SISTEMA PENITENCIÁRIO PAULISTA: reflexões acerca da inserção de assistentes
sociais neste espaço sócio-ocupacional
RESUMO:
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a inserção
dos assistentes sociais no sistema penitenciário paulista que
possui o maior número de presos do Brasil. Apresenta dados
acerca do contingente de profissionais para atender demandas
desta população bem como seu papel frente à política de
execução penal com base no edital do último concurso público
realizado para a categoria. Ao confrontar tal edital com as
prerrogativas legais da profissão, identificam-se contradições
deste lócus institucional para a materialização do projeto ético
político. Da mesma forma, apresenta-se a conquista da
retificação do conteúdo do edital e os desafios para sua
consolidação.
PALAVRAS-CHAVE: Assistentes Sociais. Espaço sócio-ocupacional. Sistema penitenciário.
ABSTRACT:
This article aims to reflect on the inclusion of social workers in
the São Paulo prison system that has the largest number of
prisoners in Brazil. Present data on the number of professionals
to meet the demands of this population as well as his role with
the implementation of criminal policy based on the last public
announcement of the contest held for the category. When
confronting such notice with the legal prerogatives of the
profession, identifies contradictions of this institutional locus for
the realization of political ethical project. Likewise, it presents
the conquest of the rectification of the content of the notice and
the challenges to its consolidation.
KEYWORDS: Social Workers. Socio-occupational space. penitentiary system.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho traz dados oriundos de projeto de pesquisa da tese de
doutoramento em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Verificou-se que há poucas pesquisas acerca desta profissão no âmbito do sistema
penitenciário.
O encarceramento em massa e a judicialização da questão social é uma realidade
atual expressa nas desigualdades do sistema capitalista. A prisão tem sido a resposta para
a ausência de políticas públicas que poderiam possibilitar mínimas garantias de direitos
sociais.
A prisão é apontada por especialistas como mais uma das diversas expressões da
questão social (TORRES, 2005, p. 60). Considerando a questão social1 e suas diversas
expressões como objeto de intervenção do assistente social, aponta-se a necessidade de
refletir sobre o sistema penitenciário como um espaço sócio-ocupacional do serviço social.
Neste sentido, delimita-se para o presente trabalho o estado de São Paulo, que possui o
maior número de presos e presídios do país (FONSECA, 2010, p. 58)
O perfil das pessoas em situação de prisão aponta para uma juventude masculina,
em sua maioria negra ou parda, com baixa escolaridade e sem qualificação profissional,
presa em grande maioria por crimes contra o patrimônio (FONSECA, 2010, p. 75 ).
Estudos recentes apontam que o Brasil possui a terceira maior população carcerária
do mundo, com mais de 540.000 pessoas presas em 1.500 unidades prisionais para um
contingente de aproximadamente 1.300 assistentes sociais (TORRES, 2014, p. 39).
Somente no estado de São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária 2
(SAP), responsável por administrar os presídios paulistas, possui atualmente sob sua tutela,
205.000 pessoas presas distribuídas em 159 unidades prisionais (SAP, 2014). Até o ano de
2011, verificou-se um número de 265 assistentes sociais no estado para prestar serviços a
esta população (COUTO, 2012, p. 14).
É importante ressaltar que além das unidades prisionais, compreendem o espaço
institucional de inserção de assistentes sociais no sistema penitenciário paulista,
administrado pela SAP, Unidades de Atendimento (UA´s): Centrais de Penas e Medidas
Alternativas (CPMA´s) e Centrais de Atenção ao Egresso e Familiares (CAEF´s), além das
Centrais de Ações de Reintegração, por meio do Centro de Referências Técnicas (CRT´s) e
das Células de Referências Técnicas (CLL´s), conforme apresenta a Secretaria em sua
base de dados constante em SAP (2014).
Os 159 presídios paulistas são administrados através de
cinco coordenadorias
divididas por meio de cinco divisões geográficas no estado de São Paulo, sendo elas:
Coordenadoria da Região Metropolitana de São Paulo (COREMETRO), com 28 unidades
1 “
Expressão direta das lutas de classes contra a exploração do trabalho e pela apropriação de bens e serviços
frutos do trabalho coletivo” (RAICHELIS, 2014); “[...] manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição
entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e da
repressão” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 77)
2
Órgão criado pela Lei 8.209 de 4 de janeiro de 1993, promulgada na gestão estadual do Estado de São Paulo
naquele ano, pelo governador Fleury Filho. A criação da Secretaria de Administração Penitenciária foi destinada
a promover a execução penal no âmbito administrativo e a proporcionar condições para a reinserção social do
condenado e do internado (JUSBRASIL, 2014)
prisionais; Coordenadoria da Região do Vale e Litoral (COREVALI), com 18 unidades
prisionais; Coordenadoria da Região Noroeste (CRN) com 39 unidades prisionais;
Coordenadoria da Região Central (CRC) com 33 unidades prisionais; e Coordenadoria da
Região Oeste (CRO) com 37 unidades prisionais. Há três Hospitais de Custódia e de
Tratamento Psiquiátrico (HCTP´s), que são administrados pela Coordenadoria de Saúde
(SAP, 2014).
As unidades de atendimentos e as centrais de ações de reintegração são
administradas pela Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania (CRSC). Atualmente
estão instaladas no estado de São Paulo, 54 CPMA´s, 30 CAEF´s, 01 CRT e 05 CLL´s
(SAP, 2014), estrutura insuficiente para o adequado atendimento da demanda .
Compreende-se o sistema penitenciário paulista como um espaço sócio-ocupacional
para o serviço social para atuação em quaisquer destes setores específicos, visto que o
código penal3 define que a execução penal brasileira deve ocorrer por meio de três espécies
de penas: penas privativas de liberdade (reclusão); penas restritivas de direito (prestação
pecuniária, perda de bens e valores, e prestação de serviço à comunidade ou à entidades
públicas); e, pena de multa (pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na
sentença e calculada em dias-multa).
Em geral, as atividades do serviço social no âmbito da execução penal estão
voltadas ao atendimento às pessoas condenadas ao cumprimento de penas privativas de
liberdade por meio dos regimes: fechado, semiaberto e aberto; além das penas restritivas de
direito.
O desenvolvimento do trabalho do assistente social neste espaço sócio-ocupacional
é dinâmico e desafiador, requer ser analisado com objetividade, calcado sob as dimensões
presentes na busca pela materialização do projeto ético-político4 profissional.
Refletir sobre o espaço sócio-ocupacional em que o assistente social está inserido
requer pensar sua especialização como força de trabalho que possui dupla determinação:
uma regulamentação formal para o exercício profissional e, ao mesmo tempo, recebe
determinações institucionais para a execução do seu trabalho.
2 DESENVOLVIMENTO
Considerando os diferentes espaços de trabalho em que os assistentes sociais estão
inseridos, conforme afirma Iamamoto (2009, p. 345), com base em pesquisa elaborada no
ano de 2004 pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), identificou-se que tais
profissionais apresentavam-se atuando majoritariamente como funcionários públicos.
3
4
BRASIL (2009a)
Para aprofundar a construção do projeto ético-político do Serviço Social consultar Netto (1999)
Pensar o sistema penitenciário paulista administrado pela SAP, como mais um
empregador de assistentes sociais, contratados por meio de concurso público, em forma de
regime estatutário, remete identificar a relação destes profissionais como trabalhadores
assalariados neste espaço sócio-ocupacional.
O serviço social é tido como uma especialização do trabalho, parte da divisão social
e técnica do trabalho social, tese esta sustentada desde os anos de 1980, a partir do
lançamento da obra Relações Sociais e Serviço Social de Marilda Vilela Iamamoto e Raul de
Carvalho, conforme afirma Iamamoto (2011, p. 414).
Em produção mais recente, a mesma autora traz à tona as implicações teóricas
frente a este debate, quando afirma que a categoria incorporou à difusão da análise do
serviço
social
como
profissão
situada
na
divisão
do
trabalho,
porém
sem
o
acompanhamento em igual medida, da apropriação das bases teórico-metodológicas que a
sustentam (Iamamoto, 2011, p. 415).
Ao inferir importantes contribuições acerca deste debate e suas relações no
processo de assalariamento dos assistentes sociais, Raichelis (2011, p. 423) evidencia a
necessidade de problematizar “[...] como se dá a relação de compra e venda da força de
trabalho a seus empregadores diversos, como o Estado [...]”.
A premissa de pensar o trabalho do serviço social como parte do trabalho coletivo
(atividade eminentemente social5) e considerá-lo desde sua origem “estritamente integrado
ao setor público em especial, diante da progressiva ampliação do controle e do âmbito da
ação do Estado junto à sociedade civil”, requer pensar na sua condição de trabalhador
assalariado (Iamamoto e Carvalho, 2005, p. 79) e as determinações da profissão no cerne
da questão social.
Mediante este debate contemporâneo quanto à compreensão da necessidade de
buscar implicações do serviço social na divisão sócio técnica do trabalho, remete-se à sua
importância no sistema penitenciário paulista como mais um dos diversos espaços sócioocupacionais dos assistentes sociais e identifica-se a necessidade de conhecer sua
atribuições expressas na lei de regulamentação da profissão6.
Iamamoto (2011, p. 415) afirma que há um “dilema condensado na inter-relação
entre projeto profissional e estatuto assalariado”. O profissional não possui o controle sobre
os meios de produção para realizar sua atividade, portanto, ele vende sua força de trabalho
ao empregador, força de trabalho esta “socialmente legitimada pela formação acadêmica de
nível universitário”, logo, um trabalho que possui atribuições e competências.
5
Ver Antunes (2009)
Lei 8.662 de 1993 – Lei de Regulamentação da Profissão, aprovada em 13 de março de 1993 com alterações
pelas Resoluções CFESS nº 290/94, 293/94, 333/96 e 594/11
6
Ao mesmo tempo em que o assistente social “ocupa” este espaço de trabalho, se
insere nos diversos processos de trabalho a ele inerentes, uma vez que tal trabalho
realizado não é uma atividade isolada, mas trata-se de um trabalho social e coletivo
(RAICHELIS, 2011, p. 423). Esta reflexão se relaciona a afirmação da participação da
profissão do serviço social no processo de reprodução das relações sociais, na perspectiva
das relações contraditórias entre capital e trabalho:
[...] a reprodução das relações sociais não se restringe à reprodução da força viva
de trabalho e dos meios objetivos de produção (instrumentos de produção e
matérias primas). A noção de reprodução engloba-os, enquanto elementos
substanciais do processo de trabalho, mas também, os ultrapassa. Não se trata
apenas da reprodução material no seu sentido amplo, englobando produção,
consumo, distribuição e troca de mercadorias. Refere-se à reprodução das forças
produtivas e das relações de produção na sua globalidade, envolvendo, também, a
reprodução da produção espiritual, isto é, das formas de consciência social:
jurídicas, religiosas, artísticas ou filosóficas, através das quais se toma consciência
das mudanças ocorridas nas condições materiais de produção. Nesse processo são
gestadas e recriadas as lutas sociais entre os agentes sociais envolvidos na
produção, que expressam a luta pelo poder, pela hegemonia das diferentes classes
sociais sobre o conjunto da sociedade (IAMAMOTO e CARVALHO, 2005, p. 72)
Compreende-se, portanto, a partir desta análise, que o serviço social é parte
integrante da divisão social e técnica do trabalho na sociedade capitalista e que desta forma
participa dos processos de produção e reprodução social deste sistema; considera-se ainda
que tal profissão esteja no cerne das respostas apresentadas pelo Estado à questão social.
Considerando então que o assistente social está inscrito na divisão social e técnica
do trabalho, na produção e reprodução das relações sociais e que se insere em diferentes
processos de trabalho em seu espaço sócio-ocupacional, é importante retomar a
especificidade do quem venha ser atuar no sistema penitenciário paulista.
2.1 O papel dos assistentes sociais perante a execução penal
Desde 1984, os assistentes sociais têm sido evidenciados na execução penal
brasileira a partir da Lei de Execução Penal 7 (LEP), em seu artigo 7º, que constituiu a
Comissão Técnica de Classificação (CTC), existente em cada estabelecimento, que se
resumia a composição de presidência por parte da diretoria geral da unidade, composta, no
mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um)
assistente social (BRASIL, 2009b).
Sob esta ótica, as progressões de regime dos presos eram condicionadas a
avaliação conjunta desta equipe profissional, ou seja, dependiam de opinião técnica para
ocorrerem transferências entre regimes (fechado, semiaberto, aberto) e livramento
7
Lei n. 7.210 de 1984
condicional. Sobretudo, no ano de 2003, houve alterações na Lei de Execução Penal
conforme segue:
[...] a transferência de regime, bem como a concessão de livramento condicional,
indulto e comutação de penas, não mais devem se pautar no “mérito” do
sentenciado, avaliado pela CTC e materializado nos pareceres técnicos, e sim no
“bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento,
respeitando as normas que vedam a progressão”. Ademais, a decisão da autoridade
competente não mais será “motivada e precedida” de parecer da Comissão Técnica
de Classificação, e sim “de manifestação do Ministério Público e do defensor. (LIMA;
PIRES, 2004, p. 05) (destaque dos autores).
Embora tenha havido tal mudança na legislação, ainda é comum a solicitação de
avaliações sociais e psicólogas pelos magistrados a fim de subsidiar decisões judiciais para
fins de progressão de regime.
Neste bojo verifica-se a necessidade de refletir acerca das atribuições dos
assistentes sociais previstas para a execução penal, se estas convergem ou divergem das
prerrogativas legais construídas historicamente pela profissão que visam materializar o
projeto ético político profissional.
O edital do último concurso para a SAP, no ano
de 2011, previa as seguintes
atribuições aos assistentes sociais:
Prestar serviços de âmbito social aos detentos e seus familiares, procurando
eliminar desajustes biopsicossociais e promover a integração ou reintegração
dessas pessoas à sociedade; assistir aos detentos, programando e desenvolvendo
atividades de caráter educativo e recreativo e atender as suas necessidades
básicas, para evitar a reincidência do ato anti-social; desempenhar atividades
periciais e/ou de reabilitação junto aos internos, bem como as demais atribuições
previstas no artigo 5° da Lei Federal n° 8.662, de 7 de junho de 1993 (SAP, 2014)
Verifica-se na referência supracitada a contradição das atribuições iniciais que o
estado aponta para o assistente social frente ao que refere ao final do texto em relação a
“demais atribuições previstas no artigo 5º da Lei Federal nº 8.662, de 7 de junho de 1.993”
que trata-se da lei de regulamentação da profissão do serviço social.
Devido as incoerências constantes no edital, após intervenção do Conselho Regional
de Serviço Social (CRESS), o mesmo foi retificado e estabeleceu uma série de atribuições
convergentes à lei de regulamentação da profissião e ao código de ética profissional, como
segue:
Elaborar, coordenar, executar, avaliar e supervisionar planos, programas e projetos
no âmbito do Serviço Social, buscando a efetivação dos direitos humanos; Efetivar
no seu cotidiano profissional a defesa intransigente dos direitos humanos,
contribuindo para todas as práticas que visem a garantia e efetivação destes;
Atender determinações judiciais relativas à prática do Serviço Social, em
conformidade com a legislação que regulamenta a profissão, o Código de Ética
Profissional e as diretrizes curriculares do Serviço Social; Realizar estudo social com
a finalidade de subsidiar ou assessorar a autoridade judiciária no conhecimento dos
aspectos socioeconômicos, culturais, interpessoais, familiares, institucionais e
comunitários, na qualidade de perito social; Emitir laudos técnicos, pareceres e
resposta a quesitos sobre a área de conhecimento do Serviço Social além de
realizar acompanhamento social a presos, presas, egressos e egressas do sistema
penitenciário; Contribuir e/ou participar de trabalhos que visem o diálogo com as
instituições prestadoras de serviços em áreas afins, como no campo sócio jurídico,
saúde, educação e outras que desenvolvem ações, buscando a articulação com a
rede de atendimento para melhor encaminhamento das demandas apresentadas;
Supervisionar estagiários do curso regular de Serviço Social, mediante prévia
autorização do próprio profissional, de acordo com o que estabelece a Resolução
Cfess nº 533/08; Planejar e coordenar atividades técnicas específicas do Setor de
Serviço Social; Realizar atendimentos sociais e/ou grupais com vistas ao trabalho
socioeducativo; Realizar trabalhos com equipes multidisciplinares numa perspectiva
de totalidade e emancipação dos sujeitos em situação de prisão; Realizar
atendimento aos familiares de presos, presas, egressos e egressas, visando o
acesso à rede de serviços na busca pela garantia de direitos numa perspectiva
socioeducativa; Promover a mediação das diversas demandas apresentadas entre
os presos, presas, egressos, egressas, familiares e a comunidade; Desenvolver
ações que visem à preparação para a vida egressa e que privilegiem as medidas e
alternativas penais; Trabalhar e articular junto à rede de serviços (intra e extrainstitucional) de forma a orientar e encaminhar demandas, visando à participação
dos usuários aos serviços prestados no âmbito municipal, regional, estadual e
federal; Realizar estudos socioeconômicos com a finalidade de conhecimento da
realidade social; proceder à análise conjuntural e propor ações socioeducativas para
fundamentar a elaboração de planos, projetos e programas sociais para presos,
presas, egressos e egressas do sistema penitenciário; Elaborar relatórios avaliativos
(quantitativos e qualitativos) sobre as ações desenvolvidas para subsidiar a
continuidade de ações; Desenvolver projetos visando o atendimento e orientação
social aos demais servidores do sistema penitenciário; Em casos específicos de
grupos de estudos ou organização de assistentes sociais, coordenar, participar e/ou
contribuir para as discussões pertinentes ao exercício profissional no sistema
penitenciário, bem como as demais atribuições previstas no artigo 5º da Lei Federal
nº 8.662, de 7 de junho de 1993 (SAP, 2014)
As legislações brasileiras voltadas à execução penal remetem a um referencial
teórico metodológico baseado no direito positivista, com função de enquadramento, com
vistas ao indivíduo, negando a autonomia do sujeito, a emancipação humana e a
capacidade de transformação do ser social coletivo.
Esta realidade direciona também os processos de trabalho nos quais se inserem os
assistentes sociais na execução penal uma vez que estes são os profissionais chamados a
“ressocializar indivíduos”.
3 CONCLUSÃO
O caráter dito ressocializador da pena, que é criticado por Torres (2005, p. 30) em
que a pena de prisão é concebida como um tratamento com vistas a transformar a prisão
numa instituição de reabilitação, recuperação, regeneração, readaptação, ressocialização ou
reeducação do condenado, é atribuído aos assistentes sociais.
Acerca deste processo ressocializador na prisão, também contribuem Dhamer
Pereira e Dantas (2009) ao afirmarem que a prisão não é uma sociedade à parte e que é
falacioso pensar que mudanças e reformas possam ser estabelecidas, se plantadas apenas
de „dentro para fora‟, „da prisão para fora‟. Sinalizam que “[...] os processos de
criminalização e de punição, ao longo da história, são produzidos socialmente” configurados
à luz da questão social (DHAMER PEREIRA; DANTAS, 2009, p. 142).
Corrobora Torres (2005, p. 60) que “[...] a prisão como uma das manifestações da
questão social no sistema capitalista é, como outras, uma questão política”. A autora
complementa que
[...] a falta de determinação governamental para implementar uma política para a
área prisional, que garanta direitos mínimos para este segmento recluso da
população, só agrava a cada dia (TORRES, 2005, p. 18).
Em tempos de judicialização das expressões da questão social, conforme afirma
Borgianni (2013, p. 425), há uma tendência de encaminhar-se ao Poder Judiciário, milhares
de casos que deveriam ser respondidos no âmbito da esfera política.
A prisão atualmente representa uma das várias consequências da falta de
investimento em políticas públicas e das desigualdades sociais no Brasil (TORRES, 2005, p.
18). As notícias midiáticas acerca das condições precárias dos presídios brasileiros e da
violação dos direitos humanos são expostas periodicamente, reforçando a criminalização da
pobreza e onda punitiva vivenciada cotidianamente.
A materialidade da profissão do serviço social inserida na divisão sócio-técnica do
trabalho, expressa pela construção incessante de um projeto ético político, requer do
profissional assistente social que este
“atue nas expressões da questão social, formulando e implementando propostas de
intervenção para seu enfrentamento, com capacidade de promover o exercício pleno
da cidadania e a inserção criativa e propositiva dos usuários do Serviço Social no
conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho” (CRESS, 2007, p. 94).
Para tanto, dentre outros princípios fundamentais do serviço social,
estão o
“reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela
inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais” além da
“defesa intransigente dos direitos humanos” bem como a “ampliação e consolidação da
cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas a garantia dos
direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras” e ainda o “empenho na
eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à
participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças” (CRESS,
2007, p. 42).
É fato que a construção desta perspectiva de atuação do assistente social perpassou
por condicionantes históricos no Brasil, a partir da organização da categoria no processo de
ruptura com uma concepção conservadora caracterizada nas primeiras décadas de sua
existência, com fundamentos positivistas (BARROCO, 2001, pg. 95).
Não obstante, compreende-se que até 1975 os códigos de ética da profissão traziam
em sua concepção perspectivas de ajustamento de indivíduos. A Lei de Execução Penal
formulada em 1984 não traz a profissão do Serviço Social e sim a prestação da “Assistência
Social” prevista como direito ao preso no artigo 22 e 23, da seção VI (BRASIL, 2009a),
confundindo profissão com politica pública.
De qualquer forma, afirmar nos dias atuais que o assistente social nos presídios deve
“eliminar desajustes biopsicossociais” e promover a “integração ou reintegração dessas
pessoas à sociedade” e “evitar a reincidência do ato anti-social” além de desempenhar a
“reabilitação e recreação junto aos internos” pressupõe um retrocesso na história desta
profissão, além de ferir os princípios fundamentais previstos no Código de Ética já citados.
Objetiva-se, conforme previsto no novo edital de consurso, que o trabalho do
assistente social no sistema penitenciário paulista compreenda a efetivação dos direitos
humanos e direitos sociais dos usuários atendidos, bem como o fortalecimento de suas
relações familiares e sociais através de atendimentos individuais bem como trabalhos sócioeducativos grupais, tanto aqueles conduzidos pelo serviço social como também trabalhos
multidisciplinares com médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, pedagogos, advogados,
dentre outras profissões, que visem o caráter da totalidade e que não reforcem a
segregação social.
Os usuários em situação de prisão atendidos pelos assistentes sociais não devem
ser compreendidos como sujeitos “fora” da sociedade capitalista, mas a partir das reflexões
sobre as determinações da questão social nas situações concretas em que se inserem,
objeto de intervenção no cotidiano profissional dos assistentes sociais. Desta forma, este
espaço sócio-ocupacional poderá apresentar-se como uma possibilidade real de intervenção
social da profissão sintonizada com os princípíos, diretrizes e concepções que orientam o
projeto ético-politico profissional.
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Atribuições e Competências no Sistema Penitenciário