A CRISE DO CAPITAL E A POLÍTICA DO “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” Guilherme Rezende1 Introdução – o “desenvolvimento sustentável” como projeto neoliberal O termo “desenvolvimento sustentável” possui inúmeras conotações. Diversas correntes tecem estudos e desenvolvem à sua maneira um conceito, definindo de diferentes modos aquilo que seria um desenvolvimento sustentável. No entanto, podemos observar que foi a partir de um relatório realizado a pedido da ONU – o relatório Brundtland (1989) – que o termo ganhou uma definição que viria a se tornar sua forma mais usual. É a partir de então que estas duas palavras, velhas conhecidas, agora juntas iriam ganhar a notoriedade e o alcance que tem nos dias atuais. Assim sendo, constatamos que é a partir deste relatório que se inicia uma verdadeira “jornada” pelo “desenvolvimento sustentável”. Mas isto não exatamente por ter sido o relatório, de certa forma, um pioneiro da idéia, e sim por ter sido o primeiro a sintetizar a visão de uma prática política em relação ao meio ambiente (principalmente, mas não apenas a ele), e novas diretrizes e ações que se desdobrariam a partir de então. Como foi traçado, o “desenvolvimento sustentável”, em nosso entendendimento, superou a barreira existente entre a realidade posta e todos os projetos anteriores das organizações ligadas ao meio ambiente. Isto porque diferentemente dos relatórios anteriores que traziam um novo conceito visando uma ampla transformação do funcionamento da sociedade (vide, por exemplo, o ecodesenvolvimento de Ignacio Sachs), desta vez, as transformações em curso é que iriam definir as linhas que seriam escritas. Para sermos mais claros, nossa análise apontou que o “desenvolvimento sustentável” foi elaborado visando fundamentalmente atender as novas necessidades do capital, a pedido de suas “personificações”. Embora propalado como sendo uma medida que, em linhas gerais, visa a conservação do meio ambiente, nossa pesquisa afirma que, paradoxalmente, sua implementação se mostrou exclusivamente a serviço das “personificações do capital”. 1 Graduado em Ciências Sociais pela UNESP/Araraquara. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Movimentos Sociais e Sociabilidade Contemporânea, coordenado pela professora Maria Orlanda Pinassi. E-mail para contato: [email protected]. 1 Através, principalmente, de uma organização de empresários ligados a transnacionais, é que surgiriam os principais delineamentos desta política, fomentada a partir de então. Nesse sentido, a nosso ver a seguinte colocação de Schmidheiny representa a síntese dessa nova política: “a pedra angular do desenvolvimento sustentável é um sistema de mercados abertos e competitivos”. Em suma, a o projeto do “desenvolvimento sustentável”, deve ser entendido como uma expressão do neoliberalismo2, que, aliado à reestruturação produtiva, se mostra como uma política voltada às demandas do capital, em crise a partir da década de 70. A manutenção do capital e a necessidade de uma nova política “para o meio ambiente” No período seguinte a estagnação da década de 70, se inicia uma série de transformações no mundo do trabalho que visavam, fundamentalmente, a retomada das altas taxas de lucro que o capital experimentou no boom do período pós-guerra. Esses ganhos do capital haviam estagnado desde meados da década de 60; notadamente o neoliberalismo e a reestruturação produtiva foram as respostas do capital a essa estagnação. Nesse momento o capital passa a se opor à antiga “rigidez” do fordismo, empenhando-se agora em um processo de “flexibilização” e “desregulamentação”, desde as instâncias diretamente produtivas como também dos órgãos de decisão. Como explica Harvey, frente à crise que se instalava, a rigidez do padrão fordista tinha de ser substituída de acordo com as novas necessidades de acumulação do capital: “havia problema com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problema de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor monopolista).” (Harvey, 1998: p.135). Neste processo, o modelo fordista-keynesiano foi sendo substituído pelo padrão de “acumulação flexível”, característico do modelo toyotista de produção. Uma das características desse novo modelo é que ele “parece implicar níveis relativamente altos de desemprego ‘estrutural’, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais e o 2 Visões semelhantes a esta podem ser encontradas em Ribeiro Sobral (in: Dowbor et al,1997), Acselrad e Leroy (1999), Oliveira (2007) e Hein (1996). 2 retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista.” (HARVEY, 1998: p.141). Para István Mészáros, a situação atual de desemprego estrutural – e global – que surge a partir da década de 70 com a nova crise do capital, reflete a destrutividade que este sistema “sociometabólico” necessita adotar a partir deste momento. Posto que o sistema do capital é orientado para a expansão e movido pela acumulação, quando se põe qualquer restrição à efetivação destas, ele se mostra disposto a todo tipo de resposta, até mesmo no sentido de uma auto-destruição anunciada, se necessário, para manter seus ganhos econômicos. Neste sentido, Mészáros coloca que com o advento da crise, o capital passa a avançar de maneira explosiva sob a natureza e o mundo do trabalho, criando uma situação insustentável (Mészáros, 2002). O autor aponta que a “flexibilização” funciona como uma espécie de mito que esconde a realidade da precarização do trabalho e a crescente superfluidade da mão-de-obra que se acentuam no atual processo de globalização (Mészáros, 2007). Também uma série de autores, entre eles Antunes (2000) e Alves (2000), tratam da ligação existente, nesse momento, entre a precarização do trabalho e o crescente desemprego, nos levando a crer que tanto a questão social quanto a ambiental se agravaram nos últimos anos, em decorrência daqueles processos de reestruturação. Este é o dramático processo que se desdobra como conseqüência das formas contemporâneas de avanço do capital e, entre elas, como parte das políticas neoliberais, figura-se o “desenvolvimento sustentável”, como uma política que traz severas imposições ao mundo do trabalho. No crescente esforço do capital em “sugar” o trabalho até a última gota, sua destrutividade recai sobre todas as esferas, inclusive a natureza, transformando um projeto de suposta sustentabilidade em uma verdadeira barbárie. O processo de elaboração de um programa neoliberal para a questão ambiental Um primeiro movimento na direção do “desenvolvimento sustentável” pode ser apontado no encontro de dez anos do PNUMA (programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em 1982. Diante do perigo de que as regulamentações ambientais pudessem se tornar um empecilho ao desenvolvimento do livre mercado, governos neoliberais como os Estados Unidos, Inglaterra e Suiça discutiam o fortalecimento deste órgão e possíveis ações para transformar a “agenda ambiental global”. Neste momento 3 delineou-se que o “desenvolvimento” seria a solução e não a causa da degradação ambiental. Tirou-se desta reunião a incumbência da então primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, organizar um novo posicionamento das Nações Unidas para o meio ambiente. Data de 1987 a publicação do relatório Brundtland intitulado “Nosso futuro comum”. O nome do relatório já carrega em si um dos ideários do “desenvolvimento sustentável”: a tentativa de disseminar a idéia de que estaríamos todos juntos em prol da natureza, numa luta comum (e colocada como a única possível). Implícito a essa idéia esta a afirmação de que não mais existiriam países ou classes em conflito, ou seja, nenhum antagonismo3. Este relatório traria sintetizada a nova expressão ideológica de grupos e países que coordenavam os braços da ONU de então4. No relatório expressou-se o avanço das políticas neoliberais em relação ao meio ambiente: o mercado, segundo o documento, é tido como peça fundamental para a situação de melhoria qualitativa das três esferas tratadas: econômico, social e ambiental (Brundtland, 1989). No entanto, como não poderia deixar de ser para o ponto de vista do capital, principalmente em tempos de crise, a palavra de ordem do documento se torna “é preciso retomar o crescimento”. Delineava-se assim a nova política ambiental para o neoliberalismo: o “desenvolvimento sustentável. Na nova visão da ONU o impasse da degradação ambiental só pode ser solucionado se houver crescimento econômico e inovação tecnológica. Eficiência e desregulamentações são apresentadas como peças chave de um novo projeto para a questão ambiental. Eficiência “pois as inovações tecnológicas são responsáveis por garantir um melhor aproveitamento dos recursos e diminuir os custos”; e desregulamentação pois: 3 Nas palavras de Ribeiro Sobral: “A dimensão social das políticas e programas parece ter ficado mais ‘palatável’ a muitos setores da sociedade dentro do discurso que defende o atendimento das necessidades básicas das gerações presentes e futuras, graças ao relatório da Organização das Nações Unidas ‘Nosso Futuro Comum’ , do que dentro das posições dicotômicas de ‘esquerda’ e ‘direita’”. (in: Dowbor et all., 1999: p.145). 4 Recentemente a ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, assumiu a diretoria-geral da OMS, onde foi criticada por ter uma gestão marcada por privatizações e pela “entrega” do organismo às pretensões liberais, como consta no artigo “A OMS nos braços do mercado”, publicado pelo jornal Le Monde Diplomatique do Brasil em julho de 2002. 4 a maioria das instituições que enfrentam esses desafios tende a ser independente, fragmentada, com atribuições relativamente limitadas e processos de decisão fechados. As responsáveis pela administração dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente estão desvinculadas das que se dedicam à administração da economia. (...) é preciso que mudem as políticas e as instituições envolvidas (Brundtland, 1989: p.11) afinal, na visão do “desenvolvimento sustentável”, o mercado não pode de forma alguma ser “atrapalhado” por qualquer tipo de restrição. Os governos (assim como o GATT, órgão que até então era responsável por regulamentações ligadas a meio ambiente e com o qual as empresas transnacionais tinham desavenças), deveriam apenas servir de apoio ao mercado que, segundo o relatório, teria maior capacidade de inovação e maior dinâmica para cuidar da questão ambiental. Mas somente com a criação do chamado BCSD (Business Council for Sustainable Development) que o “desenvolvimento sustentável” ganharia efetivamente um planejamento concreto. Trata-se de um conselho de empresários representantes de algumas das maiores transnacionais do mundo – entre elas podemos citar Nestlé, Monsanto, Volkswagen, Xerox, Mitsubishi, Shell, Unilever, 3M, Texaco, Sony, Toyota, ALCOA, Aracruz, Du Pont, entre tantas outras – visando a elaboração de uma “Perspectiva Empresarial Global sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente” como diz o próprio subtítulo do livro publicado pela associação, intitulado “Mudando o Rumo” (1992). O BCSD – hoje WBCSD – foi criado por Stephan Schmidheiny, após ter sido solicitado por Maurice Strong, secretário geral da CNUMAD5 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), que elaborasse uma perspectiva empresarial para ser apresentada na Conferência (Schmidheiny, 1992: p. XLVII). Um dos diretores das transnacionais ABB e Nestlé, o conselheiro da CNUMAD, Schmidheiny, juntamente com um grupo de tantos outros empresários, acabou por ditar os rumos da Conferência (Oliveira, 2007) conseguindo, inclusive, que além de não fazer qualquer tipo de menção às transnacionais, a “Agenda 21”6 incorporasse uma série de preceitos do BSCD, entre eles a internalização dos custos ambientais, permissões de poluição negociáveis no mercado, assim como os “Princípios Florestais”, entre outros. 5 Para um trabalho mais detalhado sobre a CNUMAD ver Oliveira (2007). 6 Principal documento elaborado pela CNUMAD e que vem sendo adotado por Nações, governos regionais, ONGs e ainda outros órgãos. 5 O livro “Mudando o rumo” do BCSD dá, de certa forma, prosseguimento às idéias desenvolvidas em “Nosso futuro comum”, mas supera-o ao traçar as metas políticas a serem realizadas em inúmeras esferas da realidade, tornando-se uma espécie de manual7 – o que possibilita uma compreensão mais clara da política do “desenvolvimento sustentável”, suas reais intenções e um estudo de como, a partir do que foi traçado pela organização, ela vem acontecendo na prática. Mas, ainda naquele momento, para que a nova política ambiental avançasse, ainda seria necessário algumas modificações. Precisava-se ainda uma movimentação, principalmente no mundo subdesenvolvido, de forte liberalização, pois sem a lógica neoliberal “vemos poucas chances de o desenvolvimento se tornar sustentável algum dia”, afinal, qualquer forma de controle “trabalha contra, e não com o mercado, e enfraquece suas principais vantagens: criação de riqueza, eficiência e inovação” (Schmidheiny, 1992: p.34). Segundo o autor, para o “desenvolvimento sustentável” é essencial o firme estabelecimento dos direitos de propriedade, bem como de meios para fazer cumprir os contratos; leis de responsabilidade civil; reformas de políticas; e reforma institucional. Os melhores instrumentos para o Sul serão os que conferirem ao setor privado o ônus da prova de observância das medidas, uma vez que os governos tendem a não dispor de instituições para executar esse trabalho. (Schmidheiny, 1992: p.28) Ou ainda, na fala de Eugenio Clarion Reyes, presidente executivo do grupo IMSA, embora mantendo a economia de mercado, o governo precisa mudar os sinais, de modo a possibilitar o desenvolvimento sustentável. É importante despertar o comportamento responsável através de incentivos, como impostos sobre o consumo de energia e sobre a água purificada, em vez dos impostos sobre o emprego e a criação de riquezas. (Schmidheiny, 1992: p. 22). A nova política ambiental posta pelo WBCSD é bastante ampla. Numa tentativa de expressá-la resumidamente podemos apenas levantar alguns principais pontos: Transformações no processo produtivo (chão de fábrica): implementações de inovações tecnológicas que aumentam a produtividade e diminuem os custos, poupando matérias-primas e energia (e mão-de-obra); re-utilização dos produtos e/ou resíduos; flexibilização do trabalho; trabalho voluntário; implementação de Sistemas de Gestão Ambiental (SGA) e ISO 1400. 7 Inclusive, os últimos capítulos do livro trazem uma série de exemplos “bem sucedidos” de transnacionais que fomentam ações “sustentáveis”, como, por exemplo, “Aracruz Celulose: Plantio de Eucalipto e Produção de Biomassa”. 6 Transformações no consumo: através de selos “verdes” para os chamados “green products”, gerar o “consumo consciente” a fim de que o consumidor dê preferência aos produtos que atendam as normas ISO. Políticas ambientais que proporcionem vantagens competitivas: através do processo de “internalização” dos custos ambientais em detrimento das taxas de poluição; introdução de “Instrumentos Econômicos”, como as permissões de poluição (por exemplo, o sistema de créditos de carbono), em substituição das regulamentações taxativas impostas pelos governos. Reformulações dos “mercados de capitais”: transferir as decisões sobre as questões de desenvolvimento, comércio e meio ambiente para órgãos em que os interesses das empresas transnacionais e suas nações tenham maior poder de decisão e controle; usar destes órgãos, ou criar novos, para que financiem as ações e projetos “sustentáveis” das empresas8. Favorecimento do processo de “deslocalização”: através das políticas de desregulamentações, implantadas também pelo funcionamento do “desenvolvimento sustentável”, as empresas transnacionais visam a livre movimentação de suas instalações buscando maiores vantagens econômicas, principalmente mão-de-obra barata. Mudanças nas regulamentações sobre mudanças climáticas e florestais e de biodiversidade: no que consiste a clima e florestas a política do “desenvolvimento sustentável” age de maneira a forçar um movimento de autoregulamentações, privatizações e afastamento do controle dos Estados; para a biodiversidade, a política passa a ser de controle do Estado e leis de patentes. Todos estes pontos colocados, além de outros que ficaram de fora, vêm sendo implementados pelas transnacionais ligadas ao WBCSD, na maioria das vezes com parcerias de governos ou de órgãos como a OMC (Organização Mundial do Comércio). Entretanto, para analisarmos como acontece a implementação do projeto de 8 A International Finance Corporation (IFC), o ramo de empréstimos e investimentos no setor privado do Banco Mundial, por exemplo, tem o seguinte lema: “promover o investimento sustentável do setor privado nos países em desenvolvimento, auxiliando a reduzir a pobreza e melhorando a vida do povo”. (www.ifc.org) 7 “desenvolvimento sustentável”, focalizamos as implementações ocorridas no processo produtivo procurando encontrar suas conseqüências. Relações entre reestruturação produtiva e “desenvolvimento sustentável” Vejamos que, segundo David Harvey, uma das causas da substituição do modelo keynesiano-fordista pelo toyotista, com base na reestruturação da produção, teria sido os aumentos dos preços do petróleo por volta de 1973, mudando consideravelmente o custo energético da produção, o que teria levado “todos os segmentos da economia a buscarem modos de economizar energia através da mudança tecnológica e industrial” (Harvey, 1998: p.136). Frente a essa necessidade econômica de poupar energia ou utilizar outras fontes que não o petróleo, o movimento para chamar este processo de “sustentabilidade” já começava a ser posto. Entre outros fatores, próprios do processo de reestruturação – como a introdução do sistema Kanban, “Just in time”, o CEP (Controle Estatístico do Processo), o TQC (Total Quality Control), normas ISO e flexibilização do trabalho (terceirização da mão-de-obra, enxugamento do número de empregados, etc) –, esta mudança ocorrida é que vai fundamentar, traçando os seus alicerces necessários, a nova política ambiental. Essa questão se confirma no próprio livro de Schmidheiny, ao dizer que a revolução de qualidade (...) demonstrou a capacidade de a empresa se modificar atrelada a objetivos que pareciam opostos – nesse caso, o aumento da qualidade e a redução dos custos. Os instrumentos e processos utilizados nessa revolução (...) proporcionam um alicerce sobre o qual os líderes empresariais podem construir visando a um futuro sustentável. De fato, muitas firmas que aderiram à administração da qualidade total, como uma filosofia de administração abrangente, encararam a excelência ambiental como uma extensão natural desse conceito. (Schmidheiny, 1992: p.86) No mesmo sentido de Schmidtheiny, tanto Wolfgand Hein (1996) quanto Helena Ribeiro Sobral (1999), em suas análises, direcionam a política do “desenvolvimento sustentável” às transformações liberais e à “acumulação flexível”. Ribeiro Sobral, coloca que as políticas ambientais do mundo “globalizado” são baseadas em políticas keynesianas/neoliberais, sendo fundamentadas por novas formas de organização da produção muito mais flexíveis do que as anteriores, baseadas no modelo fordista. Elas permitem adaptações mais eficazes às flutuações temporais e espaciais da demanda, mas propiciam, também, um aproveitamento melhor das vantagens locacionais dos diferentes pontos de produção, apesar do preço da força de trabalho e a economia de tempo continuarem sendo fatores-chave para a reprodução do capital. (...) Três conceitos essenciais foram desenvolvidos: just in time, terceirização ou subcontratação e ‘global sourcing’”. (Sobral in Dowbor Et all. 1999: p.143) 8 Tendo uma postura completamente acrítica do processo, dando de ombros às conseqüências mais fundamentais (como o desemprego estrutural e a crescente superfluidade da mão-de-obra e toda insustentabilidade desta condição) a autora ainda aponta que pela visão neoliberal os problemas sociais e ecológicos devem ser solucionados segundo as leis do mercado, desobrigando o estado de suas atividades de controle ambiental e restringindo suas políticas sociais a grupos específicos. As certificações ambientais, como as ISO 14000 e 9000, são exemplos da ‘privatização’ do controle ambiental. (Sobral in Dowbor, 1999: p.144) No que tange mais especificamente às transformações diretamente relacionadas ao processo produtivo, surgem os Sistemas de Gestão Ambiental (SGA), que se baseiam na certificação ISO 1400, cujo delineamento é um grupo de normas técnicas relacionadas a meio ambiente. Esta nasceu no próprio setor produtivo através das instituições de normalização que procuram substituir as regulamentações ambientais baseadas num sistema de “controle e comando” por parte do Estado. Foi a partir do Grupo de Consultoria Estratégica sobre Meio Ambiente, pertencente ao BCSD, o SAGE, que surge a criação, junto a ISO, de um grupo especial para a confecção de normas de gestão ambiental. O BCSD viria criar, posteriormente, um comitê específico e independente na ISO; e em março de 1993, “ocorria a instalação do ISO/TC 207, comitê técnico com a função de elaborar a série de normas de gestão ambiental internacionais. Essas normas foram batizadas pelo nome de ISO Série 1400.” (Avignon, 2004: p.11) Dessa maneira, elaboradas para atender os interesses das transnacionais do BCSD, as séries ISO 1400 e o SGA viriam a se juntar às outras siglas que tomaram conta do cenário empresarial com o advento da reestruturação produtiva: CCQs, CEP, CAD/CAM, ISO 9000, etc. Baseadas no que foi definido em “Mudando o rumo” por “eco-eficiência”, as implementações de SGA visam diminuir ou reaproveitar os resíduos gerados e diminuir o uso de matérias-primas, fazendo com que os custos de produção caiam. Mas também, talvez seja este o ponto principal, pretendem uma modificação (toyotista) da organização do trabalho. Uma delas aparece no que Schmidheiny chamou de “apoio e responsabilidade pessoal do empregado”, fazendo com que os próprios empregados se disponham, além das horas de trabalho pago, a trabalharem pela “sustentabilidade” (1992: p.90); o que na verdade significa acreditar que estão trabalhando em prol do 9 meio ambiente enquanto, na verdade, estão trabalhando em projetos de inovação tecnológica que, quando utilizada irá dispensar mão-de-obra. Um dos programas neste sentido é o “WRAP” da transnacional Dow Chemical. Outro princípio destas modificações colocadas pelo fundador do BCSD, é a cooptação dos sindicatos a partir de metas conjuntas de “sustentabilidade” contando com a participação de representantes junto à diretoria para que, por exemplo, como no caso da empresa Rowe Manufacturing, sejam implementados projetos de corte de uso de substâncias tóxicas e poluentes. Uma maneira de imprimir aos sindicatos a falsa idéia de que eles e a empresa compartilham de interesses comuns. Mas isto se torna ainda mais interessante para as indústrias quando a partir destas transformações, conseguindo as vantagens de ser uma empresa “verde”, possibilita-se a estas os benefícios dos selos “verdes”, além de financiamentos para projetos, como estes que foram agora citados. Um caso interessante foi o da implementação de SGAs na empresa Braskem S.A. Um estudo encomendado pela CEPAL, realizado por d’Avignon, Scheefer e Valle (2004), analisou como ocorreu a implementação do projeto de sistemas de gestão ambiental nesta empresa (segundo os autores, a escolha foi feita por se tratar de uma experiência exitosa – nos termos do “desenvolvimento sustentável” – e que serviria de modelo para outras). A Braskem S.A. é uma empresa do setor petroquímico, a maior da América Latina, e controlada majoritariamente pelo grupo Odebrecht-Mariani, transnacional vinculada ao WBCSD. Apesar de possuir quatro pólos petroquímicos pelo Brasil, a produção da Braskem é amplamente concentrada no pólo de Camaçari, na Bahia. Segundo o relatório, a Braskem vem implementando sistemas de gestão ambiental desde 1997 em todas as suas unidades. Alguns dos destaques, neste estudo, foram o aumento da produtividade e a diminuição do uso de recursos naturais e também os reflexos no emprego. Quanto à questão do emprego, o relatório se baseou nos dados fornecidos pela própria Braskem para demonstrar que, além dos treinamentos “bem sucedidos” que “qualificaram” a mão-de-obra na empresa (Avignon, 2004: p.34), houve um aumento do número do “corpo funcional” da empresa de 2002 para 2003, demonstrando que a implementação da “sustentabilidade” traria melhorias para o trabalho (Avignon, 2004: 10 p.36). Os dados apontados escondem os anos anteriores a 2002, e também a condição em que se encontram esses empregos. No entanto, um outro estudo, este sobre os pólos petroquímicos da Bahia e de Sergipe desenvolvido pelo DIEESE e que inclui a Braskem, aponta que a partir da década de 90, quando iniciou-se um processo de reestruturação produtiva nas regiões, estima-se que a produção tenha se elevado em 50% e o emprego reduzido no mesmo número (2006: p.16). Este estudo ainda aponta que “a reestruturação produtiva do pólo de Camaçari implicou na terceirização da mão-de-obra” levando à redução de pessoal. Assim se no auge das suas atividades, em meados da década de 1980, as empresas do pólo de Camaçari chegavam a empregar 25 mil pessoas diretamente e três vezes mais de empregos indiretos, numa relação de um trabalhador efetivo para cada três terceirizados ou subcontratados, hoje o número de pessoas contratas diretamente pelas empresas do setor petroquímico no pólo é um pouco mais de quatro mil, havendo, em contrapartida, um crescimento muito grande da terceirização9 (2006: p.17). No estudo ainda consta que a “adoção do modelo de gestão empresarial, trouxe a degradação das culturas organizacionais e a desintegração dos coletivos de trabalhadores, piorando a precarização do trabalho em todos os níveis” (2006: p.19). No entanto, mesmo com este quadro de demissões em massa e precarização do trabalho, a empresa se enquadra agora nos parâmetros do “desenvolvimento sustentável” e seus produtos, selados pela ISO 1400, são agora “green products”. Recentemente, pelas informações do DIEESE, a Braskem aprovou um novo projeto de modernização que custará R$750 milhões sendo que desse total, R$380 milhões serão desembolsados pelo BNDES (2006: p.35). Delineamentos conclusivos: a falsa sustentabilidade A pesquisa realizada tem dado inúmeros apontamentos no sentido de que “desenvolvimento sustentável” refere-se há um projeto, elaborado por governos neoliberais e empresários pertencentes a grandes transnacionais, cujo principal objetivo é legitimar, através da questão ambiental, uma série de conquistas bastante positivas à 9 O estudo do DIEESE também aponta os riscos da terceirização nos setores industriais como o petroquímico, denunciando o perigo da precarização do emprego e o perigo de acidentes neste tipo de indústria (2006: p.20). Isso talvez esclareça a utilização dos treinamentos de sistemas de gestão ambiental. Lembrando ainda que estas ações tidas como “sustentáveis” trazem benefícios diretos à empresa como, por exemplo, financiamentos para a implementação do próprio treinamento. 11 concentração de capitais para estes grupos. Mas as conseqüências são verdadeiramente punitivas à esmagadora maioria da população mundial. A prática do que foi definido como “desenvolvimento sustentável” opera como uma forma de “conduzir” um processo que vem se aprofundando desde a década de 70: trata-se do processo de reestruturação produtiva e as práticas políticas do neoliberalismo. Aumento dos ganhos e poder de decisão das grandes transnacionais e de seus respectivos países (destacadamente os EUA), destituindo algumas das restrições que se colocavam perante o capital como a legislação ambiental, as fronteiras nacionais e as barreiras ao monopólio, além dos custos predatórios para o mundo do trabalho, têm aparecido como características desta política. Após colocarmos seus projetos em comparação com programas de implementação, tendemos a acreditar que a “cooptação”, tanto dos trabalhadores como da opinião pública, tem sido o principal aspecto do “desenvolvimento sustentável”, numa forma de procurar imprimir positividade a um processo essencialmente negativo. Bibliografia ALVES, G. (2000). O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo. ANTUNES, R. (2000). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo. AVIGNON, A; SCHEEFFER, M; VALLE, R. (2004). Análise de uma experiência exitosa de implementação de sistemas de gestão ambiental no Brasil: o papel do treinamento e capacitação. Santiago de Chile: documento preparado a pedido da CEPAL. mimeo. DIEESE. (2006). Produto 3 – estudo de caso I: pólo petroquímico (Bahia e Sergipe). Disponível em: www.dieese.org.br/projetos/mte/estudosdecaso1.pdf DOWBOR, L; IANNI, O; RESENDE, P. E. A. (1999). Desafios da globalização. Petrópolis: Editora Vozes. HARVEY, D. (1998). Condição pós-moderna. São Paulo: edições Loyola. HEIN, W. (1996). Post-fordismo y desarollo sostenible em el contexto global in modelos de desarollo y visiones del mundo. Alemanha: Societas Verlag. MÉSZÁROS, S. (2002). Para além do capital. São Paulo: Boitempo Editorial. 12 ____________ . (2007). O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial. OLIVEIRA, L. D. (2007). A construção do “desenvolvimento sustentável” sob a égide do neoliberalismo: um estudo sobre a economia política da “crise ambiental”. Trabalho apresentado no V Colóquio Marx-Engels. Disponível em: www.unicamp.br/cemarx SCHMIDHEINY, S. (1992). Mudando o rumo: uma perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente. Rio de Janeiro: Ed. FGV. 13