* a palavra do gourmet José Bent o dos Sant os OS MELHORES RESTAURANTES DO MUNDO O ALMOÇO DAS 3 GERAÇÕES O restaurante “Hotel de Ville” em Crissier na Suiça, conseguiu o feito de manter as 3 estrelas há mais de 30 anos, com 3 gerações de Chefs. A Academia Internacional atribuiu-lhe o “prémio excepcional” F Freddy Girardet tornou-se uma lenda da cozinha do séc. XX. Com um percurso inicial fora dos fogões, onde praticou profissionalmente futebol e ciclismo, a sua dedicação à arte culinária e o seu extraordinário talento, catapultaram-no para o topo do estrelato nos anos 80 / 90. Uma sala branca totalmente despida de decoração, para permitir ao comensal a sua dedicação exclusiva à inquietude e à apresentação do prato era para ele um “must”. Como também ficou conhecido por utilizar diariamente uma pequena avioneta que recolhia os produtos mais frescos e preciosos que utilizava nas suas receitas. Famosíssima a sua finalização da refeição : dois carros com os melhores queijos do mundo, outro com dezenas de diferentes variedades de pão, um carro com gelados de todos os tipos, outro com um ror de sorvetes… como nunca se tinha visto até então. A sua grande cozinha ficou na história e há quem o considere o maior cozinheiro de todos os tempos. Mas teve ainda a visão para, durante 16 anos de trabalho consecutivo (e com as 3 estrelas que lhe homenageavam o sucesso) formar um sucessor digno da sua dimensão : Philippe Rochat. A seguir à retirada precoce do mestre, Rochat deu continuidade à sua cozinha da per- 108 r e v i s t a d e v i n h o s m a r ç o 2 0 1 feição e da exigência, se bem que de estilo menos exuberante mas talvez de maior consistência. O Chef Philippe Rochat não só aguentou as almejadas 3 estrelas, como as confirmou em definitivo. Muito abalado pela morte prematura da sua mulher, a sua dedicação à culinária foi total e absoluta, estando sempre presente à frente do “piano” em todas as refeições que serviu. A sua máxima de que nunca se devem ultrapassar 3 ingredientes por prato, é uma herança gastro-cultural que deveria ser lembrada a todo o momento aos jovens Chefs (ou pretendentes, que proliferam por todo o planeta, e se exibem com a inclusão no prato de uma complicada e descabida profusão de ingredientes – nomeadamente não escapando ao exibicionismo saloio de recorrer a termos estrangeiros mais ou menos desconhecidos, pensando assim disfarçar a falta de noção de equilíbrio, harmonia e bom gosto, vincadamente ausente). Mas Philippe Rochat soube também cuidar da continuidade da sua arte. Joel Robuchon, outro dos mestres incontornáveis do séc. XX, recomendou-lhe o jovem Benoit Violier que, também 16 anos após, viria a tomar conta da cozinha do Restaurante Hotel de Ville em Crissier, garantindo a permanência das estelas. 3 As três gerações de chefes no Hotel de Ville: Freddy Girardet, Philippe Rochat e Benoit Violier. 109 * a palavra do gourmet No de Ville. A casa que alberga o restaurante. Em baixo, os pratos: Borrego de Mannosque, Lagostins de Iroise com caril de Madras e Geleia de laranjas sanguínes, fundente de chocolate Guanejo. A Academia Internacional de Gastronomia decidiu, num prémio singular e especial, homenagear este caso único do altíssimo nível gastronómico de um Restaurante, mantido por 3 gerações diferentes e não pertencendo à mesma família. O almoço da entrega do prémio, preparado pelos 3 Chefs, é o objecto da descrição seguinte. * 110 r e v LES AMUSE BOUCHE Com a sala repleta de gastrónomos e membros das várias Academias Nacionais e nomeadamente da Academia Suíça, ao som da efervescência de um grande champagne seleccionado para a ocasião, uns canivetes (lingueirões) e bivalves em escabeche deliciaram a assistência. O “foie gras glacé au vieux Madére” com o Um português no estrelato Outra figura de grande prestígio e admiração por todos os gastrónomos é o Maître d’Hotel Louis Villeneuve, galardoado já pela Academia Internacional de Gastronomia com o “Grand Prix de l’Art de la Salle” o ano passado. A seu lado, há 27 anos a trabalhar no restaurante, o português Antonino Pereira é bem o exemplo da dedicação ao serviço, à hospitalidade, ao bem-estar do cliente, através da arte, da simpatia e da sabedoria do bem servir. Contrastando com este serviço de eleição sempre praticado no Hotel de Ville, um incidente patusco com o jovem sommelier italiano deixa-nos entristecidos, mas não belisca a qualificação da casa. De facto, quando ao provarmos o vinho tinto, o conjunto da mesa reconheceu que o mesmo estava ligeiramente “bouchonée” (com rolha) e servido a uma temperatura demasiado elevada, em vez de rapidamente recolher os copos e servir outra garrafa o jovem, de forma algo impertinente e convencida, contrariou os comensais ditando ex-cátedra que tinha provado o vinho e não lhe tinha detectado algum defeito ! E só depois de instado substituiu de má vontade os copos e serviu outra garrafa. Fica-lhe mal apenas a ele e deveria ter de escrever cem vezes (como se fazia na escola primária) a frase “o cliente tem sempre razão”. Mas este senão foi largamente compensado quando Antonino Pereira fez questão de, na minha presença, agradecer a Fredy Girardet tudo o que ele fez por tantos dos nossos compatriotas que serviram com garbo o seu restaurante. Um gesto muito bonito, de grande dignidade e de grande justiça. i s t a d e v i n h o s m a r ç o 2 0 1 3 * a palavra do gourmet orgulho do nosso vinho da Madeira a compor acordes divinos, foi muito apreciado bem como a Tosta da “bec fins” (galinhola) que encantou todos os presentes. A apresentação do menu coube a Alain Boucheron da Academia Suíça e fê-lo com garbo e maestria. O primeiro prato a ser servido, um portento preparado por Frédy Girardet, usava os famosíssimos cardos de Crissier, numa “royale” (como um quase pudim, mas de uma delicadeza e ligeireza evanescentes) e uma profusão de trufas negras do Perigord que fariam salivar os mais empedernidos paladares. Girardet escolheu um branco Mont-sur-Rolle 2010 de Raymond Paccot que passeou de braço dado, bem apertado, com o aroma pungente das trufas. Seguiram-se uns lagostins de Iroise, grandes, imponentes, de textura firme e soberana, onde um “soupçon” de caril de Medras lhes comunicava um toque exótico e superlativamente gastronómico. Esta preparação esteve ao cuidado do Chef Rochat, como sempre de altíssimo gabarito, acompanhada ainda pelo mesmo vinho branco que confirmou a sua capacidade ecléctica para acompanhar o marisco e o caril. O BORREGO DO MANOSQUE Foi a vez de Benoit Violier entrar em cena, apresentando um borrego de apenas oito semanas, magní- 112 r e v i s t a d e v i n h o s m a r ç o 2 0 1 3 fico de sabor e ternura, acompanhado de legumes de eleição que ainda mais lhe faziam sobressair o gosto bom. O vinho escolhido por Benoit Violier, um Cabernet Franc de Didier Joris revelou-se um tanto “duro” na encenação do “pas-de-deux” pretendido (ver caixa). Um Vacherin Mont d’Or de antologia e um Vieux Gruyère fizeram as delícias dos amantes de queijo no fim da refeição. E para os mais gulosos, o almoço terminou com uma geleia de laranjas sanguíneas encimadas por um chocolate fundente Guanaja. O PRÉMIO No final, já com a presença dos três Chefs, três vezes três estrelas no Michelin, foram entregues os diplomas da Academia Internacional que premeiam este grande feito de ser possível conseguir manter as tão desejadas 3 estrelas durante mais de 30 anos através de 3 gerações de Chefs que foram sendo formados no próprio restaurante pelos seus predecessores, conseguindo que esse “savoir faire” da grande cozinha se perenizasse em espírito e em massa, através dos tempos. Uma grande exemplo, talvez único no Mundo, e por isso mesmo merecedor dos maiores encómios de toda a comunidade gastronómica.