O DIREITO À CIDADE SUSTENTÁVEL COMO DIREITO FUNDAMENTAL
THE RIGHT TO THE SUSTAINABLE CITY AS A FUNDAMENTAL RIGHT
Felipe Campos Lucena
Maria Eliza Lemos Schueller Pereira da Silva
RESUMO
A Constituição Federal alterou o status jurídico das cidades brasileiras, sendo
acompanhada pelo Estatuto da Cidade. Ao tornar o planejamento urbano dos municípios
obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes e determinar que o objetivo da
política de desenvolvimento urbano é ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, a Constituição de 1988
reconhece pela primeira vez que as cidades, apesar de não fazerem parte da Federação,
são espaços de poder político do Estado de Direito brasileiro. E, ao reconhecer esse
poder político, a Constituição Federal atribui força normativa vinculante à qualidade de
vida urbana tornando o direito à cidade sustentável um direito constitucional. Esse texto
objetiva sustentar que o direito à cidade sustentável é um direito fundamental social na
medida em que sua garantia é pré-requisito para a concretização da dignidade da pessoa
humana e a redução das desigualdades sociais e regionais.
PALAVRAS-CHAVES: CIDADES - FUNÇÕES SOCIAIS - DIREITO - CIDADE
SUSTENTÁVEL - DIREITO FUNDAMENTAL.
ABSTRACT
The Federal Constitution modified the legal status of the Brazilian cities, being followed
by the Statute of the City. By becoming the urban planning of the cities an obligation to
cities with more than 20 thousand inhabitants and determinate that the objective of
politics of urban development it is to command the full development of social functions
of the city and grant the welfare of it’s inhabitants, the Constitution of 1988 recognizes
for the first time that cities, although not belonging to the Federation, are political
spaces of the Brazilian Rule of law (public spheres). Recognizing this politician power,
the Federal Constitution attributes normative binding force to the quality of urban life,
becoming the right to the sustainable city a constitutional law. The objective of this text
is to support that the right to the sustainable city is a social fundamental right because
its guarantee is prerequisite to make concrete the dignity of the human person and the
reduction of the social and regional inequalities.

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF
nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.
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KEYWORDS: CITIES - SOCIAL FUCTIONS - RIGHT TO THE SUSTAINABLE
CITY - FUNDAMENTAL RIGHT
INTRODUÇÃO
O presente artigo almeja abordar, mesmo que resumidamente, o novo
status jurídico das cidades, o direito à cidade sustentável e a sua inclusão na categoria
de direito fundamental, bem como a função social da cidade.
A nova ordem constitucional deflagrada em 1988 e o advento da Lei
10257/2001, autodenominada Estatuto da Cidade, reconheceram o poder político das
cidades e suas funções sociais, bem como o direito fundamental à cidade sustentável. É
de suma importância o papel do Direito no processo de urbanização e desenvolvimento
das cidades, notadamente no que tange aos processos de planejamento e gestão das
políticas urbanas.
Desenvolver-se-á uma linha argumentativa histórica dos precedentes
políticos e sociais que acompanharam o processo de urbanização. Em seguida, passa-se
à análise do Estatuto da Cidade; logo após, busca-se demonstrar o papel político e a
função social das cidades no Estado de Direito brasileiro, a importância e conceituação
do direito à cidade sustentável enquadrando-a entre os direitos fundamentais, bem como
a necessidade de se garantir sua efetividade. Ao final, são apresentas as conclusões.
I – APONTAMENTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E POLÍTICOS
Entre os anos de 1940 e 1991 o êxodo rural fez com que a população das
cidades crescesse de 31,2% para 75% do total. O despojamento de pessoas do território
onde moravam em razão das construções de barragens hidroelétricas foi significativo
fator para esta urbanização. Já em 2000, da população total de 170 milhões, 81,2% se
encontravam em áreas urbanas.
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O crescimento rápido das cidades brasileiras ocorreu sem uma base
jurídica adequada, ou mesmo a implementação de qualquer política pública específica,
provocou, então, mudanças drásticas na sociedade brasileira, de ordem socioeconômica,
territorial, cultural e ambiental. Todo o processo se deu sob o paradigma jurídico do
civilismo clássico, que não correspondia às necessidades de enfrentamento desse
fenômeno multidimensional, complexo e com tantas implicações profundas que levou à
transformação de um país de base agrária exportadora em um país de base urbanoindustrial[1].
Dessa forma, as populações das áreas rurais restaram, ao chegar à cidade,
desprovidas de infra-estrutura mínima, às margens das políticas urbanas, segregadas
espacial e economicamente em bairros abandonados ao descaso, gerados sob a
conivência do poder público.
A dificuldade de acesso à terra regular para habitação gerou o explosivo
crescimento de favelas e loteamentos ilegais nas periferias. Na década de 80, a taxa de
crescimento da população que mora em favelas triplicou em relação à população urbana
em seu conjunto. Nos anos 90, a taxa duplicou[2].
A soma da veloz urbanização com a pobreza social acarreta no
aviltamento da dignidade humana, na exclusão social e na degradação ambiental, os
impactos socioambientais desse processo são equiparados às conseqüências de desastres
naturais.
No início da década de 60 iniciaram-se os movimentos para reformas
estruturais da questão fundiária na zona rural e urbana. Todavia, o golpe militar (19641984) suprimiu a democracia e a realização de tais reformas foi abortada. Os temas da
reforma urbana reapareceram nos anos 70 e 80, numa época em que os movimentos
sociais aos poucos ganhavam mais visibilidade e relevância política. Albergavam como
importante dimensão: a politização da questão urbana, compreendida como elemento
fundamental para o processo de democratização da sociedade brasileira[3].
A efetiva mudança deste paradigma teve aspiração popular com a
apresentação de uma proposta de emenda popular à Assembléia Nacional Constituinte,
com vistas de introduzir a reforma urbana. A Constituição da República ganhou, então,
um capítulo sobre a política urbana, inserido dentro do título destinado à ordem
econômica e financeira.
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Os artigos 182 e 183 que compõem este capítulo alteraram o status
jurídico das cidades, reconheceram a plena urbanização do Brasil e adotaram
organização socioeconômica e político-territorial diversas dos institutos civilistas de
1916. Mais de dez anos depois foi promulgada lei regulamentadora desses dispositivos
constitucionais. Este marco fundamental se auto-intitula Estatuto da Cidade e foi a razão
pela qual recebeu o Brasil inúmeros prêmios internacionais.
O Estatuto da Cidade originou-se do Projeto de Lei n.º 2.191, de 1989,
que recebeu o n.º 181/89 no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o n.º 5.788/90.
Em 18 de junho de 2001 foi aprovado no Congresso e, finalmente, sancionado em 10 de
julho deste ano pelo Presidente da República como a Lei 10257/01.
II – O ESTATUTO DA CIDADE
De modo geral, a lei contém cinco capítulos: I – Diretrizes Gerais; II –
Dos Instrumentos da Política Urbana, com as seções de I a XII; III – Do Plano Diretor;
IV – Da Gestão Democrática da Cidade e V – Disposições Gerais.
A constatação da ampla insuficiência dos instrumentos tradicionais de
larga utilização (v. g. desapropriação, servidão administrativa, limitação administrativa
e tombamento) para resolução dos crescentes e complexos problemas urbanos foi
determinante para a criação das inovações contidas no Estatuto da Cidade.
O Estatuto inovou o direito urbanístico ao disciplinar o uso da
propriedade urbana com vistas a assegurar o bem estar dos cidadãos, o equilíbrio
ambiental e o desenvolvimento da função social da cidade e da propriedade urbana,
visando garantir o direito às cidades sustentáveis.
Entre as inovações podem-se mencionar os institutos políticos e jurídicos
previstos no inciso V, do artigo 4°: concessão de uso especial para fins de moradia;
parcelamento do solo; edificação ou utilização compulsória; usucapião especial de
imóvel urbano; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito
de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir; operações
urbanas consorciadas; e consórcio imobiliário (art. 46).
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Merece relevo anotar a criação de instrumentos para efetivar o Plano
Diretor nos Municípios ao fixar sanções, incluindo as de improbidade administrativa,
para o Prefeito e agentes públicos que não tomarem as providências que lhes cabem.
Trouxe, ainda, alterações na Lei de Ação Civil Pública para possibilitar que o Judiciário
torne concretas as obrigações de ordem urbanística.
O Estatuto da Cidade define o direito às cidades sustentáveis como o
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações (art. 2º, I). Institui, de forma inovadora, a gestão democrática e participativa da
cidade, colocando em primeiro plano a democracia direta.
III – DIREITO
FUNDAMENTAL
À
CIDADE
SUSTENTÁVEL
COMO
DIREITO
A trajetória das lutas sociais pela reforma urbana sedimenta a aurora do
direito à cidade sustentável como direito fundamental emergente no sistema jurídico
nacional, ganhando forma e tratamento jurídico recentes, ou seja, perpassa o campo
político e alcança o jurídico.
A Constituição da República vale-se da expressão “cidade(s)” em poucas
oportunidades: arts. 29, XIII; 182, caput; 182, § 1º; 182 § 2º; e 242 § 2º. A última é uma
menção específica à cidade do Rio de Janeiro, diferente da indeterminação adotada nas
demais. Já na primeira, o constituinte expressa distintamente a existência de interesses
específicos do Município e da cidade, o que deixa entrever o reconhecimento das
cidades como participantes do espaço político do Estado de Direito brasileiro.
É no artigo 182 e seus parágrafos que esse poder político é efetivamente
reconhecido. Com efeito, quando a Lei Maior determina que a política de
desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade; torna o planejamento urbano obrigatório para cidades com mais de
20.000 (vinte mil) habitantes; e condiciona a função social da propriedade urbana ao
atendimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade, fica translúcido o
poder político das cidades.
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Muito embora não se encontre formal e institucionalmente entre as
unidades federadas que formam a República Federativa do Brasil (art. 1º, caput,
CR/88), a cidade, na nova ordem constitucional, abandona seu caráter meramente físico
e deixa de ser unicamente sede administrativa. Agora, materialmente ocupa espaço
político como um conjunto de instituições e atores que intervêm na sua gestão e na
implementação e desenvolvimento das políticas urbanas[4].
A cidade assume a condição de espaço coletivo culturalmente rico e
diversificado que pertence a todos os seus habitantes, onde o usufruto coletivo da
riqueza, bens e conhecimentos são garantidos a todos. O seu território é lugar de
exercício e cumprimento dos direitos difusos e a sua gestão se dá de forma democrática
e coletiva.
O planejamento urbano pertence à cidade e tem por objetivo atender a
uma função social que apresenta como componentes essenciais: moradia, meio
ambiente equilibrado, equipamentos e serviços urbanos, saneamento básico, transporte
público, cultura e lazer.
Há todas as pessoas, sem discriminação de qualquer ordem, deve ser
assegurado o direito a uma cidade e, ao mesmo tempo, garantido o usufruto dela dentro
dos princípios da sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. A qualidade de
vida urbana recebe influxos constitucionais, dotando-a de força normativa vinculante.
Surge, então, o direito à cidade sustentável.
O direito à cidade sustentável visa garantir às pessoas que nela habitam e para as futuras gerações - condições dignas de vida, de exercitar plenamente a
cidadania e os direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais), de participar da gestão da cidade, de viver num meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Com o Estatuto da Cidade, o direito à cidade sustentável se
transforma num novo direito fundamental, instituído em decorrência do princípio
constitucional das funções sociais da cidade [5].
A função social é elemento inerente e estruturante das cidades e da
propriedade urbana, essência da qual eles não se dissociam. Logo, a função social não
se restringe à condição de limite, vai além, exige que a coletividade seja beneficiada,
impondo ao particular e ao poder público comportamentos positivos.
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O desenvolvimento das funções sociais da cidade é de interesse de todos
os seus habitantes, constituindo-se enquanto um interesse difuso, uma vez que todos os
munícipes são afetados pelas atividades, funções e impactos desempenhados no seu
território. Portanto, a relação que se estabelece entre os sujeitos é com a cidade, que é
um bem de vida difuso[6].
Como princípio que busca a construção de uma nova ética urbana, a
função social da cidade almeja o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento urbano
sustentável, isto é, o desenvolvimento econômico que alia harmonia ambiental e
inclusão social, que não desconsidera o valor humano para o desenvolvimento das
cidades.
O direito à cidade sustentável é concebido com objetivos e elementos
próprios, integrando a categoria dos direitos coletivos e difusos, ou seja, é
transindividual, de natureza indisponível, cujos titulares são pessoas indeterminadas
ligadas pela circunstância fática de habitarem o mesmo espaço físico e político (art. 81,
parágrafo único, inciso I, da Lei 8078/90).
O próprio Estatuto da Cidade assinala que suas normas são de interesse
social e destinadas a regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da
segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (parágrafo
único art. 1º).
O interesse social que permeia o Estatuto da Cidade e serve de base
interpretativa dele é detectado quando o Estado encontra-se diante dos interesses
diretamente ligados às camadas mais pobres da população e ao povo em geral, quando
atua visando a melhoria da condição de vida, distribuição de riqueza, atenuação das
desigualdades[7].
A erradicação da pobreza e marginalização e a redução das
desigualdades sociais, bem como a promoção do bem de todos são objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil[8]. Já os princípios da dignidade da
pessoa humana e da solidariedade[9] são vértices axiológicos de interpretação
constitucional e núcleos centrais que emanam e validam os direitos fundamentais. O
direito à cidade sustentável apresenta idênticos propósitos, é desdobramento destes
princípios e deles retira validade, impõem-se, portanto, seja reconhecido como direito
fundamental por excelência.
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Tal direito constitui-se, ainda, em norma de ordem pública e interesse
social, além de conformar a função social da propriedade (princípio constitucional
expressado entre os direitos e garantias fundamentais – art. 5º, XXIII) de modo que
guarda em seu âmago a categoria de direito fundamental.
Ao apresentar coerência e harmonia com os objetivos fundamentais do
Estado brasileiro e com os princípios constitucionais, o direito à cidade sustentável pode
ser incluído como direito fundamental em razão do comando normativo ínsito no artigo
5° § 2º da Carta Magna, que permite ampliar o leque de direitos e garantias
fundamentais formalmente estampadas.
Como direito fundamental o direito à cidade sustentável além de
consubstanciar em garantia contra a intervenção indevida do poder público e contra
medidas restritivas; ele impõe uma postura ativa do Estado, obrigando-o a disponibilizar
prestações de natureza jurídica e material, a criar pressupostos fáticos necessários ao
exercício efetivo dos direitos constitucionalmente assegurados (prestações positivas).
Estas idéias configuram o que se chama de direitos fundamentais de
segunda geração (ou dimensão), também denominados de direitos sociais. As categorias
de direitos humanos fundamentais integram-se num todo harmônico, mediante
influências recíprocas, até porque os direitos individuais estão contaminados de
dimensão social, de tal sorte que os direitos sociais lhes quebram o formalismo e o
sentido abstrato[10].
A integração entre os direitos individuais e sociais extirpa dúvidas
quanto a se enquadrarem os segundos como direitos fundamentais, o que também pode
ser compreendido pela simples constatação de que eles vêm decantados no art. 6º da
Carta Magna que se encontra sob o título II: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.
Alçado, então, à condição de direito de fundamental, o direito à cidade
sustentável incorpora-se ao patrimônio da sociedade urbana brasileira, sendo defeso ao
Estado tolher esta conquista, seja pela sua titulação de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV,
CR/88) seja em decorrência do princípio da proibição de retrocesso.
Introduzida e positivada em grau máximo de intangibilidade no § 4º, do
art. 60, deve se entender que a rigidez formal de proteção estabelecida em favor dos
conteúdos ali introduzidos não abrange apenas o teor material dos direitos da primeira
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geração, herdados pelo constitucionalismo contemporâneo, senão que se estende por
igual aos direitos da segunda dimensão, a saber, os direitos sociais[11].
Os direitos de segunda geração atravessaram período de juridicidade
questionada, sujeitados à condição de normas programáticas em virtude de lhes carecer
as habituais garantias conferidas aos direitos da primeira geração. Logo, deixaram de ser
observados e executados, situação que se alterou com a previsão constitucional de
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, que, por óbvio, estende-se ao direito
à cidade sustentável.
Recorde-se o sentido fundamental desta aplicabilidade imediata: os
direitos, liberdades e garantias são regras e princípios jurídicos, imediatamente eficazes
e atuais, por via direta da Constituição. Isto é, não são normas para produção de outras
normas, mas sim normas diretamente reguladoras de relações jurídico-materiais[12].
A aplicação e a interpretação do direito à cidade sustentável deve sempre
galgar a sua máxima efetividade, pois as normas jurídicas devem desempenhar função
útil no ordenamento. Veda-se uma interpretação que lhe retire ou subtraia a sua razão de
existir. Com efeito, a interpretação está diretamente ligada à aplicação do Direito, não se
presta a enunciar abstratamente conceitos.
A uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais
eficácia lhe dê; a cada norma constitucional – mormente quando se trate de norma de
direitos fundamentais – é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de
capacidade de regulamentação e de realização[13].
A par de gozar da máxima efetividade e da aplicabilidade imediata, o
direito à cidade sustentável contém outras características próprias dos direitos
fundamentais: a indisponibilidade, a imprescritibilidade e a universalidade. A primeira,
em seu sentido amplo, inviabiliza sua alienação, transferência e renúncia; ao passo que a
segunda determina que ele nunca deixe de ser exigível.
A universalidade seria a marca estrutural desses direitos fundamentais,
entendida no sentido puramente lógico ou avalorativo de atribuição universal a todos os
homens e de não poderem ser alienados. É o caráter universal a grande forma dos
direitos para a maioria dos pensadores, notadamente ocidentais. Universalidade
subjetiva e objetiva que, enquanto tal, desconhece fronteiras, etnias, cor, raça, sexo e
religiões[14].
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Compreender e garantir o direito à cidade sustentável, efetivar as funções
sociais da cidade é contribuir para a promoção da justiça social, fomentar o
desenvolvimento sustentável e permitir a inclusão social. A eficácia (jurídica e social)
do direito à cidade sustentável deve ser objeto de permanente otimização, na medida em
que tem como objetivo a constante otimização do princípio da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, CF/88) e a redução paulatina das desigualdades sociais e regionais
(art. 3º, III CF/88).
O direito à cidade sustentável é interdependente a todos os direitos
humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto,
todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão
regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos[15]. Negar ao direito à
cidade sustentável a sua condição de direito fundamental é confrontar a Constituição da
República e obrar em sentido diametralmente oposto à dignidade da pessoa humana.
Reconhecido na ordem jurídica como direito fundamental, a não
observância do direito às cidades sustentáveis deve acarretar a responsabilidade civil,
administrativa e criminal dos agentes públicos ou privados que causarem lesão a este
direito. A omissão dos agentes públicos, que implique na não aplicação e adoção dos
princípios constitucionais na implementação da política urbana, também configura
violação a este direito[16].
Para assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
como interesse difuso de todos seus habitantes e permitir a todos o efetivo gozo do
direito à cidade sustentável se faz necessário renovar o pensamento jurídico e conferir
eficácia aos instrumentos processuais existentes.
A ordem urbanística passou a ser tutelada por meio da ação civil pública
em razão de alterações legais trazidas pelo Estatuto da Cidade, este instrumento de
proteção aos interesses difusos dos habitantes da cidade tem como papel buscar o
efetivo cumprimento das normas de direito urbanístico e das funções socioambientais
das cidades. Deve ser conferida legitimidade de ação na esfera administrativa e judicial
a qualquer habitante ou grupo de moradores para atuar da defesa dessas funções sociais
e da ordem urbanística[17].
É preciso que se entenda que o Direito não é um sistema objetivo,
fechado em si próprio ou neutro em relação aos processos sociais. Ë preciso que se
reconheça que o Direito brasileiro tem um papel central no processo de exclusão social
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e nos processos de segregação territorial, para que possamos avançar no sentido de
compreender como o Direito pode ser um fator e um processo de transformação social e
de reforma urbana[18].
CONCLUSÃO
É na cidade que se desenvolve a vida moderna, a urbanização se deu em
um processo de degradação ambiental e aviltamento da dignidade humana, desprovido
de aparato jurídico adequado e da implementação de políticas públicas.
A noção política e cultural do direito à cidade sustentável como carro
chefe da política urbana, retrata a defesa da construção de uma ética urbana
fundamentada na justiça social e cidadania. Afirma-se, assim, a prevalência dos direitos
humanos e se estabelece os preceitos, instrumentos e procedimentos para viabilizar as
transformações necessárias para a cidade exercer sua função social.
Cidade e cidadania são o mesmo tema, e não há cidadania sem a
democratização das formas de acesso ao solo urbano e à moradia nas cidades. Não há
como promover mudanças significativas e estruturais desse padrão de exclusão social,
segregação territorial, degradação ambiental e ilegalidade urbana que caracteriza o
processo de urbanização no Brasil, se não for mediante uma reforma do Direito, com o
envolvimento sistemático dos operadores do Direito[19] e dos agentes públicos. Se não
for, ainda, conferido ao direito à cidade sustentável a chancela de direito fundamental.
Ao se tutelar o direito à cidade sustentável, tutela-se o direito à vida,
matriz de todos os direitos fundamentais, e ao lhe conferir efetividade resguarda-se todo
o plexo de direitos e garantias fundamentais, pois não há existência digna no meio
urbano sem uma cidade sustentável e atenta às suas funções sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito
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[2] Maricato, Ermínia. O nó da terra. Artigo publicado na revista Piauí, nº 21, ano 2
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[3] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto
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[4] O conceito de cidade como espaço político foi extraído da Carta Mundial pelo
Direito à Cidade.
[5] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto
Alegre. Sérgio Antônio Fabris Ed:2007. p. 50-51.
[6] Osório, Letícia Marques. Direito á Cidade como Direito Humano Coletivo. In
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2006. p. 197
[7] Esta definição é extraída quando o autor comenta a desapropriação por interesse
social, em referência à Lei 4.132/62, artigo 2o, inciso I. FAGUNDES, Miguel Seabra. O
controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. São Paulo, Saraiva, 1984, p.
287-288.
[8] Art. 3º, III e IV da CR/88.
[9] Art. 1º, III e 3º, I, respectivamente, da CR/88.
[10] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São
Paulo: Malheiros. 2006. p.184-185.
[11] Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 20ª ed.,
2007. p. 640-641.
[12] Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed.
Almedina. Coimbra:2003. p. 438.
[13] Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II, 5ª ed. Coimbra
Editora. Coimbra: 2003. p. 288-291.
[14] Sampaio, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 28-29.
[15] Art. 1. 2 da Carta Mundial pelo Direito à Cidade.
[16] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto
Alegre. Sérgio Antônio Fabris Ed:2007. p. 56-57.
6231
[17] Osório, Letícia Marques. Direito á Cidade como Direito Humano Coletivo. In
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2006. p. 197.
[18] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito
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[19] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito
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6232
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