O DIREITO À CIDADE SUSTENTÁVEL COMO DIREITO FUNDAMENTAL THE RIGHT TO THE SUSTAINABLE CITY AS A FUNDAMENTAL RIGHT Felipe Campos Lucena Maria Eliza Lemos Schueller Pereira da Silva RESUMO A Constituição Federal alterou o status jurídico das cidades brasileiras, sendo acompanhada pelo Estatuto da Cidade. Ao tornar o planejamento urbano dos municípios obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes e determinar que o objetivo da política de desenvolvimento urbano é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, a Constituição de 1988 reconhece pela primeira vez que as cidades, apesar de não fazerem parte da Federação, são espaços de poder político do Estado de Direito brasileiro. E, ao reconhecer esse poder político, a Constituição Federal atribui força normativa vinculante à qualidade de vida urbana tornando o direito à cidade sustentável um direito constitucional. Esse texto objetiva sustentar que o direito à cidade sustentável é um direito fundamental social na medida em que sua garantia é pré-requisito para a concretização da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais e regionais. PALAVRAS-CHAVES: CIDADES - FUNÇÕES SOCIAIS - DIREITO - CIDADE SUSTENTÁVEL - DIREITO FUNDAMENTAL. ABSTRACT The Federal Constitution modified the legal status of the Brazilian cities, being followed by the Statute of the City. By becoming the urban planning of the cities an obligation to cities with more than 20 thousand inhabitants and determinate that the objective of politics of urban development it is to command the full development of social functions of the city and grant the welfare of it’s inhabitants, the Constitution of 1988 recognizes for the first time that cities, although not belonging to the Federation, are political spaces of the Brazilian Rule of law (public spheres). Recognizing this politician power, the Federal Constitution attributes normative binding force to the quality of urban life, becoming the right to the sustainable city a constitutional law. The objective of this text is to support that the right to the sustainable city is a social fundamental right because its guarantee is prerequisite to make concrete the dignity of the human person and the reduction of the social and regional inequalities. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008. 6219 KEYWORDS: CITIES - SOCIAL FUCTIONS - RIGHT TO THE SUSTAINABLE CITY - FUNDAMENTAL RIGHT INTRODUÇÃO O presente artigo almeja abordar, mesmo que resumidamente, o novo status jurídico das cidades, o direito à cidade sustentável e a sua inclusão na categoria de direito fundamental, bem como a função social da cidade. A nova ordem constitucional deflagrada em 1988 e o advento da Lei 10257/2001, autodenominada Estatuto da Cidade, reconheceram o poder político das cidades e suas funções sociais, bem como o direito fundamental à cidade sustentável. É de suma importância o papel do Direito no processo de urbanização e desenvolvimento das cidades, notadamente no que tange aos processos de planejamento e gestão das políticas urbanas. Desenvolver-se-á uma linha argumentativa histórica dos precedentes políticos e sociais que acompanharam o processo de urbanização. Em seguida, passa-se à análise do Estatuto da Cidade; logo após, busca-se demonstrar o papel político e a função social das cidades no Estado de Direito brasileiro, a importância e conceituação do direito à cidade sustentável enquadrando-a entre os direitos fundamentais, bem como a necessidade de se garantir sua efetividade. Ao final, são apresentas as conclusões. I – APONTAMENTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E POLÍTICOS Entre os anos de 1940 e 1991 o êxodo rural fez com que a população das cidades crescesse de 31,2% para 75% do total. O despojamento de pessoas do território onde moravam em razão das construções de barragens hidroelétricas foi significativo fator para esta urbanização. Já em 2000, da população total de 170 milhões, 81,2% se encontravam em áreas urbanas. 6220 O crescimento rápido das cidades brasileiras ocorreu sem uma base jurídica adequada, ou mesmo a implementação de qualquer política pública específica, provocou, então, mudanças drásticas na sociedade brasileira, de ordem socioeconômica, territorial, cultural e ambiental. Todo o processo se deu sob o paradigma jurídico do civilismo clássico, que não correspondia às necessidades de enfrentamento desse fenômeno multidimensional, complexo e com tantas implicações profundas que levou à transformação de um país de base agrária exportadora em um país de base urbanoindustrial[1]. Dessa forma, as populações das áreas rurais restaram, ao chegar à cidade, desprovidas de infra-estrutura mínima, às margens das políticas urbanas, segregadas espacial e economicamente em bairros abandonados ao descaso, gerados sob a conivência do poder público. A dificuldade de acesso à terra regular para habitação gerou o explosivo crescimento de favelas e loteamentos ilegais nas periferias. Na década de 80, a taxa de crescimento da população que mora em favelas triplicou em relação à população urbana em seu conjunto. Nos anos 90, a taxa duplicou[2]. A soma da veloz urbanização com a pobreza social acarreta no aviltamento da dignidade humana, na exclusão social e na degradação ambiental, os impactos socioambientais desse processo são equiparados às conseqüências de desastres naturais. No início da década de 60 iniciaram-se os movimentos para reformas estruturais da questão fundiária na zona rural e urbana. Todavia, o golpe militar (19641984) suprimiu a democracia e a realização de tais reformas foi abortada. Os temas da reforma urbana reapareceram nos anos 70 e 80, numa época em que os movimentos sociais aos poucos ganhavam mais visibilidade e relevância política. Albergavam como importante dimensão: a politização da questão urbana, compreendida como elemento fundamental para o processo de democratização da sociedade brasileira[3]. A efetiva mudança deste paradigma teve aspiração popular com a apresentação de uma proposta de emenda popular à Assembléia Nacional Constituinte, com vistas de introduzir a reforma urbana. A Constituição da República ganhou, então, um capítulo sobre a política urbana, inserido dentro do título destinado à ordem econômica e financeira. 6221 Os artigos 182 e 183 que compõem este capítulo alteraram o status jurídico das cidades, reconheceram a plena urbanização do Brasil e adotaram organização socioeconômica e político-territorial diversas dos institutos civilistas de 1916. Mais de dez anos depois foi promulgada lei regulamentadora desses dispositivos constitucionais. Este marco fundamental se auto-intitula Estatuto da Cidade e foi a razão pela qual recebeu o Brasil inúmeros prêmios internacionais. O Estatuto da Cidade originou-se do Projeto de Lei n.º 2.191, de 1989, que recebeu o n.º 181/89 no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o n.º 5.788/90. Em 18 de junho de 2001 foi aprovado no Congresso e, finalmente, sancionado em 10 de julho deste ano pelo Presidente da República como a Lei 10257/01. II – O ESTATUTO DA CIDADE De modo geral, a lei contém cinco capítulos: I – Diretrizes Gerais; II – Dos Instrumentos da Política Urbana, com as seções de I a XII; III – Do Plano Diretor; IV – Da Gestão Democrática da Cidade e V – Disposições Gerais. A constatação da ampla insuficiência dos instrumentos tradicionais de larga utilização (v. g. desapropriação, servidão administrativa, limitação administrativa e tombamento) para resolução dos crescentes e complexos problemas urbanos foi determinante para a criação das inovações contidas no Estatuto da Cidade. O Estatuto inovou o direito urbanístico ao disciplinar o uso da propriedade urbana com vistas a assegurar o bem estar dos cidadãos, o equilíbrio ambiental e o desenvolvimento da função social da cidade e da propriedade urbana, visando garantir o direito às cidades sustentáveis. Entre as inovações podem-se mencionar os institutos políticos e jurídicos previstos no inciso V, do artigo 4°: concessão de uso especial para fins de moradia; parcelamento do solo; edificação ou utilização compulsória; usucapião especial de imóvel urbano; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir; operações urbanas consorciadas; e consórcio imobiliário (art. 46). 6222 Merece relevo anotar a criação de instrumentos para efetivar o Plano Diretor nos Municípios ao fixar sanções, incluindo as de improbidade administrativa, para o Prefeito e agentes públicos que não tomarem as providências que lhes cabem. Trouxe, ainda, alterações na Lei de Ação Civil Pública para possibilitar que o Judiciário torne concretas as obrigações de ordem urbanística. O Estatuto da Cidade define o direito às cidades sustentáveis como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (art. 2º, I). Institui, de forma inovadora, a gestão democrática e participativa da cidade, colocando em primeiro plano a democracia direta. III – DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE SUSTENTÁVEL COMO DIREITO A trajetória das lutas sociais pela reforma urbana sedimenta a aurora do direito à cidade sustentável como direito fundamental emergente no sistema jurídico nacional, ganhando forma e tratamento jurídico recentes, ou seja, perpassa o campo político e alcança o jurídico. A Constituição da República vale-se da expressão “cidade(s)” em poucas oportunidades: arts. 29, XIII; 182, caput; 182, § 1º; 182 § 2º; e 242 § 2º. A última é uma menção específica à cidade do Rio de Janeiro, diferente da indeterminação adotada nas demais. Já na primeira, o constituinte expressa distintamente a existência de interesses específicos do Município e da cidade, o que deixa entrever o reconhecimento das cidades como participantes do espaço político do Estado de Direito brasileiro. É no artigo 182 e seus parágrafos que esse poder político é efetivamente reconhecido. Com efeito, quando a Lei Maior determina que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade; torna o planejamento urbano obrigatório para cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes; e condiciona a função social da propriedade urbana ao atendimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade, fica translúcido o poder político das cidades. 6223 Muito embora não se encontre formal e institucionalmente entre as unidades federadas que formam a República Federativa do Brasil (art. 1º, caput, CR/88), a cidade, na nova ordem constitucional, abandona seu caráter meramente físico e deixa de ser unicamente sede administrativa. Agora, materialmente ocupa espaço político como um conjunto de instituições e atores que intervêm na sua gestão e na implementação e desenvolvimento das políticas urbanas[4]. A cidade assume a condição de espaço coletivo culturalmente rico e diversificado que pertence a todos os seus habitantes, onde o usufruto coletivo da riqueza, bens e conhecimentos são garantidos a todos. O seu território é lugar de exercício e cumprimento dos direitos difusos e a sua gestão se dá de forma democrática e coletiva. O planejamento urbano pertence à cidade e tem por objetivo atender a uma função social que apresenta como componentes essenciais: moradia, meio ambiente equilibrado, equipamentos e serviços urbanos, saneamento básico, transporte público, cultura e lazer. Há todas as pessoas, sem discriminação de qualquer ordem, deve ser assegurado o direito a uma cidade e, ao mesmo tempo, garantido o usufruto dela dentro dos princípios da sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. A qualidade de vida urbana recebe influxos constitucionais, dotando-a de força normativa vinculante. Surge, então, o direito à cidade sustentável. O direito à cidade sustentável visa garantir às pessoas que nela habitam e para as futuras gerações - condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania e os direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais), de participar da gestão da cidade, de viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado. Com o Estatuto da Cidade, o direito à cidade sustentável se transforma num novo direito fundamental, instituído em decorrência do princípio constitucional das funções sociais da cidade [5]. A função social é elemento inerente e estruturante das cidades e da propriedade urbana, essência da qual eles não se dissociam. Logo, a função social não se restringe à condição de limite, vai além, exige que a coletividade seja beneficiada, impondo ao particular e ao poder público comportamentos positivos. 6224 O desenvolvimento das funções sociais da cidade é de interesse de todos os seus habitantes, constituindo-se enquanto um interesse difuso, uma vez que todos os munícipes são afetados pelas atividades, funções e impactos desempenhados no seu território. Portanto, a relação que se estabelece entre os sujeitos é com a cidade, que é um bem de vida difuso[6]. Como princípio que busca a construção de uma nova ética urbana, a função social da cidade almeja o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento urbano sustentável, isto é, o desenvolvimento econômico que alia harmonia ambiental e inclusão social, que não desconsidera o valor humano para o desenvolvimento das cidades. O direito à cidade sustentável é concebido com objetivos e elementos próprios, integrando a categoria dos direitos coletivos e difusos, ou seja, é transindividual, de natureza indisponível, cujos titulares são pessoas indeterminadas ligadas pela circunstância fática de habitarem o mesmo espaço físico e político (art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8078/90). O próprio Estatuto da Cidade assinala que suas normas são de interesse social e destinadas a regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (parágrafo único art. 1º). O interesse social que permeia o Estatuto da Cidade e serve de base interpretativa dele é detectado quando o Estado encontra-se diante dos interesses diretamente ligados às camadas mais pobres da população e ao povo em geral, quando atua visando a melhoria da condição de vida, distribuição de riqueza, atenuação das desigualdades[7]. A erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades sociais, bem como a promoção do bem de todos são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil[8]. Já os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade[9] são vértices axiológicos de interpretação constitucional e núcleos centrais que emanam e validam os direitos fundamentais. O direito à cidade sustentável apresenta idênticos propósitos, é desdobramento destes princípios e deles retira validade, impõem-se, portanto, seja reconhecido como direito fundamental por excelência. 6225 Tal direito constitui-se, ainda, em norma de ordem pública e interesse social, além de conformar a função social da propriedade (princípio constitucional expressado entre os direitos e garantias fundamentais – art. 5º, XXIII) de modo que guarda em seu âmago a categoria de direito fundamental. Ao apresentar coerência e harmonia com os objetivos fundamentais do Estado brasileiro e com os princípios constitucionais, o direito à cidade sustentável pode ser incluído como direito fundamental em razão do comando normativo ínsito no artigo 5° § 2º da Carta Magna, que permite ampliar o leque de direitos e garantias fundamentais formalmente estampadas. Como direito fundamental o direito à cidade sustentável além de consubstanciar em garantia contra a intervenção indevida do poder público e contra medidas restritivas; ele impõe uma postura ativa do Estado, obrigando-o a disponibilizar prestações de natureza jurídica e material, a criar pressupostos fáticos necessários ao exercício efetivo dos direitos constitucionalmente assegurados (prestações positivas). Estas idéias configuram o que se chama de direitos fundamentais de segunda geração (ou dimensão), também denominados de direitos sociais. As categorias de direitos humanos fundamentais integram-se num todo harmônico, mediante influências recíprocas, até porque os direitos individuais estão contaminados de dimensão social, de tal sorte que os direitos sociais lhes quebram o formalismo e o sentido abstrato[10]. A integração entre os direitos individuais e sociais extirpa dúvidas quanto a se enquadrarem os segundos como direitos fundamentais, o que também pode ser compreendido pela simples constatação de que eles vêm decantados no art. 6º da Carta Magna que se encontra sob o título II: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Alçado, então, à condição de direito de fundamental, o direito à cidade sustentável incorpora-se ao patrimônio da sociedade urbana brasileira, sendo defeso ao Estado tolher esta conquista, seja pela sua titulação de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, CR/88) seja em decorrência do princípio da proibição de retrocesso. Introduzida e positivada em grau máximo de intangibilidade no § 4º, do art. 60, deve se entender que a rigidez formal de proteção estabelecida em favor dos conteúdos ali introduzidos não abrange apenas o teor material dos direitos da primeira 6226 geração, herdados pelo constitucionalismo contemporâneo, senão que se estende por igual aos direitos da segunda dimensão, a saber, os direitos sociais[11]. Os direitos de segunda geração atravessaram período de juridicidade questionada, sujeitados à condição de normas programáticas em virtude de lhes carecer as habituais garantias conferidas aos direitos da primeira geração. Logo, deixaram de ser observados e executados, situação que se alterou com a previsão constitucional de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, que, por óbvio, estende-se ao direito à cidade sustentável. Recorde-se o sentido fundamental desta aplicabilidade imediata: os direitos, liberdades e garantias são regras e princípios jurídicos, imediatamente eficazes e atuais, por via direta da Constituição. Isto é, não são normas para produção de outras normas, mas sim normas diretamente reguladoras de relações jurídico-materiais[12]. A aplicação e a interpretação do direito à cidade sustentável deve sempre galgar a sua máxima efetividade, pois as normas jurídicas devem desempenhar função útil no ordenamento. Veda-se uma interpretação que lhe retire ou subtraia a sua razão de existir. Com efeito, a interpretação está diretamente ligada à aplicação do Direito, não se presta a enunciar abstratamente conceitos. A uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional – mormente quando se trate de norma de direitos fundamentais – é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação e de realização[13]. A par de gozar da máxima efetividade e da aplicabilidade imediata, o direito à cidade sustentável contém outras características próprias dos direitos fundamentais: a indisponibilidade, a imprescritibilidade e a universalidade. A primeira, em seu sentido amplo, inviabiliza sua alienação, transferência e renúncia; ao passo que a segunda determina que ele nunca deixe de ser exigível. A universalidade seria a marca estrutural desses direitos fundamentais, entendida no sentido puramente lógico ou avalorativo de atribuição universal a todos os homens e de não poderem ser alienados. É o caráter universal a grande forma dos direitos para a maioria dos pensadores, notadamente ocidentais. Universalidade subjetiva e objetiva que, enquanto tal, desconhece fronteiras, etnias, cor, raça, sexo e religiões[14]. 6227 Compreender e garantir o direito à cidade sustentável, efetivar as funções sociais da cidade é contribuir para a promoção da justiça social, fomentar o desenvolvimento sustentável e permitir a inclusão social. A eficácia (jurídica e social) do direito à cidade sustentável deve ser objeto de permanente otimização, na medida em que tem como objetivo a constante otimização do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e a redução paulatina das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III CF/88). O direito à cidade sustentável é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos[15]. Negar ao direito à cidade sustentável a sua condição de direito fundamental é confrontar a Constituição da República e obrar em sentido diametralmente oposto à dignidade da pessoa humana. Reconhecido na ordem jurídica como direito fundamental, a não observância do direito às cidades sustentáveis deve acarretar a responsabilidade civil, administrativa e criminal dos agentes públicos ou privados que causarem lesão a este direito. A omissão dos agentes públicos, que implique na não aplicação e adoção dos princípios constitucionais na implementação da política urbana, também configura violação a este direito[16]. Para assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade como interesse difuso de todos seus habitantes e permitir a todos o efetivo gozo do direito à cidade sustentável se faz necessário renovar o pensamento jurídico e conferir eficácia aos instrumentos processuais existentes. A ordem urbanística passou a ser tutelada por meio da ação civil pública em razão de alterações legais trazidas pelo Estatuto da Cidade, este instrumento de proteção aos interesses difusos dos habitantes da cidade tem como papel buscar o efetivo cumprimento das normas de direito urbanístico e das funções socioambientais das cidades. Deve ser conferida legitimidade de ação na esfera administrativa e judicial a qualquer habitante ou grupo de moradores para atuar da defesa dessas funções sociais e da ordem urbanística[17]. É preciso que se entenda que o Direito não é um sistema objetivo, fechado em si próprio ou neutro em relação aos processos sociais. Ë preciso que se reconheça que o Direito brasileiro tem um papel central no processo de exclusão social 6228 e nos processos de segregação territorial, para que possamos avançar no sentido de compreender como o Direito pode ser um fator e um processo de transformação social e de reforma urbana[18]. CONCLUSÃO É na cidade que se desenvolve a vida moderna, a urbanização se deu em um processo de degradação ambiental e aviltamento da dignidade humana, desprovido de aparato jurídico adequado e da implementação de políticas públicas. A noção política e cultural do direito à cidade sustentável como carro chefe da política urbana, retrata a defesa da construção de uma ética urbana fundamentada na justiça social e cidadania. Afirma-se, assim, a prevalência dos direitos humanos e se estabelece os preceitos, instrumentos e procedimentos para viabilizar as transformações necessárias para a cidade exercer sua função social. Cidade e cidadania são o mesmo tema, e não há cidadania sem a democratização das formas de acesso ao solo urbano e à moradia nas cidades. Não há como promover mudanças significativas e estruturais desse padrão de exclusão social, segregação territorial, degradação ambiental e ilegalidade urbana que caracteriza o processo de urbanização no Brasil, se não for mediante uma reforma do Direito, com o envolvimento sistemático dos operadores do Direito[19] e dos agentes públicos. Se não for, ainda, conferido ao direito à cidade sustentável a chancela de direito fundamental. Ao se tutelar o direito à cidade sustentável, tutela-se o direito à vida, matriz de todos os direitos fundamentais, e ao lhe conferir efetividade resguarda-se todo o plexo de direitos e garantias fundamentais, pois não há existência digna no meio urbano sem uma cidade sustentável e atenta às suas funções sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 6229 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 20ªed. São Paulo: Malheiros, 2007. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. São Paulo: Saraiva, 1984 FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. MARICATO, Ermínia. O nó da terra. Artigo publicado na revista Piauí, nº 21, ano 2, junho/2008. p. 34. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II, 5ª ed. Coimbra Editora: Coimbra, 2003. OSÓRIO, Letícia Marques. Direito á Cidade como Direito Humano Coletivo. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. SAULE, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editora, 2007. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 6230 [1] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 07. [2] Maricato, Ermínia. O nó da terra. Artigo publicado na revista Piauí, nº 21, ano 2 junho/2008. p. 34. [3] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto Alegre. Sérgio Antônio Fabris Ed:2007. p. 48. [4] O conceito de cidade como espaço político foi extraído da Carta Mundial pelo Direito à Cidade. [5] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto Alegre. Sérgio Antônio Fabris Ed:2007. p. 50-51. [6] Osório, Letícia Marques. Direito á Cidade como Direito Humano Coletivo. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 197 [7] Esta definição é extraída quando o autor comenta a desapropriação por interesse social, em referência à Lei 4.132/62, artigo 2o, inciso I. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. São Paulo, Saraiva, 1984, p. 287-288. [8] Art. 3º, III e IV da CR/88. [9] Art. 1º, III e 3º, I, respectivamente, da CR/88. [10] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p.184-185. [11] Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 20ª ed., 2007. p. 640-641. [12] Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Almedina. Coimbra:2003. p. 438. [13] Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II, 5ª ed. Coimbra Editora. Coimbra: 2003. p. 288-291. [14] Sampaio, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 28-29. [15] Art. 1. 2 da Carta Mundial pelo Direito à Cidade. [16] Saule, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas. Porto Alegre. Sérgio Antônio Fabris Ed:2007. p. 56-57. 6231 [17] Osório, Letícia Marques. Direito á Cidade como Direito Humano Coletivo. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 197. [18] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 22. [19] Fernandes, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte. Del Rey: 2006. p. 05 6232