ATIVISMO JUDICIAL: UMA FERRAMENTA DE EFETIVAÇÃO DO
DIREITO À SAÚDE OU UM EXCESSO DO PODER JUDICIÁRIO?
PEREIRA, Leiner Marchetti 1; CASTRO, Lucinei Henrique de 2
RESUMO
O presente artigo tem por escopo analisar o ativismo judicial e sua relação com o direito à
saúde, notadamente a política de medicamentos. Analisaremos várias questões relacionadas à
atitude proativa do Poder Judiciário brasileiro. Veremos temas atuais e polêmicos, como a
judicialização da política e a politização da justiça. Veremos também as causas que
desencadearam esse fenômeno, que não é originário de nosso país, mas que foi adaptado à
nossa realidade. Depois de analisado tudo isso se chega a uma conclusão, onde se pretende
julgar se o ativismo judicial é algo benéfico ou danoso ao Estado Democrático de Direito. O
estudo foi realizado de janeiro a março de 2013, o levantamento bibliográfico foi realizado
através de artigos científicos de Revistas de Direito Público e dos bancos de dados
informatizados, GOOGLE ACADÊMICO E SCIELO, e textos publicados pelo Ministério da
Saúde. A análise demonstrou que o acesso universal aos serviços de saúde pública deu-se a
partir da promulgação da Constituição de 1988, e desde então a população brasileira tem
assegurado esse direito fundamental. É quando ele se vê ameaçado que entra em cena o Poder
Judiciário, com suas decisões questionadas pelo Poder Executivo.
Palavras-chave: Ativismo judicial. Direito à Saúde. Ação de Medicamentos.
ABSTRACT
This article is to analyze the scope of judicial activism and its relation to the right to health,
notably drug policy. We will discuss several issues related to proactive attitude of the
Brazilian Justice. We will see current and controversial topics such as the legalization of
politics and the politicization of justice. We will also see the causes that triggered this
phenomenon, which does not originate from our country, but it was adapted to our reality.
After examining all this comes to a conclusion where we intend to judge whether judicial
activism is something beneficial or harmful to the democratic rule of law. The study was
conducted from January to March 2013, the literature was conducted through scientific
articles for Journal of Public Law and computerized databases, GOOGLE SCHOLAR AND
SCIELO and texts published by the Ministry of Health The analysis demonstrated that the
universal access to public health services took place after the promulgation of the 1988
1
Mestre em Direito pela Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações – UNINCOR. Especialista
em Administração Pública pela FEAD/BH. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de VarginhaFADIVA. Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da Faculdade de Três Pontas –
FATEPS. Assessor Jurídico da Associação de Municípios da Micro Região da Baixa Mogiana – AMOG
[email protected]
2
Acadêmico do curso gestão pública, nível pós-graduação, Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Sul de Minas Gerais Campus Muzambinho/MG. [email protected].
Constitution, and since then the Brazilian population has ensured that fundamental right.
That's when he threatened that comes in the Judiciary, with its decisions questioned by the
Executive Branch.
Keywords: judicial activism. Right to Health. Action of Medicines.
2
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo estudar o ativismo judicial, algo que é recente e
polêmico, principalmente no que tange aos direitos fundamentais garantidos na Constituição
Federal, notadamente a saúde.
A atuação ativista dos juízes tem causado um enorme desconforto nos demais Poderes
da Federação, principalmente o Executivo. Cabe Ele, que foi eleito democraticamente e por
meio de seu poder discricionário, averiguar e escolher as políticas públicas que serão
implantadas, porém, o Poder Judiciário vem emitindo decisões que entram no mérito dessas
políticas e, na maioria das vezes, impõem uma obrigação de fazer ou entregar coisa e que,
consequentemente, atrapalham todo o planejamento daquele órgão Estatal.
Especificamente quanto ao direito à saúde, geralmente as decisões judiciais impõem
ao Executivo a obrigação de entregar remédio ou bancar alguma cirurgia de alta
complexidade, e o Município, que tem um programa relativo a esse assunto, se vê obrigado a
entregar ou fazer algo não previsto em seu plano de governo, ocasionando problemas para a
Administração.
No primeiro tópico se conceituará o ativismo judicial. Discorrer-se-á sobre seu
histórico, possíveis causas e fatores de impulsão. Enfim, será discutido sobre os fatos
inerentes a este fenômeno.
Já no segundo tópico abordar-se-á a Saúde Pública no Brasil. As políticas públicas
relacionadas à saúde pública são atualmente as mais questionadas pela população. Apesar de
um histórico de evolução, esse tema ainda causa muitos problemas para a sociedade e também
para os gestores públicos. Nesse ínterim, surge a atuação judicial, visando a efetivação desse
direito. Então se discute a legitimidade do Poder Judiciário em atuar em uma esfera que, em
tese, seria privativa do Poder Executivo.
Por fim, no terceiro tópico, serão levantadas as críticas ao ativismo judicial, analisando
se são críticas pertinentes ou não. Após a análise das justificativas favoráveis e contrárias
chegar-se-á a uma conclusão, que julgará a necessidade e legitimidade do ativismo judicial,
principalmente no que tange às decisões emanadas versando sobre saúde pública.
Portanto, esse artigo vai discutir a legalidade e a legitimidade dessas decisões, bem
como o histórico desse ativismo, suas causas e consequências para a Administração Pública.
Visa, por fim, analisar se é algo benéfico à sociedade ou se é uma excessiva interferência do
Poder Judiciário nos demais Poderes da República.
3
2 ATIVISMO JUDICIAL
Neste tópico esmiuçaremos o ativismo judicial. O Poder Constituinte, receoso pelo
longo tempo do Estado de exceção, atribuiu ao Poder Judiciário total independência em
relação aos demais Poderes. Esta independência foi a responsável por gerar este ativismo.
2.1 Conceito
O ativismo judicial é fenômeno recente na história brasileira, e é consequência da
discricionariedade atribuída ao Poder Judiciário pela Constituição da República de 1988.
A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa
do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior
interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se
manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da
Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e
independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de
inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em
critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a
imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria
de políticas públicas. (BARROSO, 2009 apud PEREZ, 2012, p. 127).
De acordo com o autor supracitado, o juiz ativista aplicará a Constituição a situações
que não estão expressas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador
ordinário, ou seja, haverá casos em que a Constituição não servirá como fundamentação para
sua decisão, mas assim mesmo ele o fará.
Outra conduta do juiz ativista é declarar inconstitucionalidade de atos normativos com
base em critérios menos rígidos que os de nítida violação à Constituição. Para se declarar uma
norma inconstitucional é necessário que ela efetivamente fira a Constituição, de forma brusca.
E o juiz ativista não faz todo o exame necessário da norma para declará-la inconstitucional.
E, a forma mais clara e comum de ativismo judicial é a imposição de condutas ou
abstenções ao Poder Público, principalmente no que diz respeito a políticas públicas. No
Brasil há um aumento substancial da interferência do Poder Judiciário no Poder Executivo,
principalmente através de ordens para que o Executivo arque com despesas relacionadas a
remédios ou cirurgias, o que gera todo um desequilíbrio no orçamento do Executivo.
O ativismo judicial surge quando o juiz passa, de forma reiterada, a não apenas a
aplicar o direito, mas também a criá-lo. O ativismo judicial é, então, a materialização da
discricionariedade judicial. Ele é fruto de realidades brasileiras: a judicialização da política e a
4
politização da justiça, que, por serem fatores bastante complexos, merecem uma análise
especial, em apartado.
2.1.1 Judicialização da política
Por judicialização da política entende-se a prerrogativa do Poder Judiciário de
fiscalizar as políticas públicas executadas pelo Executivo e a operação funcional das
instituições democráticas.
Assim, o Poder Judiciário não decide somente sobre questões legais, mas também
interfere na própria política, apesar de não ser um órgão com integrantes eleitos pelo povo. É
uma fiscalização diferente daquela exercida pelo Poder Judiciário, pois o Legislativo não
interfere nos programas de governo do Executivo, o que, por sua vez, acontece com o
Judiciário.
Segundo Sodré (2012):
A judicialização da política significa a ampliação dos poderes decisórios do
Judiciário, passando esse Poder do Estado a ter como uma de suas competências a
verificação da constitucionalidade das normas jurídicas, mas também dos atos
administrativos e dos atos de governo, significando uma revisão dos atos políticos
pela via judicial, para compreensão e adequação dessa atuação aos objetivos e metas
estabelecidas pela Constituição Federal de 1988. (id, p. 163).
Consequência disto é um número cada vez maior de ações judiciais questionando a
legalidade de certas políticas públicas, aumentando ainda mais o número de processos e,
consequentemente, a morosidade da Justiça 3.
Outra consequência da jucialização é “uma migração do lobby das arenas políticopartidárias para os órgãos do Poder Judiciário” (id, p. 167), já que a este cabe dar a última
palavra sobre as políticas públicas. E isto leva à corrupção judicial, através de compra de
decisões e a manipulação decisória.
2.1.1 Politização da Justiça
Por sua vez, a politização da justiça é o fenômeno resultante da judicialização da
política, que é quando os juízes, por não terem conhecimento técnico para lidar com questões
3
O STF, em sede de Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 175/CE, de relatoria do Ministro
Gilmar Mendes, em julgado de 17.03.2010, determinou o fornecimento de remédios pelo Estado.
5
econômicas, acabam proferindo decisões discricionárias de caráter mais político do que
jurídico.
Mostra-se presente, no âmbito judiciário, um conjunto de decisões discricionárias e
uma atuação política desmedida. Como exemplo desse despreparo, pode-se citar o
caso da implementação de políticas públicas via decisão judicial que versam sobre
direitos sociais prestacionais, pois, nesses casos, os juízes, ao decidirem contra o
Estado, não avaliam custos orçamentários nem os rearranjos necessários para
execução da decisão, bem como seus impactos sobre outras políticas públicas
universais, o que tem como efeito a costura de uma política orçamentária com
aparência de uma colcha de retalhos (SODRÉ, 2012, p. 164).
A politização da justiça é algo extremamente danoso, pois, como se percebe, o
Judiciário emite decisões discricionárias sobre políticas públicas, o que gera um desequilíbrio
no orçamento do Poder Executivo. Este elabora o seu plano de governo e prevê o que poderá
ser gasto em determinada área, e então, por meio de uma ordem judicial, o Executivo deve
executar determinada ação, o que gera gastos não previstos, fazendo que o Executivo fique
refém de créditos suplementares.
Com a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal os governantes são
obrigados a pagar suas contas e não deixar nada em restos a pagar e, por isso, o seu orçamento
deve ser muito bem elaborado, já fazendo todas as previsões do que se irá gastar e receber. E,
quando há uma decisão judicial no sentido de fazer com que o Executivo gaste algo não
previsto, há um desequilíbrio nas contas, ameaçando toda a governabilidade, quando se trata
de pequenos municípios.
Então, a politização da justiça significa a criação do Direito pela via judicial, e não a
sua interpretação visando aplicação prática. Por conseguinte, os juízes se tornam, eles
próprios, os criadores do direito. Portanto, o ativismo judicial é a materialização da
discricionariedade judicial.
2.2 Histórico
A expressão ativismo judicial foi criada nos Estados Unidos, em 1947, e o criador da
expressão a usou para definir os juízes que eram inclinados a empregar sua noção de bem
social.
Portanto, na concepção clássica de ativismo judicial, o termo significa juízes que são
voltados ao social, que, em nome dos direitos sociais, decidem de forma arbitrária, inovando
na ordem jurídica.
6
No país de origem da expressão o tema é recorrente e há ampla discussão popular,
inclusive com pesquisas feitas para saber a opinião da população.
Nas audiências do Senado para confirmação de Ministros indicados para a Suprema
Corte, os senadores tendem a vetar os nomes que demonstram ser ativistas, ou pelo menos
deixar claro que são contrários à esta prática.
O primeiro fato marcante nos Estados Unidos que trouxe à tona o tema foi uma
decisão da Suprema Corte em 1954, que, contrariando a lei vigente de segregação racial,
decidiu pelo fim da separação entre brancos e negros na escola Brown V. Board of Education.
A partir de então, o ativismo da Suprema Corte tem sido uma preocupação dominante.
No entanto, bem antes da expressão ter sido criada, já havia decisões polêmicas da
Suprema Corte, decisões que podem ser apontadas como a pré-história do ativismo.
Abraham Lincoln 4 já teria falado sobre ativismo judicial em seu discurso de posse,
quando disse que, caso os tópicos políticos fossem resolvidos pelo judiciário, o povo deixaria
de ser o seu próprio governante.
Já no Brasil, o ativismo judicial tem início com a Constituição de 1988. A Carta
Magna atribuiu uma série de prerrogativas ao magistrado, obrigando-o a uma atuação mais
presente na sociedade.
Além do mais, a Constituição prevê os chamados direitos fundamentais, direitos estes
que não foram regulamentados, mas que mesmo assim não podem deixar de serem julgados
quando apresentados ao judiciário.
Esses direitos são supraconstitucionais, ou seja, são direitos inerentes à condição
humana, e valem para todos os homens e em todos os tempos. É a materialização da
Declaração dos Direitos do Homem, de 1948. Na Constituição brasileira os direitos
fundamentais são divididos em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos, direitos
sociais, direito da nacionalidade, direitos políticos, e direitos relacionados à existência,
organização e participação em partidos políticos.
Pela teoria da eficácia horizontal, os direitos fundamentais são aplicados de forma
direta também na relação particular-particular, e não somente perante o Estado, como são
tratados os direitos subjetivos.
Portanto, o ativismo judicial é uma consequência lógica da Constituição de 1988, onde
se prevê uma série de direitos fundamentais que não foram regulamentados posteriormente,
4
Estadista norte-americano (12/02/1809-14/04/1965); 16º presidente norte-americano.
7
além da obrigatoriedade do julgador analisar todo caso a ele remetido, mesmo que não haja
previsão legal sobre o tema.
2.3 Fatores de impulsão do ativismo judicial no Brasil
Há uma série de fatores que impulsionam o ativismo judicial no Brasil atualmente.
Dentre esses fatores há quatro principais, quais sejam: as exigências do Estado-providência,
as características do texto constitucional, a ênfase do papel político do Poder Judiciário, e a
atuação deficiente do Poder Legislativo.
O primeiro fator diz respeito ao Estado intervencionista. Em razão dos graves
problemas sociais causados pelo Estado liberal, a sociedade passou a se unir em movimentos
que reivindicavam a intervenção do Estado, com o fim de se amenizar os problemas causados
pela situação precária em que viviam as classes menos favorecidas. Surgiam então os direitos
de segunda geração, os direitos sociais. A partir de então, o Estado ficou obrigado a intervir
na sociedade, procurando minimizar as desigualdades sociais, através de prestações positivas.
Nesse modelo intervencionista cabe ao Judiciário garantir que estas prestações sejam
de fato colocadas em prática. Surge-se então um contato maior dos juízes com a sociedade,
em que eles deverão intervir sempre que o Estado não garanta estes direitos.
Outro fator que contribui para o ativismo judicial são as características do texto
constitucional, cuja principal é a ambiguidade do texto, pois o Constituinte de 1988 deixou
muitas lacunas para serem preenchidas pelo legislador ordinário, e muitas delas não foram
preenchidas, cabendo ao juiz decidir no caso concreto, mesmo que não haja qualquer
parâmetro legal.
Fator importante também é o já comentado papel político do Poder Judiciário. Com o
fortalecimento dado ao Judiciário pela Constituição de 1988, o STF foi incumbido de uma
série de prerrogativas, que tornaram sua autoridade em sobreposição aos demais Poderes.
Não há dúvida que a abertura para o Poder Judiciário do exercício de um papel
político favorece o desenvolvimento do ativismo judicial. A transferência de
decisões de repercussão política e social antes afetas ao Legislativo e ao Executivo à
seara do Judiciário faculta-lhe exorbitar no exercício de suas funções, infringindo os
lindes demarcatórios das tarefas reservadas aos demais Poderes. (PEREZ, 2012, p.
131).
Portanto, essa maior abertura que a Constituição conferiu ao Poder Judiciário também
o tornou mais atuante, mais político, que, como tal, tende a exorbitar seus poderes. Logo, a
politização do Poder Judiciário brasileiro é uma fonte de ativismo judicial.
8
2.3.1 A deficiência legislativa como fator de ativismo judicial
Uma causa do ativismo judicial que merece melhor análise é a deficiência legislativa.
A morosidade do processo legislativo e a produção de leis supérfluas são duas características
desta deficiência, que, por sua vez, leva ao ativismo judicial.
É natural que para a tomada de decisões de um órgão colegiado haja discussões e
debates, e isto demanda tempo. No entanto, a sociedade moderna é dinâmica, com
transformações muito rápidas, e isso exige uma produção legislativa na mesma velocidade, e
não é o que acontece. Os temas mais polêmicos, aqueles que afetam diretamente a sociedade,
levam muito tempo em debates, audiências e comissões, e muitas vezes não se chega a um
consenso, ficando aquela questão, crucial para a sociedade, sem regulamentação.
Por outro lado, há uma produção legislativa bem veloz para as leis desnecessárias, ou
seja, há um número muito grande de leis que são produzidas a cada ano, mas leis que, na
verdade, não acrescentam nada para a sociedade.
No Brasil, durante a sua história independente, foram produzidas cerca de 3.400 leis
durante o Império, 2.500 na Primeira República, 4.300 no período de 18 de setembro de 1946
a 09 de abril de 1964, e de 1964 até hoje foram promulgadas mais de 7.000 leis.
Mendes (1993) citado por Perez (2012) diz:
Embora a competência para editar normas, no tocante à matéria, não conheça limites
(universalidade da atividade legislativa), a atividade legislativa é, e deve continuar
sendo, uma atividade subsidiária. Significa dizer que o exercício da atividade
legislativa está submetido ao princípio da necessidade, isto é, que a promulgação de
liberdade, que lastreia o Estado de Direito democrático, pressupões um regime legal
mínimo, que não reduza ou restrinja, imotivada ou desnecessariamente, a liberdade
de ação no âmbito social. As leis hão de ter, pois um fundamento objetivo, devendo
mesmo ser reconhecida a inconstitucionalidade das normas que estabeleçam
restrições dispensáveis. (ibid, p. 131).
Como se percebe da fala do nobre doutrinador e Ministro, a sociedade deve se manter
sob a égide de um regime legal mínimo, no qual devem ser reguladas somente as relações
sociais relevantes. A edição de leis desnecessárias, segundo o Ministro, desrespeita o
princípio da subsidiariedade, podendo inclusive tais leis serem declaradas inconstitucionais.
Por tudo isso se nota que o Legislativo também é culpado pelo ativismo judicial. O
excesso de leis desnecessárias e a falta de regulamentação de temas polêmicos fazem com que
o Judiciário se veja frente a frente com questões delicadas. E, como não pode o juiz se furtar
de julgar o caso concreto a ele remetido, ele se utiliza de outras fontes que não a lei, e que
podem ter um caráter muito subjetivo.
9
3 SAÚDE E AÇÃO DE MEDICAMENTOS
Quando se trata de políticas públicas a saúde é a mais sensível ao cidadão. É algo que
não pode esperar, pois a pessoa que necessita do atendimento corre o risco de sofrer danos
irreparáveis caso o mesmo não seja feito em tempo hábil.
3.1 Regulação do direito à saúde
O direito à saúde se universalizou a partir da Constituição de 1988. Antes, era um
direito restrito a certos grupos de pessoas. Por exemplo, o Ministério da Educação e Saúde
Pública somente foi criado na década de 30. Junto a este Ministério foram criados os
Institutos de Previdência, os IAP’s, que ofereciam serviços de caráter curativo, mas somente à
categoria profissional ligada ao Instituto.
Durante o regime militar foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social, o INPS.
Vinculados a ele foram criados o Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência e a
Superintendência de Serviços de Reabilitação da Previdência Social. Porém, somente tinham
acesso a esses serviços os trabalhadores urbanos com carteira assinada, que também eram
contribuintes do sistema.
Então, em 1988, com a Constituição Cidadã, o direito à saúde universalizou-se, se
tornado direito de todos e dever do Estado. Foi, inclusive, levado à alçada de direito social
fundamental. Está previsto no art. 6º 5 e é oponível ao Estado. O art. 196 6 também menciona o
direito à saúde.
Percebe-se que o direito à saúde é bem amplo. Tratou o Constituinte de materializá-lo,
impondo ao agente público o dever de criar condições para que todos sejam atendidos pelo
sistema público, sem qualquer distinção.
5
C.F, art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
6
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
10
O art. 196 da Constituição Federal é, inclusive, o fundamento utilizado por promotores
públicos e particulares para ajuizar ações judiciais contra o Estado, pleiteando medicamentos
e cirurgias que o cidadão não é capaz de pagar.
Incluído no âmbito da seguridade e ostentando o status de direito fundamental, com
referência expressa no caput dos arts. 6º e 196 da Constituição, a saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação. Configura um
direito público subjetivo, que pode ser exigido do Estado, ao qual é imposto o dever
de prestá-lo, como sustenta Sérgio Pinto Martins, que, no particular, não faz
referência alguma à reserva do financeiramente possível, mesmo sabendo que ela
representa incontornável condição de viabilidade dessa e de tantas outras promessas
constitucionais de igual natureza. (MENDES, 2009 apud MATTOS, 2011, p. 15).
Como bem discorre o nobre doutrinador, a saúde é direito subjetivo e tão importante
que, mesmo sendo condição para a realização de políticas públicas, não há referência à
reserva do financeiramente possível, sendo o Estado obrigado a fornecer todo o aparato
técnico e tecnológico ao cidadão necessitado.
3.1.1 A regulação do SUS acerca da distribuição gratuita de medicamentos
Seguindo os preceitos constitucionais, foi editada a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de
1990. Esta Lei criou o SUS, Sistema Único de Saúde, que, desde então, é o responsável pela
execução dos programas atinentes à saúde.
Segundo Mattos (2011, p. 14), “cabe ao SUS desenvolver atividades relativas à
Política Nacional de Medicamentos; promover a revisão periódica e atualização contínua da
RENAME – Relação Nacional de Medicamentos Essenciais”.
Portanto, cabe ao SUS a criação e permanente atualização da lista de remédios que
serão fornecidos gratuitamente à população, e deverá ser elaborada levando-se em conta
estudos que mostrem a real necessidade da população.
A Política Nacional de Medicamentos foi estabelecida através da Portaria nº 3.916/98,
do Ministério da Saúde. Ela é a matriz de toda a estrutura de fornecimento de medicamentos.
Diz o item 5, da referida Portaria:
No que respeita às funções do Estado, os gestores, em cumprimento aos princípios
do SUS, atuarão no sentido de viabilizar o propósito desta Política de
Medicamentos, qual seja, o de garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade
dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles
considerados essenciais.
11
Portanto, todos os gestores são responsáveis pela realização da política de
medicamentos, bem como a fiscalização desta política, para que sejam respeitados os
princípios do SUS, e que o binômio necessidade/possibilidade seja realmente efetivado.
Com efeito, ao gestor federal caberá, a formulação da Política Nacional de
Medicamentos, o que envolve, além do auxílio aos gestores estaduais e municipais,
a elaboração da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). Ao
Município, por seu turno, cabe definir a relação municipal de medicamentos
essenciais, com base na RENAME, e executar a assistência farmacêutica. O
propósito prioritário da atuação municipal é assegurar o suprimento de
medicamentos destinados à atenção básica à saúde, além de outros medicamentos
que estejam definidos no Plano Municipal de Saúde. (BARROSO, 2009, p. 03 apud
MATTOS, 2011, p.09).
Portanto, o gestor federal é quem elaborará a lista que contém os medicamentos
essenciais. O município, tendo por base a relação nacional, elaborará a sua lista. Depois, o
próprio município executará a assistência farmacêutica, ou seja, fará a distribuição dos
medicamentos. Pode o município ter na sua lista de medicamentos essenciais aqueles que não
constam na relação nacional.
A União, em parceria com os Estados e o Distrito Federal, ocupa-se, sobretudo, da
aquisição e distribuição dos medicamentos de caráter excepcional, que são aqueles de alto
custo e que atingem um número limitado de pessoas.
Por fim, no que diz respeito à distribuição gratuita de remédios, o Poder Público não é
omisso, há efetividade neste serviço. O que acontece é que muitas vezes a pessoa precisa de
um medicamento que não está listado na relação nacional ou municipal, então ele ajuíza uma
ação contra o município, já que é mais fácil, mas o responsável de fato por essa obrigação é o
Estado.
3.1.2 A RENAME e sua aplicabilidade
A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), é uma lista publicada
pelo Ministério da Saúde e traz os medicamentos essenciais para combater as principais
doenças da população. Com base nesta lista os Estados e Municípios elaboram a sua.
Segundo o Ministério da Saúde, a lista encontra-se em sua sétima edição e possui
343(trezentos e quarenta e três) fármacos, 08(oito) produtos correspondentes a fármacos,
33(trinta e três) imunoterápicos. Ainda apresentam menor custo nas etapas de
armazenamento, distribuição, controle e tratamento. E, por fim, todas as fórmulas apresentam
valor terapêutico comprovado, com base em evidências clínicas.
12
Portanto, a RENAME é uma lista que serve de base para os Estados e Municípios
criarem a sua lista, mas não significa que todos os entes da federação terão a mesma. Esses
entes deverão levar em conta a sua situação epidemiológica e, então, criar a sua lista de
medicamentos de distribuição gratuita aos usuários do sistema único de saúde.
É um instrumento muito vantajoso, pois, se a população tem à sua disposição
medicamentos com eficácia cientificamente comprovada e que atendam à sua necessidade,
ficará mais fácil fazer o controle de doenças, principalmente aquelas que são comuns a
determinada localidade.
O que falta é uma ampla divulgação desta lista, para que a população tenha
conhecimento e possa, então, usufruí-la, pois há farmácias municipais que perdem estoques
inteiros de remédios, geralmente por falta de conhecimento.
3.2 Tutela jurisdicional do direito ao fornecimento gratuito de medicamentos
Algo que acontece com certa frequência é a obtenção de medicamentos pela via
judicial. Pessoas que necessitam de determinado medicamento, que geralmente é caro e não
previsto na Relação de Medicamentos Essenciais, ingressam com ação cominatória,
objetivando que o Judiciário imponha ao Estado a obrigação de entregar o medicamento.
Contudo, “o que se percebe é que as decisões emanadas do Poder Judiciário muitas
vezes ignoram ou desconhecem o funcionamento do Sistema de Saúde e outros aspectos
técnicos de extrema relevância” (MATTOS, 2011, p. 18), pois há por parte do Poder Público
toda uma estruturação na área da saúde, que se vê abalada quando vem uma ordem judicial
impondo a entrega de medicamento não previsto em sua lista.
A atuação judicial nesse contexto, ao tempo em que descobre e aplica a norma
jurídica para um caso individual, não consegue se alinhar às diretrizes da lógica do
sistema de saúde previsto na Constituição, pois cria critérios de diferenciação no
atendimento aos usuários do sistema e interfere na gestão dos recursos
orçamentários previstos em lei. (CIARLINI, 2009, p. 103).
O juiz não só concede a liminar, obrigando o Executivo a realizar a prestação, como
também aplica multa cominatória, caso não haja o cumprimento da obrigação. É o que se
percebe de acordo com o seguinte julgado:
Impõe-se a aplicação da multa ao ente público, como a única forma a assegurar, por
ora, o cumprimento da decisão judicial que determina o atendimento especializado à
criança necessitada. E esse atendimento é indispensável em respeito ao direito à vida
13
e à saúde, diante da precariedade da situação financeira enfrentada pela nossa
população e pelo sistema de saúde. (BRASIL, 2005)
Então, a decisão judicial que impõe ao Estado o dever de entregar o medicamento ao
particular atrapalha toda a lógica do sistema, pois individualiza um tratamento que deveria ser
coletivo, e interfere também nos recursos orçamentários, que foram previamente elaborados e
que com essa obrigação deverão ser refeitos.
Com relação aos princípios constitucionais da Administração Pública:
A legalidade, princípio informador dos atos administrativos, é violada pelo
Judiciário quando são fornecidos medicamentos não previstos nas determinações do
Sistema de Saúde. A impessoalidade não é considerada quando a tutela atinge
somente aos que se socorrem do Poder Judiciário e a eficiência também é descartada
quando tais medidas rompem o normal funcionamento e desestruturam toda uma
rede de competências previamente estipulada pela reorganização de tratamento da
saúde no país. (MATTOS, 2011, p. 19).
O princípio da legalidade não é desrespeitado pela Administração Pública, mas é o
próprio poder Judiciário, por meio da sua ação ativista, que não observa tal princípio.
Mas então como deveria agir o Judiciário quando houver provocação nesse sentido?
Apesar dos argumentos expostos contrários ao ativismo judicial, não há outra solução quando
se depara com situações extremamente graves, com risco à vida, que não a de conceder a
tutela jurisdicional. O ideal, porém, seria que o Poder Legislativo criasse normas que
regulassem esses casos imprevistos, bem como o fornecimento dos medicamentos para eles.
3.2.1 O instituto da reserva do possível e mínimo existencial
O instituto da reserva do possível é algo novo no Direito brasileiro que vem sendo
invocado na tentativa de afastar a intervenção do Poder Judiciário na efetivação dos direitos
fundamentais, principalmente os sociais.
O instituto foi criado no Direito alemão e, originalmente, significa razoabilidade; o
que o cidadão pode exigir do Estado deve ser algo que o Estado tem capacidade de prestar.
Não é algo voltado exclusivamente à questão financeira, mas sim a qualquer tipo de prestação
estatal.
No entanto, no Brasil tal instituto criou nuances estritamente financeiras. O Estado
alega essa teoria declarando que não há recursos financeiros suficientes para executar a
prestação pretendida pelo particular.
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A jurisprudência, contudo, não tem aceitado a mera declaração de insuficiência de
recursos para liberar o Estado da obrigação. O que se tem exigido é a comprovação de que
realmente há a exaustão orçamentária, conforme o entendimento do STF:
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de
caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em
grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades
orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a
incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá
razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata
efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito,
no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de
sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que
revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de
inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos,
de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a
cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo
objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de
exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente
quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou,
até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um
sentido de essencial fundamentalidade. (Brasil, 2004).
Como se percebe da decisão do STF, não se pode exigir do Estado algo que ele não
tem condições de dar. A limitação financeira deve ser levada em conta, contudo, o Estado não
pode simplesmente alegar falta de condições financeiras, é necessário que Ele faça prova
disto.
Portanto, há julgados que aceitam a tese da reserva do possível, como neste julgado do
STJ:
Requer o Ministério Público do Estado do Paraná, autor da ação civil pública, seja
determinado ao Município de Cambará/PR que destine um imóvel para a instalação
de um abrigo para menores carentes, com recursos materiais e humanos essenciais, e
elabore programas de proteção às crianças e aos adolescentes em regime de abrigo.
(...)
Ainda que assim não fosse, entendeu a Corte de origem que o Município recorrido
'demonstrou não ter, no momento, condições para efetivar a obra pretendida, sem
prejudicar as demais atividades do Município'. No mesmo sentido, o r. Juízo de
primeiro grau asseverou que 'a Prefeitura já destina parte considerável de sua verba
orçamentária aos menores carentes, não tendo condições de ampliar essa ajuda, que,
diga-se de passagem, é sua atribuição e está sendo cumprida'. (BRASIL, 2003).
Esta decisão mostra que o Estado tem defesa quando se vê diante de uma ação judicial
pleiteando que Ele entregue algo, principalmente quando Ele já tem políticas públicas na área
e elas estão sendo efetivadas.
No tocante a medicamentos, caso o Estado possua uma efetiva política pública na área
de saúde, com uma lista de medicamentos distribuídos gratuitamente, ele pode alegar o
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princípio da reserva do possível para eximir-se de entregar o medicamento ao cidadão. A
decisão da justiça nesse caso tende a ser favorável ao Estado.
4 CRÍTICAS AO ATIVISMO JUDICIAL
Tema polêmico que é, o ativismo judicial recebe várias críticas dos operadores do
Direito, e, principalmente, dos administradores públicos. Argumentos contra esse tipo de ação
não faltam, mas dois são considerados os principais: contramajoritarismo e afronta ao pacto
federativo.
4.1 Contramajoritarismo
Em uma análise mais ampla, trata-se o contramajoritarismo da impossibilidade do
Judiciário não poder invalidar decisões de órgãos democraticamente eleitos, por não ser o
próprio Poder Judiciário composto por membros que foram dessa forma empossados em seus
cargos.
Corrobora para esse entendimento:
Como é possível que um minúsculo grupo de juízes, que não são eleitos diretamente
pela cidadania (como o são os funcionários políticos), e que não estejam sujeitos a
periódicas avaliações populares (e, portanto gozam de estabilidade em seus cargos,
livre do escrutínio popular) possam prevalecer, em última instância, sobre a vontade
popular? (ALMEIDA, 2011, p. 1).
É o que já dissemos sobre a politização do judiciário. Segundo esse entendimento, os
juízes não possuem legitimidade para interferir nas políticas públicas executadas pelo
Executivo, pois eles não conhecem a realidade das contas públicas e das necessidades da
população, e por isso suas decisões proativas carecem dessa legitimidade.
Na verdade, um magistrado só apresenta uma legitimidade legal e burocrática, não
possuindo qualquer legitimidade política, para impor ao caso concreto sua opção
político-ideológica particular na eleição de um meio de efetivação de um direito
fundamental. Sucede que, em nosso sistema, os magistrados não são eleitos, mas sua
acessibilidade ao cargo dá-se por meio de concursos públicos, o que lhes priva de
qualquer representatividade política para efetuar juízos desta magnitude. Ademais,
por sua própria formação técnica e atuação no foro, é evidente que os magistrados
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são incapazes de conhecerem as peculiaridades concretas que envolvem a execução
de políticas públicas que visam a realizar concretamente direitos fundamentais pela
Administração Pública. (ROSA JÚNIOR, 2008, p. 1).
Portanto, para esses críticos, que dizem ser contramajoritária a atuação proativa do
Judiciário, o único Poder da República que pode exercer as políticas públicas é o Executivo;
que o Judiciário, ao interferir nessa seara, está usurpando uma função que não é Sua.
Contudo, há quem discorde desta teoria, usando como principal argumento a tese de
que diante deste raciocínio, o STF não poderia declarar a inconstitucionalidade de leis, visto
que seus membros não foram eleitos pelo povo. Não nos parece ser coerente esta tese, pois,
uma coisa é você exercer a sua atribuição constitucional, e outra é interferir em políticas
públicas e demais ações dos outros Poderes legalmente constituídos, que é o que acontece
com o ativismo.
Fica evidente então que o contramajoritarismo é uma crítica coerente que se faz ao
ativismo judicial, e os juízes deveriam pensar desta forma ao emitir decisões que extrapolam o
seu dever constitucional de julgar. Ao decidir sobre políticas públicas, o Judiciário está Ele
próprio ofendendo aquilo que ele deveria defender, que é, como veremos a seguir, o pacto
federativo.
4.1 Ofensa à democracia
Outra crítica que se faz ao ativismo judicial é que esse fenômeno atenta contra a
democracia. É outro viés do mesmo argumento passado. Os juízes não são eleitos pelo povo e,
portanto, uma decisão emanada por eles, quando não existe nenhuma norma positivada, pode
ser considerada como ofensiva à democracia, já que se os representantes da maioria optaram
por não criar a lei é porque o povo não a quer.
É um argumento que pode parecer lógico à primeira vista, contudo, a ideia
contemporânea de democracia é de que a minoria também deve ser respeitada. Não é porque
ela não teve seus representantes eleitos, ou se os teve em menor número, que ela não poderá
ter seus direitos assegurados.
Por arremate, o conceito de democracia há de ser libertado da concepção que a
minimiza à vontade da maioria. A democracia tem esta característica marcante, mas
de natureza dúplice: não há democracia se o respeito à vontade da maioria subtrai os
direitos das minorias. Não pode a maioria decidir por aniquilar a minoria. Tal
deliberação não teria nada de democrática, assemelhando-se assim às ditaduras
tradicionais, que não respeitam vontade alguma senão as de seus líderes.
(PETRACIOLI, 2009, p. 1)
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A própria Constituição Federal atribui ao Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, a
prerrogativa de fazer a Sua interpretação. Os membros da Cúpula do Judiciário são indicados
pelo chefe do Executivo e sabatinados e referendados pelo Legislativo, caindo por terra a
teoria de que o ativismo ofende a democracia.
Portanto, conclui-se que o ativismo judicial não ofende a democracia, pelo contrário,
faz com que direitos fundamentais resguardados pela Constituição Federal estejam
efetivamente à disposição da população em geral. Pessoas comuns com problemas comuns
têm a oportunidade verem seus problemas serem resolvidos graças a essa intervenção judicial.
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CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 trouxe significativas melhorias para o sistema de
saúde brasileiro. A universalidade do atendimento, que nunca antes teve no nosso país, passou
a existir. Foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), que democratizou o acesso a saúde.
Porém, ainda não é o suficiente. A lista de medicamentos gratuitos é um exemplo disso:
possuem medicamentos que tratam de doenças relativamente simples. As doenças mais graves
logicamente demandam remédios mais eficientes e, consequentemente, mais caros. Esses
medicamentos não são fornecidos pelo sistema público, e as pessoas mais humildes não têm
condições de pagar por eles, não restando outra opção senão de recorrer ao Poder Judiciário.
Em uma época em que os direitos e garantias fundamentais estão previstos na Carta
Magna, mas que podem ser considerados como normas programáticas, o ativismo judicial
surge como uma solução para esse problema. As críticas que são feitas a esse fenômeno, por
considerar que é uma atuação política do Poder Judiciário, não servem de fundamento para
minimizar a sua importância prática. Quando se está em jogo a efetivação de direitos
concernentes à vida e à saúde, deve-se fazer de tudo para que sejam respeitados, deixando em
um segundo plano quaisquer questionamentos político-ideológicos. Enquanto não houver
legislação específica que vise a atender a todas as necessidades das pessoas relacionadas a
estes direitos, é direito-dever do Poder Judiciário emitir decisões que garantam a efetividade
desses direitos.
Portanto, em que pese as críticas que são feitas ao ativismo judicial, as decisões que
obrigam o Estado a fornecer medicamentos e cirurgias ao cidadão necessitado são sim
legítimas, pois visam atender ao direito mais fundamental de todos, que é a vida. Tais
decisões são legítimas e o Estado deve procurar meios de garantir que o direito à vida e à
saúde seja resguardado, e não o cidadão hipossuficiente, pois este geralmente não tem
conhecimento de como proceder.
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Lucinei Henrique de Castro