1 POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O PROEJA E AS RELAÇÕES DE GÊNERO GT 2 POLÍTICAS PÚBLICAS Autora: Lucyana Sobral de Souza Orientadora: Profª.: MSc. Nara Vieira de Souza1 RESUMO O presente artigo trata-se de uma reflexão sobre o Programa de Integração da Educação Profissional à educação básica na modalidade educação de jovens e adultos (PROEJA), refletindo sobre as possibilidades do referido programa tornar-se significativo para jovens e adultos, dedicando um olhar em especial à presença feminina nesta modalidade, pois a educação profissional é uma oportunidade para que as mulheres participem da vida pública, fato este, que apesar dos dados estatísticos apontarem que vem aumentado o acesso das mulheres à formação profissional, muitas mulheres continuam ainda reféns de uma sociedade patriarcalista e discriminatória que inviabiliza o acesso à formação profissional. Para tanto utiliza-se como metodologia a revisão bibliográfica, analisa-se documentos legais, observando-se se o PROEJA contempla diretrizes que viabilizam melhores condições de acesso e permanência das mulheres. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. PROEJA. Gênero. RESUMEN En este artículo se ofrece una reflexión sobre el Programa de Integración de la Formación Profesional para la educación básica en el deporte a los jóvenes y adultos (PROEJA), reflexionando sobre las posibilidades de este programa llegar a ser significativo para jóvenes y mayores, dedicando una mirada especialmente la presencia femenina en esta modalidad, porque la educación es una oportunidad profesional para las mujeres a participar en la vida pública, un hecho que a pesar de los datos estadísticos indican que viene acceso de la mujer mayor a la formación profesional, muchas mujeres siguen siendo rehenes de una sociedad patriarcal y la discriminación que impide el acceso a la formación profesional. Para esto la metodología se utiliza como la revisión de la literatura, se analizan documentos legales, y señaló que las directrices contemplan Proeja que permiten un mejor acceso y permanencia de las mujeres. Palabras clave: jóvenes y adultos. PROEJA. Género. * Mestranda em Educação (UFS), Pós-Graduada em Educação Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos- PROEJA, Pós-graduada em Didática e Metodologia do Ensino Superior (Faculdade São Luís de França), Graduada em Pedagogia Licenciatura Plena (Faculdade Pio Décimo), Pós-graduada em Didática e Metodologia do Ensino Superior (Faculdade São Luís de França), professora de Educação a Distância (Universidade Tiradentes) e de Educação de Jovens e Adultos (Prefeitura Municipal de Aracaju). Participante do grupo do CNPq Estudos Pedagógicos Sobre Temas Atuais da Educação- da Universidade Tiradentes/SE. ([email protected]) 1 Professora orientadora do artigo, Coordenadora do Projeto Mulheres Mil/ SE- Convênio Canadá/Brasil, Assistente Social, Mestre em Desenvolvimento Meio Ambiente, Especialista em Gerontologia Social e em Ger. Turísticos e professora efetiva do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Sergipe (IFS). 2 INTRODUÇÃO De acordo com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, “mais de um terço dos adultos do mundo não tem acesso ao conhecimento impresso, às novas tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a perceber e adaptar-se às mudanças sociais e culturais. A Constituição Federal de 1988, estabelece que “a educação é direito de todos e dever do Estado e da família” bem como o ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive sua oferta garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. A partir deste princípio constitucional, os sistemas de ensino precisam desenvolver esforços no afã de propiciar um atendimento mais acerto aos jovens e adultos no que se refere ao acesso à escolaridade obrigatória, quanto a iniciativas de caráter preventivo para diminuir a distorção idade/ano. Surge então a educação de jovens e adultos (EJA), uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional com finalidades e funções específicas. Nesta ordem de raciocínio, a EJA representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso em idade regular: homens e mulheres quer seja devido a ausência do Estado no cumprimento do seu dever ou por empecilhos sociais e discriminatórios que impediram mulheres, por exemplo, a participarem da vida pública. Contudo, dentro de seus limites, a educação escolar possibilita um espaço democrático de conhecimento e de postura tendente a assinalar um projeto de sociedade menos desigual. Ela pode auxiliar na eliminação das discriminações e abrir espaço para outras medidas mais amplas de liberdade. E no mercado de trabalho aonde a exigência de ensino médio vai se impondo, novas qualificações, novos saberes aliados a competências tornar-se-ão indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do trabalho. A educação, como uma chave indispensável para o exercício da cidadania na sociedade, vai se impondo nestes tempos de grandes mudanças e inovações nos processos produtivos, possibilitando ao indivíduo jovem e adulto retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas na educação extraescolar e na própria vida e em especial, para as mulheres, possibilita a busca pela desconstrução dos papéis sociais estereotipados, de que o espaço doméstico foi constituído para as mulheres e o público para os homens. 3 Cruz (2005) nos dá um entendimento claro sobre um leque de oportunidades, além do ambiente doméstico, que se abrem na esfera pública: para as mulheres, o acesso livre, sem discriminações, às instituições existentes do sistema de educação e de empregos e as funções públicas, tende a revelar possibilidades, chances equitativas na concorrência por emprego, salário, diploma, status social, influência e poder político. (p. 64) Eis, pois, um dos motivos deste estudo, discutir sobre os esforços que vem sendo feitos pelo governo brasileiro, pela garantia de maiores oportunidades para que as mulheres participem da vida pública e tenham possibilidades laborais, mas, não poderíamos de deixar de sinalizar que a educação é importante para a inserção na vida pública e produtiva, mas não a alçamos à condição de tábua de salvação, pois como afirma Kober: não se trata aqui de negar os benefícios individuais e sociais que a educação pode trazer, nem de negar que há relação entre escolaridade e emprego, muito pelo contrário: é inegável que a educação é um direito ao qual todos devem ter acesso e que há novas exigências no mercado de trabalho. A educação é condição necessária para a inserção no mercado de trabalho, mas está longe de ser suficiente [..]. O aumento das taxas de escolaridade não vai levar à criação de empregos, o que depende de um modelo político-econômico voltado para isto, e, menos ainda, a uma sociedade mais justa. (2004: 9) Apesar do esclarecimento que obtemos, ao evitar a ligação de causa e efeito, que se estabelece entre um grau mais elevado de educação e a expectativa de inserção no mercado de trabalho, entende-se ser impossível ficar imóvel diante da necessidade de conhecer os alunos, considerar seus saberes, bem como suas condições concretas de existência. É, portanto imprescindível que uma política pública voltada para a EJA possibilite a elevação da escolaridade com profissionalização mobilizando ações que revertam o grande contingente de cidadãos e cidadãs cerceados do direito de concluir a educação básica e ter acesso ao ensino profissionalizante. Nesse contexto de mudança paradigmática surge o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), onde se explicita a posição do governo 4 federal em atender à demanda de jovens e adultos oferecendo educação profissional técnica integrada ao ensino médio. Diante do cenário visualizado até então, cabe - nos indagar: Qual o papel então das esferas de ensino no que concerne a ampliação do acesso e a permanência das mulheres ao nível profissional? PROEJA: CONCEPÇÃO DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO O PROEJA surgiu como uma política pública que tem como finalidade a superação de desafios políticos e pedagógicos em busca de construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Instituído em 13 de julho de 2006, o PROEJA está fundamentado na perspectiva de construção e organização de um currículo integrado em harmonia com os pressupostos da EJA. Possibilitando ao aluno jovem e adulto o acesso a conhecimentos que sempre tiveram um papel significativo na estratificação social, ainda mais hoje, onde cada vez mais novas exigências intelectuais, básicas e aplicadas vão surgindo nestes tempos de grandes mudanças e inovações nos processos produtivos. Desta forma, a integração entre ensino médio e educação profissional proposta pelo PROEJA é uma forma de garantir acesso e permanência a milhares de jovens e adultos que estiveram excluídos do sistema escolar brasileiro. As intenções do PROEJA estão coerentes com o Decreto nº 5.154/2004, que revogou o Decreto nº 2.208/1997 do presidente Fernando Henrique Cardoso, o qual determinava a separação entre o ensino médio e a Educação técnica de nível médio. O Decreto de 2004 passa a permitir a integração entre o ensino médio e a Educação Profissional (EP) técnica de nível médio, necessário para a implementação de uma política pública de EP voltada para a formação integral dos cidadãos, onde o que realmente se pretende é a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação do mercado ou para ele. (MOURA, 2006: 8) 5 Dessa forma, para a efetivação de uma política que visa a formação humana do cidadão, se faz necessário uma sólida formação dos docentes, que estejam envolvidos com EP integrada a EJA, para que compreendam que no exercício de suas funções será essencial conhecer os alunos, respeitar as suas histórias e seus saberes, pois, participam de lutas sociais, têm identidades próprias, têm rostos, raças, etnias, gêneros e gerações diferenciadas, por isso a educação precisa embasar-se em uma proposta de educação intercultural, como explica Fleuri: a educação intercultural se propõe a construir uma relação recíproca entre eles2, que se dá, não abstratamente, mas entre pessoas concretas, entre sujeitos que decidem construir contextos e processos de aproximação, de conhecimento recíproco e de interação. Essas relações produzem mudanças em cada indivíduo, favorecendo a consciência de si e reforçando a própria identidade. [...] Estereótipos e preconceitos – legitimadores de relações de sujeição ou de exclusão – são questionados, e até mesmo superados, à medida que sujeitos diferentes se reconhecem a partir de seus contextos, de suas histórias e de suas opções. A perspectiva intercultural de educação, enfim, implica mudanças profundas na prática educativa, de modo particular na escola, pela necessidade de oferecer oportunidades educativas a todos respeitando e integrando a diversidade de sujeitos e de seus pontos-de-vista [...]. (1999: 281) Percebemos assim a função estratégica da educação neste processo de educação intercultural, e que no caso da política de EP integrada a EJA, não deve visar a adaptação do trabalhador e o seu preparo de forma passiva, mas que desenvolva um trabalho pautado na perspectiva de vivência de um processo crítico, emancipador, vinculado as condições necessárias ao efetivo exercício da cidadania e consolidando um projeto societário que dê conta da complexidade das relações humanas entre indivíduos e culturas diferentes. Para a consolidação da política pública de EP integrada a EJA nos espaços educativos, existem princípios que consolidam os seus fundamentos e que podemos aqui sinalizar brevemente para que compreendamos a concepção do PROEJA e suas reais finalidades, e assim possamos identificar como o PROEJA concebe as relações interculturais, em especial, as relações de gênero que se desenvolvem nas redes federais de educação tecnológica espalhadas pelo Brasil. De acordo com Moura (2006) o primeiro princípio refere-se ao desenvolvimento de uma política de inclusão, entendendo que como jovens e adultos estiveram excluídos, 2 Refere-se aos diferentes grupos identitários. 6 ou com pouco acesso aos sistemas educacionais, se faz necessário que o PROEJA não apenas possibilite o acesso às demandas dentro do sistema, mas que também repense as condições sobre como esta inclusão vem sendo efetivada, para que de fato garanta a permanência e sucesso dos alunos e alunas nos espaços escolares. Um segundo princípio trata de inserir a modalidade EJA integrada a EP nos sistemas educacionais públicos, o que significa dizer, não somente na rede federal de ensino, mas ampliar gradativamente esta inserção, característica que vem compor o terceiro princípio que trata da universalização do Ensino Médio, possibilitando uma formação sólida que consolida saberes ao longo de períodos. No quarto princípio está relacionado ao entendimento de que homens e mulheres terão a condição de se transformarem no mundo através do trabalho, dessa forma o vínculo da EP integrada a EJA e ao mundo do trabalho não está pautado na relação com a ocupação profissional diretamente. O penúltimo princípio faz referência à valorização da pesquisa no PROEJA, entendendo como sendo forma de produção ímpar de conhecimentos para uma melhor compreensão da realidade e da construção da autonomia do intelecto dos jovens e adultos participantes do PROEJA. E como último princípio, percebemos uma preocupação pela observância dos sujeitos participantes desta política pública, pois trata da necessidade de considerar e respeitar a diversidade, as relações de gênero, étnico-raciais e as condições geracionais, ou seja, uma proposta intercultural de educação, o que confirma a ideia que não se pode considerar apenas a categoria “trabalhadores” como sendo o foco de implementação e de abrangência desta política pública, mas sim a abrangência das identidades sociais que a compõe. Tomando como base este último princípio, urge a necessidade de situar melhor nesta discussão, a inserção da mulher no campo da educação profissional, recuperar sua trajetória de luta pela inserção na vida pública e dar visibilidade sobre as dificuldades e possibilidades de acesso da mulher à política de EP integrada a EJA. O PROEJA E AS RELAÇÕES DE GÊNERO Iniciemos este ponto fazendo referência à discussão apresentada por Santos e que nos leva a compreender um pouco a complexidade das relações de gênero que se estabelecem na sociedade, impedindo muitas das vezes um quantitativo maior de mulheres a participarem da EP, da vida pública, mas que também nos inquieta sobre que ações são feitas pelas redes federais de educação tecnológica, no sentido de prover 7 maiores condição de acesso, permanência e sucesso escolar das mulheres na modalidade PROEJA. O imaginário da sociedade moderna se consolidou na figura do patriarca (o homem) chefe da família nuclear (pai, mãe e filhos). Vivemos, principalmente desde as últimas décadas do século passado, uma profunda transformação desse modelo, observando o número de divórcios, separações que promovem as mulheres como chefes de família, são elas que assumem a providência dos filhos. Pesquisas já demonstraram que muitas jovens adolescentes param de estudar tendo como causa a gravidez, também o casamento, situações vinculadas ao gênero feminino que interditam sua presença na escola. Nesse sentido, é fundamental a observação das causas que levam as mulheres a evadir, pois pode ser um marido ciumento que não reconhece a importância do estudo para sua companheira, necessitando aí uma intervenção cuidadosa por parte dos educadores. (2006: 57) Mas apesar das conquistas importantes realizadas até as décadas do século XX, com o direito à educação e ao voto, a sociedade brasileira nas primeiras décadas deste mesmo século imaginava o sexo feminino com os atributos de doçura, fragilidade, maternidade, entre outros. Tornando a mulher refém das amarras (sutis) impostas pela sociedade. Mas, o movimento feminista3 que eclodiu no bojo dos eventos da revolução francesa não permaneceu alheio às desigualdades de gênero, a partir desse instante foram travadas batalhas em busca da cidadania feminina. Os ecos do movimento feminista alertaram a sociedade e especialmente outras mulheres para a condição de opressão e de desigualdade social a que as mulheres estiveram submetidas, possibilitando a elas maior atuação no espaço público, atuação política e social pela igualdade de direitos, de educação e de profissionalização. Porém, muitas destas mulheres sentem ainda na pele a dificuldade de lançar-se no mercado de trabalho e de profissionalizar-se para tal exercício. As dificuldades de transcender a esfera privada para a esfera pública e de vencer “a dureza” pela responsabilidade de sobrevivência, educação e evolução da família, bem 3 Sobre o movimento feminista no Brasil ver o feminismo e os dilemas da sociedade brasileira. Bila Sorj. In. BRUSCHINI, Cristina; UNBEHAUM, S. C. Gênero, Democracia e Sociedade brasileira. São Paulo: Fundação Carlos Chagas – Editora 34, 2002. 8 como conciliar as duas esferas, tem impossibilitado a essas mulheres o acesso à profissionalização em busca de qualificação e inserção laboral. É neste sentido que, a educação profissional é vislumbrada pelas mulheres como meio de superação social e resgate de esperanças. E pensando em melhorar as condições das mulheres, apesar dos avanços já conquistados através do estabelecimento de direitos via legislação em vigor, que o movimento feminista nos últimos cinco anos vem fortemente direcionando suas lutas para o estabelecimento de políticas públicas e planos de ações com o propósito de garantir o exercício da cidadania. Outro campo de lutas refere-se a composição de pauta específica nos diversos cenários sociais para discutir questões relacionadas a mulher e às relações de gênero, tendo em vista à necessidade de sensibilizar através da palavra e da conscientização das falsas condições de igualdade que se proclama através do discurso oficial regulatório. REFLEXOS DAS CONTRIBUIÇÕES DO MOVIMENTO FEMINISTA A presença dos movimentos feministas na luta contra as desigualdades sociais implicou ao Brasil o enfrentamento de situações conflituosas e acomodadas, pois a persistência de altos níveis de pobreza e o aprofundamento das desigualdades sociais legitimados, embora não exclusivamente por valores personalistas, patrimonialistas e hierárquicas colocam constantes desafios à incorporação de idéias e práticas feministas no contexto social brasileiro. (SORJ, 2002: 101) E neste cenário antagônico, preconceituoso, machista e fortemente influenciado pela ordenação religiosa na constituição dos papéis masculinos e femininos que o movimento feminista ganha corpo e resiste na consolidação de um pensamento que influenciado pelos ideais franceses de igualdade, liberdade e fraternidade, homens e mulheres possam construir culturalmente relações sociais, educativas, políticas, religiosas e etc., apesar de todas as investidas do recorrente pensamento patriarcal que delimita espaço, valores, ideias e atitudes, cabendo ao homem a direção da vida da família (na essência da palavra – famulus, aqueles que lhe pertencem, ou escravos os quais possui um dono) no campo privado e no público, e a mulher obediente e respeitosa, dedicada e cumpridora dos afazeres privados: cuidar da casa, educar a família e assistir às necessidades do seu marido. 9 Muitas das mulheres, na maioria das vezes, não estão presentes nos bancos escolares, o que se devem ao fato dos impedimentos impostos por seus companheiros que não lhes permitem estudar e as agridem em função do descumprimento de suas ordens. A mulher é vista apenas para o lar lhe sendo negado o ingresso na vida pública, é o que podemos observar claramente, nas afirmações sobre o campo de atuação da mulher: “a sociedade delimita, com bastante precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode atuar o homem”. (SAFFFIOTI, 1987: 08) [...] por causa de suas funções peculiares, foi relegada às atividades limitadas ao seu lar, confinada a devotar a si mesma, a um único indivíduo e impedida de transcender às relações grupais estabelecidas pelo casamento (e) família. (SIMMEL, 1955: 180 apud ROSALDO, 1979: 40) Em função desses resultados da constituição histórica do papel de ser mulher encontramos ainda um grande número de mulheres em situação de opressão e submissão aos seus maridos, muitas delas violentadas física e psicologicamente, pela relação de poder que se institui via mantença domiciliar, uma vez que pelo baixo nível de escolarização, ausência de profissionalização e pela condição histórica de submissão ao “homem”, “chefe” do lar, acaba submetendo-se à aceitação do papel de coadjuvante na história da vida, postergado pelo jargão do ideário comum que nos diz; “ ruim com ele, pior sem ele.” Consciente desse processo que o movimento feminista contribuiu na anunciação de que as mulheres não são inferiores aos homens, mostrando que elas podem tecer um novo desenho no ambiente social, questionando: as normas e papéis preestabelecidos, ao penetrar em espaços proibidos, ao produzir um contra discurso, colocando face a face duas culturas e duas visões de mundo, as mulheres em movimento introduziram a incerteza, a pluralidade e a escolha onde anteriormente só havia certeza, unanimidade e conformidade. (OLIVEIRA, 1993: 72) O resultado de toda uma luta histórica se reflete no impulso das mulheres no acesso a outros horizontes, outras experiências, convivência fora do ambiente familiar e poder decisório, com a pretensão de se fazer ouvir e existir no exercício desse mesmo poder. 10 ENSINO PROFISSIONAL: PERSPECTIVA DE SUPERAÇÃO DA ESFERA DOMÉSTICA Olhar para a inserção da mulher no contexto educacional brasileiro atual pode constituir num importante instrumento para uma análise das relações de gênero e das conquistas femininas no processo de ampliação do nível de escolarização e da ampliação de oportunidades no mercado de trabalho, no sentido da aquisição dos direitos trabalhistas e das condições e formas de remuneração salarial como conseqüência da ampliação de habilidades e competências advindas com a certificação educacional e profissional conquistada. Analisando o Censo Escolar do MEC/INEP (2005), quanto ao número de matrículas da educação profissional por sexo, observamos que no biênio (2004-2005), a presença feminina nos cursos profissionalizantes é de 50,4% em 2004 e 50,3% em 2005. Mas, observa-se também que este percentual de participação das mulheres justifica-se pelo crescimento expressivo da área de Saúde e predominando nas áreas profissionais de Gestão, Artes, Comunicação, Desenvolvimento Social, Lazer, Turismo e Hospitalidade. Ou seja, cursos expressivamente como tidos “para mulheres”, pelo perfil profissiográfico (ênfase nas habilidades comunicacionais e de gestão de processos que os mesmos possuem e por não apresentarem processos tecnológicos de ponta e por apresentarem baixos salários) acabam direcionando-se ao público feminino. Já não podemos dizer o mesmo quanto as áreas da Indústria e da Agropecuária que apesar da matrícula feminina nestas áreas, notadamente a maioria dos alunos é de homens. Podemos evidenciar que apesar das conquistas por novos espaços, ainda assim as mulheres encontraram barreiras na diversificação destes espaços. BRUSCHINI, 1994, nos chama atenção com a seguinte afirmação: apesar da persistência da segregação, no entanto, não se pode afirmar que ela venha aumentando ao longo do tempo. Aparentemente as mulheres vão fazendo novas escolhas, procurando vencer barreiras e superar preconceitos. No entanto, ainda são influenciadas por dois mecanismos convergentes: de um lado, processos socializadores que se reproduzem através da família, da escola e dos meios de comunicação, que tendem a orientá-las na direção de ocupações que são consideradas mais próprias para as mulheres; de outro, uma certa 11 sabedoria da conciliação, que faz com que as mulheres, cientes de que forçosamente terão a seu cargo responsabilidades familiares além das profissionais, escolham ocupações que acreditam ser compatíveis com esta situação. (p.192-193) Percebemos neste contexto, que as construções dos papéis sociais estereotipados impedem às mulheres de galgarem outros horizontes devido às visões distorcidas sobre o papel da mulher na sociedade. Bruschini, não aponta apenas estes fatores como principais, mas expõe em contrapartida, que baixo salário também torna um agravante nos ramos ocupacionais dos trabalhadores, devido a uma concentração de mão-de-obra em poucas ocupações essencialmente típicas como para mulheres, a remuneração tende a permanecer menor. Dessa forma, a EP integrada a EJA pode ser vista como propensora de superação de tais dificuldades. Sendo amplamente divulgados os cursos, trazendo uma proposta intercultural, contemplando a formação continuada dos professores envolvidos com o PROEJA, entre outros elementos, igualmente necessários, estes podem ampliar o leque ocupacional das trabalhadoras, garantindo-lhes profissionalização para o exercício de cargos no ambiente laboral, até então com predominância masculina e consequentemente gerar oportunidades a salários mais justos e compatíveis com a função desempenhada. Ainda referenciando os dados do MEC/INEP (2005), percebemos que no Brasil, de 355.860 dos alunos do sexo feminino que foram matriculados no respectivo ano no ensino profissional, apenas 139.656 mulheres concluíram seus estudos. Este resultado nos inquieta sobre os possíveis motivos que levaram a uma diferença tão contrastante no quantitativo de matriculados e de concludentes. Vale ressaltar que estamos nos referindo a cursos concomitantes e subseqüentes. Alguns possíveis motivos já foram citados como a conciliação da vida familiar (filhos, marido) com a esfera pública, fator altamente incisivo quanto a permanência da estudante, mãe e mulher que se vê sufocada e requerida pelos afazeres domésticos e pelas obrigações escolares. Outro aspecto que podemos evidenciar refere-se a ausência dos órgãos governamentais, no desenvolvimento de políticas e estratégias que viabilizem uma 12 ampliação dos cursos oferecidos, bem como a articulação destes com outras políticas de cunho social e ou econômico que venham garantir a continuidade nos estudos profissionalizantes até a sua efetiva conclusão. Porque não, sugerir que os sistemas de ensino se articulem também com órgãos não-governamentais, empresas privadas etc., para firmarem convênios/parcerias que garantam qualificação para o mercado de trabalho diante das competências adquiridas no ensino profissional e das ações e políticas de assistência social no atendimento de mulheres estudantes e trabalhadoras para que estas possam contar com instituições de assistência social e educativa a fim de que possam prosseguir nos estudos e aperfeiçoarem-se na aquisição de competências e habilidades que as deixem mais competitivas para sua (re) inserção no mercado de trabalho. UM OLHAR SOBRE A POLÍTICA PÚBLICA A partir da discussão sobre a situação da educação e temas relacionados a mulher nas esferas sociais, em âmbito nacional e internacional, pôde-se observar que a realização de várias conferências4 na década de 90 despertaram nas nações participantes o compromisso por proporem reformas educacionais que garantissem uma educação de qualidade com otimização dos recursos públicos sem que para isso representasse aumentos dos impostos. No bojo desse processo observamos que: no Brasil, como em outros países latino-americanos, essas reformas “incidiram sobre várias dimensões do sistema: legislação, financiamento, organização das redes, currículo, material didático, formas de participação da comunidade, maior autonomia das unidades escolares, treinamento de professores, informatização, introdução de sistemas de avaliação, e assim por diante”. (DAVIS et al, no prelo, p. 3 apud ROSEMBERG, 2002: 209) 4 Conferência Mundial “educação para todos” (Joimtien, 1990); Conferência Internacional “População e Desenvolvimento” (Cairo, 1999); Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995); Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995); Conferência internacional de Educação de Adultos (Hamburgo, 1997); (REPEM, 1997 apud ROSEMBERG, 2002, p.209). 13 Para Rosemberg, todas estas dimensões poderiam oferecer um amplo leque para discussões, pesquisas etc., se estas contemplassem o enfoque de gênero. Percebemos que as reformas educacionais deixaram muito a desejar no tocante a ausência de abordagens voltadas para a educação/gênero. O debate evidenciado limitouse a delimitar compromissos com base em indicadores gerais deixando de contemplar características intrínsecas presentes em cada região. No que concerne ao ensino profissional, apesar dos resultados sobre o acesso e permanência das mulheres neste nível de ensino, já mostrados anteriormente, evidenciarem um expresso avanço quanto ao acesso das mulheres em nível de Brasil, não foram contempladas análises na identificação de políticas públicas direcionadas às especificidades de cada região do Brasil, denotam a persistência feminina em cursos onde se continua registrando a presença marcante de alunos do sexo masculino. Poderíamos aqui elucidar que o Brasil cumpriu seu compromisso através de políticas públicas que viabilizaram o acesso e permanência das mulheres ao ensino profissional, isto se confirma nos dados gerais. Mas, analisando a fundo a dimensão destes dados, verificamos as incoerências e a necessidade de se reiterar novos estudos sobre o assunto vislumbrando as especificidades de cada região para propor soluções que garantam resultados de indicadores sociais femininos não tão dispersos dos masculinos. Diante do exposto, percebemos que o importante não é reconhecer a presença de políticas públicas que norteiam reformas significativas no ensino brasileiro, mas identificar em suas construções a clareza no delineamento das ações e das diretrizes a serem cumpridas e se estas avançam na questão da igualdade e no reconhecimento do gênero, da raça e da etnia como fatores de desigualdade social. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito deste trabalho, de maneira alguma foi de trazer respostas prontas e acabadas a respeito da visibilidade das relações de gênero ao analisar alguns que princípios que compõem a política pública de integração da EP a EJA, mas identificar o esforço demonstrado ou não no rol da política pública no repensar de caminhos que possam de fato superar as desigualdades sociais existentes na educação. 14 Dentro do contexto estudado através dos documentos referenciados, sabe-se que a superação dos entraves do espaço doméstico à participação na vida pública ainda estar por ser superada. Muitas mulheres ainda permanecem presas às algemas do lar, dominadas por seus companheiros repletos de visões machistas, autoritárias e repressoras. Sabemos que o esforço contra esta dominação masculina dar-se-á a partir do rompimento destas algemas, na luta contra as forças repressoras que lhes impedem de participar e ampliar o leque de relações individuais e sociais, indo além dos territórios ideologicamente caracterizado como masculino e adentrando e ocupando estes espaços de forma mais igualitária. Nesta vertente, a EP integrada a EJA é vista como possibilidade de qualificação para o emprego para o enfrentamento de cargos e salários mais justos, viabilização inserção na vida produtiva e por consequência melhoria na qualidade de vida, além do entendimento de que a escola permeia a passagem mais importante entre o mundo privado e o mundo público. Contudo, concluímos que no tocante à passagem da esfera privada para a esfera pública e sendo EP integrada a EJA o fio condutor como um dos caminhos de superação das desigualdades sociais, esta ainda não se processa nos moldes desejados, é necessário garantir maior participação feminina aos cursos oferecidos e superar estereótipos de desigualdades que contribuem com a perpetuação das exclusões. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. PROEJA: Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Ministério da Educação. Secretaria Executiva. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Brasília: MEC, 2007. BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1999. BRUSCHINI, Cristina. O trabalho da Mulher Brasileira nas Décadas Recentes. In: Estudos Feministas. Número Especial. CIEC Escola de Comunicação. UFRS, 1994, out, p. 178-199. CRUZ, M. Helena Santana. Trabalho, Gênero, Cidadania: Tradição e Modernidade. São Cristóvão: Editora UFS, 2005. 15 FLEURI, Reinaldo Matias. Educação Intercultural no Brasil: a perspectiva epistemológica da complexidade. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 80, n. 195, p. 277-289, mai/ago, 1999. KOBER, Claudia Mattos. Qualificação profissional: uma tarefa de Sísifo. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. MEC/INEP. 2005. Censo Escolar. Disponibiliza informações sobre a Educação Profissional de Nível Médio no Censo Escolar. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/basica/censo/>. Acesso em 10 de fev. de 2011. MOURA. Dante Henrique. EJA: Formação Técnica Integrada ao Ensino Médio. In: SALTO PARA O FUTURO. MEC/ Secretaria de Educação a Distância. Boletim 6, set, 2006. OLIVEIRA, Rosiska de. A armadilha da igualdade. In: Elogio da diferença. O feminismo emergente. São Paulo: Brasiliense, 1993. ROSALDO, M. Zimbalist. Introdução a Cultura e a Sociedade: uma Revisão Teórica. In: ROSALDO et al. A Mulher a Cultura e a Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1979 ROSEMBERG, Fúlvia. Educação Formal, Mulheres e Relações de Gênero: Balanço Preliminar na Década de 90. In: Gênero, Democracia e Sociedade Brasileira. (Orgs.) BRUSCHINI, Cristina; UNBEHAUM, Sandra G. São Paulo: FCC: Ed. 34, 2002. SAFIOTTI, Heleith I. B. O Poder do Macho. São Paulo: Editora Moderna, 1987. SANTOS, Simone Valdete dos. O PROEJA e desafio das heterogeneidades. In: SALTO PARA O FUTURO. MEC/ Secretaria de Educação a Distância. Boletim 6, set, 2006. SORJ, Bila. O feminismo e os dilemas da sociedade brasileira. In: Gênero, Democracia e Sociedade Brasileira. . (Orgs.) BRUSCHINI, Cristina; UNBEHAUM, Sandra G. São Paulo: FCC: Ed. 34, 2002. VIANNA, Cláudia P.; UNBEHAUM, Sandra. O Gênero nas Políticas Públicas de Educação no Brasil: 1988-2002. In: Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, p. 77-104. jan./abr. 2004.