A CRISE DO CAPITAL E A POLÍTICA DO “DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL”
Guilherme Rezende1
Introdução – o “desenvolvimento sustentável” como projeto neoliberal
O termo “desenvolvimento sustentável” possui inúmeras conotações. Diversas
correntes tecem estudos e desenvolvem à sua maneira um conceito, definindo de
diferentes modos aquilo que seria um desenvolvimento sustentável. No entanto,
podemos observar que foi a partir de um relatório realizado a pedido da ONU – o
relatório Brundtland (1989) – que o termo ganhou uma definição que viria a se tornar
sua forma mais usual. É a partir de então que estas duas palavras, velhas conhecidas,
agora juntas iriam ganhar a notoriedade e o alcance que tem nos dias atuais.
Assim sendo, constatamos que é a partir deste relatório que se inicia uma
verdadeira “jornada” pelo “desenvolvimento sustentável”. Mas isto não exatamente por
ter sido o relatório, de certa forma, um pioneiro da idéia, e sim por ter sido o primeiro a
sintetizar a visão de uma prática política em relação ao meio ambiente (principalmente,
mas não apenas a ele), e novas diretrizes e ações que se desdobrariam a partir de então.
Como foi traçado, o “desenvolvimento sustentável”, em nosso entendendimento,
superou a barreira existente entre a realidade posta e todos os projetos anteriores das
organizações ligadas ao meio ambiente. Isto porque diferentemente dos relatórios
anteriores que traziam um novo conceito visando uma ampla transformação do
funcionamento da sociedade (vide, por exemplo, o ecodesenvolvimento de Ignacio
Sachs), desta vez, as transformações em curso é que iriam definir as linhas que seriam
escritas. Para sermos mais claros, nossa análise apontou que o “desenvolvimento
sustentável” foi elaborado visando fundamentalmente atender as novas necessidades do
capital, a pedido de suas “personificações”.
Embora propalado como sendo uma medida que, em linhas gerais, visa a
conservação do meio ambiente, nossa pesquisa afirma que, paradoxalmente, sua
implementação se mostrou exclusivamente a serviço das “personificações do capital”.
1
Graduado em Ciências Sociais pela UNESP/Araraquara. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho,
Movimentos Sociais e Sociabilidade Contemporânea, coordenado pela professora Maria Orlanda Pinassi.
E-mail para contato: [email protected].
1
Através, principalmente, de uma organização de empresários ligados a transnacionais, é
que surgiriam os principais delineamentos desta política, fomentada a partir de então.
Nesse sentido, a nosso ver a seguinte colocação de Schmidheiny representa a síntese
dessa nova política: “a pedra angular do desenvolvimento sustentável é um sistema de
mercados abertos e competitivos”.
Em suma, a o projeto do “desenvolvimento sustentável”, deve ser entendido
como uma expressão do neoliberalismo2, que, aliado à reestruturação produtiva, se
mostra como uma política voltada às demandas do capital, em crise a partir da década
de 70.
A manutenção do capital e a necessidade de uma nova política “para o meio
ambiente”
No período seguinte a estagnação da década de 70, se inicia uma série de
transformações no mundo do trabalho que visavam, fundamentalmente, a retomada das
altas taxas de lucro que o capital experimentou no boom do período pós-guerra. Esses
ganhos do capital haviam estagnado desde meados da década de 60; notadamente o
neoliberalismo e a reestruturação produtiva foram as respostas do capital a essa
estagnação. Nesse momento o capital passa a se opor à antiga “rigidez” do fordismo,
empenhando-se agora em um processo de “flexibilização” e “desregulamentação”,
desde as instâncias diretamente produtivas como também dos órgãos de decisão. Como
explica Harvey, frente à crise que se instalava, a rigidez do padrão fordista tinha de ser
substituída de acordo com as novas necessidades de acumulação do capital:
“havia problema com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de
longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de
planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes.
Havia problema de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho
(especialmente no chamado setor monopolista).” (Harvey, 1998: p.135).
Neste processo, o modelo fordista-keynesiano foi sendo substituído pelo padrão
de “acumulação flexível”, característico do modelo toyotista de produção. Uma das
características desse novo modelo é que ele
“parece implicar níveis relativamente altos de desemprego ‘estrutural’, rápida destruição
e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais e o
2
Visões semelhantes a esta podem ser encontradas em Ribeiro Sobral (in: Dowbor et al,1997), Acselrad e
Leroy (1999), Oliveira (2007) e Hein (1996).
2
retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista.”
(HARVEY, 1998: p.141).
Para István Mészáros, a situação atual de desemprego estrutural – e global – que
surge a partir da década de 70 com a nova crise do capital, reflete a destrutividade que
este sistema “sociometabólico” necessita adotar a partir deste momento. Posto que o
sistema do capital é orientado para a expansão e movido pela acumulação, quando se
põe qualquer restrição à efetivação destas, ele se mostra disposto a todo tipo de resposta,
até mesmo no sentido de uma auto-destruição anunciada, se necessário, para manter
seus ganhos econômicos. Neste sentido, Mészáros coloca que com o advento da crise, o
capital passa a avançar de maneira explosiva sob a natureza e o mundo do trabalho,
criando uma situação insustentável (Mészáros, 2002).
O autor aponta que a
“flexibilização” funciona como uma espécie de mito que esconde a realidade da
precarização do trabalho e a crescente superfluidade da mão-de-obra que se acentuam
no atual processo de globalização (Mészáros, 2007).
Também uma série de autores, entre eles Antunes (2000) e Alves (2000), tratam
da ligação existente, nesse momento, entre a precarização do trabalho e o crescente
desemprego, nos levando a crer que tanto a questão social quanto a ambiental se
agravaram nos últimos anos, em decorrência daqueles processos de reestruturação.
Este é o dramático processo que se desdobra como conseqüência das formas
contemporâneas de avanço do capital e, entre elas, como parte das políticas neoliberais,
figura-se o “desenvolvimento sustentável”, como uma política que traz severas
imposições ao mundo do trabalho. No crescente esforço do capital em “sugar” o
trabalho até a última gota, sua destrutividade recai sobre todas as esferas, inclusive a
natureza, transformando um projeto de suposta sustentabilidade em uma verdadeira
barbárie.
O processo de elaboração de um programa neoliberal para a questão ambiental
Um primeiro movimento na direção do “desenvolvimento sustentável” pode ser
apontado no encontro de dez anos do PNUMA (programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente) em 1982. Diante do perigo de que as regulamentações ambientais
pudessem se tornar um empecilho ao desenvolvimento do livre mercado, governos
neoliberais como os Estados Unidos, Inglaterra e Suiça discutiam o fortalecimento deste
órgão e possíveis ações para transformar a “agenda ambiental global”. Neste momento
3
delineou-se que o “desenvolvimento” seria a solução e não a causa da degradação
ambiental. Tirou-se desta reunião a incumbência da então primeira-ministra da Noruega,
Gro Brundtland, organizar um novo posicionamento das Nações Unidas para o meio
ambiente.
Data de 1987 a publicação do relatório Brundtland intitulado “Nosso futuro
comum”. O nome do relatório já carrega em si um dos ideários do “desenvolvimento
sustentável”: a tentativa de disseminar a idéia de que estaríamos todos juntos em prol da
natureza, numa luta comum (e colocada como a única possível). Implícito a essa idéia
esta a afirmação de que não mais existiriam países ou classes em conflito, ou seja,
nenhum antagonismo3.
Este relatório traria sintetizada a nova expressão ideológica de grupos e países
que coordenavam os braços da ONU de então4. No relatório expressou-se o avanço das
políticas neoliberais em relação ao meio ambiente: o mercado, segundo o documento, é
tido como peça fundamental para a situação de melhoria qualitativa das três esferas
tratadas: econômico, social e ambiental (Brundtland, 1989). No entanto, como não
poderia deixar de ser para o ponto de vista do capital, principalmente em tempos de
crise, a palavra de ordem do documento se torna “é preciso retomar o crescimento”.
Delineava-se
assim
a
nova
política
ambiental
para
o
neoliberalismo:
o
“desenvolvimento sustentável.
Na nova visão da ONU o impasse da degradação ambiental só pode ser
solucionado se houver crescimento econômico e inovação tecnológica. Eficiência e
desregulamentações são apresentadas como peças chave de um novo projeto para a
questão ambiental. Eficiência “pois as inovações tecnológicas são responsáveis por
garantir um melhor aproveitamento dos recursos e diminuir os custos”; e
desregulamentação pois:
3
Nas palavras de Ribeiro Sobral: “A dimensão social das políticas e programas parece ter ficado mais
‘palatável’ a muitos setores da sociedade dentro do discurso que defende o atendimento das necessidades
básicas das gerações presentes e futuras, graças ao relatório da Organização das Nações Unidas ‘Nosso
Futuro Comum’ , do que dentro das posições dicotômicas de ‘esquerda’ e ‘direita’”. (in: Dowbor et all.,
1999: p.145).
4
Recentemente a ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, assumiu a diretoria-geral da OMS,
onde foi criticada por ter uma gestão marcada por privatizações e pela “entrega” do organismo às
pretensões liberais, como consta no artigo “A OMS nos braços do mercado”, publicado pelo jornal Le
Monde Diplomatique do Brasil em julho de 2002.
4
a maioria das instituições que enfrentam esses desafios tende a ser independente,
fragmentada, com atribuições relativamente limitadas e processos de decisão fechados.
As responsáveis pela administração dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente
estão desvinculadas das que se dedicam à administração da economia. (...) é preciso que
mudem as políticas e as instituições envolvidas (Brundtland, 1989: p.11)
afinal, na visão do “desenvolvimento sustentável”, o mercado não pode de forma
alguma ser “atrapalhado” por qualquer tipo de restrição.
Os governos (assim como o GATT, órgão que até então era responsável por
regulamentações ligadas a meio ambiente e com o qual as empresas transnacionais
tinham desavenças), deveriam apenas servir de apoio ao mercado que, segundo o
relatório, teria maior capacidade de inovação e maior dinâmica para cuidar da questão
ambiental.
Mas somente com a criação do chamado BCSD (Business Council for
Sustainable Development) que o “desenvolvimento sustentável” ganharia efetivamente
um planejamento concreto. Trata-se de um conselho de empresários representantes de
algumas das maiores transnacionais do mundo – entre elas podemos citar Nestlé,
Monsanto, Volkswagen, Xerox, Mitsubishi, Shell, Unilever, 3M, Texaco, Sony, Toyota,
ALCOA, Aracruz, Du Pont, entre tantas outras – visando a elaboração de uma
“Perspectiva Empresarial Global sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente” como diz o
próprio subtítulo do livro publicado pela associação, intitulado “Mudando o Rumo”
(1992).
O BCSD – hoje WBCSD – foi criado por Stephan Schmidheiny, após ter sido
solicitado por Maurice Strong, secretário geral da CNUMAD5 (Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), que elaborasse uma perspectiva
empresarial para ser apresentada na Conferência (Schmidheiny, 1992: p. XLVII). Um
dos diretores das transnacionais ABB e Nestlé, o conselheiro da CNUMAD,
Schmidheiny, juntamente com um grupo de tantos outros empresários, acabou por ditar
os rumos da Conferência (Oliveira, 2007) conseguindo, inclusive, que além de não fazer
qualquer tipo de menção às transnacionais, a “Agenda 21”6 incorporasse uma série de
preceitos do BSCD, entre eles a internalização dos custos ambientais, permissões de
poluição negociáveis no mercado, assim como os “Princípios Florestais”, entre outros.
5
Para um trabalho mais detalhado sobre a CNUMAD ver Oliveira (2007).
6
Principal documento elaborado pela CNUMAD e que vem sendo adotado por Nações, governos
regionais, ONGs e ainda outros órgãos.
5
O livro “Mudando o rumo” do BCSD dá, de certa forma, prosseguimento às
idéias desenvolvidas em “Nosso futuro comum”, mas supera-o ao traçar as metas
políticas a serem realizadas em inúmeras esferas da realidade, tornando-se uma espécie
de manual7 – o que possibilita uma compreensão mais clara da política do
“desenvolvimento sustentável”, suas reais intenções e um estudo de como, a partir do
que foi traçado pela organização, ela vem acontecendo na prática.
Mas, ainda naquele momento, para que a nova política ambiental avançasse,
ainda seria necessário algumas modificações. Precisava-se ainda uma movimentação,
principalmente no mundo subdesenvolvido, de forte liberalização, pois sem a lógica
neoliberal “vemos poucas chances de o desenvolvimento se tornar sustentável algum
dia”, afinal, qualquer forma de controle “trabalha contra, e não com o mercado, e
enfraquece suas principais vantagens: criação de riqueza, eficiência e inovação”
(Schmidheiny, 1992: p.34). Segundo o autor, para o “desenvolvimento sustentável” é
essencial
o firme estabelecimento dos direitos de propriedade, bem como de meios para fazer
cumprir os contratos; leis de responsabilidade civil; reformas de políticas; e reforma
institucional. Os melhores instrumentos para o Sul serão os que conferirem ao setor
privado o ônus da prova de observância das medidas, uma vez que os governos tendem
a não dispor de instituições para executar esse trabalho. (Schmidheiny, 1992: p.28)
Ou ainda, na fala de Eugenio Clarion Reyes, presidente executivo do grupo
IMSA,
embora mantendo a economia de mercado, o governo precisa mudar os sinais, de modo
a possibilitar o desenvolvimento sustentável. É importante despertar o comportamento
responsável através de incentivos, como impostos sobre o consumo de energia e sobre a
água purificada, em vez dos impostos sobre o emprego e a criação de riquezas.
(Schmidheiny, 1992: p. 22).
A nova política ambiental posta pelo WBCSD é bastante ampla. Numa tentativa de
expressá-la resumidamente podemos apenas levantar alguns principais pontos:

Transformações no processo produtivo (chão de fábrica): implementações
de inovações tecnológicas que aumentam a produtividade e diminuem os custos,
poupando matérias-primas e energia (e mão-de-obra); re-utilização dos produtos
e/ou resíduos; flexibilização do trabalho; trabalho voluntário; implementação de
Sistemas de Gestão Ambiental (SGA) e ISO 1400.
7
Inclusive, os últimos capítulos do livro trazem uma série de exemplos “bem sucedidos” de
transnacionais que fomentam ações “sustentáveis”, como, por exemplo, “Aracruz Celulose: Plantio de
Eucalipto e Produção de Biomassa”.
6
 Transformações no consumo: através de selos “verdes” para os chamados
“green products”, gerar o “consumo consciente” a fim de que o consumidor dê
preferência aos produtos que atendam as normas ISO.
 Políticas ambientais que proporcionem vantagens competitivas: através do
processo de “internalização” dos custos ambientais em detrimento das taxas de
poluição; introdução de “Instrumentos Econômicos”, como as permissões de
poluição (por exemplo, o sistema de créditos de carbono), em substituição das
regulamentações taxativas impostas pelos governos.
 Reformulações dos “mercados de capitais”: transferir as decisões sobre as
questões de desenvolvimento, comércio e meio ambiente para órgãos em que os
interesses das empresas transnacionais e suas nações tenham maior poder de
decisão e controle; usar destes órgãos, ou criar novos, para que financiem as
ações e projetos “sustentáveis” das empresas8.
 Favorecimento do processo de “deslocalização”: através das políticas de
desregulamentações,
implantadas
também
pelo
funcionamento
do
“desenvolvimento sustentável”, as empresas transnacionais visam a livre
movimentação de suas instalações buscando maiores vantagens econômicas,
principalmente mão-de-obra barata.

Mudanças nas regulamentações sobre mudanças climáticas e florestais e de
biodiversidade: no que consiste a clima e florestas a política do
“desenvolvimento sustentável” age de maneira a forçar um movimento de autoregulamentações, privatizações e afastamento do controle dos Estados; para a
biodiversidade, a política passa a ser de controle do Estado e leis de patentes.
Todos estes pontos colocados, além de outros que ficaram de fora, vêm sendo
implementados pelas transnacionais ligadas ao WBCSD, na maioria das vezes com
parcerias de governos ou de órgãos como a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Entretanto, para analisarmos como acontece a implementação do projeto de
8
A International Finance Corporation (IFC), o ramo de empréstimos e investimentos no setor privado do
Banco Mundial, por exemplo, tem o seguinte lema: “promover o investimento sustentável do setor
privado nos países em desenvolvimento, auxiliando a reduzir a pobreza e melhorando a vida do povo”.
(www.ifc.org)
7
“desenvolvimento sustentável”, focalizamos as implementações ocorridas no processo
produtivo procurando encontrar suas conseqüências.
Relações entre reestruturação produtiva e “desenvolvimento sustentável”
Vejamos que, segundo David Harvey, uma das causas da substituição do modelo
keynesiano-fordista pelo toyotista, com base na reestruturação da produção, teria sido os
aumentos dos preços do petróleo por volta de 1973, mudando consideravelmente o
custo energético da produção, o que teria levado “todos os segmentos da economia a
buscarem modos de economizar energia através da mudança tecnológica e industrial”
(Harvey, 1998: p.136). Frente a essa necessidade econômica de poupar energia ou
utilizar outras fontes que não o petróleo, o movimento para chamar este processo de
“sustentabilidade” já começava a ser posto. Entre outros fatores, próprios do processo
de reestruturação – como a introdução do sistema Kanban, “Just in time”, o CEP
(Controle Estatístico do Processo), o TQC (Total Quality Control), normas ISO e
flexibilização do trabalho (terceirização da mão-de-obra, enxugamento do número de
empregados, etc) –, esta mudança ocorrida é que vai fundamentar, traçando os seus
alicerces necessários, a nova política ambiental.
Essa questão se confirma no próprio livro de Schmidheiny, ao dizer que a
revolução de qualidade (...) demonstrou a capacidade de a empresa se modificar atrelada
a objetivos que pareciam opostos – nesse caso, o aumento da qualidade e a redução dos
custos. Os instrumentos e processos utilizados nessa revolução (...) proporcionam um
alicerce sobre o qual os líderes empresariais podem construir visando a um futuro
sustentável. De fato, muitas firmas que aderiram à administração da qualidade total,
como uma filosofia de administração abrangente, encararam a excelência ambiental
como uma extensão natural desse conceito. (Schmidheiny, 1992: p.86)
No mesmo sentido de Schmidtheiny, tanto Wolfgand Hein (1996) quanto
Helena Ribeiro Sobral (1999), em suas análises, direcionam a política do
“desenvolvimento sustentável” às transformações liberais e à “acumulação flexível”.
Ribeiro Sobral, coloca que as políticas ambientais do mundo “globalizado” são
baseadas em políticas keynesianas/neoliberais, sendo fundamentadas por
novas formas de organização da produção muito mais flexíveis do que as anteriores,
baseadas no modelo fordista. Elas permitem adaptações mais eficazes às flutuações
temporais e espaciais da demanda, mas propiciam, também, um aproveitamento melhor
das vantagens locacionais dos diferentes pontos de produção, apesar do preço da força
de trabalho e a economia de tempo continuarem sendo fatores-chave para a reprodução
do capital. (...) Três conceitos essenciais foram desenvolvidos: just in time, terceirização
ou subcontratação e ‘global sourcing’”. (Sobral in Dowbor Et all. 1999: p.143)
8
Tendo uma postura completamente acrítica do processo, dando de ombros às
conseqüências mais fundamentais (como o desemprego estrutural e a crescente
superfluidade da mão-de-obra e toda insustentabilidade desta condição) a autora ainda
aponta que
pela visão neoliberal os problemas sociais e ecológicos devem ser solucionados segundo
as leis do mercado, desobrigando o estado de suas atividades de controle ambiental e
restringindo suas políticas sociais a grupos específicos. As certificações ambientais,
como as ISO 14000 e 9000, são exemplos da ‘privatização’ do controle ambiental.
(Sobral in Dowbor, 1999: p.144)
No que tange mais especificamente às transformações diretamente relacionadas
ao processo produtivo, surgem os Sistemas de Gestão Ambiental (SGA), que se baseiam
na certificação ISO 1400, cujo delineamento é um grupo de normas técnicas
relacionadas a meio ambiente. Esta nasceu no próprio setor produtivo através das
instituições de normalização que procuram substituir as regulamentações ambientais
baseadas num sistema de “controle e comando” por parte do Estado. Foi a partir do
Grupo de Consultoria Estratégica sobre Meio Ambiente, pertencente ao BCSD, o
SAGE, que surge a criação, junto a ISO, de um grupo especial para a confecção de
normas de gestão ambiental. O BCSD viria criar, posteriormente, um comitê específico
e independente na ISO; e em março de 1993, “ocorria a instalação do ISO/TC 207,
comitê técnico com a função de elaborar a série de normas de gestão ambiental
internacionais. Essas normas foram batizadas pelo nome de ISO Série 1400.” (Avignon,
2004: p.11)
Dessa maneira, elaboradas para atender os interesses das transnacionais do
BCSD, as séries ISO 1400 e o SGA viriam a se juntar às outras siglas que tomaram
conta do cenário empresarial com o advento da reestruturação produtiva: CCQs, CEP,
CAD/CAM, ISO 9000, etc.
Baseadas no que foi definido em “Mudando o rumo” por “eco-eficiência”, as
implementações de SGA visam diminuir ou reaproveitar os resíduos gerados e diminuir
o uso de matérias-primas, fazendo com que os custos de produção caiam. Mas também,
talvez seja este o ponto principal, pretendem uma modificação (toyotista) da
organização do trabalho. Uma delas aparece no que Schmidheiny chamou de “apoio e
responsabilidade pessoal do empregado”, fazendo com que os próprios empregados se
disponham, além das horas de trabalho pago, a trabalharem pela “sustentabilidade”
(1992: p.90); o que na verdade significa acreditar que estão trabalhando em prol do
9
meio ambiente enquanto, na verdade, estão trabalhando em projetos de inovação
tecnológica que, quando utilizada irá dispensar mão-de-obra. Um dos programas neste
sentido é o “WRAP” da transnacional Dow Chemical.
Outro princípio destas modificações colocadas pelo fundador do BCSD, é a
cooptação dos sindicatos a partir de metas conjuntas de “sustentabilidade” contando
com a participação de representantes junto à diretoria para que, por exemplo, como no
caso da empresa Rowe Manufacturing, sejam implementados projetos de corte de uso de
substâncias tóxicas e poluentes. Uma maneira de imprimir aos sindicatos a falsa idéia de
que eles e a empresa compartilham de interesses comuns.
Mas isto se torna ainda mais interessante para as indústrias quando a partir
destas transformações, conseguindo as vantagens de ser uma empresa “verde”,
possibilita-se a estas os benefícios dos selos “verdes”, além de financiamentos para
projetos, como estes que foram agora citados.
Um caso interessante foi o da implementação de SGAs na empresa Braskem
S.A. Um estudo encomendado pela CEPAL, realizado por d’Avignon, Scheefer e Valle
(2004), analisou como ocorreu a implementação do projeto de sistemas de gestão
ambiental nesta empresa (segundo os autores, a escolha foi feita por se tratar de uma
experiência exitosa – nos termos do “desenvolvimento sustentável” – e que serviria de
modelo para outras).
A Braskem S.A. é uma empresa do setor petroquímico, a maior da América
Latina, e controlada majoritariamente pelo grupo Odebrecht-Mariani, transnacional
vinculada ao WBCSD. Apesar de possuir quatro pólos petroquímicos pelo Brasil, a
produção da Braskem é amplamente concentrada no pólo de Camaçari, na Bahia.
Segundo o relatório, a Braskem vem implementando sistemas de gestão
ambiental desde 1997 em todas as suas unidades. Alguns dos destaques, neste estudo,
foram o aumento da produtividade e a diminuição do uso de recursos naturais e também
os reflexos no emprego.
Quanto à questão do emprego, o relatório se baseou nos dados fornecidos pela
própria Braskem para demonstrar que, além dos treinamentos “bem sucedidos” que
“qualificaram” a mão-de-obra na empresa (Avignon, 2004: p.34), houve um aumento do
número do “corpo funcional” da empresa de 2002 para 2003, demonstrando que a
implementação da “sustentabilidade” traria melhorias para o trabalho (Avignon, 2004:
10
p.36). Os dados apontados escondem os anos anteriores a 2002, e também a condição
em que se encontram esses empregos.
No entanto, um outro estudo, este sobre os pólos petroquímicos da Bahia e de
Sergipe desenvolvido pelo DIEESE e que inclui a Braskem, aponta que a partir da
década de 90, quando iniciou-se um processo de reestruturação produtiva nas regiões,
estima-se que a produção tenha se elevado em 50% e o emprego reduzido no mesmo
número (2006: p.16). Este estudo ainda aponta que “a reestruturação produtiva do pólo
de Camaçari implicou na terceirização da mão-de-obra” levando
à redução de pessoal. Assim se no auge das suas atividades, em meados da década de
1980, as empresas do pólo de Camaçari chegavam a empregar 25 mil pessoas
diretamente e três vezes mais de empregos indiretos, numa relação de um trabalhador
efetivo para cada três terceirizados ou subcontratados, hoje o número de pessoas
contratas diretamente pelas empresas do setor petroquímico no pólo é um pouco mais de
quatro mil, havendo, em contrapartida, um crescimento muito grande da terceirização9
(2006: p.17).
No estudo ainda consta que a “adoção do modelo de gestão empresarial, trouxe a
degradação das culturas organizacionais e a desintegração dos coletivos de
trabalhadores, piorando a precarização do trabalho em todos os níveis” (2006: p.19). No
entanto, mesmo com este quadro de demissões em massa e precarização do trabalho, a
empresa se enquadra agora nos parâmetros do “desenvolvimento sustentável” e seus
produtos, selados pela ISO 1400, são agora “green products”. Recentemente, pelas
informações do DIEESE, a Braskem aprovou um novo projeto de modernização que
custará R$750 milhões sendo que desse total, R$380 milhões serão desembolsados pelo
BNDES (2006: p.35).
Delineamentos conclusivos: a falsa sustentabilidade
A pesquisa realizada tem dado inúmeros apontamentos no sentido de que
“desenvolvimento sustentável” refere-se há um projeto, elaborado por governos
neoliberais e empresários pertencentes a grandes transnacionais, cujo principal objetivo
é legitimar, através da questão ambiental, uma série de conquistas bastante positivas à
9
O estudo do DIEESE também aponta os riscos da terceirização nos setores industriais como o
petroquímico, denunciando o perigo da precarização do emprego e o perigo de acidentes neste tipo de
indústria (2006: p.20). Isso talvez esclareça a utilização dos treinamentos de sistemas de gestão ambiental.
Lembrando ainda que estas ações tidas como “sustentáveis” trazem benefícios diretos à empresa como,
por exemplo, financiamentos para a implementação do próprio treinamento.
11
concentração de capitais para estes grupos. Mas as conseqüências são verdadeiramente
punitivas à esmagadora maioria da população mundial.
A prática do que foi definido como “desenvolvimento sustentável” opera como
uma forma de “conduzir” um processo que vem se aprofundando desde a década de 70:
trata-se do processo de reestruturação produtiva e as práticas políticas do
neoliberalismo. Aumento dos ganhos e poder de decisão das grandes transnacionais e
de seus respectivos países (destacadamente os EUA), destituindo algumas das restrições
que se colocavam perante o capital como a legislação ambiental, as fronteiras nacionais
e as barreiras ao monopólio, além dos custos predatórios para o mundo do trabalho, têm
aparecido como características desta política.
Após colocarmos seus projetos em comparação com programas de
implementação, tendemos a acreditar que a “cooptação”, tanto dos trabalhadores como
da opinião pública, tem sido o principal aspecto do “desenvolvimento sustentável”,
numa forma de procurar imprimir positividade a um processo essencialmente negativo.
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13
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