A judicialização de políticas
públicas de saúde e previdência
SIMONE BARBISAN FORTES
O debate sobre a judicialização
Crescimento exponencial de ações e correlatos dispêndios
Saúde
Previdência
O caso do Rio Grande do Sul
113 mil processos, no final de
2013.
Medicamentos: dos R$ 316
milhões gastos até 11/2013, R$
192 milhões foram
destinados a ações judiciais.
O valor seria suficiente para
construção de 128 Unidades
Básicas de Saúde. (fonte:
http://zh.clicrbs.com.br/)
1 a cada 5 recursos no
STF tem origem no
Estado e, destes,
mais da metade
(55,2%) envolve
direito previdenciário
(Fonte: Supremo em
Números, FGV Direito Rio)
Dois casos: (1) Reajuste dos benefícios no teto, nas EC
20 e 41, reconhecido pelo STF - 117.135 benefícios
ativos. Impacto mensal de R$ 28 milhões.
(2) Revisão dos critérios de cálculo (ACP nº 000232059.2012.4.03.6183/SP) - 491.000 benefícios ativos e
2.300 milhões já cessados.
Por detrás da judicialização – a crise pragmática de um
inconcluso modelo de alta proteção
Uma perspectiva teórica –
em busca da harmonização
O modelo institucional
redistributivo ou socialdemocrata
Universalidade na Seletividade e
cobertura e
distributividade
atendimento
na prestação de
benefícios e
serviços
Ampla proteção & Proteção limitada
financiamento
& reserva do
social
possível
Uma perspectiva pragmática –
a luta contra o desmonte de
uma promessa inconclusa
As falhas na cobertura
Previdência
Cobertura
(2003/2005):
(1)populacional
- 20%
(2) PEA – 60%
Saúde
Democracia e demandas
sociais – o círculo da
cidadania
O bloqueio da luta por
reconhecimento na
esfera pública –
cidadania passiva na
periferia do mundo
A perda de legitimidade
do sistema político e o
papel do sistema
jurídico: garantir
direitos para
movimentar o círculo da
cidadania
Alguns casos
emblemáticos e o difícil
caminho do meio: saúde
e previdência
Políticas públicas judicializadas
O drama humano da judicialização – dois casos
particularmente marcantes
A previdência negada
A saúde negada
 A segurada inválida x
 O paciente terminal e o
fraudes bilionárias
esgotamento de
alternativas
O paradigmático debate sobre políticas públicas
focalizadas na manutenção da saúde e enfrentamento
da doença
Previdência – o difícil
acesso à proteção
Saúde – a insuficiência do
atendimento
• Reiteradas negativas
administrativas de benefícios por
incapacidade
• Baixa qualidade no atendimento
• Falta de medicamentos
• Perícias anacrônicas
• Pressão para redução de renda
• Demora para ampliação da lista RENAME
• Lentidão para incorporação de novas
tecnologias
• Tentativas de fraude ao sistema
• Longas filas para procedimentos
cirúrgicos eletivos e mesmo de urgência
• Falta de leitos
• JUDICIALIZAÇÃO
• JUDICIALIZAÇÃO
O debate
jurídico
Direitos
individuais x
capacidades
coletivas
Deveres
individuais x
solidariedade
social
Eficácia dos direitos
fundamentais
sociais (direito à
saúde e direito à
prestação
previdenciária)
Capacidade coletiva de
financiamento das
prestações
Acordo moral sobre a
amplitude da cobertura
1.
1.
2.
Eficácia originária, direta
e imeditata (arts. 5º, 194,
196 e 201 da CF)
Eficácia limitada
(conteúdo programático)
2.
Orçamento da Seguridade
Social (diversidade da base de
financiamento)
Desvinculação de Receitas da
União DRU – EC 68/2011,
alterando o art. 76 do ADCT,
prorrogada até 31/12/2015
(20% da arrecadação)
Dever de
autocuidado
Compromisso solidário
com o enfrentamento
do risco social
Os casos-limite envolvendo
drogadição e a possibilidade
teórica de sua ampliação
Até onde estamos dispostos a pagar
pelo bem comum?
A
indústria
da crise?
O argumento da
judicialização
como um grande
nicho de mercado
e da cultura do
“encostado”
 Judicialização da
previdência: a visão
conspiratória e a busca
fraudulenta por benefícios
indevidos
 Judicialização da saúde:
interesses do mercado
orientando a busca por
medicamentos e
tratamentos?
A judicialização e os benefícios por incapacidade
Plano constitucional
 Cobertura plena aos
eventos doença e
invalidez
 Direito fundamental à
proteção previdenciária
Plano infraconstitucional
e operação pragmática
 Déficit de cobertura
 Pragmático
 Legislativo
 Modelo fundado na
desconfiança:



Sistema anacrônico de
perícias
Dificuldade de acesso
Movimento tendente à
redução de renda
A Resolução INSS/PRES nº 97/10, decorrente da Ação Civil
Pública2005.33.00.020219-8, dispõe:
Sistema de
perícias
COPES (cobertura
previdenciária
estimada) – a alta
programada ou
programa data-certa
Art. 1º Estabelecer que no procedimento de concessão do benefício de
auxílio-doença, inclusive aqueles decorrentes de acidente do trabalho,
uma vez apresentado pelo segurado pedido de prorrogação, mantenha
o pagamento do benefício até o julgamento do pedido após a realização
de novo exame médico pericial.
AVANÇO: Impossibilidade do cancelamento sem
perícia mesmo quando não houver pedido de
prorrogação
Não pode ser suspenso ou cancelado o benefício em
manutenção por alta médica programada antes mesmo da
realização da correspondente perícia, tanto mais nos casos em
que é requerida a tempo sua prorrogação. (TRF4, AG
0007743-58.2013.404.0000, Sexta Turma, Relator João
Batista Pinto Silveira, D.E. 12/02/2014)
Se o beneficiário não comparecer a perícia já designada ou
mesmo deixar de procurar a Administração para agendar o
procedimento, com vista a obter a prorrogação do benefício,
não pode o INSS cancelá-lo sem antes oferecer o prazo de dez
dias para apresentação de razões( ...) Precedente do Superior
Tribunal de Justiça. (TRF4, AC 5001811-02.2013.404.7211, Sexta
Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em
08/05/2014)
Dificuldades operacionais e jurídicas no campo das
perícias médicas
 O problema da




especialidade
A simplificação e conteúdo
vago
A vinculação: médicos
julgadores?
Médicos peritos x médicos
assistentes ou prescritores
O grande mal da
massificação
Súmula 27 TR SC: Nos pedidos de concessão ou restabelecimento
de benefício por incapacidade, a nomeação de médico
não especialista na área da patologia da qual a parte-autora
alega ser portadora, por si só, não implica nulidade.
Deliberação 14 Fórum Insterinstitucional Previdenciário RS: “A
perícia médica nos processos em que se postula benefício por
incapacidade deve se constituir em avaliação criteriosa e completa
(apresentação e qualificação do paciente; histórico da doença; respostas aos
quesitos com base em todos os documentos apresentados, tais como resultados
de exames, prontuários, atestados e prescrições médicas, dentre os m ais
comuns, e prognóstico da doença, considerando a ocupação habitual e as
passíveis de exercício pelo periciando), pois, do contrário, não se cumpre
sua finalidade, qual seja, a de instrução da causa.”
Deliberações sugerindo: (1) cursos a peritos; (2) concentração de
perícias, para garantir peritos em dadas especialidades, no interior.
“Ao contrário do que alega a autora, o órgão judiciário não está
vinculado ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com
outros elementos ou fatos provados nos autos, nos termos do art.
436 do Código de Processo Civil. ” (TRF4, AC 2004.71.00.047203-5)
Fóruns Interinstitucionais Previdenciários – Enunciados 10 SJPR
(apreciação de quesitos pelo Juiz,) 15 SJRS e 13 da SJSC
(postergação de análise de tutela por portaria) , Recomendação 3
SJSC (tempo para a perícia judicial).
A judicialização no âmbito dos medicamentos:
doença é um bom negócio?
 Um debate nada simples
 A diversidade temática:
 Atendimento de ponta
(alto custo) e experimental
 Fila para procedimentos,
carência na farmácia
básica, falta de
implementação de
determinados programas
ou protocolos, falta de
medicamentos de alto
custo, dificuldades de
internação...
Contemporizando: as diretrizes
traçadas pelo STF
Saúde
Previdência
Direito subjetivo (prioritário), respeitadas algumas premissas STA 238
Teses gerais: o peso da
dimensão financeira dos
julgados
1. Existência de política pública que abranja a prestação de
saúde pleiteada. Se não estiver, deve-se distinguir se a não
prestação decorre de omissão legislativa ou administrativa, de
decisão administrativa ou de vedação legal (sem registro na
ANVISA, salvo situações excepcionais, não pode ser fornecido).
STF no julgamento do RE
630501, em 21/02/2013
“Creio que a ilustre
Procuradora foi muito feliz em
assinalar que esse é um caso
2. Aferição sobre a existência de motivação para o não
deferimento pelo SUS, distinguindo-se: a) se fornece tratamento muito importante, porque,
eventualmente, a sua solução
alternativo, mas não adequado ao paciente; b) se não tem
trará um descompasso nas
tratamento específico para a patologia.
contas da Previdência Social.”
3. No primeiro caso (2.a), deve ser privilegiado o tratamento
(Relatora Ministra Ellen
ofertado pelo SUS, salvo comprovada ineficácia (os protocolos e Gracie, considerações prévias).
diretrizes terapêuticas do SUS não são inquestionáveis)
4. No terceiro caso (2.b), deve-se diferenciar os tratamentos
experimentais, que não devem ser fornecidos, dos simplesmente
novos e ainda não testados pelo sistema público que, diante da
necessidade, podem ser alcançados. Isso pode ser feito em ação
coletiva ou individual, porém com ampla instrução processual.
Ilustrando: dois
casos
recorrentes em
Florianópolis
(SC)
Elementos adicionais:
-- Prescrição por
médico do SUS?
-- Impossibiblidade
financeira do paciente?
-- Perícia: medicina
baseada em evidências
(metarevisões de
literatura, estudos
estatísticos
populacionais, etc.)?
DPOC (doença
pulmonar
obstrutiva
crônica)
Há protocolo para
tratamento pelo
SUS, em âmbito
estadual, porém
em muitos casos
a resposta não é
satisfatória
Fármaco brometo
de tiotrópio
(Spiriva) . Não
consta na lista
RENAME,
tampouco na
Relação Municipal
de Medicamentos
(REMUME). Tem
registro na
ANVISA.
DEGENERAÇÃO MACULAR relacionada à idade
Ainda não há Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêutica PCDT (tratamento de alta complexidade) – do
Ministério da Saúde, mas está para ser publicado.
Fármaco
Fármaco AFLIBERCEPTE (Eylia) –
RANIBIZUMAB
Mais recente. Não consta nas
(Lucentis) – aplicação listas, tem registro na ANVISA.
O Ministério da Saúde concluiu em
intra vítreo. Não
novembro de 2012, procedimento de
consta na lista
consulta pública para elaboração de
RENAME, tampouco Protocolo Clínico e Diretrizes
na Relação Municipal Terapêuticas para Degeneração Macular
Relacionada à Idade (forma neovascular),
de Medicamentos
ainda sem publicação das
(REMUME), pois
conclusões. Neste documento, o
envolve tratamento
aflibercept é descrito como similar ao
de alta complexidade. ranibizumabe em relação à estabilização
da DMRI, a melhora da acuidade visual e
Tem registro na
também quanto aos resultados dos
ANVISA.
exames tomográficos. Dessa forma,
sequer foi incluído no Protocolo, pois não
representava nenhuma vantagem aos
pacientes.
Ausência de
diálogo
interinstitucional
INSS - SUS
 Uma Seguridade Social ainda
incipiente
 A proliferação da contingência
doença como contraface da
precariedade do direito à saúde: a
necessidade de uma visão e atuação
interligadas
 Saúde preventiva e ocupacional:
uma atribuição do Estado?
 Tratamentos adequados &
reabilitação profissional efetiva:
uma alternativa positiva aos
benefícios por incapacidade
Fórum Interinstitucional Previdenciário SJSC. Deliberação 12.
“O Fórum delibera o encaminhamento de moção à Presidência da
República, ao Ministério da Previdência e Assistência Social, ao
Ministério da Saúde, à Presidência do INSS e ao Sistema S (SESI,
SENAC, SENAI e SESC) para que adotem medidas que facilitem o
acesso do segurado ao tratamento da saúde e à reabilitação”.
A universalização como a via mais justa
 As experiências de ações coletivas no campo da saúde e previdência – o efeito positivo
do alcance geral (dimensionamento adequado enquanto política pública)
 Avanços e retrocessos no campo
Previdência
Saúde
Demandas envolvendo atos
normativos administrativos ilegais
ou leis inconstitucionais
Demandas recorrentes em ações individuais
Ex.1: ações civis públicas que discutiram a
constitucionalidade/legalidade do data-certa
ou programa de alta programada
Ex. 1: ação civil pública, na Justiça Federal de SC, com
deferimento de liminar em 05/214, para ordenar arresto de 30%
do valor da verba oficial com publicidade destinada ao Estado
para custear cirurgias ortopédicas em atraso no SUS – cerca de
R$ 25 milhões. (Fonte: CONJUR, 12/05/2014)
Ex. 2: ação civil pública, na Justiça Federal
de SP, envolvendo critérios errôneos de
cálculo dos benefícios por incapacidade, em
que efetivado acordo em nível nacional.
Ex. 2: ação civil pública, na Justiça Federal de SP, para
fornecimento, pelo SUS, do Idursulfase, medicamento para
tratamento da Síndrome de Hunter.
Ex.3: ação civil pública , na Justiça Federal
do RS, com alcance nacional, postulando
reconhecimento da união homoafetiva para
fins previdenciários
Ex. 3: ação civil pública, na Justiça Federal de MG, para
fornecimento de colírios todos prescritos a portadores de
glaucoma, notadamente o Xalatan, Travatan, Lumigan
(Princípio ativo Bimatoprost), Maleato de Timolol, Tartarato de
Brimonidina e Cloridrato de Dorzolamida.
O Juiz e o dilema moral do bonde –
desgovernado
 Há uma oposição simples
entre o individual e o
coletivo?
 Para além da dimensão
econômico/financeira, a
humana!
Políticas sociais e o papel do Poder
Judiciário
 Administração pública
como imparcialidade: a
necessidade de critérios
objetivos definidos
politicamente
 Justiça como equidade: a
possibilidade de captação
das particularidades
concretas e correção de
rumos.
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