFC e o desafio da qualificação médica para a Estratégia Saúde da Família: proposta de especialização, em larga escala, via educação à distância do aprendizagem significativa e diferenciada. - Auto-avaliar-se e avaliar atividades, atitudes e ações, mantendo um processo permanente de reflexão crítica. - Compreender a pesquisa como sistematização e tratamento científico em busca de respostas às questões originadas pelo pensamento reflexivo a respeito dos problemas da população sob sua responsabilidade. - Desenvolver a capacidade de atuação médica cientificamente atualizada, eticamente fundamentada e socialmente relevante. Para o desenvolvimento desses princípios, o especializando médico deve estar disponível para aprender a: 1. Abordar de forma integral e contextualizada situações e agravos mais prevalentes da prática clínica real. 2. Incluir como temas de aprendizado situações menos freqüentes, mas de alta transcendência e vulnerabilidade em Atenção Primária à Saúde como, por exemplo, situações de emergência. 3. Fundamentar-se nas melhores evidências possíveis sobre os focos da prática médica em estudo; 4. Buscar apoio crítico de colegas experientes ou em formação. 5. Ter comprometimento individual com o próprio aperfeiçoamento. b) Metodologia pedagógica do curso: a abordagem baseada em problemas Experiências bem-sucedidas em cursos desta natureza foram efetivadas em diferentes países, como, por exemplo, no México3. A estrutura do curso proposto pela SBMFC leva em conta essas experiências e é constituída por discussão de casos complexos, com base em problemas de saúde mais prevalentes e/ou de grande relevância, sempre levando em conta os temas transversais como organização da demanda e abordagem familiar e comunitária. Os problemas de saúde serão identificados a partir de dados existentes sobre a prevalência dos mesmos e, também, levando em consideração aqueles sistematizados em publicações sobre o tema, a exemplo de livros textos no âmbito da MFC e Medicina Ambulatorial Geral. Devem estar contempladas questões de saúde sabidamente relevantes, mas freqüentemente subdiagnosticadas, como são os casos de violência, depressão e drogadição, por exemplo. Cada problema deverá dar origem à construção de um caso complexo, embora o mesmo caso possa abordar mais de um problema relevante. Os casos devem ser apresentados em níveis crescentes de complexidade no que tange à abordagem clínica individual, familiar e comunitária. Ele é chamado caso complexo porque permitirá a Matriz conceitual de casos complexos: *Agudos Transmissíveis (at) / Agudos Não-Transmissíveis (ant) / Crônicos Transmissíveis (ct) / Crônicos Não-Transmissíveis (cnt) / Crônicos Descompensados (cd) / Familiares (fam) / Ambientais (amc) / Comunidade (com) / Intervenções de Grupo (ig) / Questões Gerenciais (qg) / Bioética (eti) / Fim da Vida (fv) Temas para os casos complexos, com base na epidemiologia do local. 204 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho, Gustavo Diniz Ferreira Gusso, Marcelo Marcos Piva Demarzo, Airton Stein, João Carlos Schneider, Marcello Dala Bernardina Dalla, Maria Inez Padula Anderson, Mário Roberto Garcia Tavares, Ricardo Donato Rodrigues, José de Almeida Castro Filho e Raphael Augusto Teixeira de Aguiar identificação e problematização de diagnósticos individuais, familiares e comunitários do processo saúde-adoecimentocuidado, bem como a abordagem de temas transversais. Veja exemplo de matriz conceitual de casos complexos no quadro anterior. Assim sendo, os casos contemplarão: 1. Situações/questões de saúde trazidas pelos pacientes/ familiares e agentes comunitários e/ou desvendadas a partir de visitas domiciliares; tais situações devem ser descritas contemplando as variáveis necessárias para uma abordagem integral (biopsicossocial) e continuada da pessoa em seu contexto familiar e comunitário. 2. As ferramentas e técnicas do MFC necessárias para sua abordagem (habilidades semiológicas, de comunicação, de abordagem familiar, de trabalho com grupos, de diagnóstico de comunidade, de educação popular em saúde, de pesquisa, de Medicina com base em evidências no contexto da população geral, de planejamento, de gestão da demanda, de assistência domiciliar etc.). 3. Os elementos necessários para trabalhar a diferenciação em relação à clínica de serviços de referência ou internação. 4. Os elementos de coordenação do cuidado. 5. As oportunidades de promoção da saúde, de diagnóstico precoce/screening ou iniciativas de prevenção. 6. Os elementos terapêuticos a implementar (medicamentosos e não-medicamentosos) e da reabilitação. 7. As necessidades de vigilância ou intervenção no território-processo. 8. As possibilidades do empoderamento pessoal/familiar e comunitário face ao confronto com o problema. Em suma: o foco das atividades teóricas será: (a) apresentação de casos complexos; (b) a elaboração e hierarquização de uma lista de problemas típica de um MFC; (c) definir focos de intervenção; (d) discussão, perguntas pedagógicas e definição de estratégia científica com o objetivo de identificar técnicas e conteúdos que se deve dominar para viabilizar a(s) intervenção(ões); (e) busca de bibliografia e auto-aprendizado; (f) discussão em grupo e síntese; (g) verificação dos conteúdos abordados e fechamento do caso complexo; (i) avaliação do processo de ensino-apren- 205 dizagem em cada caso. c) Diretrizes gerais Serão 40 casos complexos com perguntas ligadas ao objetivo de aprendizagem. O curso será coordenado pela SBMFC, que fornecerá a plataforma de ensino via Educação à Distância (EaD) e os tutores. A coordenação do curso será responsável por: Realizar a coordenação pedagógica. Realizar a avaliação global dos estudantes, dos tutores e do programa. Fazer um trimestral contendo: - Avaliação global do curso. - Avaliação dos tutores. - Apontamento das principais dificuldades e propostas de solução. Decidir pela exclusão do curso ou remanejamento de aluno de turma. A SBMFC preconizará um tutor para cada dez alunos. Os tutores serão selecionados e treinados pela SBMFC e serão de preferência médicos de Família e Comunidade com residência ou título de especialista nesta área. Deve ter competência em Medicina de Família e Comunidade, e, preferencialmente, em Medicina com base em evidências. O tutor deverá se dedicar ao menos 10 horas semanais, incluindo o tempo para a realização do relatório. Suas funções primordiais serão: Facilitar/ problematizar. Fazer consultoria/notificar quando há informações erradas ou a discussão está tomando rumos não desejados. Monitoramento/avaliação. Confecção de relatório trimestral contendo: - Recomendações para o melhoramento do curso. - Avaliação do grupo. - Avaliação formativa de cada aluno (disponibilizado para cada aluno por senha). Check-list de cada semana: Desempenho nas questões de Saúde Baseada em Evi- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 A especialização em MFC e o desafio da qualificação médica para a Estratégia Saúde da Família: proposta de especialização, em larga escala, via educação à distância dências; Desempenho nas questões de abordagem centrada na pessoa; Desempenho nas questões de abordagem familiar; Desempenho nas questões de abordagem comunitária; Desempenho nas questões de coordenação do cuidado (trabalho em equipe, longitudinalidade, integralidade, acesso, coordenação, advocacia). Avaliação global do aluno: satisfatório; satisfatório, mas precisa melhorar; insatisfatório; sugestão de desligamento do curso com justificativa. Recomendações para cada aluno. Haverá uma avaliação final somativa, com prova nos moldes da prova teórica do concurso para obtenção de Título de Especialista em Medicina de Família e Comunidade (TEMFC). A aprovação nesta prova terá grande peso para a obtenção do TEMFC, desde que cumpra as exigências do edital de cada edição. Os critérios de aprovação serão: 1. Cumprimento satisfatório pelo tutor ratificado pela coordenação do curso. 2. Percentual de acertos na Prova final conforme exigido no edital referente ao concurso em tela. Ao final, o aluno que concluir o curso satisfatoriamente e cumprir as etapas e normas da Prova de Títulos vai obter o certificado de Especialista em Saúde da Família pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. d) Carga horária: A carga horária será de 400 horas para a preparação lato sensu e corresponderá à discussão de 40 casos, sendo um por semana com dedicação de 10 horas por caso. O tempo deve ser dividido em cinco horas para leitura da bibliografia obrigatória e complementar (aproximadamente dez páginas) e cinco horas de discussão online e busca de literatura. Espera-se que nestas cinco horas de discussão o aluno responda às perguntas e ponderações do facilitador, 206 leia as mensagens de todos do grupo ao qual pertence e poste comentários no fórum ao menos três vezes por semana, além de realizar a busca de pelo menos uma referência para cada caso. Sistematizando: 5h de leitura: referente a 10 páginas de livro texto, artigos ou sites. 5h de discussão: postagens três dias da semana - Leitura das mensagens. - Postagens de comentários. - Discussão dos casos. - Apresentação de respostas, condutas e encaminhamentos ao caso a partir da leitura e discussão com o tutor. - Discussão de casos reais próprios. - Busca de referência bibliográfica. e) Diretrizes para produção de um caso complexo: Cada caso complexo deve conter: 1. Relato do caso complexo com perguntas orientadoras para a discussão, bibliografia obrigatória e bibliografia complementar. 2. Orientações ao tutor para nortear a discussão (que não serão disponibilizadas ao aluno). Para a elaboração do caso complexo, o autor deve: Focar no problema principal designado pela coordenação com base na matriz de casos complexos cuja sistematização está descrita acima. Seguir princípios da especialidade com base na realidade da clínica da Medicina de Família e Comunidade acrescentando elementos como, por exemplo, manejo do tempo, registro da consulta pelo “SOAP”, elaboração de lista de problemas e vulnerabilidades pessoais e sociais. Garantir a presença de elementos da vida pessoal, familiar, comunitária do paciente e da organização do serviço (excesso de demanda, por exemplo) que influenciam na compreensão do paciente do seu próprio problema e na avaliação global da situação-problema pelo médico. Introduzir, quando for pertinente, a presença de elementos da vida e cultura do profissional que influenciam na percepção do problema e na comunicação com o paciente. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho, Gustavo Diniz Ferreira Gusso, Marcelo Marcos Piva Demarzo, Airton Stein, João Carlos Schneider, Marcello Dala Bernardina Dalla, Maria Inez Padula Anderson, Mário Roberto Garcia Tavares, Ricardo Donato Rodrigues, José de Almeida Castro Filho e Raphael Augusto Teixeira de Aguiar Acrescentar, quando for pertinente, diálogos entre o médico e o paciente para ilustrar a competência cultural e a habilidade de comunicação. ver em cada caso complexo questões clínicas, co- respostas mais curtas e objetivas (exemplos: “elabore um genograma sobre a família da paciente” ou “em que fase do ciclo vital se encontra a paciente”). Acrescentar sempre, dentre as demais, a seguinte ques morbidades, ao menos um componente da abordagem centrada na pessoa (figura acima), coordenação do cuidado e pelo menos mais dois dos temas transversais já descritos na matriz dos casos complexos. Elaborar, ao final, perguntas orientadoras com discussão progressiva dos problemas (cumulativas tipo “snow ball” ou concêntricas). Alternar questões de análise mais ampla e profunda (exemplo: “analise a forma que o médico abordou a paciente com relação à queixa ginecológica”) com outras de tão: “apresente uma ou mais referências que colaborem na abordagem e compreensão do caso e descreva como chegou a ela”. Descrever a bibliografia obrigatória de no máximo 20 páginas e sugestão de leitura complementar (livros, artigos ou sites) indicando os capítulos e/ou as páginas de interesse para o caso em questão. Levar em consideração que as respostas às perguntas devem estar contempladas nas bibliografias obrigatória e complementar. 207 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Relato de Caso A especialização em MFC e o desafio da qualificação médica para a Estratégia Saúde da Família: proposta de especialização, em larga escala, via educação à distância Limitar cada caso complexo: deve ter entre mil e duas mil palavras, incluindo de duas a cinco referências bibliográficas obrigatórias, deCase três aReport cinco referências complementares e de oito a doze perguntas orientadoras. Lembrar que as referências obrigatórias devem ser facilmente acessíveis e as complementares, acessíveis. Usar como referências obrigatórias: Sites, artigos e protocolos gratuitos disponíveis na internet, especialmente as Diretrizes da SBMFC. Livro Medicina Ambulatorial – Bruce Duncan & cols. PROMEF. Livro Evidência Clínica – conciso (BMJ). Cultura, Saúde e Doença – Cecil Helman. Textbook of Family Medicine – Ian Mc Whynney. Patient Centered Medicine – Moira Stewart & cols. Para a orientação ao tutor, o autor deve: Estabelecer os objetivos de aprendizagem do caso. Descrever como o caso se articula com estes objetivos. Descrever quais temas transversais devem ser destacados pelo aluno e como ele(s) se relaciona(m) com o caso. Descrever a lista de problemas considerada e o que se espera que os alunos abordem de cada problema (como chegou a ela, quais foram as hipóteses descartadas, quais e em que pontos os temas transversais colaboraram para o diagnóstico). Descrever o plano de cuidado e quais temas transversais podem colaborar justificando. Cada orientação do tutor deve ter entre 1.000 e 1.500 palavras. A Diretoria da SBMFC se propõe a promover uma oficina de qualificação para elaboração de casos complexos em MFC seguindo os padrões acima, assegurando as seguintes condições aos elaboradores para que, após a mesma, se possa contar com o eixo condutor de todo este processo em condições de implementação. Para tanto, o autor terá os seguintes direitos e deveres: Ser remunerado com o valor de R$1000,00 (mil reais) por dois casos complexos elaborados e aceitos pela coordenação. 208 Caso o autor cumpra todas as etapas e escreva apenas um caso ou a coordenação aceite apenas um dos dois submetidos, o autor receberá R$500,00 (quinhentos reais). Possibilitar que se escreva individualmente ou em dupla com outra pessoa também selecionada para a tarefa (situação em que serão quatro casos designados aos dois). Participação obrigatória na “Oficina para Produção de Casos Complexos” custeada pela SBMFC em data e local a ser definido pela Coordenação. Submeter a primeira versão dos casos complexos no prazo definido pela Coordenação. Aceitar as sugestões da Coordenação submetendo até três versões dos casos complexos para análise e avaliação. Seguir as orientações para elaboração dos casos complexos e das orientações ao tutor. Estar ciente de que, após as três versões, o caso pode ser aceito ou rejeitado. Estar ciente de que o tema dos casos complexos a serem produzidos será decidido ao final ou após a oficina de capacitação pela Coordenação. Estar ciente de que o caso poderá sofrer alterações a posteriori para adaptação para Educação à Distância (EaD) feita por especialistas em EaD. Estar ciente de que os direitos autorais materiais dos casos complexos serão cedidos à SBMFC, após o pagamento do valor devido, sem prejuízo dos direitos morais dos autores. Os critérios para selecionar os elaboradores de casos serão: Obrigatórios: Especialista em Medicina de Família e Comunidade. Sócio da SBMFC. Classificatórios: Mestrado – 0,5 ponto. Doutorado – um ponto. Formador (docente ou preceptor) em Medicina de Família e Comunidade – 0,5 ponto por ano de experiência em formação. Clinica de Medicina de Família e Comunidade – 0,5 ponto por ano de experiência. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho, Gustavo Diniz Ferreira Gusso, Marcelo Marcos Piva Demarzo, Airton Stein, João Carlos Schneider, Marcello Dala Bernardina Dalla, Maria Inez Padula Anderson, Mário Roberto Garcia Tavares, Ricardo Donato Rodrigues, José de Almeida Castro Filho e Raphael Augusto Teixeira de Aguiar Eliminatório: prova escrita: elaboração prévia de um caso complexo com tema de livre escolha, explicitando os objetivos de aprendizagem e o roteiro de aproveitamento do caso – até cinco pontos (dois pontos, ou menos, elimina). IV - Recomendações e propostas da SBMFC para o sucesso do processo Seria altamente relevante que houvesse incentivo financeiro para os municípios que preconizassem a presença de especialistas em Medicina de Família e Comunidade ou Saúde da Família em seus quadros, por meio, por exemplo, de PAB variável diferenciado para esses municípios. Como foi mencionado acima, a SBMFC tem capacidade de ofertar capacitação de qualidade, mas cabe aos gestores criarem a demanda e a motivação inicial para que haja inscritos. Este curso poderá ser financiado com recursos do Ministério da Saúde e/ou de empregadores; portanto, nesses casos, gratuito aos especializandos. Espera-se com esse documento contribuir efetivamente para o presente e futuro da APS e da MFC no Brasil. 3. Referências 1. Silva ACMA. Saúde da criança no PSF: facilidades e dificuldades encontradas pelos médicos para implantação das ações: um estudo de caso. [Dissertação] Instituto Fernandez Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, 2006. 2. Gérvas J, Fernández MP. Atención Primaria fuerte: fundamento clínico, epidemiológico y social en los países desarrollados y en desarrollo. Rev Bras Epidemiol. 2006; 9(3): 384-400. 3. Fernandez Ortega et al. Curso semiescolarizado de especialistas em medicina familiar em México (1993 – 1999). Aten Primaria. 2003; 31 (2): 114–9. 4. Word Health Organization: from Alma Ata to the Year 2000. Geneve: WHO; 1998. 5. Wonca. Improving Health Systems: the Contribution of Family Medicine; a Guidebook. 2002. Disponível em: http:/ /www.globalfamilydoctor.com 6. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comuni- 209 dade. Formação e qualificação do Médico de Família e Comunidade através de Programas de Residência Médica no Brasil, hoje: Considerações, Princípios e Estratégias. 2005. Disponível em: http://www.sbmfc.org.br 7. Martín Zurro A. Evaluación de la for mación posgraduada, certificación y recertificación profesional de los médicos de familia en diferentes países (Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Holanda, Australia y España). Aten Primaria. 2002; 30 (1): 46-56. 8. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Medicina de Família e Comunidade: O que, como, onde e por que? – Material de divulgação e informação Disponível em: http://www.sbmfc.org.br 9. The European Definition of General Practice/Family Medicine, EURACT. 2005 Disponível em: http:// www.euract.org Primeira versão em novembro de 2006. Revisões Parciais em junho e agosto de 2007. Endereço para Correspondência: Rua 28 de setembro, sala 605, Rio de Janeiro RJ CEP: 20.551-031 Endereço Eletrônico: [email protected] Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Telessaúde em apoio à Atenção Primária à Saúde no Brasil Telehealth in support of Primary Care in Brazil Eno Dias de Castro Filho* Resumo Inúmeros pontos de estrangulamento têm sido enfrentados na estratégia Saúde da Família, e muitos deles dizem respeito à resolutividade. O Projeto Telessaúde pode impactar favoravelmente na resolutividade. Os custos em dependência nacional de aguardar para adotar essas tecnologias somente no futuro devem ser levados em conta. A rede da Saúde da Família se constitui, em larga medida, por recém-formados e pelos especialistas focais de órgãos, sistemas, gênero ou faixa etária que, na representação ultrapassada do SUS como pirâmide, estariam alocados em seu “topo”. As condutas dos recém-formados e dos especialistas focais, quando trabalhando em APS, não terão a excelência requerida se não lhes for oferecida a qualificação específica para este cenário. A disponibilização de segunda opinião via internet por especialistas em Atenção Primária pode ser a alternativa de suporte durante o longo período necessário para uma reciclagem tão ampla em escala nacional. Ao lado da teleassistência aqui sugerida, teleducação também deve integrar o Telessaúde. No entanto, conteúdo não solicitado e pedagogia de concepção “bancária”, altamente presentes na internet, são pouco úteis. As escolhas neste campo devem observar as conclusões de revisões sistemáticas sobre o que é efetivo e o que não é, em desenvolvimento profissional contínuo. Abstract The Family Health Strategy has faced numberless bottlenecks, many of them with respect to the capacity to solve problems. The Telehealth Project can improve this capacity. The cost in terms of national dependence resulting from the delay in adopting these technologies must be taken into account. The Family Health Program counts mainly with recently graduated physicians or with medical specialists, who in the former organization of the Unified Health System would have built the top of the pyramid. However the performance in Primary Care of both recently graduated practitioners and medical specialists will not reach the required excellence without specific qualification for this field. The availability of a second opinion from specialists in Primary Care through the Internet could represent an alternative during the long period of time necessary for such a wide-ranging recycling on national level. Besides the telemedicine suggested here, telelearning also must integrate the Telehealth Project. Unrequested content and education following the “banking” concept however, widely present in the Internet, are of little use. Palavras-chave: Conhecimento; Atenção Primária à Saúde; Informática Médica; Saúde da Família; Educação Baseada em Competências. Key Words: Knowledge; Primary Health Care; Medical Informatics; Health Family; Competency-Based Education. *Médico de Família e Comunidade, Mestrado em Educação, Diretor Científico SBMFC 2004-2008, Coordenador do Núcleo Telessaúde/RS. 210 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho Telessaúde em apoio à Atenção Primária à Saúde no Brasil The choices in this field must follow the conclusions of systematic reviews about what is and what is not effective in continued professional development. 1. Introdução O desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS) alcançou um novo patamar a partir da consolidação da estratégia Saúde da Família (SF) como política de Estado. Sendo estabilizada entre as estratégias da nação, ampliou decisivamente o acesso dos cidadãos a cuidados integrais e continuados à sua saúde. Entretanto, inúmeros pontos de estrangulamento têm sido enfrentados, e muitos deles dizem respeito à resolutividade da rede de cuidados. Como parte de um conjunto expressivo de ferramentas utilizadas na qualificação dos profissionais de saúde, a telemática pode impactar favoravelmente na resolutividade do SUS. A queda nos custos de hardware e telecomunicações e o desenvolvimento de software na área abrem espaço para novas soluções adaptadas aos gargalos dos serviços. A Organização Mundial da Saúde, a UNESCO e a International Telecommunication Union (ITU) têm-se dedicado a estudar este potencial, e suas diretrizes integram as bases do Projeto Telessaúde, do Ministério da Saúde (MS) brasileiro. Especialmente, devese destacar, como referência, o documento Guidelines for a country feasibility study on telemedicine , de 2003, produzido pelo Centro Norueguês para Telemedicina (NST), por encomenda da OMS. Nele se condensaram resultados de estudos de praticabilidade da telemedicina em diferentes países como África do Sul, Cuba e outros. Telessaúde abrange teleducação, suporte à pesquisa em saúde, suporte para a gestão e telemedicina. Telemedicina é definida como ações de saúde em que as tecnologias da informação e comunicação permitem provimento de suporte ou cuidados independentemente de onde se situa o usuário do serviço, o profissional de saúde e a própria informação. A experiência já desenvolvida e estudada chama atenção para a necessidade de um planejamento que leve em conta também os erros já efetivados internacionalmente 211 ou identificados como possíveis. Nesse sentido, é necessário prudência diante das pressões e expectativas geradas pelos grupos econômicos ligados à área e, especialmente, ao risco de substituir investimentos e recursos de custeio que seriam necessários em outras operações ainda mais fundamentais para a resolutividade dos cuidados de saúde. Na verdade, tanto os custos de manutenção de longo prazo, como os de substituição de equipamentos danificados, furtados ou ultrapassados, os de treinamento de pessoal e pagamento de instituições colaboradoras e fornecedoras devem estar previstos para dimensionar o esforço nacional em equilíbrio com os relevantes objetivos buscados. De outro lado, os custos em dependência nacional da alternativa de aguardar para adotar essas tecnologias somente no futuro também devem ser levados em conta. Além disso, é fundamental, desde o início, constituir espaços-ponte entre as comunidades de profissionais de saúde, a comunidade acadêmica, a comunidade de telecomunicações e informática, os órgãos governamentais e os usuários do sistema de saúde. Um pequeno comitê orientador da iniciativa deve trabalhar em conjunto com uma rede maior de participantes, a fim de que uma operação de grande envergadura não seja subaproveitada e não incorra em equívocos que um amplo e permanente diálogo pode evitar. 2. Contexto É imprescindível definir com nitidez tanto a necessidade que se quer atender como o cenário em que ela se apresenta para delinear o melhor aproveitamento dos recursos da telessaúde em nosso país. As pesquisas avaliativas já realizadas sobre a estratégia Saúde da Família apontam para uma grande extensão do acesso ao Sistema (embora ainda haja grandes vazios, especialmente na região Norte, com suas conseqüências inclusive no plano da ocupação nacional do território e sua segurança), acompanhado por um insuficiente desenvolvimento do suporte à Atenção Primária. Insuficiente tanto em termos de recursos diagnósticos, como de referência e Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho Telessaúde em apoio à Atenção Primária à Saúde no Brasil contra-referência, como no desenvolvimento profissional contínuo dos trabalhadores (aqui incluídos os problemas da precarização das relações de trabalho e os da manutenção ou aquisição das competências específicas para o trabalho em Atenção Primária à Saúde). A telemática não incide necessariamente sobre a precarização das relações de trabalho, mas pode impactar positivamente na solução dos demais. O descompasso entre expansão da rede e adequação dos profissionais torna necessário aguçar o olhar. A representação tradicional dos sistemas de saúde empregava o desenho de uma pirâmide. Em sua base, estariam profissionais com uma formação simplificada e, em seu topo, os especialista focais de órgãos determinados do corpo humano, sistemas específicos, gênero ou faixa etária – ou, ainda, especialistas focados em cenários nos quais a prestação de serviços de saúde demanda sempre equipamentos de alto custo, como CTIs. Ora, esta representação não se aplica às nações em que se organizaram sistemas de saúde altamente resolutivos e custo-efetivos. Porque demonstraram que o profissional necessário na chamada rede básica não é um profissional básico ou pouco qualificado, mas também especializado. Seu cenário de trabalho os expõe o tempo todo a problemas de saúde altamente complexos. A indiferenciação clínica dos problemas é maior, sua apresentação é mais freqüentemente inicial e, por sua interação intensiva com fatores familiares, comunitários e sociais também altamente complexos, requerem especialistas no cuidado integral. E no Brasil a imagem da pirâmide se aplica ainda menos, pois aqui a rede da Saúde da Família se constitui em larga medida pelos mesmos especialistas focais que a pirâmide esperaria encontrar em seu pretenso topo. Anestesistas, cirurgiões plásticos, nefropediatras, obstetras são defrontados diariamente com crianças que sofreram abuso sexual, com homens sedentários que têm artrose, com diabéticos em cuja casa quem cozinha é uma comedora compulsiva... As condutas dos especialistas focais, quando trabalhando em APS, não terão a excelência requerida se não lhes for oferecida a qualificação específica necessária para este cenário. A disponibilização de segunda opi- 212 nião de especialistas em Atenção Primária pode ser a alternativa de suporte durante o longo período necessário para uma reciclagem tão ampla em escala nacional. Ou seja, as necessidades de educação à distância, de consultoria/segunda opinião são muito diferentes do que se conceberia se a velha pirâmide fosse a referência de interpretação da realidade. Nosso SUS é muito mais como uma teia ainda em construção do que qualquer figura geométrica pronta poderia sugerir. É diante desse contexto particular que se busca a contribuição que a telemática pode aportar à Atenção Primária no Brasil. É nele que se põe a tarefa de aproximar a resolutividade desse nível do Sistema dos 85% internacionalmente testados e propugnados. 3. Flexibilidade Entende-se a telemática como ferramenta e canal maleável, com ênfase de utilização mutável à medida que se desdobram outras iniciativas tendentes a resolver os atuais gargalos do Sistema de Saúde. No último decênio, o MS tem investido na multiplicação de alternativas de capacitação para a Saúde da Família. Mais recentemente, compreendendo a particularidade desta carência no campo da Medicina, desenvolve-se uma política de expansão das Residências em Medicina de Família e Comunidade (MFC) credenciadas pela CNRM. São procuradas, também, as formas de realizar uma capacitação em larga escala à distância em curto período. Quando essas iniciativas (dentre outras, como investimentos em equipar as Unidades de Saúde da Família com diferentes recursos), mostrarem seu impacto de modo mais significativo, é provável que a demanda para segunda opinião em MFC ou em especialidades focais diversas diminua. Por outro lado, pode haver aumento da demanda de apoio telediagnóstico, como interpretação de exames de fundo de olho, ECG, colposcopia etc. Esta variação já pode ser identificada quando enxergamos as imensas diferenças regionais das necessidades de saúde no Brasil. Exemplo disso são as proporções entre população e equipes de Saúde da Família. De 2.500 a 4.500 (portaria recente reduziu o teto para quatro mil, ainda muito Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho Telessaúde em apoio à Atenção Primária à Saúde no Brasil alto) habitantes por equipe, tal variação determina o quanto de tempo cada profissional pode dedicar a cada pessoa sob seu cuidado, aqui incluídas as teleconsultorias entre pontos da teia. A extensão de área e os acidentes geográficos do espaço sob responsabilidade de uma mesma equipe, igualmente, determinam o quanto de seu tempo poderá ser dedicado ao trabalho dentro da unidade e o quanto será despendido apenas com deslocamento dos profissionais no território. De outro lado, há localidades nas quais a presença de MFCs já é substantiva. Porém, há regiões em que o difícil acesso a meios diagnósticos e de serviços de referência é imensa. Há também as grandes diferenças entre locais nos quais há e onde não há experiências prévias de telemedicina ou telemática na saúde em geral. E ainda é necessário levar em conta as discrepâncias de disponibilidade de infra-estrutura de internet com banda larga. Isso interfere, tanto quanto o processo de trabalho preexistente, em escolhas entre alternativas como supervisão clínica on-line ou off-line. As necessidades de cada situação deverão, pois, ser enfocadas particularmente para estipular o padrão mais custo-efetivo de telessaúde em APS. A estratégia de implantação deve buscar a máxima eqüidade com vistas ao emparelhamento na superação dos diferentes déficit. Do mesmo modo, o imprescindível sistema de avaliação a erigir deve ter a capacidade de cotejar os benefícios em relação às necessidades inicialmente identificadas, assim como os custos em relação a alternativas disponíveis para satisfazê-las. 4. Padronização Ao lado da flexibilidade, alguns elementos de padronização também deverão estar presentes. Alguns deles derivam da política nacional de telecomunicações e de informatização. Sistemas Operacionais, hardware e desenvolvimento da infra-estrutura de internet serão eleitos em sintonia com essa política. Padrões éticos e de confidencialidade devem obedecer às emanações do Conselho Federal de Medicina e outros órgãos pertinentes. Os princípios gerais são os da Atenção Primária à Saúde, e o 213 enfoque clínico também. 5. Eixos a) Teleducação A educação à distância para a Atenção primária à Saúde é uma ferramenta importante que pode ser tornada disponível por meio da telemática. Entretanto, as escolhas neste campo devem observar as conclusões das revisões sistemáticas sobre o que é efetivo e o que não é, em desenvolvimento profissional contínuo. A Biblioteca Cochrane disponibiliza material de alta qualidade a este respeito, e há muito material sobre isto em vários periódicos médicos de grande penetração. Em síntese, conteúdo não solicitado e pedagogia de concepção “bancária” (na acepção de Paulo Freire) são altamente presentes na internet e, nessa mesma proporção, são pouco úteis. Recomendamos a estratégia de disponibilizar gratuitamente a melhor literatura científica disponível e ofertar aos profissionais a oportunidade de escolher o mix que melhor lhes convêm. A conquista da própria Biblioteca Cochrane em sua íntegra para acesso gratuito por meio da BVS é o melhor exemplo dessa literatura. Recomendamos que o banco de revisões conhecido como Clinical Evidence seja disponibilizado do mesmo modo, e seguramente se indica também o acesso ao InfoPoems. Ambos também estão portados para palmtops, o que incrementa grandemente seu potencial de utilidade em apoio à APS. A abertura de um diálogo com o MEC, tendo em vista um padrão mais aberto de acesso ao Portal da CAPES, teria igualmente uma relevância da maior grandeza. Conferências virtuais unidirecionais seriam mais exceção do que regra, e teriam de estar dimensionadas de acordo com a identificação de necessidades ou a premência de comunicação de novas diretrizes de grande impacto clínico, dadas as evidências da inutilidade de educação em saúde não solicitada. Em todos os casos, a adequação de todas essas iniciativas aos padrões de atualização de títulos de especialista médico deverá ser objeto de exame. A construção de padrões e bancos de intercâmbio para as pesquisas de pequeno porte que constantemente são expostas em mostras e congressos, e até aqui não Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho Telessaúde em apoio à Atenção Primária à Saúde no Brasil organizadas para a disponibilidade on-line, também seria iniciativa relevante e relativamente simples em termos operacionais. b) Teleassistência Como visto no subtítulo Contexto, nossa teleassistência deve ter em foco nossa pirâmide invertida. A rede de suporte precisa proteger os pacientes de condutas inapropriadas padronizadas para outros níveis do sistema, precisa proteger os profissionais de seu próprio viés de especialista focal, precisa proteger os recém-formados do isolamento e proteger o orçamento público do desperdício. Essa dimensão de “ajustamento” aponta para a necessidade de uma “regulação” em Telessaúde para APS. Do mesmo modo que ocorre quanto aos serviços de urgência e emergência, onde o SAMU conta com o papel de regulador. O objetivo é aproximar problema concreto e solução adequada. Retomando os exemplos anteriores, pouco adiantaria agendar um nefropediatra, para dar teleconsultoria a um cirurgião plástico atendendo na SF, para discutir o caso de uma menina com disúria sem atentar para o fato de ela sofrer abuso sexual dentro de casa e estar também com DSTs. O nefropediatra está treinado para receber crianças com infecção urinária atual ou passada, investigar dano de parênquima renal, instituir tratamento e profilaxia etc. Supõe-se que, para chegar a ele, a criança foi antes atendida por outro médico habilitado a distinguir entre essa e outras condições, que solicitou a referência por necessitar de recursos indisponíveis em seu meio. O nefropediatra não abre o leque de possibilidades, ele pressupõe uma triagem prévia. Ele não é o médico mais indicado para orientar sobre uretrite por clamídia oriunda de estupro, nem para investigar a possibilidade de outras DSTs ou lesões coexistentes, tampouco para orientar a intervenção sobre este drama familiar grave. Esta criança mereceria ter sido protegida de uma perda de tempo com discussão de seu caso por teleconsultoria com o profissional inapropriado (por mais qualificado que fosse em sua área), e das condutas que daí adviriam, além da ausência das condutas de que ela realmente necessitaria. 214 Quem pode efetivar essa aproximação entre necessidade e solução apropriada é o médico regulador. Ele deve receber 100% das solicitações de segunda opinião para exercer sua função. Evidentemente, para ser qualificado para a tarefa, ele deve ser um especialista em cuidado integral, a despeito de idade, gênero, órgãos ou sistemas em sofrimento. O especialista em Medicina de Família e Comunidade é este profissional. Por certo, além de regular as situações que realmente façam necessário teleacesso a um especialista focal, o MFC irá disponibilizar a solução para a maioria das dúvidas geradas no contexto de APS. Consolidando respostas apropriadas e fundamentadas nas evidências adequadas, a cada teleconsultoria de um MFC se acrescentaria conhecimento disponível nacionalmente nos moldes de uma PFP (perguntas frequentemente perguntadas, ou FAQ, em inglês), poupando a necessidade de repetições. Para viabilizar que os núcleos estaduais de Telessaúde APS possam recrutar esses especialistas da integralidade, a identificação dos serviços e programas de residência com maior tradição na área é um caminho. Também a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) pode ser consultada para informar sobre suas listas estaduais de MFCs titulados por concurso reconhecido pela Associação Médica Brasileira (AMB). No mesmo sentido, as Diretrizes Clínicas ou guidelines adotadas em apoio à decisão clínica deverão ser elaboradas, revisadas ou validadas com especialistas em MFC. O APS-IVC deve ser utilizado para avaliação sistemática dos conteúdos de suporte à distância para SF. Em relação aos centros de especialistas focais a serem eleitos para a tarefa de segunda opinião, quando necessários, sua designação deverá ser acompanhada de capacitação presencial sobre os princípios da APS. Na área de telediagnóstico em imagem e métodos gráficos, é necessário consultar o DAB e os gestores estaduais e municipais para definir o que já é disponível em termos de recursos para a rede de SF. Porto Alegre, 12 de dezembro de 2005 (atualizado na Páscoa de 2008). Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Eno Dias de Castro Filho Telessaúde em apoio à Atenção Primária à Saúde no Brasil Obs.: Documento apresentado pela SBMFC ao MS e colaboradores em 2005, início da discussão nacional do Projeto Telessaúde para APS. Discretamente atualizado em março de 2008. Endereço para Correspondência: Rua 28 de setembro, sala 605, Rio de Janeiro RJ CEP: 20.551-031 Endereço Eletrônico: [email protected] 2 215 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Resumo de Tese A associação entre o perfil clínico e psicossocial de pessoas com diabetes mellitus usuárias de uma unidade de saúde da família de Sorocaba - SP These Abstract The association of the clinical and psychosocial profile of diabetes mellitus patients using a Family Health Unit in Sorocaba – SP Adriana Cecel Guedes Resumo Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica responsável por altos índices de morbi-mortalidade. Diversas tentativas de intervenção vêm sendo feitas o controle dessa doença e para diminuir a sua incidência das doenças crônicas, entretanto os números ainda são bastante assustadores. A atenção primária à saúde é o âmbito privilegiado para o acompanhamento das pessoas com diabetes mellitus (DM) especialmente no Programa de Saúde da Família que constitui estratégia prioritária para a reestruturação do modelo assistencial vigente no Sistema Único de Saúde. Assim, compreender os aspectos psicossociais e das condições de saúde das pessoas com DM pode ser importante nesse sentido . Esse trabalho teve por objetivos: Identificar como as pessoas com diabetes mellitus usuárias de uma Unidade da Saúde da Família (USF) no interior de Saõ Paulo avaliam seu cotidiano, seu lazer, seu trabalho e os seus relacionamentos; caracterizar as condições clínicas e o estilo de vida dessas pessoas e verificar a relação entre a auto-avaliação do cotidiano, lazer, trabalho e relacionamento, suas condições clínicas, e os seus estilos de vida. Trata-se de um estudo não experimental, correlacional com uma abordagem quantitativa. Foram avaliadas 152 pessoas com diabetes usuárias de uma USF em Sorocaba-SP por meio de respostas a questões de um questionário, pelo exame físico e pela avaliação dos prontuários. A amostra foi composta, em sua maioria, por pessoas do sexo feminino (59,2%), com idade média de 58,22 anos, casadas (57,9%), e católicas (58,6%). Possuíam baixo nível de escolaridade e baixa renda mensal sendo que 48% não exerciam atividade formal de trabalho. O tempo médio do diagnóstico de DM foi de 9,25 anos. A maior parte da população, (42,7%) utilizava hipoglicemiantes orais como terapêutica medicamentosa. A presença de complicações crônicas foi referida por 44,2% dos participantes da pesquisa, sendo a retinopatia a mais freqüente entre elas. 86,7% apresentavam controle glicêmico ruim e a maioria estava com sobrepeso. As pessoas fizeram uma regular avaliação dos aspectos psicossociais atribuindo melhor média aos relacionamentos sociais e a pior média ao lazer. Quanto ao estilo de vida e ao autocuidado mais da metade das pessoas referiram acordar disposto após uma noite de sono, 77,6% referiram não fumar ou ingerir bebidas alcoólicas, 50% dos participantes da pesquisa não praticavam atividades físicas, e a maior parte das pessoas estudadas fazia automonitorização de forma irregular na farmácia ou na UBS. Homens e mulheres que tinham maior nível de escolaridade avaliaram melhor os aspectos psicossociais de suas vidas e praticavam de forma correta a auto monitorização, pessoas mais velhas fumavam mais e ingeriam mais bebidas alcoólicas. As pessoas com menor renda mensal apresentavam maiores dificuldades para dormir enquanto as pessoas que melhor avaliaram suas vidas dormiam melhor e praticavam mais atividade física da forma adequada. As pessoas que praticavam atividades Palavras-chave: Diabetes mellitus; Estilo de vida; Impacto psicossocial. 216 Key Words: Diabetes mellitus; life style; psychosocial impact Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 A associação entre o perfil clínico e psicossocial de pessoas com diabetes mellitus usuárias de uma unidade de saúde da família de Sorocaba - SP Adriana Cecel Guedes físicas tinham melhor controle glicêmico. Assim, foi possível identificar que as condições psicossociais e sociodemográficas podem estar ligadas às condições de saúde das pessoas com DM, o que deve ser considerado pelos profissionais que atuam na USF, visando à promoção e a proteção da saúde, prevenção de agravos, o tratamento e a manutenção da saúde das pessoas com diabetes. Desse modo recomenda-se o incremento de estudos que mostrem a influência dos aspectos psicossociais no controle do DM e de outras doenças crônico degenerativas, tornando esse tema base para a elaboração de estratégias de intervenção diferenciadas para a promoção da saúde das pessoas. Dissertação de Mestrado 2007 Universidade de São Paulo - Enfermagem Na Saúde Do Adulto Disponivel para consulta em: h t t p : / / s e r v i c o s . c a p e s . g o v. b r / c a p e s d w / resumo.html?idtese=2007633002010186P6 217 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Resumo de Tese Visita Domiciliária como Componente do PSF: compreendendo as percepções dos usuários dos serviços no município de Fortaleza - CE These Abstract The household-visit as a component of the FHP: understanding the perception of the users of the services in Fortaleza, Ceará, Brazil Adriana Bezerra Brasil de Albuquerque Resumo Com a implantação do Programa Saúde da Família, a visita domiciliária vem ganhando força nesta última década, apesar de ser uma atividade desenvolvida na área de Saúde Pública desde o início do século. O presente estudo tem como objetivo compreender percepções do usuário sobre a visita domiciliária como componente do Programa Saúde da Família, referente às dimensões: cuidado, humanização e integralidade. Trata-se de um estudo exploratório, de natureza qualitativa. Fundamentado na fenomenologia hermenêutica, inserindo-se na vertente crítico interpretativa dado investigar o fenômeno em estudo contrastando-o com a materialidade a que se relaciona, buscando apontar elementos para sua transformação. Para tanto, foram realizadas 21 entrevistas em profundidade com usuários que recebiam visita domiciliária e residiam nas áreas pertencentes às seis Secretarias Executivas Regionais de Saúde no Município de Fortaleza. As entrevistas gravadas e transcritas constituíram a base empírica do estudo. A análise dos depoimentos de cada informante evidenciou três eixos temáticos centrais: 1) Aspectos Relacionais da Visita Domiciliária: percepções dos usuários quanto aos aspectos relacionados à humanização do cuidado e integralidade da assistência durante a visita das equipes. Esse eixo foi dividido em três dimensões: percepção da relação profissional usuário, humanização do cuidado, o sentido da integralidade. O segundo eixo 2) Características da Visita, enfoca características da visita em relação à prioridade e operacionalização da mesma. Emergiram nesse eixo duas dimensões: freqüência/duração e seleção dos atendimentos. O terceiro e último eixo temático-Vinculação com o Serviço, levanta questões relacionadas com o serviço, enfocando aspectos funcionais e de integração da atenção com outros serviços, e desdobrando-se em três dimensões: funcionamento da unidade, equidade e integração da atenção. As considerações finais deste trabalho apontam como caminho para mudanças no paradigma da assistência domiciliária, a prática em saúde baseada na aproximação, conversação e negociação constante, entre profissionais, usuários e comunidade. Dissertação de Mestrado. 2006 Universidade Federal do Ceará - Saúde Pública Disponível para consulta em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=2006722001018025P5 Palavras-chave: Visita Domiciliária; Humanização do Cuidado; Relação Profissional-Usuário. 218 Key Words: Home Visit; Humanized Care; Health Professional/User Relationship. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Resumo de Tese Programa de Saúde da Família: assistência e educação na dimensão simbólica-imaginária de seus profissionais These Abstract Family Health Program: Care delivery and education in the symbolic-imaginary dimension of the professionals Adriana Nunes Chaves Resumo A presente dissertação investiga, a partir da dimensão simbólica-imaginária, a percepção que tem o profissional de saúde acerca de sua atuação nas equipes do Programa Saúde da Família (PSF), buscando-se desvelar o sentido que adquirem, para esse mesmo profissional, tanto as propostas do Programa, quanto sua própria inserção no mesmo. O trabalho toma como objeto de estudo os profissionais de saúde integrantes da equipe interdisciplinar que atua no PSF no Munícipio de Teresópolis, Estado do Rio de Janeiro, da qual sua autora é uma das integrantes. Nesta condição, surgiram questionamentos como os seguintes: Como vencer os desfios ressentidos pelas equipes de Saúde da Família? Como o trabalhos e seus desafios são representados enquanto ingredientes que permeiam o pensamento e as representações desses profissionais, produzindo-se significações e sentidos que repercutem no dia-a-dia do tabalho? Como est6á sendo feita e como pode ser melhorada a formação dos integrantes das equipes? A pesquisa, de base fenomenológica e modalidade qualitativa, promoveu uma escuta atenta, seguida de uma análise crítico-reflexiva acerca de categorias que emergiram nas entrevistas abertas com esses profissionais. Além disso, o estudo contempla uma apresentação do Programa Saúde da Família, seu histórico, características, propostas e realizações, nos níveis nacional, estadual e municipal. Metodologicamente, o trabalho tem ingredientes da modalidade denominada por René Barbier de “escuta sensível”. O trabalho, embora não tenha a pretensão de esgotar o assunto e nem de se constituir num inventário completo das pontencialidades oferecidas pelo Programa, permite algumas conclusões, tais como: a) é necessário que o profissional do PSF tenha um perfil diferenciado e adequado à proposta do Programa, perfil que é necessário formar ou, pelo menos, completar no âmbito do próprio PSF; b) o Programa oferece, singularmente, a oportunidade de uma educação continuada no decorrer do próprio trabalho; c) o trabalho em equipe e as relações interpessoais são desafios constantes a serem vencidos pelas equipes. Dissertação de Mestrado 2000. Universidade Católica De Petrópolis - Educação Disponivel para consulta em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=20003131019013001P7 Palavras-chave: Educação continuada; educação e saúde; imaginário-simbólico. 219 Key Words: Continuing education and health; imaginarysymbolic. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Resumo de Tese Acessibilidade aos serviços de saúde: estudo sobre o tema no enfoque da Saúde da Família no município de Pedreira - SP These Abstract Accessibility of Health Services: a study into the issue from the perspective of Family Health in the city of Pedreira, São Paulo, Brazil Adriano Peres Lora Resumo O estudo das questões referentes à acessibilidade é de vital importância para a garantia da Universalidade da atenção. Uma maneira de se estudar as condições de acessibilidade aos serviços é utilizando a metodologia da Territorialização em Saúde. A melhoria das condições de acesso aos serviços deve ser permeada pelo aumento do coeficiente de vínculo entre o profissional e a comunidade assistida. A Saúde da Família trabalha com ferramentas que aproximam estes dois lados, fortalecendo o vínculo e, portanto, facilitando o acesso. Trabalhamos com a hipótese de que o acesso e acessibilidade aos serviços de saúde são mais bem avaliados, sob o olhar do usuário, em serviços que adotam a Estratégia de Saúde da Família como modelo de atuação. O objetivo principal desta pesquisa qualitativa em saúde é comparar as informações referentes ao acesso e acessibilidade aos serviços de saúde. Foram realizados dois encontros de”Grupo Focal” em população adscrita por Saúde da Família e em população não adscrita. O material resultante mostrou que a população onde está implantada a Saúde da Família tem uma vinculação com o serviço, sente-se segura com a presença dos Agentes Comunitários nas ruas, conhece o trabalho desenvolvido e mostra uma sensação de pertencimento às ações desenvolvidas, melhorando as condições de acessibilidade Dissertação de Mestrado 2004 - Universidade Estadual De Campinas - Saúde Coletiva Disponivel para consulta em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=20042198133003017058P4 Palavras-chave: Acessibilidade; Serviços de saúde. 220 Key Words: Accessibility, health services. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Resumo de Tese Perfil dos idosos em uma área de abrangência da Estratégia Saúde da Família These Abstract The profile of the elderly in an area within the scope of the Family Health Strategy Adriano Luiz da Costa Farinasso Resumo O envelhecimento saudável, com vistas à manutenção da capacidade funcional, deve ser o foco das políticas sociais e de saúde para os idosos. Neste contexto, a instrumentalização das equipes de saúde da família para atender esta emergente parcela populacional deve ser vista como primordial para a consolidação do sistema formal de apoio ao idoso. Assim, este estudo objetivou caracterizar um grupo de idosos velhos (75 anos e mais de idade), residentes na área de abrangência da Estratégia de Saúde da Família (ESF) do município de Jandaia do Sul-PR, quanto ao perfil sóciodemográfico e de saúde. A amostra estudada foi obtida pelo sorteio aleatório de 20% da população de idosos com 75 anos e mais de idade, residentes na zona urbana de abrangência da ESF. A coleta foi realizada no domicílio dos idosos utilizando uma adaptação do Older Americans Resources and Services (OARS). Foram estudados 86 idosos com média de idade de 82,02 anos; 51,2% eram do sexo feminino; a média de filhos foi de 5,71; 39,5% eram analfabetos e 39,4% trabalhavam em atividades relacionadas à agricultura. Em relação à saúde, 77,9% eram independentes; 83,7% autoavaliaram a saúde entre “regular” e “boa”; 76,7% apresentavam co-morbidades e, a principal rede de apoio relatada foram os filhos. O estudo revelou a importância da adoção de medidas preventivas e promocionais de saúde pelas equipes de saúde da família, na garantia de apoio formal para o idoso e sua família. Dissertação de Mestrado 2005. Universidade De São Paulo/ Ribeirão Preto - Enfermagem Fundamental Disponivel para consulta em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=200533633002029017P5 Key Words: health of the elderly, family health, health profile. Palavras-chave: Saúde do idoso; saúde da família; Perfil de saúde. 221 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Resumo de Tese Da fragmentação à integralidade: Construindo e desconstruindo a prática da saúde bucal no Programa Saúde da Família de Alagoinhas These Abstract From fragmentation to integrality: constructing and disconstructing the oral health practice in the Family Health Program of Alagoinhas Adriano Maia dos Santos Resumo Estudo sobre a prática de saúde bucal no Programa Saúde da Família (PSF) de Alagoinhas – BA (2001-2004), objetivou analisar a conformação histórica das práticas em saúde bucal (individual e coletiva); discutir os dispositivos que orientam a atenção integral à saúde bucal: vínculo, acolhimento, autonomia, responsabilização e resolutividade; e compreender as relações estabelecidas entre os sujeitos sociais que atuam no programa. Toma por pressuposto teórico central a conformação histórica das práticas de saúde bucal coletiva, por meio da produção de saberes orientados pela clínica e epidemiologia, na recomposição da lógica de atenção à saúde, orientada pela integralidade da atenção à saúde, em defesa da vida, individual e coletiva. A trajetória metodológica é fundamentada na corrente histórico-social, à luz de uma abordagem dialética, de natureza qualitativa. Utilizamos, como técnica de coleta de dados: entrevista semi-estruturada, observação sistemática e assistemática da prática e análise documental. Os sujeitos do estudo foram 22 pessoas, distribuídas entre quatro grupos de representação: grupo I (cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário – 06); grupo II (outros trabalhadores de saúde – 06); grupo III (usuários do sistema – 05) e grupo IV (informantes-chave – 05). A análise dos dados foi orientada pela hermenêutica-dialética, buscando, na especificidade de um contexto histórico-social, explicar e interpretar conflitos, relações e práticas sentidas, percebidas e experiementadas no cotidiano da prática da saúde bucal. Os resultados revelam que a prática de saúde bucal, no PSF, é organizada através de ações individuais (consultas, procedimentos, orientações) e coletivas (palestras, educação à saúde, orientações coletivas), construída por uma demanda reprimida, cujo atendimento é fragmentado com valorização excessiva da técnica e da especialidade, centrado no pronto-atendimento, cujo eixo é ordenado pelo modelo médico-centrado, com resolutividade limitada. O acolhimento é manifestado através de uma relação tensa, conflitante e ambígua, porém com potencialidade para construir alternativas de mudança. As unidades imprimem diferentes formas de acolhimento, ficando na dependência do compromisso e da singularidade dos sujeitos que atuam no cotidiano da prática. Vínculo e autonomia entrecruzam-se no resgate da relação trabalhador-usuário e no encontro de suas potencialidades, pois possibilitam horizontalizar saberes, estreitar laços e consolidar afetos. Enfim, a prática da saúde bucal, no PSF de Alagoinhas, é plena de conflitos e contradições, constituindo-se em potencial ferramenta de mudança nos processo de trabalho, convivendo com o velho (fragmentação) e o novo (integralidade), num processo em construção, alicerçado nos princípios e diretrizes que orientam o sistema público de saúde, em defesa da vida individual e coletiva. Key Words: Family Health; Oral Health; Practice; Care. Palavras-chave: Saúde da Família; Saúde da Bucal; Prática, Atendimento. 222 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 Dissertação de Mestrado 2005. Universidade Estadual De Feira De Santana - Saúde Coletiva Disponivel para consulta em: h t t p : / / s e r v i c o s . c a p e s . g o v. b r / c a p e s d w resumo.html?idtese=20053328002016004P0 223 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Resumo de Tese Trabalho informal, precário ou perigoso: abordagem de ação coletiva por uma equipe de Saúde da Família em Uberaba These Abstract Informal, precarious or dangerous work: collective approach by a Femily Health Team in Uberaba. Aidê Amabile Coêlho dos Santos Resumo A globalização força as relações de trabalho a tornarem-se mais flexíveis, surgindo um grande contingente de profissionais desprotegidos, ignorados pelas empresas, sem direito à assistência e ao controle de sua saúde. A intenção de prestar assistência integral ao trabalhador informal em condições precárias ou perigosas conduziu-se um estudo descritivo prospectivo de base populacional investigando-se o tempo trabalhado e acidentes ou doenças relacionadas com o trabalho durante quatro meses mediante visitas semanais pelos Agentes Comunitários de Saúde da Equipe. Aplicou-se instrumento de coleta de dados elaborado em projeto-mãe para outra cidade após adaptação às condições locais. Observou-se que 62,1% dos trabalhadores eram do sexo feminino; 43,9% tinham entre 35 e 50 anos; 55,6% trabalhavam por conta própria; 39,9% eram empregados e 8,4% dos entrevistados pagavam a Previdência Social. O motivo de ingresso no setor informal foi o desemprego para 44,1% enquanto 24,6% buscavam melhores rendimentos. A jornada diária de trabalho foi de 8 horas/dia para 39,7%; o trabalho durante 7 dias por semana foi referido por 31,6%; 7,0% referiram a ocorrência de pelo menos um acidente no local de trabalho e 69,0% dos entrevistados alegaram conhecer uma pessoa em perigo em seus locais de trabalho. A contribuição do planejamento para a organização do sistema de saúde e, conseqüentemente, a assistência à saúde dos trabalhadores é valiosa, envolvendo gestores até os trabalhadores das equipes de saúde. Faz-se necessário à inserção da saúde do trabalhador na saúde coletiva, ambos como campos de conhecimento complexos, que busquem a produção de saúde para a coletividade. Palavras - chave: Saúde pública, Acidentes de trabalho, Saúde do trabalhador, Planejamento em saúde. Dissertação de Mestrado 2006 Universidade Estadual De Campinas - Saúde Coletiva Disponivel para consulta em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=20062618233003017058P4 Palavras-chave: Saúde Coletiva; Acidente de Trabalho; Saúde do Trabalhador. 224 Key Words: Collective Health; Work Accident; Worker Health. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Resumo de Tese Cobertura vacinal e fatores associados a não vacinação contra Hepatite B em área rural do município Alto Paraíso, Rondônia, Amazônia Ocidental These Abstract Vaccine coverage and factors associated with non-vaccination against Hepatitis B in a rural area of the municipality of Alta Paraíso, Rondônia, western Amazon Airton Leite Costa Resumo Estudo realizado no período compreendido entre junho de 2001 e julho do 2002, em área rural do município de Alto Paraíso, Estado de Rondônia, Amazônia Ocidental, Brasil. Tem como objetivos determinar a cobertura vacinal contra a hepatite B e identificar os motivos da não vacinação. A população de estudo inclui 460 indivíduos, compreendendo 216 crianças e 244 adolescentes na faixa etária de zero a 19 anos de idade. Estudo descritivo com base em inquérito domiciliar, utilizando a metodologia de amostragem por conglomerado, inquérito vacinal individual e aplicação de inquéritos semi estruturados para identificar os possíveis motivos da não vacinação. Os procedimentos adotados incluíram o recadastramento populacional de 191 famílias e conseqüente levantamento de dados das condições de moradia, saneamento e renda familiar e avaliação da composição, forma de organizaçâo e processo de trabalho da Equipe de Saúde da Familia. Os resultados encontrados apontam cobertura vacinal contra a hepatite B de 45,0% caIculada pelo método estatístico. Em crianças a cobertura vacinal encontrada foi de 71, 5% e em adolescentes de 21,7%. Índices significafivamente inferiores aos registrados e oficializados pelo municipio e celculados pelo método administrativo. Os principais motivos da não vacinação incidem na deficiência de informação e/eu orientação em saúde. Em usuários adolescentes o medo da injeção é prindpal motivo da não vacinação. A intensa mobilidade social, as deficiências de comunicação e de acessibilidade geográfica, a extensa área geográfica ocupada pela população e o fato da vacinação exigir três doses vacinantes, intercaladas de zero a seis meses, indicam a necessidade da utilização de estratégias de vacinaçâo não tradicionais e extramurais, associadas à utilização de recursos e procedimentos originais, regionais e inovadores, para atingir índices satisfatórios de cobertura vacinal. Dissertação de Mestrado, 2003 Universidade Federal Do Pará - Doenças Tropicais Disponível para consulta em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=20035715001016015P0 Palavras-chave: Hepatite B; Cobertura Vacinal; Amazonia Ocidental. 225 Key Words: Hepatitis B; Vaccine Coverage; Western Amazon. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Instruções aos autores Instrução aos autores da Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade A Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (RBMFC) é uma publicação trimestral da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, que tem por finalidades: sensibilizar profissionais e autoridades da área de saúde sobre a área de interesse da Medicina de Família e Comunidade; estimular e divulgar temas e pesquisas em Atenção Primária à Saúde (APS); possibilitar o intercâmbio entre academia, serviço e movimentos sociais organizados; promover a divulgação da abordagem interdisciplinar e servir como veículo de educação continuada e permanente no campo da Medicina de Família e Comunidade, tendo como eixo temático a APS. Os trabalhos serão avaliados por editores do Con- selho Científico e Editorial, como também por pareceristas convidados ad hoc. O processo de avaliação por pares preserva a identidade dos autores e suas afiliações, sendo estas informadas ao Conselho Editorial somente na fase final de avaliação. Todos os trabalhos deverão ser escritos em português, com exceção dos redigidos por autores estrangeiros não-residentes no Brasil, que poderão fazê-lo em inglês ou espanhol. Tipos de Trabalho A revista está estruturada com as seguintes seções: Editorial Artigos Originais Artigos de Revisão Diretrizes em Medicina de Família e Comunidade Ensaios Relatos de Experiência Resumos de Tese Cartas ao Editor O Editorial é de responsabilidade do editor da revista, podendo ser redigido por terceiros por solicitação dele. A seção Artigos Originais é composta por artigos resultantes de pesquisa científica, apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou de observação, voltados para investigações qualitativas ou quantitativas em áreas de interesse da APS. Artigos originais são 226 trabalhos que desenvolvem crítica e criação sobre a ciência, tecnologia e arte das ciências da saúde que contribuem para a evolução do conhecimento sobre o homem, a natureza e a inserção social e cultural. O texto – contendo introdução, material ou casuística, métodos, resultados, discussão e conclusão – deve ter até 25 laudas. A seção Artigos de Revisão é composta por artigos nas áreas de Gerência, Clínica, Educação em Saúde. Os artigos de revisão são trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre matérias das ciências da saúde, buscando esclarecer, organizar, normalizar e simplificar abordagens dos vários problemas que afetam o conhecimento humano sobre o homem e a natureza e sua inserção social e cultural. Têm por objetivo resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas e devem ter até 20 laudas, contendo introdução, desenvolvimento e conclusão. A seção Diretrizes em MFC é composta por artigos estruturados dentro das normas da Associação Médica Brasileira para diretrizes clínicas, validados pela SBMFC. Sua confecção, sob orientação da Diretoria Científica da SBMFC, é uma proposta de organizar e referendar o trabalho dos MFC no Brasil. A seção Ensaios visa à divulgação de artigos com as análise crítica sobre um tema específico relacionado à Medicina de Família e Comunidade e deve ser apresentada em uma média de 5 a 10 laudas. A seção Relatos de Experiência é composta de artigos que relatam casos ou experiências os quais explorem um método ou problema por meio do exemplo. Os relatos de caso apresentam as características do indivíduo estudado – com indicação de sexo e idade, podendo este ser humano ou animal –, ressaltam sua importância na atuação prática e mostram caminhos, condutas e comportamentos para a solução do problema. Essa parte deve ocupar até 8 laudas, com a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão. A seção Resumos de Tese, que deve ter apenas 1 lauda, tem como proposta a divulgação da produção científica na temática do periódico. Nela, devem ser expostos resumos Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Instruções aos autores de dissertações de mestrado ou teses de doutoramento/ livre-docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras ou não. Os resumos deverão ser encaminhados com o título oficial da Tese, informando o título conquistado, o dia e o local da defesa. Devem ser informados, igualmente, o nome do Orientador e o local onde a tese está disponível para consulta. Em Cartas ao Editor, opiniões de leitores e su- gestões sobre a revista são bem recebidas. As cartas, contendo comentários sobre material publicado, devem ter no máximo 2 laudas. Os trabalhos a serem submetidos à apreciação do Conselho Científico deverão ser encaminhados por e-mail para a Secretaria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade ou ao Editor da revista. O padrão de formatação exigido é Word for Windows – versão 6.0 ou superior -, página padrão A4, letra Arial (tamanho 11), espaçamento entre linhas 1,5 e numeração seqüencial em todas as páginas. As notas de rodapé devem ser limitadas ao máximo possível, assim como as tabelas e os quadros – que devem ser de compreensão independente do texto. Os autores deverão informar seus nomes e endereços completos e quais organizações de fomento à pesquisa apoiaram os seus trabalhos, fornecendo inclusive o número de cadastro do projeto. Os trabalhos que envolverem pesquisas com seres humanos deverão vir acompanhados da devida autorização do Comitê de Ética da Instituição. Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência de apresentação: 1. Título em português e também em inglês(*). 2. Nome completo – nome(s) seguido(s) do(s) sobrenome(s) do(s) autor(es) – e, no rodapé, a indicação da Instituição a qual está vinculado, cargo e titulação. 3. Resumo do trabalho em português, no qual fiquem claros a síntese dos propósitos, os métodos empregados e as principais conclusões do trabalho. 4. Palavras-chave – mínimo de 3 e máximo de 5 palavraschave ou descritores do conteúdo do trabalho, apresenta- 227 dos em português de acordo com o DeCS – Descritores em Ciências da Saúde da BIREME - Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – URL: <http://decs.bvs.br/>. 5. Abstract – versão do resumo em inglês(*). 6. Key words – palavras-chave em inglês, de acordo com DeCS(*). 7. Artigo propriamente dito, de acordo com a estrutura recomendada para cada tipo de artigo, citada no item 2. 8. Figuras (gráficos, desenhos e tabelas) devem ser enviadas à parte, com indicação na margem do local de inserção no texto; as fotografias em preto e branco devem ser apresentadas em papel brilhante. 9. Referências: são de responsabilidade dos autores e deverão ser limitadas às citações do texto, além de numeradas segundo a ordem de referência, de acordo com as regras propostas pelo Comitê Internacional de Revistas Médicas (International Committee of Medical Journal Editors). Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a periódicos biomédicos. Disponível em: <http:// www.icmje.org>. (*) A versão do título do trabalho, do resumo e das palavras-chave para o idioma inglês ficará a cargo da própria revista, salvo eventual decisão ao contrário em época futura que, se vier ao caso, será comunicada no Editorial da revista. Exemplos: Periódico Valla VV. Educação popular e saúde diante das formas de se lidar com a saúde. Revista APS. 2000; (5): 4653. Livro Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1994. 204p. Capítulo de livro Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Instruções aos autores serviços de saúde. 3. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p. 65-69. Dissertação Caldas CP. Memória dos velhos trabalhadores. [Dissertação]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993. Evento Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no PIES/UFJF; 6º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 2000, Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva; 2000. p.328. Documento eletrônico Civitas. Coordenação de Simão Pedro P. Marinho. Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 1995-1998. Apresenta textos sobre urbanismo e desenvolvimento de cidades. Disponível em: www.gcsnet.com.br/oamis/civitas. Acesso em: 27 nov. 1998. Fluxo dos trabalhos submetidos à publicação. Os artigos são de total e exclusiva responsabilidade dos autores. Avaliação por pares: os artigos recebidos são protocolados na secretaria da revista e encaminhados tanto ao editor geral quanto aos editores associados, para a triagem, a avaliação preliminar e a posterior distribuição ao Conselho Editorial e Científico, em conformidade com as áreas de atuação e especialização dos membros, bem como o assunto tratado no artigo. Todos os textos são submetidos à avaliação de dois consultores – provenientes de instituição diferente daquela do(s) autor(es) –, em um processo duplo cego, que os analisam em relação aos seguintes aspectos: adequação do título ao conteúdo; estrutura da publicação; clareza e pertinência dos objetivos; metodologia; informações inteligíveis; citações e referênci- 228 as adequadas às normas técnicas adotadas pela revista e pertinência à linha editorial da publicação. Os consultores preenchem o formulário de parecer, aceitando, recusando ou recomendando correções e/ou adequações necessárias. Nestes casos, os artigos serão devolvidos ao(s) autor(es), para os ajustes e reenvio, e aos consultores para nova avaliação. O resultado é comunicado ao(s) autor(es), e os artigos aprovados ficam disponíveis para publicação em ordem de protocolo. Não serão admitidos acréscimos ou modificações após a aprovação. Declaração de responsabilidade dos autores Todas as pessoas responsáveis como autores devem responder pela autoria dos trabalhos, tendo como justificada a sua participação de forma significativa no trabalho para assumir responsabilidade pública pelo seu conteúdo. Deverão, portanto, assinar a seguinte declaração de autoria e de responsabilidade: “Declaro que participei de forma significativa na construção e formação deste estudo ou da análise e interpretação dos dados, como também na redação deste texto, tendo, enquanto autor, responsabilidade pública pelo conteúdo deste. Revi a versão final deste trabalho e aprovo para ser submetido à publicação. Declaro que nem o presente trabalho nem outro com conteúdo semelhante de minha autoria foi publicado ou submetido à apreciação do Conselho Editorial de outra publicação.” Artigos com mais de um autor deverão conter uma exposição sobre a contribuição específica de cada um no trabalho. Os autores de cada artigo receberão, após a publicação de seu trabalho, três exemplares da revista em que o seu estudo foi publicado. Ética em pesquisa Com relação às pesquisas iniciadas após janeiro de 1997, nas quais exista a participação de seres humanos nos termos do inciso II.2 da Resolução 196/ 96 do Conselho Nacional de Saúde (“pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Instruções aos autores informações ou materiais”), sempre que pertinente, deve ser declarado no texto que o trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Os trabalhos devem ser enviados para: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC Endereço para correspondência: Rua 28 de Setembro, 44 sala 605 Rio de Janeiro - RJ Cep: 20551-031 Tel: 21 2264-5117 / 21 3259-6934 Fax: 21 3259-6931 Endereço eletrônico: [email protected] 229 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Instructions to authors Instructions to authors of the Brazilian Journal of Family and Community Medicine The Brazilian Journal of Family and Community Medicine (BJFCM) is a three-monthly publication of the Brazilian Society of Family and Community Medicine, aimed at sensitizing professionals and health authorities to this field of interest, stimulating and disseminating Primary Health Care (PHC) issues and investigations, and facilitating interchange between academic institutions, health care services and organized social movements. The periodical also aims to promote an interdisciplinary approach to this area and to serve as a vehicle for continued and permanent education in the field of Family and Community Health, with emphasis to the central subject PHC. Manuscripts will be reviewed by members of the Scientific and Editorial Board as well as by outside referees. This peer-review process safeguards the identity of authors and their institutions of origin, which only will be revealed to the Editorial Board in the end of the evaluation process. All manuscripts should be prepared in Portuguese language. Foreign authors, not living in Brazil, can submit their papers in English or Spanish. Categories and formats of papers The journal is divided into the following sections: Editorial Original articles Review articles Directives in Family and Community Medicine Essays Case reports These Abstracts Letters to the Editor The Editorial is responsibility of the editor of the journal, but can be prepared by third persons on his request. The section Original Articles is dedicated to reports on scientific investigations, presenting original data on findings from experiments or observation with emphasis 230 to qualitative or quantitative studies in fields of interest for PHC. Original articles are criticisms or creations on science, technology and the art of health sciences, contributing to the evolution of knowledge about Man, nature and social and cultural inclusion. The papers - including introduction, material or rationale, methods, results, discussion and conclusion – should not exceed 25 pages. The section Reviews is composed by articles about Health Management, Clinics and Health Education. Review articles are papers presenting an up-to-date synthesis of available knowledge on health science subjects, with the intent to elucidate, organize, normalize and simplify approaches to the different problems affecting human knowledge about Man and nature and social and cultural inclusion. These papers are aimed at summarizing, analyzing, evaluating and synthesizing investigations already published in scientific journals and should not exceed 20 pages, including introduction, rationale and conclusion. The section Directives in FCM receives articles prepared according to the norms for Clinical Directives of the Brazilian Association of Physicians, validated by the BSFCM. The purpose of these articles - prepared under the guidance of the Scientific Board of the BSFCM – is to organize and reference the work of physicians involved in FMC in Brazil. The section Essays publishes critical analyses regarding specific topics related to Family and Community Medicine. Articles should have 5 to 10 pages. Case Reports are articles addressing cases or experiences by exploring a method or problem based on an example. These articles indicate details such as sex and age of the studied individual – human or animal – emphasize their importance in practice and indicate ways, procedures and conducts for solving the problem. Articles for this section should not exceed 8 pages and include introduction, rationale and conclusion. The section Abstracts of Theses is aimed at publishing scientific production in the field covered by the journal in form of abstracts of master’s and doctor’s Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Instructions to authors dissertations defended in Brazilian universities or abroad. Abstracts should not exceed one page, state the official title of the dissertation, the academic degree achieved, date and place where the thesis was defended and indicate the name of the supervisor and where the dissertation is available for consultation. In the section Letters to the Editor, readers are invited to express their opinion and make suggestions to the journal. Articles should be submitted by electronic mail, directed to the Secretariat of the Brazilian Society of Family and Community Health or to the Editor. Papers should be typed in word processor Word for Windows – version 0.6 or superior – paper size ISO A4, font Arial, size 11, space between lines 1,5, and all pages should be numbered sequentially. References should be kept to the necessary minimum. The same refers to tables and figures, which should be understandable independently from the text. Corresponding authors should inform their full names and addresses. The funding sources by which the work was supported should be stated. Articles describing investigations on human subjects must include a statement referring institutional ethics committee clearance. Manuscripts should be structured as below: 1. Title 2. Complete names – first name(s) followed by family name(s) of the author(s) 3. Abstract giving a clear synthesis of the purpose, describing the methods used and main conclusions of the study. 4. Key words – a minimum of 3 and a maximum of 5 key words or describers of the contents of the work, following the norms of DeCS, available at http:// decs.bvs.br/ 5. Text of the article, according to the recommendations for each category given above. 6. Figures (graphs, diagrams and tables) according to the recommendations given above. 231 7. References: are responsibility of the authors and should be arranged numerically according to the order in which they appear in the text, according to the rules of the International Committee of Medical Journal Editors, Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals, available at http://www.icmje.org Examples: Periodical Valla VV. Educação popular e saúde diante das formas de se lidar com a saúde. APS Journal. 2000; (5): 46-53. Book Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1994. 204p. Book chapter Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos serviços de saúde. 3rd. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p. 65-69. Dissertation Caldas CP. Memória dos velhos trabalhadores. [Dissertation]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993. Event Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no PIES/UFJF; 6th Brazilian Congress on Collectyive Health; 2000, Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva; 2000. p.328. References from the internet Civitas. Coordinated by: Simão Pedro P. Marinho. Developed by: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 1995-1998. Presents texts on urbanism and city development. Available at: <http//www.gcsnet.com.br/ Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007 RBMFC Instructions to authors oamis/civitas>. Accessed: Nov 27. 1998. Review procedures and publication of submitted manuscripts. The articles are of the full and exclusive responsibility of the authors. Peer-review procedure: received articles are registered by the Secretariat of the journal and submitted to the Scientific and Editorial Board for screening, preliminary evaluation and posterior distribution to ad hoc referees with specific expertise in the subject addressed by the article. All manuscripts are submitted to two referees, coming from institutions different from those of the author(s) who, in a double-blind review process, assess them with respect to the following aspects: pertinence of the title in relation to the content, structure of the manuscript, pertinence and clearness of objectives, methodology, intelligible information, conformity of citations and references with the technical norms and alignment with the editorial line of the journal. The referees fill in the review form accepting or rejecting the manuscript or suggesting improvements and/or necessary corrections. In this case, the manuscript is returned to the author(s) for revision and resubmission, followed by a new evaluation. The result is communicated to the author(s) and accepted articles will be published following the order of registry. No additions or modifications in manuscripts already accepted for publication will be admitted. publication in another periodical.” Articles prepared by more than one author should state the specific contribution of each of them. The authors of each article will receive three exemplars of the edition in which their study was published. Ethics in experimentation Articles based on investigations involving human subjects should declare in the text that the investigation has beencleared by the responsible Ethics Committee on Human Experimentation. Manuscripts should be submitted electronically to: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC Contact Address: Rua 28 de Setembro, 44 sala 605 Rio de Janeiro - RJ Cep: 20551-031 Tel: 21 2264-5117 / 21 3259-6934 Fax: 21 3259-6931 e-mail: [email protected] Responsibility Statement All individuals named as authors for having participated substantially in the submitted study have to take public responsibility for the integrity of their work and consequently sign the following Responsibility Statement: “I hereby declare to have participated substantially in the conception and design of the present work and in the writing of the manuscript, taking public responsibility for its integrity. I have read the final version of this work and agreed to its submission for publication. The work in its present or a similar form has not been published elsewhere, nor is it currently under consideration for 232 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.3, n° 11, out /dez 2007