PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito PROVAS PROIBIDAS NO PROCESSO PENAL: GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E REFORMAS PROCESSUAIS Autor: Ígor Magalhães Gaioso Orientadora: Neide Aparecida Ribeiro ÍGOR MAGALHÃES GAIOSO PROVAS PROIBIDAS NO PROCESSO PENAL: GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E REFORMAS PROCESSUAIS Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª. MSc. Neide Aparecida Ribeiro Brasília 2009 Trabalho de autoria de Ígor Magalhães Gaioso, intitulado “PROVAS PROIBIDAS NO PROCESSO PENAL: GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E REFORMAS PROCESSUAIS”, requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada em ____ de ______ de 2009, pela banca examinadora constituída por: ______________________________ Profª. MSc. Neide Aparecida Ribeiro Orientadora _________________________________________ (nome do componente da banca com titulação) _________________________________________ (nome do componente da banca com titulação) Brasília 2009 RESUMO GAIOSO, Ígor Magalhães. Provas proibidas no processo penal: garantias constitucionais e reformas processuais. 2009. 85 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Direito)– Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009. O trabalho é estruturado em três capítulos. O primeiro traz informações básicas a respeito das provas, relacionadas ao conceito e objeto, meios, sistemas de avaliação, finalidade, destinatário, ônus da prova e principais inovações trazidas pela Lei 11.690/08. Essas informações preliminares realçam os limites do princípio da verdade real por força do modelo constitucional acusatório. O segundo capítulo trata especificamente das provas proibidas, violadoras de normas materiais (ilícitas) ou processuais (ilegítimas), sua conceituação e princípios aplicáveis, histórico da vedação no direito brasileiro, admissibilidade excepcional de tais provas pela aplicação do princípio da proporcionalidade, as provas ilícitas por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada) e suas principais exceções, além da questão da contaminação do juiz. Por fim, no último capítulo são feitas algumas considerações acerca da interceptação telefônica, analisando-se o art. 5º, XII, da CF e a Lei 9.296/96 à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, precipuamente os requisitos constitucionais e legais, a competência para decretação, o prazo da diligência, a necessidade ou não de transcrição das conversas e outras regras procedimentais. Palavras-chave: Provas ilícitas. Processo Penal. Garantia constitucional. Relatividade. Interceptação telefônica. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 5 CAPÍTULO 1 - TEORIA GERAL DO DIREITO PROBATÓRIO .................................. 7 1.1 CONCEITO DE PROVA .............................................................................................. 7 1.2 OBJETO DA PROVA ................................................................................................... 8 1.3 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS............................................................................. 10 1.4 MEIOS DE PROVA.................................................................................................... 11 1.5 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS .......................................................... 13 1.6 O DIREITO À PROVA ............................................................................................... 16 1.7 FINALIDADE E DESTINATÁRIO DA PROVA ....................................................... 17 1.8 ÔNUS DA PROVA ..................................................................................................... 18 1.9 PRINCIPAIS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 11.690/08.................................. 24 CAPÍTULO 2 - REGIME JURÍDICO DAS PROVAS PROIBIDAS .............................. 29 2.1 CONCEITUAÇÃO E PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ..................................................... 29 2.2 HISTÓRICO DA VEDAÇÃO DAS PROVAS NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO ............................................................................................................. 33 2.3 “EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO”: ADMISSIBILIDADE EXCEPCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS.................................................................................................................... 39 2.4 PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO ................................................................... 44 2.4.1 Exceção ou teoria da fonte independente (“independente source”) ..................... 49 2.4.2 Exceção ou teoria da descoberta inevitável (“inevitable discovery”) ................... 50 2.4.3 Teoria do nexo causal atenuado ........................................................................... 51 2.4.4 Exceção ou limitação da contaminação expurgada ............................................. 51 2.4.5 Exceção da boa-fé.................................................................................................. 52 2.4.6 Teoria do encontro fortuito de provas ................................................................. 52 2.5 INCIDENTE DE INUTILIZAÇÃO DA PROVA ILÍCITA ......................................... 53 2.6 CONTAMINAÇÃO DO JUIZ..................................................................................... 57 CAPÍTULO 3 - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA ................................................................................................................... 60 3.1 ASPECTOS GERAIS.................................................................................................. 60 3.2 CARACTERÍSTICAS E CONCEITOS BÁSICOS ..................................................... 60 3.3 REQUISITOS ............................................................................................................. 65 3.4 PROCEDIMENTO ..................................................................................................... 71 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 76 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 79 5 INTRODUÇÃO No processo penal, pelo fato do objeto da demanda se relacionar diretamente com os mais importantes direitos fundamentais da pessoa humana, vida e liberdade, não tendo cunho patrimonial como se dá geralmente no direito privado, assume notável importância e atenção o estudo da prova, pois o ideal da verdade real representa nada mais do que a busca por acerto e justiça nas decisões. Não obstante, até pela sua especial relevância, é um dos temas mais controvertidos do Direito, com grandes celeumas doutrinárias e jurisprudenciais, ainda mais acirradas com as inovações trazidas pela Lei 11.690/08. Como objetivos gerais da monografia, têm-se a pesquisa sobre o enfoque dado pela Constituição Federal à questão da prova ilícita, sua admissibilidade e utilização em face do ordenamento jurídico penal-constitucional. Almeja-se, analisando os dispositivos legais, bem com variadas doutrinas e decisões judiciais, explicar a essência da prova ilícita, sua caracterização do ponto de vista clássico e moderno, verificando seus reflexos no processo penal. Os objetivos específicos consistem em, resumidamente: verificar quais os limites e as possibilidades da exegese do artigo 5º, inciso LVI da CF/88, em face da garantia da amplitude probatória; caracterizar as provas com base nas alterações trazidas ao Código de Processo Penal pela Lei 11.690/08; abordar o posicionamento da jurisprudência e da doutrina pátrias, com as variadas decisões e opiniões, determinando as consequências decorrentes da utilização no processo de prova ilegalmente obtida, inclusive a questão da contaminação do juiz; e, por fim, tecer algumas considerações sobre a mais “problemática” das provas, a interceptação telefônica. O trabalho encontra-se dividido em três capítulos, sendo apresentada inicialmente a teoria geral do direito probatório, depois se analisa o regime das provas proibidas e, por fim, aborda-se uma usual prova ilícita em espécie, a interceptação telefônica. Percebe-se que partese de um aspecto geral para assunto mais específico, de modo que, estruturalmente falando, foi utilizado o método dedutivo. Não se trata de simples análise das provas, mas sim de um estudo focado essencialmente nos direitos e garantias individuais, a forma de resolução de conflitos entre elas, relativizando uns para se evitar a exclusão de outros, chegando-se a uma solução mais racional e justa possível. 6 Inicialmente, no primeiro capítulo, são apresentadas normas gerais acerca das provas, consistentes em seu conceito e objeto, a classificação, os meios, os sistemas de avaliação, a finalidade e o destinatário, o ônus da prova e as principais inovações trazidas pela Lei 11.690/08. Depois de abordar tais aspectos essenciais, passa-se à análise do tema propriamente dito, ou seja, a regulamentação legal das provas vedadas. Neste segundo capítulo, as principais distinções entre provas ilícitas e ilegítimas são traçadas, conforme proposto pela doutrina clássica, analisando também o novo conceito legal de provas ilícitas trazido pela Lei 11.690/08, bem como a possível eliminação da finalidade prática na distinção, tendo em vista o efeito processual uniforme trazido pela nova lei: inadmissibilidade e desentranhamento. Diante da relatividade dos direitos fundamentais, há limitações à vedação das provas ilícitas, de modo que a aplicação do princípio da proporcionalidade se faz necessária como inibidor de injustiças, abordando-se tanto a pacífica incidência a favor do réu como desdobramento do direito de defesa quanto a controvertida utilização pro societate. Ademais, a questão da prova ilícita por derivação é objeto de investigação, em razão de sua importância e aplicabilidade no direito brasileiro, ainda mais agora, com o advento da Lei 11.690/08, em que há expressa previsão legal desse instituto. Destaca-se, todavia, que a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada (ilicitude derivada) não é irrestrita e absoluta, havendo exceções, legais ou meramente doutrinárias, admitidas ou não pelos tribunais brasileiros, que merecem ser abordadas, tais como a fonte independente e a descoberta inevitável, entre outras. Relevante também é o problema, não resolvido, da contaminação do juiz, ou seja, as consequências processuais geradas quando o juiz da causa toma conhecimento de provas ilícitas, as quais, embora involuntariamente, influem no juízo de valor do magistrado. Por fim, no último capítulo, breves considerações a respeito da interceptação telefônica serão tecidas, em razão da mácula de ilicitude que constantemente incide sobre ela, sendo importante o delineamento de seus requisitos constitucionais e legais, traçando a tênue linha, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que separa a legalidade e a ilegalidade de referido meio de prova. 7 CAPÍTULO 1 - TEORIA GERAL DO DIREITO PROBATÓRIO 1.1 CONCEITO DE PROVA Qualquer decisão humana, qualquer que seja o ambiente em que tenha sido proferida, é resultado de um convencimento produzido a partir do exame de diversas circunstâncias; é baseada em diversos elementos de prova1. O processo, como instrumento da jurisdição, destina-se a aplicar o direito a uma situação jurídica controvertida posta em juízo. A aplicação deste, todavia, depende da existência ou verificação de fatos. Prova vem do latim proba, de probare (demonstrar, reconhecer, formar juízo de), entende-se, assim, no sentido jurídico, a denominação que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico.2 Segundo Carnelutti, o vocábulo prova é plurissignificante, possuindo três acepções: a) Prova como atividade probatória: é o próprio ato de provar a existência ou inexistência de certo acontecimento; b) Prova como meio: são os meios de prova utilizados para se alcançar a verdade processual. c) Prova como resultado: convencimento gerado no julgador. Sentido subjetivo da prova.3 O direito à prova é visto como direito fundamental, derivado do princípio do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, esclarece Marinoni que o objetivo central da garantia do contraditório não é a defesa em sentido negativo, mas sim a possibilidade de influir diretamente no desenvolvimento e resultado da demanda.4 Assim, o direito à prova (right of evidence) é o resultado da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo. É, desta forma, desdobramento do devido processo legal, direito instrumental que objetiva uma tutela jurisdicional justa. _________________ 1 DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2009. v. 2, p. 17. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1125. 3 GOMES, Luiz Flávio. A prova no processo penal: comentários à Lei no 11.690/08. São Paulo: Premier Máxima, 2008. p. 10. 4 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas de processo civil. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 258-259. 2 8 Todavia, como todo direito fundamental, não se reveste de caráter absoluto, devendo ser interpretado de forma harmônica (concordância prática) com outras garantias constitucionais, notadamente com a vedação de provas ilícitas. 1.2 OBJETO DA PROVA Segundo a doutrina clássica, os fatos da causa compõem o objeto da prova (thema probandum). Todavia, a doutrina moderna, tais como Dinamarco, Marinoni e Arenhart, nega essa conclusão, afirmando que os fatos existem ou inexistem, aconteceram ou não aconteceram, sendo insuscetíveis dessas adjetivações. As alegações, sim, é que podem ser verazes ou mentirosas, de modo que elas que devem ser provadas. Deixando de lado este aspecto meramente teórico, pode se dizer, mais especificamente no processo penal, que deve ser objeto de prova não só o fato criminoso e sua autoria, como todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que possam influir na responsabilidade penal e na fixação da pena ou na imposição de medida de segurança. Costuma-se definir certos fatos que não precisam ser provados, conforme estabelecido no art. 334 do CPC: a) Fatos axiomáticos (ou intuitivos), evidentes por si mesmos. A evidência nada mais é do que um grau de certeza que se tem dos conhecimentos sobre algo. Nesses casos, se o fato é evidente, a convicção já está formada, logo, não carece de prova. b) Fatos presumidos. Presumir é tomar como verdadeiro um fato, independentemente de prova, levando-se em conta aquilo que em geral acontece. As presunções legais independem de prova porque são conclusões decorrentes da própria lei, ou, ainda, o conhecimento que decorre da ordem normal das coisas. Distingue-se a presunção absoluta (juris et de jure), que não admite prova em contrário, da presunção relativa (juris tantum), que pode ser afastada quando há prova que a contradiz. c) Fatos notórios (aplica-se o princípio notorium non eget probatione, ou seja, o notório não necessita de prova). São fatos notórios aqueles cujo conhecimento 9 integra a cultura normal, a informação dos indivíduos de determinado meio.5 Não se confunde a notoriedade do fato com o conhecimento do juiz; um fato pode ser do conhecimento deste e não ser notório. d) Fatos inúteis, irrelevantes ou impertinentes (princípio frustra probatur quod probantum non relevart) são os fatos, verdadeiros ou não, que não influenciam na solução da causa, na apuração da verdade real. O mesmo ocorre com os fatos imorais, aqueles que, em razão de seu caráter criminoso, inescrupuloso, ofensivo à ordem pública e aos bons costumes, não podem beneficiar aquele que os pratica. Estes, do mesmo modo, não ensejam produção probatória. Interessante esclarecer que, diferentemente do que ocorre no processo civil, no processo penal não se exclui do objeto da prova o chamado fato incontroverso (também chamado fato admitido ou aceito, porque admitido pelas partes), em razão do princípio da verdade real, segundo o qual “[...] o julgador deve chegar à verdade dos fatos tais como ocorreram historicamente e não como queiram as partes”.6 Além disso, o fato probando precisa ser determinado, ou seja, definido em suas circunstâncias de tempo e lugar. O direito precisa ser provado? Em razão do brocardo juria novit curia (o juiz conhece o direito), geralmente regras jurídicas independem de prova. Todavia, nos termos do art. 337 do CPC, “a parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz”. Percebe-se, claramente, que o juiz é obrigado a conhecer somente o direito federal. Em relação à fato ocorrido no estrangeiro, como se dá a atividade probatória? Nos termos do art. 13 da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei 4.657/42), “a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça”. Adequando-se ao atual sistema de provas, melhor seria falar, em razão da admissibilidade de provas atípicas, de provas que não sejam ilícitas ou moralmente reprováveis no ordenamento jurídico brasileiro. _________________ 5 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva. 1988. v. 1, p. 269. 10 1.3 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS Inúmeras são as classificações da prova trazidas pela doutrina. Quanto ao objeto pode ser direta, quando por si demonstra o fato; ou indireta, quando alcança o fato principal por meio de um raciocínio lógico-dedutivo, levando-se em consideração outros fatos de natureza secundária, porém relacionados com o primeiro. Exemplo clássico de prova indireta é o indício, previsto no art. 239 do CPP. Em razão de seu efeito ou valor, a prova pode ser plena, completa, convincente, necessária para a formação de um juízo de certeza no julgador, como por exemplo, a exigida para a condenação. Do contrário, pode ser não plena ou indiciária, tratando-se de prova que traz consigo um juízo de mera probabilidade, vigorando nas fases processuais em que não se exige um juízo de certeza, como na decisão de pronúncia, em que vigora o princípio in dubio pro societate. Esta traz uma possibilidade de procedência da alegação (suficiente para medidas preliminares como arresto, seqüestro, prisão preventiva, apreensão etc.). Entre essas últimas destaca-se, por exemplo, a chamada prova prima facie, também chamada prova de primeira aparência ou por verossimilhança, a qual deixa desde logo no espírito do juiz a convicção da veracidade de um fato embora possa ser infirmada por outras provas. Para exemplificar: se uma pessoa indefesa, à noite, dentro da própria casa, mata um ladrão contumaz, que arrombou uma janela, prima facie, isto é, à primeira vista, tudo convence de que o homicídio foi praticado em legítima defesa7. São elas indicadas na nossa lei como “indícios veementes”, “indícios suficientes”, “fundadas razões” e outras expressões semelhantes. Relativamente ao sujeito ou causa, as provas podem ser reais, sendo aquelas que consistem em uma coisa ou bem exterior e distintas do indivíduo, e que atestam dada afirmação (a arma, o lugar do crime, o cadáver, as pegadas, as impressões digitais etc.); ou serão pessoais, aquelas que encontram a sua origem na pessoa humana, consistente em afirmações pessoais e conscientes, que exprimem o conhecimento subjetivo e pessoal atribuído a alguém, como as realizadas através de declaração ou narração do que se sabe (o interrogatório, os depoimentos, as conclusões periciais). Já quanto à forma ou aparência, a prova é testemunhal, quando resultante do depoimento prestado por sujeito estranho ao processo sobre fatos de seu conhecimento 6 7 FENECH, Miguel. El processo penal. 4. ed. Madrid: Ed. Agesa, 1982. p. 107. TORNAGHI, 1988, p. 271. 11 pertinentes ao litígio; documental, produzida por meio de documentos (escritos públicos ou particulares); e material, quando obtida por meio químico, físico ou biológico (exames, vistorias, corpo de delito etc.). Por último, quanto a sua preparação, as provas podem ser casuais (ou simples), que são aquelas que se produzem no curso da demanda; ou preconstituídas, que são preparadas previamente, através de documentos públicos ou particulares, utilizadas normalmente em demandas nas quais é vedada a dilação probatória, com os remédios constitucionais do habeas corpus e do mandado de segurança, nos quais o direito deve ser certo e documentalmente comprovado na propositura da ação. 1.4 MEIOS DE PROVA Para alcançar o objetivo maior de formar o convencimento do magistrado, as partes terão que apresentar elementos que possibilitem tal convicção, valendo-se, para isto, dos chamados meios de prova (provas em espécie). Em primeiro lugar, a título de esclarecimento, convém salientar que o meio de prova compreende tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à demonstração da verdade que se busca no processo; são as coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou demonstrar a verdade: a prova documental, a pericial, a testemunhal etc. Como é sabido, vigora no direito processual brasileiro o princípio da verdade real, de tal sorte que não há de se cogitar de limitação à prova (salvo exceções), sob pena de se frustrar o interesse estatal na justa aplicação da lei. A busca da verdade material ou real, que preside a atividade probatória do juiz, exige que os requisitos da prova em sentido objetivo se reduzam ao mínimo, de modo que as partes possam utilizar-se dos meios de prova com ampla liberdade. Visando o processo penal o interesse público ou social de repressão ao crime, a limitação desarrazoada à prova prejudica a obtenção da verdade real e, portanto, a justa aplicação da lei penal. A investigação deve ser a mais ampla possível, já que tem como objetivo alcançar a verdade do fato, da autoria e das circunstâncias do crime. Nada impede, 12 portanto, que se utilizem provas obtidas por meios técnicos ou científicos, como gravações em fita magnética,8 fotos, filmes, videofonograma etc., desde que obtidas licitamente. Em razão do princípio da liberdade das provas, os meios de prova não podem restringir-se a uma enumeração taxativa e inalterável.9 Nos termos do art. 332 do CPC, plenamente aplicável ao processo penal, por força de seu art. 3º, e mais ainda pelo princípio da verdade real, “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”. Desse modo, pode-se falar em provas típicas, que são aquelas previstas expressamente do estatuto processual penal (exame do corpo de delito perícias em geral; confissão; depoimento do ofendido; inquirição de testemunhas; reconhecimento de pessoas e coisas; acareação; documentos e indícios. A busca e apreensão é medida cautelar e o interrogatório tem sido mais visto como meio de defesa, embora possa consistir em meio de prova). Por outro lado, existem as provas atípicas, as quais, mesmo não tendo previsão legal, são plenamente válidas, tais como a prova cibernética e a prova emprestada.10 Prova emprestada é aquela formada/produzida em uma determinada relação jurídica processual e transplantada para outro processo, por economia processual, tendo a vista a relevância daquela também para o processo “receptor”. Embora originariamente possa ser testemunhal ou pericial, no momento em que é transportada para o novo processo, passa a constituir mera prova documental.11 Todavia, regra geral, exigem-se dois requisitos para a correta utilização de tal meio probatório, quais sejam: originada entre as mesmas partes e sob o crivo do contraditório. Interesse é o julgado abaixo: RE 328138 / MG - MINAS GERAIS RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 16/09/2003 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: [...] III. Prova emprestada e garantia do contraditório. A garantia constitucional do contraditório - ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural - é o obstáculo mais freqüentemente oponível à admissão e à valoração da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não tenha sido parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo, se se cuida de prova que - não fora o seu traslado para o processo - nele se devesse produzir no curso da instrução _________________ 8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 69.204-4-SP. 1ª Turma. Relator: Ministro Carlos Velloso. DJ, 4 set. 1992. p. 14.092. 9 GOMES, 2008, p. 12. 10 DIDIER JR, 2009, v. 2, p. 49. 11 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 266. 13 contraditória, com a presença e a intervenção das partes. Não é a hipótese dos autos: aqui o que se tomou de empréstimo ao processo a que respondeu co-ré da recorrente, foi o laudo de materialidade do tóxico apreendido, que, de regra, não se faz em juízo e à veracidade do qual nada se opõe.12 Referido princípio da liberdade probatória, a que se refere a doutrina, não é, porém, absoluto, pois quando a lei exigir que a prova se faça deste ou daquele modo, é assim que a prova terá que ser realizada. Tal é o exemplo constante do art. 155 do Código de Processo Penal, ao dispor que a prova quanto ao estado das pessoas será efetuada conforme estabelece a lei civil. Assim, por exemplo, o casamento prova-se pela certidão do registro (art. 1.543 do CC/2002) e, por isso, as agravantes previstas nos artigos 61, II, “e”, e 226, II, do CP, só podem ser reconhecidas com a juntada aos autos do citado documento.13 Também a prova de que o acusado era menor ao tempo do crime, para fins da atenuante (art. 65, I, do CP) ou redução do prazo de prescrição (art. 115, do CP) exige certidão de nascimento, conforme dispõe a Súmula nº 74 do STJ: “Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.” Coerente com essa linha de raciocínio, a lei prevê também uma questão prejudicial obrigatória no processo penal se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia que o juiz repute séria e fundada sobre o estado civil das pessoas, nos termos do art. 92, caput, do CPP. Mais recente limitação ao referido princípio é a vedação trazida pela nova redação do art. 155 do CPP, segundo o qual o juiz não pode basear sua convicção tão-somente em elementos informativos colhidos durante o inquérito, situação que será melhor abordada em momento oportuno. 1.5 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS Por sistemas de avaliação de provas há de se entender o critério utilizado pelo magistrado para formar o seu convencimento, ou seja, em que ou como se dará a fundamentação de determinada decisão. _________________ 12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 328138 / MG - MINAS GERAIS. Primeira Turma. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 16/09/2003. DJ, 17 out. 2003. p. 21. 13 Nesse sentido: RT 502/337, 520/432, 532/382, 550/313, 561/366, RF 258/389, RJTJERGS 183/56, JTAERGS 63/58, JTACrSP 34/272, 40/260, 47/345, 52/251, 87/364. Contra, c/ voto vencido: RT 635/343-9. 14 Três são os principais sistemas de apreciação de provas instituídos hodiernamente pelas legislações em todo o mundo: o da certeza moral do juiz ou sistema da íntima convicção, o da certeza moral do legislador ou sistema da prova legal e o sistema da persuasão racional ou livre convencimento motivado. Pelo sistema da certeza moral do juiz ou íntima convicção, fica a cargo do magistrado decidir sobre o valor das provas produzidas, sua admissibilidade e seu carreamento aos autos. Este sistema estabelece que o juiz encontra-se livre para avaliar as provas, tornando-se, por isso mesmo, desnecessária a motivação de sua decisão. No ordenamento jurídico pátrio encontra-se resquício deste modo de avaliação da prova nos julgamentos efetuados perante o Tribunal do Júri, eis que os jurados (que integram o conselho de sentença) julgam por íntima convicção, não sendo necessária a fundamentação. O mero sim ou não dado como resposta aos quesitos formulados é suficiente para a decisão dos juízes leigos. No sistema da prova legal ou íntima convicção do legislador, é a própria lei que impõe ao julgador o valor a ser conferido a cada prova e institui hierarquia entre elas, não dando, assim, margem de escolha ao juiz. A lei impõe ao magistrado o rigoroso acatamento de regras pré-estabelecidas, não deixando qualquer margem de discricionariedade para emprestar-lhe maior ou menor importância. Não existe convicção pessoal do magistrado na valoração do contexto probatório, mas obediência estrita ao sistema de pesos e valores impostos pela lei. Há um verdadeiro tarifamento de provas, sendo que o juiz é um mero aplicador da lei. Desse sistema se origina o absurdo brocardo testis unus, testis nullus, segundo o qual o depoimento de uma só testemunha, por mais detalhado e verossímil que seja, não tem qualquer valor. Esse sistema somente vigora no direito pátrio como exceção, em hipóteses como, por exemplo, as dos arts. 158 (quando a infração deixar vestígios, nem a confissão do acusado supre a falta do exame de corpo de delito, estando o juiz limitado à prova pericial) e 155, parágrafo único, (estado de pessoas somente se prova mediante certidão, não se admitindo a prova testemunhal). Como estado de pessoas entende-se prova de nascimento, filiação, idade e casamento, que requerem comprovação documental (art. 62 do CPP e Súmula 74 do STJ). Exemplo desse sistema de avaliação de prova imperava durante a Idade Média, em que se atribuía mais valor ao depoimento de um padre que ao de um homem sem vivência religiosa, mais valor era dado ao depoimento de um homem em detrimento do testemunho de uma mulher etc. O sistema, porém, hoje predominante adotado pelo Código de Processo Penal, nos termos do artigo 155, é o do livre convencimento motivado, também nominado sistema da 15 persuasão racional. Aludido sistema estabelece que é permitido ao magistrado valorar livremente as provas produzidas pelas partes, sendo certo que todas as provas são relativas, até mesmo a confissão, não tendo, por isso mesmo, nenhuma delas valor decisivo ou maior prestígio sobre as demais. Com base nesse sistema, conceitos como rainha das provas (confissão) ou prostituta das provas (testemunhas) caem por terra, diante da falta de hierarquia entre as provas. Algumas características presentes no ordenamento jurídico brasileiro comprovam a adoção de tal teoria: na prova pericial, o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte (art. 182 do CPP), o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova e, para a sua apreciação, o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância (art. 197 do CPP). Também a Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, apesar de ser mera interpretação doutrinária, não ostentando caráter normativo, ao discorrer sobre as provas, estabelece que:14 O projeto abandonou radicalmente o sistema chamado de certeza legal, de modo que não é prefixada uma hierarquia de provas. A própria confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vis legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra. (grifo nosso) Sobre o tema ora em apreço, salienta Mirabete que fica claro, porém, que o juiz está adstrito às provas carreadas aos autos, não podendo fundamentar qualquer decisão em elementos estranhos a eles: o que não está nos autos não está no mundo (quod non est in actis non est in mundo), o que diferencia da teoria da intíma convicção.15 Seus domínios são exclusivamente os das provas do processo, porém, na eleição ou avaliação delas, ele é livre, guiando-se pela crítica sã e racional: a lógica, o raciocínio, a experiência etc., conduzindo-o nesse exame e apreciação.16 Por isso se fala no princípio da persuasão racional na apreciação da prova.17 Assim, o magistrado ficará cingido à sua própria consciência pela livre apreciação da prova produzida, apenas devendo fundamentar sua decisão, exigência, inclusive, estatuída pela Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso IX. _________________ 14 BRASIL. Código de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 625/630. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 266. 16 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 91. 17 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 191, 348-9. 15 16 Nesse sentido, a Exposição de Motivos do Código de Processo Penal18 esclarece que “[...] nunca é demais, porém, advertir que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre dos preconceitos legais, mas não está dispensado de motivar suas decisões”. 1.6 O DIREITO À PROVA Diz-se que o procedimento probatório configura o conjunto de atos praticados pelas partes com vistas à formação do convencimento do magistrado, tendendo, assim, a estabelecer a certeza dos fatos da lide.19 Este procedimento divide-se em quatro distintas fases, a saber: proposição das provas; admissão das provas; produção das provas e valoração das provas. A proposição das provas é a indicação de provas, pelas partes, no instante da postulação em juízo (arts. 41 e 396-A do CPP). A admissão da prova ocorre quando o magistrado manifesta-se sobre a admissibilidade do meio de prova, verificando se a prova proposta pela parte é legal ou, ainda que atípica, se é ela moralmente legítima, do contrário será inadmissível no processo, como a seguir será estudado. Por sua vez, a produção se dá quando as partes submetem as provas indicadas ao crivo do contraditório. A valoração da prova encerra o momento final do procedimento probatório, quando o juiz apreciará e valorará as provas na sentença, motivando sua decisão. A doutrina faz importante observação, no que se refere ao problema da admissibilidade ou não da prova ilegal no Processo Penal, quer seja ilícita ou ilegítima, no Processo Penal, como se evidencia a seguir, em comentário de Paulo Rangel: [...] se houver admissibilidade de prova ilegal (ilícita ou ilegítima) a sentença não poderá valorá-la. Se o fizer, será nula de pleno direito. Pois, flagrante será o ERROR IN PROCEDENDO. Porém, se a valoração for de direito e se calcar em provas legais e moralmente legítimas e houver erro, será de julgamento (ERROR IN 20 JUDICANDO), admitindo a reforma ou modificação da decisão. Deste modo, tem-se que a liberdade da prova, esta entendida como o direito que têm as partes de provar, por qualquer meio idôneo e legítimo, os fatos que alegam, não é irrestrita, encontrando limitações impostas pela Constituição e por leis infraconstitucionais. Destarte, _________________ 18 BRASIL, 2007, p. 625/630. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 279. 20 RANGEL, p. 281. 19 17 embora o direito à prova seja assegurado constitucionalmente, observa-se que não é este um direito absoluto. Paulo Rangel assevera que esta limitação à liberdade probatória encontra fundamento quando a lei, ponderando valores, vem a considerar certos interesses de maior valor que a simples prova de determinado fato.21 Neste sentido, os princípios constitucionais de proteção e garantia da pessoa humana estariam a impedir que a busca da verdade se dê mediante meios que fossem reprováveis dentro de um Estado Democrático de Direito. No Código de Processo Penal, pode-se arrolar como exemplo desses limites probatórios o impedimento para depor de pessoas que devam guardar segredo em razão de sua função, ofício, ministério ou profissão (norma insculpida no art. 207 do CPP). Por isso mesmo a prova não pode ser coletada de modo absoluto, extrapolando direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Assim, proíbe-se a utilização, no processo, das provas científicas que possam vir a atingir a integridade da pessoa humana, vedando-se, por essa razão, a utilização da hipnose, do detector de mentiras ou qualquer tipo de tortura, com vistas à obtenção da confissão do acusado. Outro aspecto que também merece ser considerado diz respeito às regras morais, dentro das quais deve se reger o processo, a atividade do juiz e das partes litigantes. Tanto é assim que o artigo 332 do Código de Processo Civil estatui que os meios de prova considerados moralmente legítimos, inobstante não discriminados em lei, serão hábeis a provar os fatos da causa. No Processo Penal, ante o fato de estar em jogo a liberdade do acusado, torna-se ainda mais necessária a imposição de limites aos meios de prova. Assim, é certo que a observância de regras preestabelecidas e de um rito anteriormente determinado constitui, sem dúvida alguma, valor de garantia para o indivíduo que se vê processado. O limite do direito à prova, como se verifica, é uma espécie de parâmetro do qual a atividade probatória não pode afastar-se, sob pena de ilicitude ou ilegalidade da prova colhida com infringência à limitação. 1.7 FINALIDADE E DESTINATÁRIO DA PROVA _________________ 21 RANGEL, p. 252. 18 Calamandrei esclarece que existem basicamente três teorias que buscam explicar a finalidade das provas: a) a prova busca esclarecer a verdade; b) a prova visa fixar os fatos postos no processo; c) a prova objetiva convencer o juiz, levando-o a alcançar a certeza necessária a sua decisão.22 A primeira é equivocado porque a verdade propriamente dita, ontologicamente falando, não pode ser alcança numa relação processual. A segunda liga-se o sistema tarifado ou da certeza legal, abandonado nos dias atuais. Assim, a convicção do juiz sobre os fatos da causa é o objetivo da prova. Vicente Greco Filho sintetiza que no processo, a prova não tem um fim em si mesma (instrumental) ou um fim moral e filosófico; sua finalidade é prática, qual seja: convencer o juiz.23 Diante disso, infere-se facilmente que o juiz é o destinatário principal e direto das provas. Todavia, estas também são dirigidas indiretamente às partes, para que possam exercer o direito de contraditório e se conformarem com a decisão. 1.8 ÔNUS DA PROVA Antes de abordar o assunto, é importante discorrer sobre os sistemas processuais, assim entendidos as “[...] categorias compostas de normas e princípios fundamentais que lhes dão contornos”.24 São três os sistemas básicos: a) Inquisitivo – tem suas raízes no Direito Romano, apresentando como características básicas: não há separação das funções do processo, hierarquização da jurisdição, presença do inquisidor, o acusado é mero objeto de investigação, não sendo sujeito de direitos, impera o sistema das provas legais e o processo é escrito, secreto e se desenvolve por impulso oficial. Atualmente não existem mais defensores desse sistema; b) Acusatório – origina-se na Grécia e Roma, sendo suas principais características: separação das funções de acusar, defender e julgar (actum trium personarum), o _________________ 22 23 apud DIDIER JR, 2009, v. 2, p. 72. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p. 182. 19 acusado é sujeito do processo, com direitos e garantias, impera o sistema do livre convencimento motivado, o procedimento se desenvolve publicamente, sobre o crivo do contraditório. Para a maioria da doutrina, bem como para o Supremo Tribunal Federal, este é o sistema por nós adotado. c) Misto – também conhecido como sistema napoleônico ou inquisitório reformado. Há uma fase preliminar, de natureza inquisitiva, na qual o magistrado age com a polícia judiciária e uma fase judicial de natureza acusatória. Para alguns, notadamente Guilherme Nucci e Rogerio Lauria Tucci, este é o sistema adotado no Brasil, em razão de determinadas características de nosso ordenamento, tais como: inquérito policial inquisitivo, possibilidade de o juiz produzir prova ou decretar a prisão de ofício. Para maioria são exceções que não infirmam a regra, apenas, a confirma. Ônus é o encargo atribuído à parte para que realize determinada atividade, sob pena de gerar-se uma situação jurídica de desvantagem, ou, no dizer de Gustavo Badaró, “[...] é posição jurídica na qual o ordenamento jurídico estabelece determinada conduta para que o sujeito possa obter um resultado favorável”.25. Não é dever ou obrigação. Divide-se o ônus da prova em duas modalidades: a) ônus subjetivo ou formal, que consiste em regra dirigida às partes, indicando quais os fatos que a cada um incumbe provar; b) ônus objetivo ou material, entendido como regra de julgamento, que estabelece como o magistrado deverá julgar caso não encontre a prova dos fatos, ou melhor, qual das partes deverá suportar os prejuízos advindos de uma inexitosa atividade probatória. Barbosa Moreira esclarece que o ônus subjetivo é regra de conduta para as partes, enquanto que o ônus objetivo é a regra de julgamento a ser aplicada pelo magistrado em caso de insuficiência de provas, em razão da vedação do non liquet (art. 126 do CPC).26 É justamente na ausência de provas que reside a importância da distinção, pois a regra de julgamento se dará nos termos da repartição subjetiva do ônus de provar. Apresentados tais conceitos, passa-se a analisar as teorias sobre o ônus da prova, notadamente sob o aspecto subjetivo ou formal.27 1) Teoria de Jeremy Bentham: a obrigação de provar deve ser imposta a quem tiver condições de satisfazê-la. São os primeiros sinais da teoria dinâmica; 24 GOMES, 2008, p. 19. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 173. 26 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 74-75. 25 20 2) Teoria de Bethmann-Hollweg: o direito (não os fatos) deve ser provado por quem o alegar; 3) Teoria de Gianturco: deve produzir prova aquele que dela auferir vantagem 4) Teoria de Betti, Carnelutti e Chiovenda: o autor deve provar os fatos que fundam sua pretensão e o réu deve provar fato que baseie suas exceções. É a própria divisão estática adotada pelo CPC, o qual, em seu art. 333, dispõe que: O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Trata-se de uma distribuição estática do ônus da prova, feita abstrata e genericamente, sem analisar as peculiaridades do caso concreto. Acontece que nem sempre autor e réu têm condições de atender a esse ônus probatório rigidamente distribuído, ocasionando-se, muitas vezes, prova impossível ou muito difícil de ser produzida, conhecida na doutrina como prova diabólica, ou, no dizer de Marinoni28, situação de inesclarecibilidade, o que, em suma, representa um julgamento injusto. 5) Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova: idealizada por Jorge W. Peyrano e Augusto M. Morello, segundo a qual, baseando-se nos princípios da solidariedade e da cooperação, para a adequada definição do ônus probatório é necessário levar em conta as circunstâncias do caso concreto, impondo-se a atuação probatória a quem tiver maiores condições de produzi-la. Apresenta como principais características: o encargo não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas, sim casuisticamente; a distribuição é dinâmica, não importando se é autor ou réu, sendo também irrelevante a natureza do fato probando, se constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito. Apesar do CPC não conter regra explícita a respeito, alguns doutrinadores, numa interpretação sistemática da legislação processual, entende que a teoria das cargas probatórias dinâmicas decorre dos princípios da igualdade, lealdade, boa-fé, veracidade e solidariedade como o órgão judicial. Entretanto, seus defensores esclarecem que se trata de sistema excepcional, a ser empregado exclusivamente nas situações em que a distribuição estática e legal não for 27 SOUZA, Wilson Alves. Ônus da prova: considerações sobre a doutrina das cargas probatórias dinâmicas. Revista Jurídica dos Formandos em Direito da UFBA, Salvador, v. 6, p. 247-248, 1999. 28 MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 7-8. 21 adequada. Assim, não pode ser utilizada apenas para compensar a inércia do litigante inicialmente onerado, mas única e tão-somente, para evitar a probatio diabolica. Mais especificamente sobre o processo penal, alguns comentários merecem ser feitos, visto que no processo penal o objetivo não é apenas alcançar a paz entre os litigantes, mas atingir, se possível, a verdade e a justiça. Para a maioria da doutrina, baseada no art. 156, o qual dispõe que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, bem como nas influencias do direito processual civil, a distribuição estática é a mais adequada, de modo que cabe à acusação a demonstração da autoria e materialidade (fatos constitutivos), cabendo ao réu demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos (prescrição, decadência, excludentes de ilicitude e culpabilidade). Nesse sentido é a posição de Guilherme de Souza Nucci, Eugênio Pacelli de Oliveira, Julio Fabbrini Mirabete, Denilson Feitoza Pacheco, José Frederico Marques, Helio Tornaghi e Fernando da Costa Tourinho Filho. Nesse sentido parece ser a posição do Supremo Tribunal Federal: HC 94237 / RS - RIO GRANDE DO SUL Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento: 16/12/2008 Órgão Julgador: Primeira Turma ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. ORDEM DENEGADA. I - Não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. II Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa. III - A qualificadora do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial. IV Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. V - A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. VI - Hipótese que não guarda correspondência com o roubo praticado com arma de brinquedo. VII - Precedente do STF. VIII - Ordem indeferida.29 Todavia, o ônus maior é da acusação, que deve demonstrar o fato constitutivo de infração legalmente punível, conforme se observa do julgamento do HC 73.338, em 19/12/1996, de relatoria do Ministro Celso de Mello: A exigência de comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus processual concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado de liberdade que se reconhece às pessoas em geral. [...]. Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete _________________ 29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 94237 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Primeira Turma. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento: 16 dez. 2008. DJ, 20 fev. 2009. p. 1185. 22 ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5).30(grifo nosso) Por outro lado, alguns defendem, em nome do principio da não-culpabilidade (estado de inocência) e do in dubio pro reo, que não há ônus subjetivo para o acusado no processo penal, de modo que mesmo os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito incumbem ao sujeito da acusação, o qual, se não conseguir afastá-los, implicará em absolvição do réu. Nesse ponto, questão polêmica que não pode deixar de ser abordada é a que diz respeito aos poderes instrutórios do juiz no processo penal. Costuma-se falar em verdade formal ou processual e verdade real. Aquela seria decorrente de mera presunção legal, em que o juiz fica numa posição mais inerte, incumbindo às partes o ônus da prova, como se dá geralmente no processo civil. Esta, por outro lado, muito utilizada no processo penal, é a verdade investigada e provada, a verdade histórica, a verdade propriamente dita, na qual se tem presente a característica inquisitiva na produção da prova. Eugênio Pacelli enfatiza que toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.31 Apesar do maior poder instrutório do magistrado no processo penal, este encontra certos limites. O primeiro, sem duvida, é o da imparcialidade, de modo que modo que o magistrado deve agir sempre de maneira supletiva, jamais assumindo a posição de parte, acusando ou defendendo, tendo como meta sempre o esclarecimento mais completo e rigoroso dos fatos. Além disso, não pode comprometer o pleno exercício do contraditório, usurpando a função das partes. Diante disso, Marcos Zilli afirma que “[...] a iniciativa probatória deve obedecer a uma figura e forma apropriadas, sob pena de violação do devido processo legal e, em última análise, do próprio Estado democrático de direito”.32 _________________ 30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 73338 / RJ – RIO DE JANEIRO. Primeira Turma. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 13/08/1996. DJ, 19 dez. 1996. p. 51.766. 31 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 281. 32 ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 133-134. 23 O art. 156 do CPP, em sua redação anterior, dizia que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”. Com advento da Lei 11.690/08, modificou-se a redação do referido artigo: Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. O inciso II é mera repetição do texto anterior, de modo que a maioria da doutrina aceita tranquilamente a sua constitucionalidade. Por outro lado, agora é possível ao juiz, de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal, determinar a produção antecipada de provas. A inovação ocasionou grande celeuma doutrinária sobre a constitucionalidade do dispositivo, que, na visão de muitos, viola o princípio da imparcialidade e o sistema acusatório. Assim, a grande discussão que se põe é: até que ponto a busca da verdade real é legítima, no sentido de não contrair o ordenamento jurídico. Seria a verdade real incompatível com o sistema acusatório? A única forma de, interpretando a novel redação do art. 156, não se atribuir vício de inconstitucionalidade é dando relevo à parte final do preceito, não qual se exige a observância da necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. Tais critérios representam os três elementos do princípio da proporcionalidade, segundo Robert Alexy: a adequação significa que o meio utilizado deve ser capaz de fomentar a obtenção do resultado pretendido; a necessidade traduz na impossibilidade de utilização de meio menos gravoso atingir fim colimado; a proporcionalidade em sentido estrito representa o juízo de ponderação entre os valores em conflito, para ver se vale a pena tal conduta.33 A atuação probatória do magistrado, portanto, numa análise a partir do sistema acusatório e do princípio da presunção de inocência, deve se dar de maneira excepcional e supletiva. Nesse sentido, o STF, no julgamento da ADI 1570-2, de relatoria do Ministro Maurício Correa, em 12/02/2004, declarou a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 9.034/95 (Lei das organizações criminosas), o qual conferia ao juiz competência para diligenciar _________________ 33 GOMES, 2008, p. 29. 24 pessoalmente a obtenção de provas pertinentes à persecução penal de atos de organizações criminosas, dispensando o auxílio da Polícia e do Ministério Público. Sob a alegação de violação do princípio do devido processo legal, o ministro observou que o artigo 3º da Lei 9.034/95 cria um [...] procedimento excepcional, não contemplado na sistemática processual penal contemporânea, dado que permite ao juiz colher pessoalmente as provas que poderão servir, mais tarde, como fundamento fático-jurídico de sua própria decisão. Ninguém pode negar que o magistrado, pelo simples fato de ser humano, após realizar pessoalmente as diligências, fique envolvido psicologicamente com a causa, contaminando sua imparcialidade.34(grifo nosso) Sustentou que, [...] tanto no direito penal quanto no civil, afasta-se do julgamento o juiz que se considera impedido ou cuja suspeição é argüida, inclusive citou o artigo 424 do Código de Processo Penal, dispositivo que determina o desaforamento se houver comprometimento com a exigência de imparcialidade do julgador. A neutralidade do juiz é essencial, pois sem ela nenhum cidadão procuraria o Poder Judiciário para fazer valer seu direito.35(grifo nosso) Segundo o relator, o dispositivo questionado teria criado o juízo de instrução, que nunca existiu na legislação brasileira. 1.9 PRINCIPAIS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 11.690/08 Antônio Magalhães Gomes Filho estabelece como principais características do novo texto os seguintes pontos: 36 a) delimitação do alcance do princípio do livre convencimento do juiz, pois ao afirmar que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, a nova lei exclui peremptoriamente do juízo de fato quaisquer elementos de convicção que não sejam os estritamente mencionados. _________________ 34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1570-2 / DF – DISTRITO FEDERAL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 12/02/2004. DJ, 20 out. 2004. p. 4. 35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1570-2 / DF – DISTRITO FEDERAL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 12/02/2004. DJ, 20 out. 2004. p. 4. 36 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As reformas no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 247. 25 b) a consagração do contraditório como elemento essencial do próprio conceito de prova − O legislador consagrou e sublinhou a nítida e apropriada distinção entre o que é prova e aquilo que constitui elemento informativo da investigação. Os atos de prova objetivam a introdução de elementos de prova no processo, utilizados na formulação de um juízo de certeza próprio da sentença, ao passo que os atos de investigação visam à obtenção de informações que levam a um juízo de probabilidade suficiente para sustentar a opinio delicti do órgão acusatório ou fundamentar a adoção de medidas cautelares. − Assim, a observância do contraditório é verdadeira condição de existência da prova, de modo que, em sentido jurídico-processual, provas são apenas os dados de conhecimento introduzidos no processo na presença do juiz e com a participação das partes, em contraditório. − Ao introduzir o advérbio exclusivamente na nova redação do art. 155 do CPP, permite-se que elementos informativos da investigação possam servir de fundamento ao juízo sobre os fatos, desde que existam, também, provas produzidas em contraditório judicial. Ou seja, as informações do inquérito devem ser corroboradas pela prova judicial. Muitos discutem a inconstitucionalidade do referido dispositivo, pois violaria os princípios do devido processo legal e do contraditório, de modo que houve até emenda no Senado buscando retirar a palavra exclusivamente do preceito, proposta não acolhida pela Câmara. Seus defensores alegam que os elementos de informação não podem ser utilizados no convencimento do magistrado. Todavia, a redação consolidada está amparada no entendimento do STF: RE-AgR 425734 / MG - MINAS GERAIS Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 04/10/2005 Órgão Julgador: Segunda Turma AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA AO ART. 5º, INCISOS LIV E LV. INVIABILIDADE DO REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA STF Nº 279. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INQUÉRITO. CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO DOS TESTEMUNHOS PRESTADOS NA FASE INQUISITORIAL. 1. A suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa passa, necessariamente, pelo prévio reexame de fatos e provas, tarefa que encontra óbice na Súmula STF nº 279. 2. Inviável o processamento do extraordinário para debater matéria infraconstitucional, sob o argumento de violação ao disposto nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição. 3. Ao contrário do que alegado pelos ora agravantes, o conjunto probatório que ensejou a condenação dos recorrentes não vem embasado apenas nas declarações prestadas em sede policial, tendo suporte, também, em outras provas colhidas na fase judicial. Confirmação em juízo dos testemunhos 26 prestados na fase inquisitorial. 4. Os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo. 5. Agravo regimental improvido.37 HC 73338 / RJ - RIO DE JANEIRO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 13/08/1996 Órgão Julgador: Primeira Turma HABEAS CORPUS - PROVA CRIMINAL - MENORIDADE - RECONHECIMENTO - CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 2.252/54) - INEXISTÊNCIA DE PROVA ESPECÍFICA - IMPOSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO TÍPICA DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU - CONDENAÇÃO POR OUTROS ILÍCITOS PENAIS - EXACERBAÇÃO DA PENA - DECISÃO PLENAMENTE MOTIVADA LEGITIMIDADE DO TRATAMENTO PENAL MAIS RIGOROSO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. MENORIDADE - COMPROVAÇÃO - CERTIDÃO DE NASCIMENTO - AUSÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES. – [...] Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas - embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder Judiciário, de um ato de condenação penal. Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica - em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet [...].38 − A parte final do dispositivo excepciona casos em que determinadas provas podem ser utilizadas mesmo que no momento de sua produção não tenha sido observado o contraditório. Ressalte-se que não há ausência de contraditório, mas sim contraditório posposto ou diferido, permitindo-se às partes, posteriormente, discutir sua admissibilidade, regularidade e idoneidade. São elas: 1- provas cautelares – baseiam-se no fumus boni iuris e no periculum in mora, havendo risco de desaparecimento ou comprometimento do meio de prova com o decurso do tempo. Ex: busca e apreensão, interceptação telefônica. 2- provas irrepetíveis – inspiradas no Código de Processo Penal italiano, são aquelas que, por fatos ou circunstâncias imprevisíveis, tornou-se impossível a sua repetição. Assim, se determinada prova não pode mais _________________ 37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-AgR 425734 / MG – MINAS GERAIS. Segunda Turma. Relator: Min. Ellen Gracie. Julgamento: 04/10/2005. DJ, 28 out. 2005. p. 57. 38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 73338 / RJ – RIO DE JANEIRO. Primeira Turma. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 13/08/1996. DJ, 19 dez. 1996. p. 51766. 27 ser reproduzida em juízo, é possível a sua utilização. Ex: exame cadavérico e exame do local onde ocorreu o homicídio. 3- provas antecipadas – são produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em razão de sua relevância e urgência, antes do momento processual determinado. Ex: depoimento ad perpetuam rei memoriam (art. 225, CPP). c) a regulamentação legal da proibição das provas ilícitas, e, ainda, d) nova disciplina dos meios de prova pericial e testemunhal, mais adequada ao contraditório como método de formação das provas. Sobre as provas em espécie, as principais alterações trazidas pela nova lei são: a) Exame de corpo de delito: - exige-se apenas um perito oficial, não mais dois, quantidade que só persiste para os peritos nomeados. Assim, deve ser relativizada a interpretação da Súmula 361 do STF (no processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão), de modo a abranger apenas os peritos nomeados. - o perito oficial tem que ser portador de diploma de curso superior, antes só obrigatório para os peritos nomeados. Ressalva-se o direito adquirido dos que ingressaram antes da vigência da Lei (art. 2º, Lei 11.690/08). - possibilidade de indicação de assistente técnico pelas partes, antes só prevista no processo civil. - possibilidade de oitiva dos peritos, que passa a ser um dos atos possíveis na audiência de instrução e julgamento (arts. 400 e 531 do CPP). b) Ofendido: - acrescentar os parágrafos 2º ao 6º ao art. 201 do CPP, conferiu-se maior tutela ao ofendido, tais como: comunicação de atos processuais, espaço reservado antes da audiência, possibilidade de atendimento multidisciplinar e determinação de segredo de justiça em determinadas situações. 28 c) Testemunhas - adoção do sistema do exame direto e cruzado (direct-examination e crossexamination) na inquirição das testemunhas, antes só previsto no procedimento especial do júri, com o consequente abandono do sistema presidencialista, de natureza inquisitiva, no qual as perguntas eram feitas por intermédio do juiz. - a intervenção do juiz é supletiva, complementando a inquirição sobre os pontos não esclarecidos (art. 212, parágrafo único, do CPP). - previsão da inquirição por videoconferência em casos de possível deturpação da verdade em razão da presença do réu. Importante lembrar que a Lei 11.900/09 alterou a redação do art. 185 do CPP, prevendo a possibilidade do interrogatório por meio de videoconferência em situações excepcionais devidamente fundamentadas. 29 CAPÍTULO 2 - REGIME JURÍDICO DAS PROVAS PROIBIDAS 2.1 CONCEITUAÇÃO E PRINCÍPIOS APLICÁVEIS O direito à prova não é absoluto. É exatamente no processo penal, onde avulta a liberdade do indivíduo, que se torna mais nítida a necessidade de se colocarem limites à atividade instrutória.39 Dessa forma, apesar da força do princípio da verdade real ou material, segundo o qual, no dizer de Luiz Flávio Gomes, o que importa para o processo penal é a descoberta da verdade dos fatos40; bem como da liberdade das provas associado ao livre convencimento motivado, existem outros valores que precisam ser tutelados, de modo que a busca desenfreada e ilimitada da verdade (reconstrução dos fatos) não é razoável e esbarra em outras garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito. Portanto, estão excluídos do processo penal formas de obtenção de provas que não se coadunem com a idéia de processo como instrumento de proteção dos direitos fundamentais do cidadão. Sendo assim, não se pode falar em verdade a todo preço (absoluta ou ontológica), mas sim em uma verdade judicial processualmente válida41. O art. 295 do Código de Processo Penal Militar, em regra de superposição, norma geral aplicável a todo e qualquer processo, estabelece que: “É admissível, nos termos deste Código, qualquer espécie de prova, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva [...]”. Não obstante a liberdade conferida ao juiz para a valoração da prova, no processo penal existem hipóteses de aplicação do sistema da prova legal, limitando-se a atuação do magistrado, como o exame de corpo de delito para comprovar as infrações que deixam vestígios e a submissão do juiz penal à prova civil no que concerne ao estado das pessoas.42 Assim, existem várias limitações à atuação probatória. Inicialmente, conforme abordado no primeiro capítulo, a prova deve ser pertinente, objetivando provar fatos _________________ 39 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 6. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 146. 40 GOMES, 2008, p. 34. 41 GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, op. cit., p. 148. 42 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 191. 30 relevantes, sendo inviável, ou melhor, desnecessário, a prova de fatos incontroversos, axiomáticos, notórios, presumidos e inúteis. Por outro lado, além de pertinente, a prova deve ser lícita, ou seja, não contrariar o ordenamento jurídico sistematicamente analisado, em todas as suas fontes normativas. A vedação às provas ilícitas, tal como prevista pela Constituição, configura uma garantia individual do cidadão em qualquer tipo de processo43, seja ele civil, administrativo, tributário ou penal. Enfim, todo tipo de processo em que se defrontem Estado e particular ou particular e particular.44 Antes do advento da Lei 11.790/08, a grande preocupação da doutrina era a natureza processual ou substancial da vedação45: A proibição tem natureza exclusivamente processual quando for colocada em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo; tem, pelo contrário, natureza substancial quando, embora servindo imediatamente também a interesses processuais, é colocada essencialmente em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente de processo. Nesse ponto, fazia-se a distinção clássica, trazida por Pietro Nuvolone46, entre provas ilícitas e ilegítimas: a) Provas ilícitas - violação a regras de direito material; - vício na obtenção, ou seja, o “defeito” se verifica sempre fora do processo (extraprocessual); - são inadmissíveis e devem ser desentranhadas; - o art. 32 da Constituição Portuguesa bem as definem: “provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”. - relacionam-se aos direitos fundamentais da pessoa; - exemplos: confissão mediante tortura, apreensão de documento mediante violação de domicílio, captação de conversa mediante interceptação telefônica não autorizada; _________________ 43 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 201. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários a Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992. v. 1, p. 535. 45 GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1997, p. 149. 46 NUVOLONE. Le prove vietate nel processo penale nei paesi di diritto latino. Rivista di diritto processuale, 1966. 44 31 Portanto, provas ilícitas, em sentido estrito, são aquelas obtidas com violação de domicílio (art. 5º, XI, da CF) ou das comunicações (art. 5º, XII, da CF); aquelas conseguidas mediante tortura ou maus-tratos (art. 5º, III, da CF); as colhidas com infringência à intimidade (art. 5º, X, da CF) etc.47 Também aquelas colhidas com inobservância do disposto nos incisos II e III, do art. 5º, da CF/88, como a narcoanálise ou o lie-detector48, bem como as obtidas com a prática de outros ilícitos penais49, como furto, apropriação indébita, violação do sigilo profissional etc. - Provas ilícitas pela criação: falsas em essência, forjadas, não correspondem à realidade dos fatos (ex: depoimento falso). Não há controvérsia em sua rejeição. Trata-se de mera ficção, não sendo provas propriamente ditas; - Provas ilícitas pela obtenção: são verdadeiras e autênticas em sua essência, espelhando a realidade, porém, foram obtidas com violação a regras de direito material. Aqui residem as maiores polêmicas. b) Provas ilegítimas - Violação de regras de direito processual; - Vício na produção, ou seja, o “defeito” se caracteriza no momento em que é produzida no processo, sendo sempre intraprocessual (ou endoprocessual); - Sanção de nulidade (art. 564, do CPP), devendo-se renovar o ato inquinado de tal vício; - Exemplos: oitiva de testemunha que não pode depor (art. 207 do CPP), interrogatório sem a presença do advogado (art. 185 do CPP), documento juntado aos autos nos três dias que antecedem a sessão de julgamento do tribunal do júri (art. 479 do CPP); - Dessa forma, “o fato de uma prova violar uma regra de direito processual, portanto, nem sempre conduz ao reconhecimento de uma prova ilegítima. Por exemplo: busca e apreensão domiciliar determinada por autoridade policial. Como se trata de uma prova obtida fora do processo, cuida-se de prova ilícita, ainda que viole concomitantemente duas regras: uma material _________________ 47 GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1997, p. 132. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 211. 49 Vicente Greco Filho expõe que a ilicitude pode decorrer do fato de o meio de prova não ser previsto em lei e não ser consentâneo com os princípios do processo moderno, como as ordálias ou juízos divinos, bem como aquelas fundadas em crença sobrenatural que escapa às limitações da razão. Também quando a ilicitude 48 32 (constitucional) e outra processual. Conclusão: o que é decisivo para se descobrir se uma prova é ilícita ou ilegítima é o lócus da sua obtenção, dentro ou fora do processo”.50 Diante disso, resumindo a questão, dizia-se que o art. 5º, LVI, da CF, somente seria aplicável às provas ilícitas, ou, no máximo, às ilícitas e ilegítimas ao mesmo tempo, não se aplicando às provas exclusivamente ilegítimas, afirmando seus defensores, numa interpretação literal da Constituição Federal, de que esta teria adotado a distinção doutrinária acima citada, resolvendo-se o problema das provas ilegítimas pelo sistema das nulidades. Todavia, com o advento da Lei 11.690/08, apesar de ser inovação recente ainda pouco abordada pela doutrina, não tendo sido objeto de decisões judiciais, alguns autores, notadamente Luiz Flávio Gomes, afirmam que tanto as provas ilícitas quanto as ilegítimas passaram a ter um mesmo e único regramento jurídico: são inadmissíveis. Tal conclusão decorre da interpretação literal do art. 157, caput, do CPP, que não diferencia normas materiais ou processuais ao dispor que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Esse parece ser o entendimento do Ministro e atual Presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes, ao ensinar que a obtenção de provas sem a observância das garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade ao disposto em normas fundamentais de procedimento configurará afronta ao princípio do devido processo legal. Qualquer violação ao devido processo legal, em síntese, conduz à ilicitude da prova.51 Em sentido diverso, Antonio Magalhães Gomes Filho52, ao afirmar que: Não parece ter sido a melhor, assim, a opção do legislador nacional por uma definição de prova ilícita, que, longe de esclarecer o sentido da previsão constitucional, pode levar a equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de regras processuais implica ilicitude da prova e, em consequência disto, o seu desentranhamento do processo. O descumprimento da lei processual leva à nulidade do ato de formação da prova e impõe a necessidade de sua renovação, nos termos do que determina o art. 573, caput, do CPP. O cerne da questão está, sem dúvidas, na abrangência do conceito de prova ilícita trazido pela Lei 11.690/08, definição inovadora que pode ter trazido reviravolta no sistema decorre da imoralidade ou da impossibilidade de se produzir a prova, como a reconstituição de um estupro, uma inundação ou um grande incêndio (GRECO FILHO, 1995, p. 177). 50 GOMES, 2008, p. 35, 36. 51 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 604-605. 52 GOMES FILHO, 2008, p. 266. 33 das provas vedadas. De forma pragmática, podem-se estabelecer, apesar de pouca doutrina sobre o assunto, duas correntes sobre a amplitude da redação do caput do art. 157 do CPP: a) Prova ilícita empregada em sentido técnico, conforme clássica distinção doutrinária (prova ilícita x prova ilegítima), pois, “[...] quando são empregados termos jurídicos, deve crer-se ter havido preferência pela linguagem técnica 53”. b) O legislador trouxe novo conceito de prova ilícita, que passa a ser sinônimo de prova vedada, ilegal ou proibida, “revogando” a antiga conceituação doutrinária que considerava a natureza material ou processual da norma. Esta última corrente para ser a mais correta. O legislador ordinário, suprindo a lacuna que existia no CPP sobre o tema, trouxe, numa interpretação autêntica da norma, um verdadeiro conceito de prova ilícita, como sendo a violação de norma constitucional ou legal, sendo irrelevante se sua natureza é material ou processual. A violação de toda e qualquer norma conduz à ilicitude. Não há mais interesse prático (mas apenas acadêmico-doutrinário) na distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, haja vista que ambas sujeitam-se ao sistema da inadmissibilidade, por ofenderem o princípio do devido processo legal. 2.2 HISTÓRICO DA VEDAÇÃO DAS PROVAS NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO A vedação da prova contra legem constitui resultado de longa elaboração jurisprudencial, iniciada na Suprema Corte americana no final do século XIX e depois, nas décadas de 60 e 70 do século passado, pelo Tribunal Supremo Federal alemão (BGH) e pela Corte Constitucional italiana.54 Até o final do século XIX, prevalecia o entendimento de que a admissibilidade da prova não era afetada pela ilegalidade nos meios utilizados para sua obtenção, preconizando _________________ 53 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 109. 54 GOMES FILHO, 2008, p. 263-264. 34 apenas a punição do responsável pelo ato ilícito (penal, civil ou administrativo) praticado na colheita ilegal da prova.55 Somente no célebre julgamento do caso Boyd vs. United States, de 1885, a Suprema Corte americana entendeu inadmissível como prova um documento que o acusado fora obrigado a apresentar no processo, entendendo que isso configurava, a um só tempo, violação das Emendas IV, que assegura a inviolabilidade dos papéis privados, e V, que garante ao acusado contra a auto-incriminação, leading case que espalhou o entendimento para as cortes federais americanas56. A maioria dos juízes da Suprema Corte justificava tal orientação pelo fato de que a previsão de sanções civis, penais ou administrativas não constituíam freio suficiente à atuação ilegal da polícia. Por tal motivo, entendeu-se que apenas a exclusão das provas conseguidas ao arrepio da lei seria um eficaz impedimento a tais abusos. Na Itália, local em que a doutrina e a jurisprudência vinham relutando em aceitar, definitivamente, a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, a respectiva Corte Constitucional, em decisão de 1973, a respeito de interceptações telefônicas realizadas sem prévia e motivada autorização judicial, assentou a impossibilidade de utilização de provas obtidas com infringência a garantias constitucionais. No Brasil, durante muito tempo, vigorou sobre o tema o denominado princípio da veracidade da prova, segundo o qual a prova era analisada pela carga de convencimento que continha, abstraída a forma de sua obtenção, de modo que eventual irregularidade era vista como matéria de ilícito civil, penal ou administrativo, a ser apurada em órbita própria, sem repercussão em sua admissibilidade.57 A partir do final da década de 1960, entretanto, registrou-se acentuada tendência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de considerar que irregularidades cometidas pela polícia, principalmente em casos de buscas e apreensões realizadas em casos de entorpecentes, contaminavam todo o processo. Antes de a Constituição de 1988 tratar expressamente da matéria no art. 5º, LVI, a doutrina dividia-se entre a admissibilidade e a inadmissibilidade da prova ilícita no processo. Contudo, a doutrina dominante já se colocava como contrária à admissibilidade processual das provas ilícitas, temperada, por muitos autores, pelo princípio da proporcionalidade. _________________ 55 GOMES FILHO, loc. cit. GOMES FILHO, 2008, p. 263-264. 57 Ibidem, p. 265. 56 35 Como ensina Grinover, passava-se de uma concepção em que se admitia a prova colhida ilicitamente58 para uma nova concepção de processo, voltado para as garantias individuais do cidadão, e não exclusivamente como instrumento de busca da verdade real e de punição do infrator59, a qualquer custo. Antes da vedação constitucional, buscava-se fundamentar a inadmissibilidade das provas ilícitas no art. 332 do CPC, excluindo do processo as provas obtidas por meios ilegais ou moralmente ilegítimos, e no art. 295 do CPPM, que afastava as provas que atentassem contra a moral, a saúde e a segurança individual ou coletiva, aplicando-se por analogia a todos os tipos de processo. A lei processual penal referia-se ao tema apenas no art. 233, o qual determina que “as cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo”. Quanto às demais formas de prova, a lei silenciava.60 Em matéria de prova ilícita, deve ser lembrado que a Convenção Americana de Direitos Humanos, que integra o nosso ordenamento jurídico, prevê, em seu art. 11, a proteção da honra e da dignidade, determinando que: toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade; ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação; toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas, ilegais ou moralmente ilegítimas ou, ainda, que atentassem contra a saúde e a segurança individual ou coletiva. Os defensores da tese da inadmissibilidade das provas ilícitas justificavam essa vedação afirmando que o direito à prova, conquanto constitucionalmente assegurado, não pode ser exercido de maneira absoluta, comportando uma série de limitações, dentre elas a restrição à admissibilidade das provas ilícitas. É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias. As grandes linhas evolutivas dos direitos _________________ 58 Julgados admitindo a confissão na polícia, mesmo coagida, se confirmado por outros meios de prova, especificamente a efetiva apreensão do produto do crime, por indicação do acusado, ainda que coagido: RT441/413, 426/439, 429/379. 59 RT 442/386: Invasão de estabelecimento comercial sem mandato judicial (prova não admitida); RT 441/344: réu preso sem nenhum entorpecente – diligência realizada em sua residência sem mandado judicial – prova imprestável. 60 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo. Saraiva, 1990. p. 302; no mesmo sentido RT 698/344. 36 fundamentais, após o liberalismo, acentuaram a transformação dos direitos individuais em direitos do homem inserido na sociedade. De tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os direitos como suas limitações. Não se deve, portanto, ignorar direitos fundamentais do cidadão em favor do direito à produção de provas e da busca da verdade real, já que a atuação do Estado e a própria busca da verdade real encontram limites nos direitos e garantias do indivíduo61. É que, como ensina Ada Pellegrini Grinover, se a finalidade do processo não é aplicar a pena ao réu de qualquer modo, a verdade deve ser obtida de acordo com uma forma moral inatacável.62 Acontece que, ao impor a pena, o Estado busca recompor a ordem violada, não podendo se valer de meios que venham a infringir a mesma ordem legal que busca restaurar, sob pena de colocar em risco a legitimação do próprio processo e da pena imposta ao infrator. É com esse objetivo que diversos ordenamentos jurídicos preveem a exclusão do processo de provas cuja coleta tenha atentado contra a integridade física ou psíquica, a dignidade, a liberdade ou a privacidade das pessoas, a estabilidade das relações sociais e a segurança do próprio Estado, justificando o sacrifício do ideal de busca da verdade mais próxima possível da realidade63. As Mesas de Processo Penal, ligadas ao Departamento de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, atuando sob a coordenação de Ada Pellegrini Grinover, tomaram posição sobre a matéria nas súmulas: nº 48 Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material; nº 49 São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda que forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa; e nº 50 Podem ser utilizadas no processo as provas ilicitamente colhidas, que 64 beneficiem a defesa. Na jurisprudência brasileira já se notava essa tendência evolutiva, passando da admissibilidade para a inadmissibilidade das provas ilícitas. Assim, de julgados mais antigos, que admitiam como prova até mesmo a confissão extorquida, passando por decisões que aceitavam a prova de gravações telefônicas clandestinas, chegou-se à consolidação da tendência contrária, que já se havia delineado com relação às buscas domiciliares e _________________ 61 LENS, Luis Alberto Thompson Flores. Os meios moralmente legítimos de prova. RT 621/274. GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p. 46. 63 GOMES FILHO, 2008, p. 99. 62 37 apreensões feitas ao arrepio da lei. Na jurisprudência mais antiga era comum a admissão da confissão policial, mesmo quando viciada, se confirmada por outras provas – especialmente a efetiva apreensão do produto do crime, por indicação do acusado, ainda que coagido. Abandonou-se, gradativamente, a orientação fundamentada na tese de que o ilícito ocorrido na esfera material não pode trazer consequências não previstas na esfera processual (inadmissibilidade das provas ilícitas). Afora inúmeras decisões dos tribunais pátrios, três decisões do Supremo Tribunal Federal, anteriores à Constituição de 1988, apontavam para a consolidação da tese da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, tanto civil quanto penal. A primeira decisão é de 11.11.1977, ocasião em que foi determinado o desentranhamento de fitas gravadas, correspondentes à interpretação de conversa telefônica da mulher feita pelo marido, para instruir processo de separação judicial (RTJ 84/609): EMENTA: Prova civil. Gravação magnética, feita clandestinamente pelo marido, de ligação telefônica da mulher. Inadmissibilidade de sua utilização no processo judicial, por não ser meio legal nem moralmente legítimo (art. 332 do CPC). 65 Recurso extraordinário conhecido e provido . Segue-se a essa, em outro processo cível, a decisão de 28.06.1984, também em caso de captação clandestina de conversa telefônica, igualmente determinando o desentranhamento dos autos da gravação respectiva (RTJ 110/798): EMENTA: Direito ao recato ou à intimidade. Garantia constitucional. Interceptação de comunicação telefônica. Captação ilegítima de meio de prova. Art. 153, § 9º da Constituição. Art. 332 do Código de Processo Civil. Infringente da garantia constitucional do direito da personalidade e moralmente ilegítimo é o processo de captação de prova, mediante a interceptação de telefonema, à revelia do comunicante, sendo, portanto, inadmissível venha a ser divulgada em audiência de processo judicial, de que sequer é parte. Lesivo a direito individual, cabe mandado de segurança para determinar o trancamento da prova e o desentranhamento, dos 66 autos, da gravação respectiva. Recurso extraordinário conhecido e provido. Finalmente, para o processo penal, o Supremo Tribunal Federal, em decisão de 18.12.1986, determinou o trancamento de inquérito policial baseado em interceptações telefônicas feitas por particulares, confessadamente ilícitas (RTJ 122/47): EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PROVA ILÍCITA. CONSTITUCIONAL. GARANTIAS DOS §§ 9º E 15 DO ART. 153 DA LEI MAIOR. (INOBSERVÂNCIA). TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. 1 – Os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou à 64 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 155. 65 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 85.439-RJ. 2ª. Turma. Relator: Min. Xavier de Albuquerque. DJ, 2 fev. 1977. 66 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 100-094-PR. 1ª. Turma. Relator: Min. Rafael Mayer. DJ, 24 ago. 2004. 38 ação penal. 2 - As provas produzidas no inquérito ora em exame – gravações clandestinas – além de afrontarem o princípio da inviolabilidade do sigilo de comunicações (§ 9º, art. 153, CF), cerceiam a defesa e inibem o contraditório, em ofensa, igualmente, à garantia do § 15, art. 153, da Lei Magna. 3 – Inexistência, nos autos, de outros elementos, que, por si, justifiquem a continuidade da investigação criminal. 4 – Trancamento do inquérito, o qual poderá ser renovado, fundando-se em novos indícios, na linha de previsão do estatuto processual penal. 5 – Voto vencido que concedia a ordem em menor extensão. RHC provido para determinar o 67 trancamento do inquérito policial. Desta forma, a tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos foi sendo solidificada, mesmo antes da vedação expressa na Constituição de 1988 que, conquanto tenha tratado da matéria de forma aparentemente taxativa no art. 5º, LVI, vedando a admissão no processo de provas obtidas por meios ilícitos, deixou ao encargo da doutrina e da jurisprudência a resolução de certos pontos controvertidos que subsistem até os dias atuais. Após a Constituição Federal de 1988, no famoso julgamento da Ação Penal 307/DF (caso Fernando Collor de Mello), em 13/12/1994, o Relator Ministro Ilmar Galvão manifestou em seu voto que: É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados. A Constituição brasileira, no art. 5º, LXI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.68 Apesar disso, com toda garantia constitucional, a vedação não se reveste de caráter absoluto, existindo situações em que há flexibilização da vedação constitucional, sob o enfoque do princípio da proporcionalidade e da concordância prática na convivência dos direitos fundamentais. Percebe-se, assim, que as disposições trazidas pela Lei 11.690/08 confirmam o preceito constitucional bem como entendimento anterior à própria Carta Magna, no sentido da inadmissibilidade das provas ilícitas. Nesse sentido é o pedagógico julgado do STF: HC 93050 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS _________________ 67 68 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 63.834-1-SP. 2ª Turma. Relator: Min. Celio Borja. DJ, 5 jun. 1987. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 307 / DF – DISTRITO FEDERAL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Ilmar Galvão. Julgamento: 13/12/1994. DJ, 13 out. 1995. p. 34247. 39 Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 10/06/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma [...] A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum [...]”.69 Inadmissibilidade significa que a prova ilícita não pode ser juntada aos autos. Caso isto ocorra, deve ser desentranhada. Pelo sistema da admissibilidade, a prova não é retirada do processo, sendo apenas declarada sua nulidade, ao final, pelo juiz, derivando disso a responsabilidade de quem usou a prova ilícita. Por outro lado, o sistema da inadmissibilidade não permite que a prova permaneça no processo, ela deve ser prontamente excluída. Exclusão a priori e declaração de nulidade a posteriori, nisso reside a diferença entre os dois sistemas.70 Para Luiz Flávio Gomes, numa interpretação que parece ser a mais correta, com base no art. 5º, LVI, da CF e no novo art. 157 do CPP, “[...] não há dúvida de que o sistema da inadmissibilidade é o que vigora com exclusividade no direito brasileiro vigente. O sistema de admissibilidade e a consequente declaração de nulidade já não encontra nele nenhum espaço”.71 2.3 “EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO”: PROVAS ILÍCITAS ADMISSIBILIDADE EXCEPCIONAL DAS O art. 155 estabelece que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, consagrando o princípio da liberdade probatória, podendo _________________ 69 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93050 / RJ – RIO DE JANEIRO. Segunda Turma. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 10/06/2008. DJ, 1° ago. 2008. p. 700. 70 GOMES, 2008, p. 36. 71 Ibid., p. 37. 40 utilizar-se, desde que constantes dos autos (livre convencimento motivado), meios atípicos não previstos na legislação, moralmente legítimos (art. 332, CPC). Além disso, há o princípio da verdade real, inerente ao processo penal, segundo a qual a atividade judicial deve buscar a reconstrução histórica, a fim de conhecer a realidade e a verdade dos fatos. Como exceção a esta ampla atuação na busca da prova, tem-se a proibição das provas ilícitas, garantia constitucional (art. 5º, LVI, CF) agora reproduzida no art. 157 do CPP. Por outro lado, como toda garantia fundamental, esta não se reveste de caráter absoluto, de modo que numa interpretação constitucional, por seus métodos peculiares, como a unidade da constituição, concordância prática ou harmonização, entre outros, pode-se estabelecer exceções a esta exceção da liberdade probatória. Como ponto de equilíbrio entre a admissibilidade ou não da prova ilícita no processo aparece a chamada Teoria da Proporcionalidade, que busca conciliar o interesse da sociedade em descobrir a verdade e a necessidade de se defender os direitos fundamentais do cidadão. Embora reconheça a inconstitucionalidade da prova ilícita, objetiva sopesar os bens jurídicos envolvidos, determinando uma proporção entre a infringência da norma na coleta da prova e os valores que a sociedade visa preservar através dessa prova.72 Utilizada originariamente no direito administrativo tedesco, em meados do século XIX, e que, com o tempo, adquiriu status constitucional, sendo incorporado à Lei Fundamental de 1949 daquela República Ocidental, é o maior aliado na resolução dos problemas atinentes às provas ilícitas. Os mentores daquele que hoje é um princípio aceito pela ampla maioria dos doutrinadores constataram, na época, que, por vezes, a aplicação estrita e literal de um comando legal, embora plenamente válido e eficaz, poderia ensejar um efeito contrário ao próprio Estado de Direito previsto pelo sistema de determinado país, de modo que se concluiu que a norma (genérica e abstrata) incidindo em determinados casos concretos poderia acarretar consequências negativas para a ordem estabelecida naquela nação. Destarte, tornou-se imperioso criar um mecanismo racional capaz de outorgar a devida segurança jurídica à sociedade, isto é, um meio que garantisse que a norma somente fosse observada caso cumprisse com sua missão e se aliasse aos escopos do sistema. Nesse diapasão, o princípio da proporcionalidade visava, originariamente, regular o poder de polícia do Estado, ofertando maior segurança jurídica aos particulares. 41 Eis a forma pela qual foi imaginado o princípio da proporcionalidade, cuja função precípua é justamente garantir o Estado de Direito em toda sua plenitude, vedando a aplicação de normas desarrazoadas quando em confronto com o sistema vigente. Nada mais acertado, afinal não há, em realidade, direito absoluto,73 capaz de sobrepor-se sobre todos os demais. Sobre o tema, interessante é a colocação de Fernando Capez74, ao afirmar que: Importante, por fim, ressaltar que mesmo as provas ilícitas (diretamente ou por derivação) e as ilegítimas poderão, excepcionalmente, ser aceitas no processo, por adoção ao princípio da proporcionalidade dos valores contrastantes. Segundo esse princípio, largamente adotado na jurisprudência alemã pós-guerra, nenhuma garantia constitucional tem valor supremo e absoluto, de modo a aniquilar outra de equivalente grau de importância. Se, por um lado, a Constituição garante a proteção da intimidade e o sigilo das comunicações, por outro assegura também o direito do acusado ao devido processo legal e à ampla defesa. Se uma prova ilícita ou ilegítima for necessária para evitar uma condenação injusta, certamente deverá ser aceita, flexibilizando-se a proibição dos incisos X e XII do art. 5º da CF. A aceitação do princípio da proporcionalidade pro reo é praticamente unânime na doutrina. (grifo nosso) No mesmo sentido é o posicionamento de Celso Delmanto75: Como, porém, a proibição da prova ilícita é uma garantia individual contra o Estado, predominante é o entendimento na doutrina que possível é a utilização de prova favorável ao acusado ainda que acolhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, e, quando produzida pelo próprio interessado (como a de gravação de conversa telefônica em caso de extorsão, por exemplo) traduz a hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude. (grifo nosso) Para Celso Bastos76, [...] o primeiro ponto que se deve observar é que, a despeito do seu caráter aparentemente peremptório e definitivo, são ‘inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos’, ainda sim o preceito sob comento tem forçosamente de sofrer certas ressalvas que resultam da sua interpretação finalística teleológica e da sua inserção sistemática no contexto das normas protetoras do direito processual penal. (grifo nosso) Enquanto em benefício do réu tais provas são, para a maioria, plenamente admitidas, diversa é a situação quando se fala em provas ilícitas pro societate. 72 ARANHA, Adalberto Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 55. 73 E essa constatação é irrefutável, na medida em que o próprio direito à vida dentro do sistema jurídico brasileiro sofre restrições. Vide, por exemplo, a possibilidade de aborto quando a gestação decorre de estupro ou implica risco à vida da mãe, ou mesmo as excludentes da legítima defesa e do estado de necessidade, assim como a pena de morte garantida constitucionalmente em casos de guerra. 74 CAPEZ, 2003, p. 261. 75 DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 5. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 239. 76 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2, p. 275. 42 Os que não aceitam tal aplicação fundamentam-se, principalmente, na idéia de que a proibição da prova ilícita é uma garantia do indivíduo contra o Estado, que não poderia fazer uso desse tipo de prova contra o cidadão, como bem resume Luiz Flávio Gomes: O princípio da proporcionalidade nasceu para limitar os poderes do Estado, que não pode praticar abusos ou excessos. Nasceu, em síntese, para a tutela dos direitos fundamentais do cidadão e não para a proteção dos direitos do poder público. Constitui grave anomalia admitir o princípio da proporcionalidade, em matérias de provas ilícitas, em favor da sociedade. Note-se que o texto constitucional brasileiro, no que se relaciona com as provas ilícitas, não abriu nenhuma exceção pro societate. 77(grifo nosso) Outra posição é a de Fernando Capez, que assim se posiciona: [...] entendemos que o princípio da proporcionalidade deve também ser admitido pro societate, pois o confronto que se estabelece não é entre o direito ao sigilo, de um lado, e o direito da acusação à prova, do outro. Trata-se de algo mais profundo. A acusação, principalmente a promovida pelo Ministério Público, visa resguardar valores fundamentais para a coletividade, tutelados pela norma penal. Suponhamos uma carta apreendida ilicitamente, a qual seria dirigida ao chefe de uma poderosa rede de narcotráfico internacional, com extensas ramificações com o crime organizado. Seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual se serve para planejar seus crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, a qual ceifa milhões de vidas de crianças e jovens? Certamente não. 78(grifo nosso) O STF tem se posicionado pela não admissão de tais provas ilícitas em benefício da sociedade (Estado), como exemplificam os julgados: HC 80948 / ES - ESPÍRITO SANTO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Julgamento: 07/08/2001 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: Habeas Corpus. 2. Notitia criminis originária de representação formulada por Deputado Federal com base em degravação de conversa telefônica. 3. Obtenção de provas por meio ilícito. Art. 5º, LVI, da Constituição Federal. Inadmissibilidade. 4. O só fato de a única prova ou referência aos indícios apontados na representação do MPF resultarem de gravação clandestina de conversa telefônica que teria sido concretizada por terceira pessoa, sem qualquer autorização judicial, na linha da jurisprudência do STF, não é elemento invocável a servir de base à propulsão de procedimento criminal legítimo contra um cidadão, que passa a ter a situação de investigado. 5. À vista dos fatos noticiados na representação, o Ministério Público Federal poderá proceder à apuração criminal, respeitados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. 6. Habeas corpus deferido para determinar o trancamento da investigação penal contra o paciente, baseada em elemento de prova ilícita. 79 Interessante, sobre o tema, é o voto do relator Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do HC 79512, ao afirmar que _________________ 77 GOMES, 2008, p. 41. CAPEZ, 2003, p. 261. 79 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 80948 / ES – ESPÍRITO SANTO. Segunda Turma. Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento: 07/08/2001. DJ, 8 dez. 2001. p. 4. 78 43 Não contesto a relatividade dos direitos e garantias fundamentais, sujeitos a restrições na estrita medida da necessidade, em caso de conflito com outros interesses fundamentais igualmente tutelados pela Constituição. Por isso, igualmente não nego, em linha de princípio, a legitimidade do apelo ao critério da proporcionalidade para solver a colisão entre valores constitucionais. Posto não ignore a autoridade do entendimento contrário, resisto, no entanto, a admitir que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa se opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes. É que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou – em prejuízo, se necessário, da eficácia da persecução criminal – pelos valores fundamentais, da dignidade da pessoa humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita.80 Porém, existem alguns julgados que o admitem. No julgamento dos HC 3.982/RJ (1995) e HC 4.138/RJ (1996), do Superior Tribunal de Justiça, o relator Ministro Adhemar Maciel, em voto vencedor, se manifestou, ao admitir interceptação telefônica de réu que estava cumprindo pena por formação de quadrilha armada, no sentido de que: [...] numa análise apressada da jurisprudência americana anterior a 1987, pode-se constatar que a Exclusionary Rule não é tomada em termos absolutos. Como em termos absolutos não é tomada na Alemanha e não deve ser no Brasil. Além de casos gritantes de proteção individual, pode haver, do outro lado da balança, o peso do interesse público a ser preservado e protegido.81(grifo nosso) Também, afastando a inviolabilidade do sigilo de correspondência em benefício do poder estatal, o seguinte julgado: HC 70814 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 01/03/1994 Órgão Julgador: Primeira Turma E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO - OBSERVANCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE COPIAS XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA ANALISE DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. [...] A administração penitenciária, com fundamento em razoes de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de praticas ilícitas. - O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de habeas corpus.82 Em síntese, pode-se afirmar que: _________________ 80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 79512 / RJ – RIO DE JANEIRO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 16/12/1999. DJ, 16 maio 2003. p. 92. 81 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 3982 / RJ – RIO DE JANEIRO. Sexta Turma. Relator: Min. Adhemar Maciel. Julgamento: 05/12/1995. DJ, 26 fev. 1996. p. 4084. 82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 70814 / SP – SÃO PAULO. Primeira Turma. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 01/03/1994. DJ, 24 jun. 1994. p. 16649. 44 a) a liberdade de produção de prova (verdade real/provas inominadas) é atenuada pela garantia constitucional da vedação de provas obtidas por meios ilícitos; b) o uso de provas ilícitas, porém, não é de todo proibido e, como qualquer garantia constitucional, é relativa, sofrendo mitigações em decorrência de outros princípios, notadamente o contraditório e ampla defesa e a proporcionalidade; c) no que tange à utilização das provas ilícitas pro reo, a doutrina e jurisprudência majoritária a admitem, aplicando-se o principio da proporcionalidade na ponderação dos interesses, salvaguardando-se o jus libertatis do cidadão, em situações geralmente acobertadas por exclusão de ilicitude (estado de necessidade e legítima defesa); d) a polêmica maior está na aplicação do princípio da proporcionalidade pro societate, havendo julgados nos dois sentidos. Entretanto, apesar de a vedação constitucional ser um elemento limitativo do poder estatal, não se pode negar que o individual nunca pode se sobrepor ao interesse social, devendo ser admitida também a aplicação pro societate em situações excepcionais devidamente justificadas, objetivando tutelar o interesse maior na repressão estatal à criminalidade, evitando-se a perpetuação de ilícitos sob o manto de suposta inviolabilidade de garantias individuais. 2.4 PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO Prova ilícita por derivação é aquela que, de per si, é perfeitamente legal, mas carrega consigo vício anterior proveniente de uma prova primária da qual necessariamente decorre. Fernando Capez as define como: [...] aquelas lícitas em si mesmas, mas produzidas a partir de um fato ilícito. Por exemplo: um documento é apreendido em um domicílio, em diligência de busca e apreensão, sem prévia autorização judicial. A prova será considerada ilícita. Entretanto, a partir dessa prova, não utilizada no processo, chega-se a testemunhas e a outros documentos regularmente produzidos (provas lícitas em si mesmas). Essas últimas não poderão ser aceitas, uma vez que contaminadas pelo vício de ilicitude em sua origem, o qual atinge todas as provas subsequentes.83 (grifo nosso) Essa questão foi colocada à Suprema Corte norte-americana no julgamento do caso Silverthone Lumber Co v. United States, em 1920, que a partir de então formulou a chamada _________________ 83 CAPEZ, 2003, p. 260. 45 fruit of the poisonous tree doctrine ou taint doctrin, segundo a qual a regra de exclusão é aplicável a toda prova maculada por uma investigação inconstitucional84. O tema também tem sido objeto de consideração pela doutrina alemã, que não tem posição firmada a respeito do chamado efeito à distância (fernwirkung) em relação à prova proibida85. No Brasil, maior discussão sobre o tema iniciou-se com o julgamento do HC 69.912/RS, leading case, no qual se entendeu, por 06 votos a 05, serem válidas as provas ilícitas por derivação, repelindo a teoria dos frutos da árvore envenenada. Todavia, como o Ministro Carlos Velloso, que votou pela validade de tais provas, estava impedido, foi realizada nova sessão de julgamento, modificando-se a votação para 05 a 05, concedendo-se a ordem em virtude do empate e, consequentemente, rejeitando as provas derivadas. O acórdão ficou assim ementado: HC-segundo 69912 / RS - RIO GRANDE DO SUL SEGUNDO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 16/12/1993 Órgão Julgador: Tribunal Pleno PROVA ILICITA: ESCUTA TELEFONICA MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL: AFIRMAÇÃO PELA MAIORIA DA EXIGÊNCIA DE LEI, ATÉ AGORA NÃO EDITADA, PARA QUE, "NAS HIPÓTESES E NA FORMA" POR ELA ESTABELECIDAS, POSSA O JUIZ, NOS TERMOS DO ART. 5., XII, DA CONSTITUIÇÃO, AUTORIZAR A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFONICA PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. Não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de ministro impedido (ms 21.750, 24.11.93, Velloso); consequente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica - a falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la - contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.86 Assim, o STF ficou dividido a respeito da matéria. No julgamento do HC 72.588/PB, entendeu-se, por 06 votos a favor e 05 contra, pela existência da ilicitude derivada, nos seguintes termos: HC 72588 / PB - PARAÍBA HABEAS CORPUS _________________ 84 GOMES FILHO, 2008, p. 266. GOMES FILHO, loc. cit. 86 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 69912 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 16/12/1993. DJ, 25 mar. 1994. p. 6012. 85 46 Relator (a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 12/06/1996 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: HABEAS-CORPUS. CRIME QUALIFICADO DE EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO (CP, ART. 357, PÁR. ÚNICO). CONJUNTO PROBATÓRIO FUNDADO, EXCLUSIVAMENTE, DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR ORDEM JUDICIAL, PORÉM, PARA APURAR OUTROS FATOS (TRÁFICO DE ENTORPECENTES): VIOLAÇÃO DO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO. 1. O art. 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, art. 5º, LVI). b) O art. 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (art. 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. 2. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo. 5. Habeas-corpus conhecido e provido para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, por maioria de 6 votos contra 5.87 A partir daí, assentou-se o entendimento da aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada no direito brasileiro, conforme demonstram os julgados abaixo colacionados: HC 74116 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Relator (a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 05/11/1996 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: HABEAS-CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA ILÍCITA: ESCUTA TELEFÔNICA. 1. É ilícita a prova produzida mediante escuta telefônica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei nº 9.296, de 24.07.96, que regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal; são igualmente ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes: aplicação da doutrina norteamericana dos "frutos da árvore venenosa". 2. Inexistência de prova autônoma. 3. Precedente do Plenário: HC nº 72.588-1-PB. 4. Habeas-corpus conhecido e deferido por empate na votação (RI-STF, art.150, § 3º), para anular o processo ab initio, inclusive a denúncia, e determinar a expedição de alvará de soltura em favor do paciente.88 HC-QO 74299 / SP - SÃO PAULO QUESTÃO DE ORDEM NO HABEAS CORPUS _________________ 87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72588 / PB – PARAÍBA. Tribunal Pleno. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 12/06/1996. DJ, 4 ago. 2000. p. 3. 88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 74116 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 05/11/1996. DJ, 14 mar. 1996. p. 6903. 47 Relator (a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Julgamento: 13/05/1997 Órgão Julgador: Segunda turma EMENTA: - Habeas Corpus. 2. Decisão em que ficou anulado o processo criminal, com base no voto do relator, a partir do entendimento de que toda a persecução criminal havia resultado de escuta telefônica ilícita. 3. Não constando da decisão fossem os pacientes postos em liberdade, requereu o impetrante se renovasse a comunicação à Corte indigitada coatora, nela incluída essa ordem. 4. Pedido que a Presidência da Turma submeteu à sua deliberação em Questão de Ordem. 5. Questão de Ordem resolvida, à vista dos termos e fundamentos do voto condutor do acórdão concessivo do "writ", no sentido de renovar a comunicação para nela fazer inserir ordem de os réus serem postos em liberdade, se por "al" não tiverem de permanecer presos.89 HC 75007 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 27/05/1997 Órgão Julgador: Segunda Turma COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de superior. PROVA ILÍCITA - ESCUTA TELEFÔNICA - PRECEITO CONSTITUCIONAL - REGULAMENTAÇÃO. Não é auto-aplicável o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. Exsurge ilícita a prova produzida em período anterior à regulamentação do dispositivo constitucional. PROVA ILÍCITA CONTAMINAÇÃO. Decorrendo as demais provas do que levantado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem. Precedente: habeas-corpus nº 69.912/RJ, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence perante o Pleno, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 25 de março de 1994.90 Referido entendimento fundamentava-se no princípio da contaminação, da causalidade ou da consequencialidade, segundo o qual a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência (art. 573, §1º, do CPP).91 Mais recente é o seguinte julgado: HC 93050 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 10/06/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma [...] A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos _________________ 89 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 74299 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento: 13/05/1997. DJ, 15 ago. 1997. p. 37036. 90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 75007 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento: 27/05/1997. DJ, 8 set. 2000. p. 5. 91 GOMES, 2008, p. 38. 48 destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos.92 Sufragando entendimento da Corte Suprema, a Lei 11.690/08, acrescentou o §1º ao art. 157 do CPP, nos seguintes termos: § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. Dessa forma, atualmente não subsiste qualquer dúvida sobre a aplicação de tal teoria no direito brasileiro, cabível por força de lei. Sobre tal teoria esclarece Antonio Magalhães Gomes Filho que: [...] apesar das evidentes dificuldades que se apresentam para uma solução uniforme de tais situações, dadas às particularidades de cada caso concreto, é impossível negar a priori a contaminação da prova secundária pela ilicitude inicial, não somente por um critério de causalidade, mas principalmente em razão da finalidade com que são estabelecidas as proibições em análise. De nada valeriam tais restrições à admissibilidade da prova se, por via derivada, informações colhidas a partir de uma violação ao ordenamento pudessem servir ao convencimento do juiz – nessa matéria importante ressaltar o elemento profilático, evitando-se condutas atentatórias aos direitos fundamentais e à própria administração correta e leal da justiça penal.93(grifo nosso) Lendo-se esse texto legal (art. 157, §1º, CPP), pode-se dele extrair três regras: 1ª) comprovando-se o nexo de causalidade entre a prova ilícita e a subsequente, esta última também é ilícita (prova ilícita por derivação); 2ª) não evidenciado o nexo de causalidade entre a prova ilícita (precedente) e a subsequente, esta última é valida; 3ª) mesmo evidenciado o nexo de causalidade entre a prova ilícita (precedente) e a subsequente, esta última é válida quando puder ser obtida por fonte independente.94 _________________ 92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93050 / RJ – RIO DE JANEIRO. Segunda Turma. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 10/06/2008. DJ, 1° ago. 2008. p. 700. 93 GOMES FILHO, 2008, p. 267. 94 GOMES, 2008, p. 38. 49 Dessa forma, tudo se resume à análise do nexo de causalidade. Não comprovado o nexo, conclui-se que se trata de prova totalmente independente e, por conseguinte, válida. Todavia, mesmo se evidenciado o nexo de causalidade, a adoção pura e irrestrita desta teoria criou constrangedoras e inaceitáveis situações de impunidade na sociedade norteamericana, de modo que se passou a admitir algumas exceções a tal aplicação, destacadas abaixo. 2.4.1 Exceção ou teoria da fonte independente (“independente source”) Foi reconhecida pela Suprema Corte americana, no caso Bynum v. U.S., de 1960, assim resumido: o acusado havia sido preso ilegalmente e, nessa ocasião, foram tiradas suas impressões digitais, que comprovaram seu relacionamento com um roubo; a prova foi excluída porque derivada da prisão ilegal. Num segundo julgamento, a acusação trouxe, para comparação, outras impressões digitais, mais antigas, que estavam nos arquivos do FBI. Assim, reconheceu-se a validade da prova, pois agora não havia conexão com a prisão arbitrária.95 A Lei 11.690/08 definiu fonte independente no art. 157, §2º, do CPP, desta forma: “Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Há críticas sobre referido conceito, visto que a lei dá a entender que basta a simples possibilidade de que a prova venha a ser obtida por meio ilícito para afastar sua contaminação pela ilegalidade inicial, colocando em risco a própria finalidade da vedação constitucional, que não é outra senão a de coibir atentados aos direitos individuais estabelecidos na Lei Maior, abrindo as portas para que qualquer prova derivada de outra ilícita venha a ser convalidada. Em suma, para alguns, como está redigido, o texto do art. 157, §2º, do CPP, é inconstitucional.96 Na hipótese de haver uma fonte independente, a prova derivada tem concretamente duas origens, uma lícita e outra ilícita, de tal modo que ainda que suprimida a fonte ilegal, o dado probatório trazido ao processo subsiste e, por isso, pode ser validamente utilizado. Para Antonio Magalhães Gomes Filho, nem mesmo seria correto falar em exceção à regra de _________________ 95 96 GOMES FILHO, 2008, p. 267. Ibid., p. 269. 50 contaminação da prova derivada, pois na verdade o que se exclui é a própria relação de causalidade.97 Nesse sentido: HC 93050 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 10/06/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma [...] Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. - A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA ("AN INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)", v.g..98 Percebe-se que o Supremo Tribunal Federal admite tal exceção, agora legalmente prevista. 2.4.2 Exceção ou teoria da descoberta inevitável (“inevitable discovery”) No caso Nix v. Williams, de 1984, a Suprema Corte americana concluiu que a doutrina dos frutos envenenados também não se aplicava aos casos em que a prova seria inevitavelmente descoberta por uma investigação legal. Na situação então examinada, o acusado havia matado uma criança e ocultado o corpo. Iniciadas buscas pela polícia, com a ajuda de cerca de 200 voluntários, o acusado fez uma confissão, ilegalmente obtida, indicando a localização do corpo. A Corte considerou ilegal essa confissão, mas válida a descoberta do corpo, pois era inevitável e não tinha relação com a ilegalidade.99 _________________ 97 Ibid., p. 268. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93050 / RJ – RIO DE JANEIRO. Segunda Turma. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 10/06/2008. DJ, 1° ago. 2008. p. 700. 99 GOMES, 2008, p. 42. 98 51 Nessa situação, a prova tem efetivamente uma origem ilícita, mas as circunstâncias do caso permitem considerar que seria inevitavelmente obtida, mesmo se suprimida a fonte ilícita. Luiz Flávio Gomes adverte que a proximidade conceitual com a teoria da fonte independente é incontestável. Para ele, a primeira teoria já seria suficiente para explicar ambas as situações.100 Tal teoria deve se basear em dados concretos, num juízo de probabilidade, não em mera especulação de possível descoberta, sob pena de se violar a garantia constitucional de vedação das provas ilícitas. Não há precedentes do STF sobre a matéria. 2.4.3 Teoria do nexo causal atenuado Tem origem no direito norte-americano (purged taint), no julgamento do caso Wonh Sun v. U.S., em 1963. Há uma atenuação do nexo causal entre a prova primária (ilícita) e a secundária, não em razão de ser independente (independent source), mas sim em virtude do espaço temporal decorrido entre uma e outra, bem como as circunstâncias intervenientes no conjunto probatório. Não há precedentes do STF sobre a matéria. 2.4.4 Exceção ou limitação da contaminação expurgada Luiz Flávio Gomes a explica com o seguinte exemplo: o agente confessa mediante tortura e indica seu co-autor, que também confessa. Essa segunda prova é ilícita por derivação e não vale. Dias depois o co-autor, na presença de seu advogado, delibera confessar livremente o delito perante o juiz. A contaminação precedente fica expurgada.101 Não há previsão legal nem pronunciamento dos tribunais a respeito. _________________ 100 101 GOMES, 2008, p. 42. GOMES, 2008, p. 42. 52 2.4.5 Exceção da boa-fé Também originária do direito norte-americano. Se a autoridade executora e produtora da prova atua com boa-fé, mesmo que contrarie aos ditames legais, a prova será válida. É inadmissível no sistema jurídico brasileiro. A boa-fé do agente no momento da obtenção da prova em nada afasta a mácula original da ilicitude. 2.4.6 Teoria do encontro fortuito de provas Hipótese em que a autoridade policial, cumprindo uma diligência, encontra, casualmente, provas que não estão no desdobramento normal da investigação. Ex: na interceptação telefônica de A, descobre-se crime praticado por B. Funciona como notitia criminis, não havendo que se falar em prova ilícita. O STF admite a possibilidade do encontro fortuito de provas. HC 84224 / DF - DISTRITO FEDERAL HABEAS CORPUS Relator (a): Min. GILMAR MENDES Relator (a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA Julgamento: 27/02/2007 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CORRUPÇÃO ATIVA. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ANÁLISE DETIDA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO WRIT. DEFERIMENTO DA REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PARA APURAR A PRÁTICA DE OUTROS CRIMES, DIVERSOS DOS CONTIDOS NA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. CONTEXTO DA OPERAÇÃO "ANACONDA". VIOLAÇÃO AO DIREITO DE DEFESA PRELIMINAR PREVISTO PELA LEI N° 8.038/90. IMPROCEDÊNCIA. CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL OBSERVADOS, EM RELAÇÃO AOS FATOS IMPUTADOS. ANÁLISE DA PRÁTICA DE OUTROS CRIMES NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ACUSAÇÃO E DE DEFESA. DESENTRANHAMENTO DAS PROVAS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. [...] 5. Legalidade do deferimento de diligências requeridas no bojo da denúncia, para o fim de apurar a possível prática de outros crimes, além daqueles narrados na denúncia. Estreita ligação entre os fatos apurados na ação penal de origem e aqueles averiguados na "Operação Anaconda". Caso legítimo de "descoberta fortuita" em investigação criminal. Razoabilidade. 6. O deferimento de diligências para apurar outros fatos, diversos daqueles narrados na denúncia, não configurou violação ao procedimento do contraditório preambular previsto nos artigos 4º e 5º da Lei n° 8.038/90, pois a decisão impugnada determinou, textualmente, a notificação dos acusados para oferecer resposta preliminar aos termos da denúncia. 7. De todo modo, resta claro que os outros crimes não narrados na denúncia não poderão ser julgados na ação penal de origem, pois em relação aos mesmos não houve qualquer acusação, nem pôde o paciente se defender na oportunidade que lhe foi oferecida. 8. Ordem parcialmente concedida, apenas 53 para garantir o desentranhamento dos documentos destinados a provar fatos em tese criminosos diversos daqueles narrados na denúncia, podendo, contudo, servir de lastro probatório para o oferecimento de outra ação penal.102 2.5 INCIDENTE DE INUTILIZAÇÃO DA PROVA ILÍCITA O art. 157, com redação trazida pela Lei 11.690/08, dispõe que são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Mesmo antes da referida lei, já se entendia pelo desentranhamento de tais provas, pois, conforme leciona Antonio Magalhães Gomes Filho, a sanção prevista na Constituição para a prova reconhecida ilícita é a inadmissibilidade processual. Isso significa que a prova viciada não pode ter ingresso nos autos do processo – se isso ocorrer, deve ser desentranhada.103 Quanto às provas ilegítimas, observando a distinção doutrinária clássica, adotava-se o sistema das nulidades, de modo que as provas permaneciam no processo mas tinha sua nulidade decretada pelo juiz. Com o novo conceito de provas ilícitas, assim entendidas as obtidas com violação a normas constitucionais e legais, qualquer prova violadora de norma jurídica, não importa se de caráter material ou processual, é considerada inadmissível, não devendo ser juntada aos autos, sob pena de desentranhamento. Entendimento que se confirma com os julgados abaixo transcritos: HC 82862 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 19/02/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: PROVA. Criminal. Documentos. Papéis confidenciais pertencentes a empresa. Cópias obtidas, sem autorização nem conhecimento desta, por exempregado. Juntada em autos de inquérito policial. Providência deferida em mandado de segurança impetrado por representante do Ministério Público. Inadmissibilidade. Prova ilícita. Ofensa ao art. 5º, LVI, da CF, e aos arts. 152, § único, 153 e 154 do CP. Desentranhamento determinado. HC concedido para esse fim. Não se admite, sob nenhum pretexto ou fundamento, a juntada, em autos de inquérito policial ou de ação penal, de cópias ou originais de documentos confidenciais de empresa, obtidos, sem autorização nem conhecimento desta, por _________________ 102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 84224 / DF – DISTRITO FEDERAL. Segunda Turma. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento: 27/02/2007. DJ, 16 maio 2008. p. 522. 103 GOMES FILHO, 2008, p. 270. 54 ex-empregado, ainda que autorizada aquela por sentença em mandado de segurança impetrado por representante do Ministério Público.104 HC 111972 / RJ HABEAS CORPUS Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (8145) SEXTA TURMA Julgamento: 18/12/2008 [...] 10. Demonstrada a ilicitude da prova sob enfoque, ela deve ser desentranhada dos autos, vedando-se às partes sobre ela se manifestarem em plenário, sob pena de exercício de influência negativa ao Conselho de Sentença, o qual somente pode deliberar sobre provas licitamente colhidas. [...] 20. Ordem parcialmente concedida, apenas para excluir dos autos a prova ilicitamente colhida.105 RMS 8559 / SC RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA Relator (a) Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (1084) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 12/06/1998 RMS - CONSTITUCIONAL - PROCESSO PENAL - PROVA ILICITA - Admitem-se, em juízo, todos os meios de prova, salvo as obtidas por meio ilícito. As provas ilícitas, porque proibidas, não podem ser consideradas. Cumpre desentranhá-las dos autos.106 Todavia, o desentranhamento deve ser necessário para o desenvolvimento regular do processo, não sendo utilizado em todas as hipóteses: RE-AgR 212171 / RJ - RIO DE JANEIRO AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 17/11/1997 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROVA ILÍCITA. DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS DAS DEGRAVAÇÕES. EXISTÊNCIA DE PROVA AUTÔNOMA. ESCUTA TELEFÔNICA DESPREZADA PELO JUÍZO DA INSTRUÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO A SER PROTEGIDO. 1. O fato de constar do processo a degravação de conversas, obtidas mediante escuta telefônica, nenhum prejuízo advém ao réu quando essa prova houver sido rechaçada pelo juízo da instrução. 2. Prova ilícita desprezada. Desentranhamento dos autos. Inutilidade da prestação jurisdicional requerida. Ausência de interesse jurídico a ser protegido ante a declaração de ilegitimidade da escuta telefônica. Agravo regimental não provido.107 HC 89032 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. MENEZES DIREITO Julgamento: 09/10/2007 Órgão Julgador: Primeira Turma _________________ 104 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 82862 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 19/02/2008. DJ, 13 jun. 2008. p. 348. 105 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 111972 / RJ – RIO DE JANEIRO. Sexta Turma. Relator: Min. Jane Silva. Julgamento: 18/12/2008. DJ, 1° ago 2008. 106 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 8559 / SC – SANTA CATARINA. Segunda Turma. Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Julgamento: 12/06/1998. DJ, 3 ago. 1998. p. 328. 107 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-AgR 212171 / RJ – RIO DE JANEIRO. Segunda Turma. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 17/11/2007. DJ, 27 fev. 1998. p. 8. 55 EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Penal e processual penal. Sentença condenatória fundada em provas ilícitas. Inocorrência da aplicação da teoria dos "frutos da árvore envenenada". Provas autônomas. Desnecessidade de desentranhamento da prova ilícita. Impossibilidade de aplicação do art. 580 do CPP à espécie. Inocorrência de ofensa aos artigos 59 e 68 do Código Penal. Habeas corpus indeferido. Liminar cassada. 1. A prova tida como ilícita não contaminou os demais elementos do acervo probatório, que são autônomos, não havendo motivo para a anulação da sentença. 2. Desnecessário o desentranhamento dos autos da prova declarada ilícita, diante da ausência de qualquer resultado prático em tal providência, considerado, ademais que a ação penal transitou em julgado. 3. É Impossível, na espécie, a aplicação da regra contida no art. 580 do Código de Processo Penal, pois há diferença de situação entre o paciente e o co-réu absolvido, certo que em relação ao primeiro existiam provas idôneas e suficientes para respaldar sua condenação. 4. No que se refere aos fundamentos adotados na dosimetria da pena, não se vislumbra ofensa aos artigos 59 e 68 do Código Penal. A motivação dada pelo Juízo sentenciante, além de satisfatória, demonstrou proporcionalidade entre a conduta ilícita e a pena aplicada em concreto, dentre os limites estabelecidos pela legislação de regência. 5. Habeas corpus denegado e liminar cassada.108 Sendo assim, verdadeira inovação trazida pela Lei 11.690/08 foi o incidente de inutilização de prova declarada ilícita, prevista no art. 157, §3º, do CPP, que assim dispõe: “Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente”. Sobre isso, esclarece Antônio Magalhães Gomes Filho que o texto afastou-se do Projeto de Lei 4.205/2001, que previa: preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada ilícita, serão tomadas as providências para o arquivamento sigiloso em cartório.109 Criticando o texto da lei, referido autor leciona que é perfeitamente viável que a prova declarada ilícita num processo possa vir a ser utilizada validamente em outro. Pense-se, por exemplo, na situação em que os autores da violação de direito, da qual resultou a prova ilícita, venham a ser processados pelo crime correspondente (tortura, interceptação telefônica ilegal, etc.). Nesse caso, se inutilizada a prova, como manda a lei, ficaria prejudicada a demonstração do próprio fato praticado para obtê-la. Não se pode descartar, ainda, a hipótese de se usar uma prova ilícita pro reo em outro processo, como o de revisão criminal.110 Entretanto, apesar da possível utilização da prova desentranhada em outro processo, notadamente para comprovar o próprio ilícito praticado em sua obtenção, também é razoável de se observar que, estruturalmente falando, os cartórios/secretarias das varas não comportam guardar mais documentos dos que já costumam arquivar. Desta forma, ponderando as situações, parece mais adequada uma mitigação do rigor legal, cabendo ao juiz, ao proferir decisão de desentranhamento, avaliar a conveniência de _________________ 108 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 89032 / SP – SÃO PAULO. Primeira Turma. Relator: Min. Menezes Direito. Julgamento: 09/10/2007. DJ, 23 nov. 2007. p. 79. 109 GOMES FILHO, 2008, p. 270. 56 manutenção de tal prova em pasta especial sigilosa, precavendo-se de uma futura e possível utilização. Interessante é observar o momento em que ocorre a preclusão da decisão que declara inadmissível a prova ilícita. Antonio Magalhães Gomes Filho entende que a preclusão só ocorre com o trânsito em julgado da sentença final, condenatória ou absolutória. Parece adequado tal entendimento, afinal, a importância da prova é formar a convicção do julgador, a qual será sintetizada na sentença. Ademais, minoram-se os prejuízos que a inutilização completa da prova possa causar. Em matéria recursal, tem-se o seguinte: a) Para a exclusão da prova ilícita dos autos, o habeas corpus é o instrumento idôneo, consoante consolidada jurisprudência do STF. Nada impede, porém, por economia e celeridade, o requerimento mediante simples petição dirigido ao juiz da causa. HC 80949 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 30/10/2001 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação à pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal.111 b) Por outro lado, contra decisão do juiz que reconhece ilicitude da prova e determina seu desentranhamento dos autos, apesar de não haver expressa previsão legal, entende-se que cabe recurso em sentido estrito (art. 581, CPP), 112 aplicando-se, para uns , o inciso XIII, pois toda decisão que reconhece a 113 ilicitude da prova está anulando o processo, no todo ou em parte; e para outros , analogicamente o inciso XVIII, que versa sobre o incidente de falsidade. Em julgamento colegiado, de tal decisão cabe agravo regimental. 110 GOMES FILHO, loc. cit. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 89049 / RJ – RIO DE JANEIRO. Primeira Turma. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 30/10/2001. DJ, 14 dez. 2001. p. 26. 112 GOMES, 2008, p. 43-45. 113 GOMES FILHO, 2008, p. 271. 111 57 2.6 CONTAMINAÇÃO DO JUIZ A Lei 11.690/08 (tecnicamente o projeto de lei que a originou) previa um parágrafo quarto ao artigo 157 do CPP, cuja redação seria a seguinte: o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir sentença ou acórdão. Esse novo dispositivo legal, absolutamente adequado, cuidava da contaminação do juiz que toma conhecimento da prova ilícita. Acertadamente ele reconhecia que não bastava a mera exclusão física (dos autos) das provas ilicitamente obtidas. Isso é necessário, mas insuficiente.114 Todavia, tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, fundado em pareceres do Ministério da Justiça e da Advocacia - Geral da União, pelas seguintes razões: O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão colegiada. Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o dispositivo acima mencionado do projeto em causa, a qual ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.115 Percebe-se que o dispositivo foi vetado por razões de eficácia do processo (celeridade e economia processual). Todavia, esclarece Luiz Flávio Gomes que jamais a lei processual penal cumpre bem o seu papel quando deixa de conciliar a eficácia com as garantias do acusado. A eficácia cede quando se depara com uma garantia absolutamente imprescindível, com é o da imparcialidade do juiz.116 Sobre o tema, esclarecem Marinoni e Arenhart:117 Não se quer dizer, note-se bem, que o juiz que se baseou na prova ilícita irá buscar uma sentença de procedência a qualquer custo, ainda que inexistam outras provas válidas, mas apenas que a valoração dessas outras provas dificilmente se livrará do conhecimento obtido através da prova ilícita. Trata-se de situação que é peculiar à natureza humana, e assim algo que deve ser identificado para que a descontaminação do julgado seja plena ou para que a sua _________________ 114 GOMES, 2008, p. 44. GOMES, loc. cit. 116 GOMES, loc. cit. 117 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual de processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 401. 115 58 descontaminação pelo tribunal elimine- ou previna- qualquer possibilidade de infecção posterior. Portanto, se o tribunal decide que uma das provas que a sentença se baseou é ilícita, o julgamento de primeiro grau deverá ser feito por outro juiz, que não aquele que proferiu a decisão anterior. Também se posiciona a favor da “exclusão” do juiz que teve contato com a prova ilícita Aury Lopes Júnior118, esclarecendo que: Não se pode mais desconsiderar que a sentença é um ato de sentimento, de eleição de significados. Reitere-se: sentenciar deriva de sententiando, gerúndio do verbo sentire. O juiz é alguém que julga com emoção e a sentença é o reflexo desse complexo sentire. Consequentemente, em muitos casos, a decisão deve ser anulada, ainda que sequer mencione a prova ilícita, pois não há nenhuma garantia de que a convicção foi formada exclusivamente a partir de material probatório válido. A garantia da jurisdição vai muito além da mera presença de um juiz (natural, imparcial, etc.): ela está relacionada com a qualidade da jurisdição. Daí porque não basta anular o processo e desentranhar a prova ilícita: deve-se substituir o julgador do processo, na medida em que sua permanência representa um imenso prejuízo, que decorre de pré-juízos (sequer é pré-julgamento, as julgamento completo) que ele fez. Não é crível de se pensar que um mesmo juiz, após julgar e ter sua sentença anulada pela ilicitude da prova (que ele admitiu e muitas vezes até valorou), possa julgar novamente o mesmo caso com imparcialidade e independência. É ingenuidade tratar cartesianamente essa questão, como se a contaminação só atingisse a prova: o maior afetado por ela é o julgador, ainda que inconscientemente. Por outro lado, outros entendem que o veto foi adequado, visto que o juiz que conheceu da prova ilícita terá necessariamente que fundamentar a sua decisão na prova lícita. Assim, mesmo que eventualmente esteja ele, consciente ou inconscientemente, impressionado pela prova inadmissível, não poderá fundar seu julgado senão nos elementos de convicção legítimos. Caberá à instância revisora, se for o caso, rever eventual distorção argumentativa que introduza clandestinamente a prova ilícita no veredicto. Deve-se compreender que, como decorrência lógica do juízo natural, tem-se a necessidade da imparcialidade do juiz, objetivo buscado com o estabelecimento das garantias e vedações aos magistrados (art. 95 e parágrafo único da CF), bem como pela previsão dos institutos de impedimento e suspeição. A duração razoável do processo, erigida em direito fundamental com a EC nº 45/2004 (art. 5º, LXXVIII, CF), não exige um processo instantâneo, mas sim um processo de adequada duração, respeitando todas as outras garantias constitucionais. Parece, desta forma, que a descontaminação do julgado, através de um mecanismo processual que torne possível o julgamento da demanda por outro juiz que não aquele que _________________ 118 GOMES, p. 45 apud LOPES JR., Aury. O resgate da subjetividade no ato de julgar: quando o juiz se põe a pensar e sentir. In: ______. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 278. 59 conheceu da prova declarada ilícita, é providência mais consentânea com o modelo constitucional brasileiro. Diante da ausência de previsão legal, alguns entendem que pode-se utilizar a exceção de suspeição por motivo íntimo para que o magistrado contaminado seja afastado e excluído do novo julgamento. 60 CAPÍTULO 3 - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA 3.1 ASPECTOS GERAIS Sabe-se que a prova tem como destinatário imediato o juiz, visando formar o seu convencimento para a solução da demanda. No processo penal, em razão do princípio da verdade real, deve-se buscar a reconstrução dos fatos para uma solução mais justa possível, tendo em vista a natureza dos bens jurídicos tutelados, notadamente o status libertatis do cidadão. Diante disso, há ampla liberdade da atividade probatória, a qual, todavia, não é ilimitada, sofrendo restrições decorrentes do Estado Democrático de Direito (garantias constitucionais). A principal delas, objeto de estudo do segundo capítulo, é a prova ilícita. Nesta parte final da monografia será abordado um meio de prova que geralmente é inquinado com vícios de ilicitude, aqui abordada no sentido doutrinário clássico como violação a normas de direito material, sendo objeto de constantes debates doutrinários e decisões judiciais. Ressalte-se que tal abordagem será meramente exemplificativa e superficial (não exauriente), dada a amplitude e a densidade deste meio de prova, passível de objeto de trabalho autônomo. 3.2 CARACTERÍSTICAS E CONCEITOS BÁSICOS Dispõe o art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Da análise literal do dispositivo constitucional poder-se-ia pensar que apenas o sigilo das comunicações telefônicas pode ser “violado” em determinadas hipóteses. Todavia, nenhuma garantia constitucional é absoluta, de modo que devem ser aferidas harmonicamente 61 com o texto constitucional, sendo admitida a restrição para assegurar outros valores considerados, em determinada situação, de maior valia. Logo, o sigilo de correspondência e de comunicações telegráficas também pode ser afastado em situações plenamente justificadas, como se vê no julgado abaixo: HC 70814 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 01/03/1994 Órgão Julgador: Primeira Turma E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO - OBSERVANCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE COPIAS XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA ANALISE DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. – [...] A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de praticas ilícitas. - O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de habeas corpus119. Quanto à interceptação telefônica, faz-se necessário estabelecer algumas distinções, conforme leciona Fernando Capez.120 Interceptar é intrometer e interromper, significando, portanto, a conduta de um terceiro, estranho à conversa que se intromete e capta a conversa dos interlocutores. Subdivide-se em: a) Interceptação em sentido estrito, que é a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores; b) Escuta telefônica, que é a captação da conversa com o consentimento de apenas um ou alguns dos interlocutores (a polícia costuma fazer escuta em casos de sequestro; a família da vítima geralmente consente nessa prática, obviamente sem o consentimento do sequestrador do outro lado da linha). Ambas exigem o preenchimento de todos os requisitos constitucionais (art. 5º, XII, CF) e legais. Diferente é o caso em que o próprio interlocutor grava a conversa. Aqui não existe a figura do terceiro e, portanto, não se pode falar em interceptação. Trata-se de gravação telefônica, também chamada de gravação clandestina, a qual se encontra fora da garantia da inviolabilidade do sigilo e é admitida tanto no Brasil como, em geral, no mundo inteiro. _________________ 119 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 70814 / SP – SÃO PAULO. Primeira Turma. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 01/03/1994. DJ, 24 jun. 1994. p. 16649. 62 Alguns julgados para demonstrar a viabilidade de tal prova: RE 402717 / PR – PARANÁ RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator (a): Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 02/12/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou.121 AI-AgR 503617 / PR – PARANÁ AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 01/02/2005 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. [...]122 HC 75338 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. NELSON JOBIM Julgamento: 11/03/1998 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: HABEAS CORPUS. PROVA. LICITUDE. GRAVAÇÃO DE TELEFONEMA POR INTERLOCUTOR. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida.123 HC 80949 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 30/10/2001 Órgão Julgador: Primeira Turma 120 CAPEZ, 2003, p. 257. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 402717 / PR – PARANÁ. Segunda Turma. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 02/12/2008. DJ, 12 fev. 2009. p. 650. 122 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI-AgR 503617 / PR – PARANÁ. Segunda Turma. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgamento: 01/02/2005. DJ, 4 mar. 2005. p. 30. 123 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 75338 / RJ – RIO DE JANEIRO. Segunda Turma. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 11/03/1998. DJ, 25 set. 1998. p. 11. 121 63 EMENTA: [...] III. Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não dá evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa informal", modalidade de "interrogatório" sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. [...]5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. [...]124 HC 74678 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. MOREIRA ALVES Julgamento: 10/06/1997 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: "Habeas corpus". Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). "Habeas corpus" indeferido.125 HC 75261 / MG - MINAS GERAIS HABEAS CORPUS Relator (a): Min. OCTAVIO GALLOTTI Julgamento: 24/06/1997 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: - 1. Interceptação telefônica e gravação de negociações entabuladas entre sequestradores, de um lado, e policiais e parentes da vítima, de outro, com o conhecimento dos últimos, recipiendários das ligações. Licitude desse meio de prova. Precedente do STF: (HC 74.678, 1ª Turma, 10-6-97). [...]126 A gravação somente não será admitida, e será considerada ilícita, quando afrontar outra garantia, qual seja, a da inviolabilidade da intimidade. Deve ser aferida sua legalidade/admissibilidade em cada caso, conforme julgado abaixo: Apn 479 / RJ AÇÃO PENAL 2005/0132002-3 Relator (a) Ministro FELIX FISCHER (1109) _________________ 124 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 80949 / RJ – RIO DE JANEIRO. Primeira Turma. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 30/10/2001. DJ, 14 dez. 2001. p. 26. 125 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 74678 / SP – SÃO PAULO. Primeira Turma. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento: 10/06/1997. DJ, 15 ago. 1997. p. 37036. 126 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 75261 / MG – MINAS GERAIS. Primeira Turma. Relator: Min. Octavio Gallotti. Julgamento: 24/06/1997. DJ, 22 ago. 1997. p. 38764. 64 Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL Data do Julgamento 29/06/2007 AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. INVESTIDA CRIMINOSA NÃO CONFIGURADA. ILICITUDE DA PROVA. AFRONTA À PRIVACIDADE (ART. 5º, X, DA CF). INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO CIVIL E CRIMINAL. ART. 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA SUSTENTAR O RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ART. 6º DA LEI 8.038/90. I - A análise da licitude ou não da gravação de conversa por um dos interlocutores sem a ciência do outro deve ser verificada de caso a caso. II - Quando a gravação se refere a fato pretérito, consumado e sem exaurimento ou desdobramento, danoso e futuro ou concomitante, tem-se, normalmente e em princípio, a hipótese de violação à privacidade. Todavia, demonstrada a investida criminosa contra o autor da gravação, a atuação deste - em razão, inclusive, do teor daquilo que foi gravado - pode, às vezes, indicar a ocorrência de excludente de ilicitude (a par da quaestio do princípio da proporcionalidade). A investida, uma vez caracterizada, tornaria, daí, lícita a gravação (precedente do Pretório Excelso, inclusive, do c. Plenário). Por outro lado, realizada a gravação às escondidas, na residência do acusado, e sendo inviável a verificação suficiente do conteúdo das degravações efetuadas, dada a imprestabilidade do material, sem o exato delineamento da hipotética investida, tal prova não pode ser admitida, porquanto violadora da privacidade de participante do diálogo (art. 5º, inciso X, da CF) [...].127 Comunicação telefônica é a transmissão, emissão, receptação e decodificação de sinais linguísticos, caracteres escritos, imagens, sons, símbolos de qualquer natureza veiculados pelo telefone estático ou móvel.128 Interessante é o parágrafo único do art. 1º da Lei 9.296/96, o qual informa que “o disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”. Sobre referido dispositivo pairam divergências doutrinárias sobre sua constitucionalidade ou não, diante do possível alargamento da garantia constitucional. Basicamente, existem duas posições:129 • o preceito é inconstitucional, visto que o art. 5, XII, da CF só permite a interceptação das comunicações telefônicas. (Vicente Greco Filho e Antônio Magalhães Gomes Filho). • o preceito é constitucional, já que as comunicações de informática e telemática são espécies de comunicações telefônicas. (Luiz Flávio Gomes e Alexandre de Moraes). _________________ 127 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Apn 479 / RJ – RIO DE JANEIRO. Corte Especial. Relator: Min. Felix Fischer. Julgamento: 29/06/2007. DJ, 1° out. 2007. p. 198. 128 CAPEZ, 2003, p. 256. 129 AQUINO, Rogério Augusto Ramalho de. Teoria do resultado das comunicações e a interceptação da comunicação de dados. Disponível em: <htpp://www.lfg.com.br>. Acesso em: 06 abr. 2009. 65 A questão foi submetida ao Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 1.488 ajuizada pela Associação dos Delegados do Brasil, cuja decisão monocrática final proferida pelo relator, Min. Néri da Silveira, em 09 de março de 2001, foi pelo não conhecimento da ação em razão da ilegitimidade ativa da ADEPOL para propor ação direta de inconstitucionalidade, haja vista tratar-se de “associação de associação” que não se enquadra no conceito de entidade de classe previsto no art. 103, IX, da CF. Percebe-se, assim, que a polêmica não foi resolvida. Resumindo, entende-se por interceptação a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento de um só deles. Se o meio utilizado for o “grampeamento” do telefone, tem-se a interceptação telefônica; caso se trate de captação de conversa por um gravador, colocado por terceiro, tem-se a interceptação entre presentes, também chamada de interceptação ambiental.130 Contudo, se um dos interlocutores grava a sua própria conversa, telefônica ou não, com o outro, sem o conhecimento deste, falase apenas em gravação clandestina. Antes da Constituição de 1988, o sistema brasileiro prescrevia, em nível constitucional, a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, de maneira aparentemente absoluta, salvo na hipótese de estado de sítio e de estado ou medidas de emergência.131 Dividia-se então a doutrina quanto à admissibilidade de interceptações telefônicas, efetuadas nos termos do art. 157, II, e, do Código de Telecomunicações, que estabelece não constituir violação de telecomunicação “[...] o conhecimento dado ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste”. Uns acreditavam que citado dispositivo era inconstitucional, ao passo que outros, consideravam-no válido, diante da relatividade dos direitos fundamentais, os quais devem ser interpretados harmonicamente. 3.3 REQUISITOS O art. 5º, XII, da CF estabelece os requisitos da interceptação telefônica: _________________ 130 131 GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1997, p. 195-196. Ibid., p. 198. 66 1) Prévia autorização judicial – somente magistrado (reserva de jurisdição). Delegado de polícia e Comissões Parlamentares de Inquérito não têm competência. Essas últimas têm competência apenas para decretar a quebra do sigilo telefônico (dados, extrato telefônico que indica as ligações que foram feitas, mas não o teor da conversa, a qual é obtida por meio de interceptação telefônica); MS-REF-MC 27483 / DF - DISTRITO FEDERAL REFERENDO EM MED.CAUT. MANDADO DE SEGURANÇA Relator (a): Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 14/08/2008 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTAS: [...] 2. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - CPI. Prova. Interceptação telefônica. Decisão judicial. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Requisição, às operadoras, de cópias das ordens judiciais e dos mandados de interceptação. Inadmissibilidade. Poder que não tem caráter instrutório ou de investigação. Competência exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. [...] Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes constitucionais.132 MS 23452 / RJ - RIO DE JANEIRO MANDADO DE SEGURANÇA Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 16/09/1999 Órgão Julgador: Tribunal Pleno E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, §3º) - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO, ORDENOU MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A DIREITOS MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. – [...] A QUEBRA DO SIGILO CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar. [...] POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO: UM TEMA AINDA PENDENTE DE DEFINIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja _________________ 132 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 27483 / DF – DISTRITO FEDERAL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 14/08/2008. DJ, 10 out. 2008. p. 189. 67 eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais". A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina.133 2) Fins de investigação criminal e instrução processual penal – não é cabível para processos de natureza cível, com, por exemplo, ação de separação por adultério, em que é comum a ação de detetives particulares “grampeando” o telefone do cônjuge suspeito; 3) Hipóteses e formas previstas em lei – trata-se de norma constitucional de eficácia limitada e aplicabilidade indireta ou mediata, ou seja, norma sem normatividade jurídica suficiente para produzir efeitos instantâneos, necessitando de lei para lhe dar atuação prática; A fim de satisfazer o último requisito, foi editada a Lei 9.296/96, a qual regulamentou referido dispositivo constitucional. Somente a partir de sua vigência é que se tornou possível a diligência de interceptação telefônica, outrora sempre ilegal, conforme se depreende dos julgados abaixo transcritos: HC 72588 / PB – PARAÍBA HABEAS CORPUS Relator (a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 12/06/1996 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: HABEAS-CORPUS. CRIME QUALIFICADO DE EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO (CP, ART. 357, PÁR. ÚNICO). CONJUNTO PROBATÓRIO FUNDADO, EXCLUSIVAMENTE, DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR ORDEM JUDICIAL, PORÉM, PARA APURAR OUTROS FATOS (TRÁFICO DE ENTORPECENTES): VIOLAÇÃO DO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO. 1. O art. 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, art. 5º, LVI). b) O art. 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (art. 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. 2. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de presídio, pois o bem jurídico _________________ 133 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 23452 / RJ – RIO DE JANEIRO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 16/09/1999. DJ, 12 maio 2000. p. 20. 68 protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. [...]134 HC 74599 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. ILMAR GALVÃO Julgamento: 03/12/1996 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido.135 HC 73351 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. ILMAR GALVÃO Julgamento: 09/05/1996 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: HABEAS CORPUS. ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA. ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, inc. XII, da Constituição não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica -- à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la -- contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido.136 Alguns entendiam que, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, seria possível a interceptação telefônica independentemente da regulamentação do dispositivo constitucional em situações excepcionais, como de tráfico de entorpecentes. Existem precedentes desta natureza no STJ e TJRS.137 O art. 2º da citada lei estabelece de forma negativa os requisitos legais para a interceptação telefônica, quais sejam: a) indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; _________________ 134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72588 / PB – PARAÍBA. Tribunal Pleno. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 12/06/1996. DJ, 4 ago. 2000. p. 491. 135 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 74599 / SP – SÃO PAULO. Primeira Turma. Relator: Min. Ilmar Galvão. Julgamento: 03/12/1996. DJ, 7 fev. 1997. p. 1340. 136 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 73351 / SP – SÃO PAULO. Primeira Turma. Relator: Min. Ilmar Galvão. Julgamento: 09/05/1996. DJ, 1° ago. 2008. p. 9. 137 GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1997, p. 203. 69 HC 64096 / PR HABEAS CORPUS Relator (a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA(1128) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 27/05/2008 HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E CORRUPÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NULIDADE DE PROVAS VICIADAS, SEM PREJUÍZO DA TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia anônima. 2. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedente do STJ" (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07). 3. Dispõe o art. 2°, inciso I, da Lei 9.296/96, que "não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando [...] não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal". A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal). [...]138 b) imprescindibilidade da prova, a qual não pode ser feita por outros meios disponíveis, menos drásticos; c) para investigar crimes punidos com reclusão – conforme se vê pelos julgados abaixo colacionados, é possível que referida prova seja emprestada para utilização em processo administrativo disciplinar bem como para apuração de crimes punidos com detenção (conexos). HC 83515 / RS - RIO GRANDE DO SUL HABEAS CORPUS Relator (a): Min. NELSON JOBIM Julgamento: 16/09/2004 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO. [...]5. Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados _________________ 138 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 64096 / PR – PARANÁ. Quinta Turma. Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima. Julgamento: 27/05/2008. DJ, 4 ago. 2008. 70 com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção. Habeas corpus indeferido.139 Inq-QO-QO 2424 / RJ - RIO DE JANEIRO SEG. QUEST. ORD. EM INQUÉRITO Relator (a): Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 20/06/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedente. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova.140 Inq-QO 2725 / SP - SÃO PAULO QUESTÃO DE ORDEM NO INQUÉRITO Relator (a): Min. CARLOS BRITTO Julgamento: 25/06/2008 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. INQUÉRITO POLICIAL. SUPERVISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PEDIDO VEICULADO PELO CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS: COMPARTILHAMENTO DAS INFORMAÇÕES. FINALIDADE: APURAÇÕES DE CUNHO DISCIPLINAR. PRESENÇA DE DADOS OBTIDOS MEDIANTE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, JUDICIALMENTE AUTORIZADA. PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. JUÍZO DE PROPORCIONALIDADE (INCISO XII DO ART. 5º E § 2º DO ART. 55 DA CF/88). PRECEDENTES. 1. A medida pleiteada pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados se mostra adequada, necessária e proporcional ao cumprimento dos objetivos do parágrafo 2º do artigo 55 da Constituição Federal de 1988. 2. Possibilidade de compartilhamento dos dados obtidos mediante interceptação telefônica, judicialmente autorizada, para o fim de subsidiar apurações de cunho disciplinar. Precedente específico: Segunda Questão de Ordem no Inquérito 2.424 (Ministro Cezar Peluso). 3. Questão de Ordem que se resolve no sentido do deferimento da remessa de cópia integral dos autos ao Sr. Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, a quem incumbirá a responsabilidade pela manutenção da cláusula do sigilo de que se revestem as informações fornecidas.141 Esclarece Ada Pelegrini Grinover142 que, corretamente, a lei qualifica o provimento autorizatário da interceptação com cautelar, exigindo, para a ordem, o fumus boni iuris (presença de indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal) e o periculum in _________________ 139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 83515 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 16/09/2004. DJ, 4 mar. 2005. p. 11. 140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 2424 / RJ – RIO DE JANEIRO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 20/06/2007. DJ, 24 ago. 2007. p. 55. 141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 2725 / SP – SÃO PAULO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Carlos Britto. Julgamento: 25/06/2008. DJ, 26 set. 2008. 142 GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1997, p. 208. 71 mora (ínsito na necessidade de a conversa telefônica ser colhida enquanto se desenvolve, sob pena de perder-se a prova). É que as interceptações representam não apenas poderoso instrumento, frequentemente insubstituível, no combate aos crimes mais graves, mas também uma insidiosa ingerência na intimidade não só do suspeito ou acusado, mas até de terceiros, pelo que só devem ser utilizadas como ultima ratio.143 3.4 PROCEDIMENTO A competência para decretação (art. 4º, Lei 9.296/96) é do juiz, de ofício ou a requerimento da autoridade policial (na investigação criminal) ou do representante do Ministério Público (na investigação criminal e na instrução processual penal). Admite-se, excepcionalmente, pedido verbal, caso em que a concessão será condicionada a sua redução a termo. O simples requerimento ministerial não configura constrangimento ilegal, segundo entendimento do STF: HC-AgR 83966 / SP - SÃO PAULO AG.REG.NO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 23/06/2004 Órgão Julgador: Tribunal Pleno E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - RECURSO DE AGRAVO - INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE LITIGIOSIDADE QUE AFETE A IMEDIATA LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO FÍSICA DE QUALQUER INDIVÍDUO - INVIABILIDADE PROCESSUAL DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL DO "HABEAS CORPUS" PARA PRESERVAR A RELAÇÃO DE CONFIDENCIALIDADE QUE DEVE EXISTIR ENTRE ADVOGADO E CLIENTE - IMPETRAÇÃO QUE NÃO APONTA A OCORRÊNCIA DE FATOS CONCRETOS APTOS A ENSEJAR A ADEQUADA UTILIZAÇÃO DA VIA DO "HABEAS CORPUS" - AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA PARA FIGURAR COMO AUTORIDADE COATORA NA PRESENTE IMPETRAÇÃO RECURSO IMPROVIDO. NÃO CABE "HABEAS CORPUS", QUANDO IMPETRADO COM A EXCLUSIVA FINALIDADE DE PRESERVAR E PROTEGER O DIREITO À INTIMIDADE (RELAÇÃO DE CONFIDENCIALIDADE) DOS ADVOGADOS (E DE SEUS EVENTUAIS CLIENTES) VINCULADOS ÀS ASSOCIAÇÕES AGRAVANTES. – [...] A mera formulação, por representante do Ministério Público, de pedido de interceptação telefônica, para os fins a que se refere a Lei nº 9.296/96, por traduzir simples postulação dependente de apreciação jurisdicional (CF, art. 5º, XII), não importa, só por si, em ofensa à liberdade de locomoção física de qualquer pessoa, descaracterizando-se, desse modo, a _________________ 143 Ibid., p. 208. 72 possibilidade de adequada utilização do remédio constitucional do "habeas corpus".144 O juiz, em caso de requerimento, deverá decidir no prazo máximo de vinte e quatro horas, em decisão fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência. Quanto à duração da diligência, nos termos do art. 5º da Lei, “não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”. Apesar da redação confusa do dispositivo, tem-se entendido que as prorrogações são ilimitadas. RHC 85575 / SP - SÃO PAULO RECURSO EM HABEAS CORPUS Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA Julgamento: 28/03/2006 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação. Precedente. Recurso a que se nega provimento.145 HC 84388 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA Julgamento: 26/10/2004 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: HABEAS CORPUS. "OPERAÇÃO ANACONDA". INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE QUANTO ÀS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPORTANTE INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO E APURAÇÃO DE ILÍCITOS. ART. 5º DA LEI 9.296/1996: PRAZO DE 15 DIAS PRORROGÁVEL UMA ÚNICA VEZ POR IGUAL PERÍODO. SUBSISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS QUE CONDUZIRAM À DECRETAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÕES FUNDAMENTADAS E RAZOÁVEIS. A aparente limitação imposta pelo art. 5º da Lei 9.296/1996 não constitui óbice à viabilidade das múltiplas renovações das autorizações. [...]146 HC 83515 / RS - RIO GRANDE DO SUL HABEAS CORPUS Relator (a): Min. NELSON JOBIM Julgamento: 16/09/2004 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA _________________ 144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC-AgR 83966 / SP – SÃO PAULO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 23/06/2004. DJ, 25 nov. 2005. p. 6. 145 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 85575 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento: 28/03/2006. DJ, 16 mar. 2007. p. 43. 146 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 84388 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento: 26/10/2004. DJ, 19 maio 2006. p. 42. 73 DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO. 1. É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296/96 [...]147 O art. 6º, §1º, da Lei 9.296/96, estabelece que “no caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição”. Esse caráter facultativo ligado à possibilidade da degravação/transcrição vem sendo sufragado pelo STF, o qual associa também os fatores de celeridade e necessidade. HC 83515 / RS - RIO GRANDE DO SUL HABEAS CORPUS Relator (a): Min. NELSON JOBIM Julgamento: 16/09/2004 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO. [...] 3. Para fundamentar o pedido de interceptação, a lei apenas exige relatório circunstanciado da polícia com a explicação das conversas e da necessidade da continuação das investigações. Não é exigida a transcrição total dessas conversas o que, em alguns casos, poderia prejudicar a celeridade da investigação e a obtenção das provas necessárias (art. 6º, § 2º, da L. 9.296/96).148 HC-MC 91207 / RJ - RIO DE JANEIRO MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO Relator (a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 11/06/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: HABEAS CORPUS. MEDIDA CAUTELAR. PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE LIMINAR PARA GARANTIR À DEFESA DO PACIENTE O ACESSO À TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS REALIZADAS NO INQUÉRITO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (ART. 5º, INC. LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): INOCORRÊNCIA: LIMINAR INDEFERIDA. 1. É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados os ora Pacientes, pois bastam que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal (art. 5º, inc. LV, da Constituição da República). 2. Liminar indeferida.149 Para os procedimentos de interceptação a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público. Cumprida a _________________ 147 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 83515 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 16/09/2004. DJ, 4 mar. 2005. p. 11. 148 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 83515 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 16/09/2004. DJ, 4 mar. 2005. p. 11. 149 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 91207 / RJ – RIO DE JANEIRO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento: 11/06/2007. DJ, 21 set. 2007. 74 diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas. Nos termos do art. 8º da Lei 9.296/96, a interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas. A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada. Citada lei exige segredo de justiça (art. 1º, in fine), plenamente justificado em razão do direito à intimidade e à vida privada. É sabido que o Inquérito Policial é procedimento administrativo sigiloso. Todavia, tal limitação à publicidade não alcança o advogado do investigado, como prevê o EOAB (Lei 8.906/94), bem como, mais recentemente, a Súmula Vinculante nº 14 do STF, que assim dispõe: é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Todavia, o acesso do advogado aos autos do inquérito não é absoluto, sendo restringido para fins de ordem pública, evitando-se que diligências em curso, como as interceptações telefônicas, resultem ineficazes, conforme julgado abaixo: HC 90232 / AM - AMAZONAS HABEAS CORPUS Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 18/12/2006 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: I. Habeas corpus: inviabilidade: incidência da Súmula 691 ("Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do Relator que, em "habeas corpus" requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar"). II. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial. [...] Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em 75 conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus de ofício deferido, para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial e a obtenção de cópias pertinentes, com as ressalvas mencionadas.150 Há possibilidade de contestação da prova, de modo a se exigir a realização de perícia comprobatória, aplicando-se o seguinte dispositivo previsto no Código de Processo Civil: Art. 383. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade. Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial. A interceptação realizada sem as formalidades legais é considerada crime autônomo previsto no art. 10 da Lei 9.296/96, cujo tipo penal é o seguinte: Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa. Sobre tal ponto, Grinover esclarece que a redação do dispositivo deixa dúvidas quanto à caracterização do ilícito penal em casos que não se ligam propriamente aos ‘objetivos autorizados em lei’ (ou seja, à colheita da prova para fins de investigação criminal ou instrução processual penal). Tratando-se de investigação ou processo penal, mas atinente a crime punido com detenção, poder-se-ia dizer que a interceptação telefônica foi autorizada ‘com objetivos não autorizados em lei’? Lembre-se de que a norma penal não admite interpretação analógica in malam partem e que a expressão referida é elemento do tipo penal.151 Não há pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Parece razoável, todavia, considerar que todos os requisitos previstos no art. 2º da Lei 9.296/96 estão abrangidos pela expressão “objetivos”, constante do referido tipo penal. Trata-se de situação em que a lei disse menos do que buscava, corrigindo-se o problema por simples interpretação extensiva, sem violação à estrita legalidade penal. _________________ 150 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 90232 / AM – AMAZONAS. Primeira Turma. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 18 dez. 2006. DJ, 2 mar. 2007. p. 38. 151 GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1997, p. 217. 76 CONCLUSÃO No Estado Democrático de Direito há o império da lei, notadamente da Constituição Federal, na regulamentação das relações sociais. Nesta tarefa, avulta importância os direitos e garantias individuais como elementos limitativos do poder estatal. Como corolário do princípio da ampla defesa e do contraditório, tem-se o direito à prova, direito de efetiva participação no processo a fim de se formar o convencimento do julgador, o qual, em razão do sistema da persuasão racional, também chamado de livre convencimento motivado, exige a fundamentação das decisões com base nos elementos constantes dos autos (art. 93, IX, CF). Dessa forma, no exercício pleno do direito de ação, e correspondente direito de defesa, buscam as partes a reconstrução dos fatos objeto da demanda, demonstrando a existência ou não do direito material discutido. Nesse ponto é que temas como verdade real, modelo constitucional acusatório e limites dos poderes instrutórios do juiz vem à baila, na constante harmonização entre busca da verdade e necessidade da imparcialidade do juízo. Apesar da importância da prova para que se tenha um processo justo, tal direito fundamental, como qualquer outro, não se reveste de caráter absoluto, devendo ser interpretado de forma sistemática (unidade da Constituição) e harmônica com os demais direitos constitucionalmente assegurados. Diante disso, como principal limitação, tem-se a previsão do art. 5º, LVI, da CF, o qual prescreve que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos. Grande controvérsia doutrinária havia sobre a amplitude dos efeitos de tal norma constitucional, haja vista a clássica distinção entre provas ilícitas e provas ilegítimas. As primeiras caracterizam-se pela violação a normas de direito material, no momento de sua obtenção (extraprocessual), sendo inadmissíveis e consequentemente desentranhadas. Por outro lado, as provas ilegítimas representam transgressão de normas de natureza formal ou processual, no momento de sua produção (endoprocessual), até então eivadas de sanção de nulidade. Atualmente, com o advento da Lei 11.690/08, a qual, numa nítida interpretação autêntica, trouxe novo conceito de provas ilícitas, considerando irrelevante a natureza das normas, as provas ilícitas e ilegítimas são sempre inadmissíveis e devem ser desentranhadas do processo (exclusão a priori), não havendo mais que se falar em aplicação do sistema de nulidades (exclusão a posteriori). 77 Todavia, a pura e simples vedação das provas ilícitas acaba por desrespeitar ou anular outros valores constitucionais, representando aplicação desarrazoada das normas. Sendo assim, com base nos princípios da proporcionalidade (civil law) e razoabilidade (common law), interpretando-se mediante concordância prática ou harmonização, e não mediante exclusão, vem se admitindo a utilização de provas ilícitas pro reo, salvaguardandose, em nome dos princípios do estado de inocência (não-culpabilidade) e contraditório, o status libertatis do cidadão em situações geralmente acobertadas por exclusão de ilicitude (estado de necessidade e legítima defesa). De outra forma, no que tange à aplicação do princípio da proporcionalidade pro societate, a maioria dos juristas enfrenta resistência na sua admissão, haja vista que a vedação das provas ilícitas constitui limitação do poder estatal na busca incessante da verdade, não podendo ser utilizada contra o cidadão. Todavia, em situações excepcionais, com máxima prudência e cautela, apresenta-se adequada tal aplicação, sobrepondo-se o interesse social na repressão da criminalidade e evitando-se a perpetuação de ilícitos sob o manto de suposta inviolabilidade de direitos individuais. Outro ponto interessante diz respeito às provas ilícitas por derivação, consagradas pela teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), admitida pelo Supremo Tribunal Federal desde 1993 e agora, indubitavelmente, por força de lei (art. 157, §1º, do CPP, com redação trazida pela Lei 11.690/08), incorporada ao ordenamento jurídico pátrio. Tal instituto constitui importante forma de se evitar a violação indireta de garantia fundamental (atalhamento constitucional), impedindo que seja eliminada a prova ilícita originária mas aceita prova ilícita em si mas que carrega mácula proveniente da prova primária da qual necessariamente decorre. Entretanto, a vedação absoluta da ilicitude derivada também gera situações de injustiça e impunidade, de modo que foram criadas algumas exceções que mitigam o rigor na aplicação da referida teoria, originárias do direito norte-americano. São elas: a fonte independente, prevista no art.157, §2º, do CPP e admitida pelo STF; descoberta inevitável, nexo causal atenuado e boa-fé do agente produtor da prova,estas últimas sem previsão legal bem como de manifestação dos tribunais brasileiros. A Lei 11.690/08 (tecnicamente o projeto de lei que a originou) previa um parágrafo quarto para o art. 157 do CPP, o qual tratava da contaminação do juiz, impedindo que o magistrado conhecedor de prova ilícita e desentranhada viesse a proferir sentença. 78 Tratava-se de regra que visava resguardar, ao lado das garantias e vedações dos magistrados (art. 95 da CF) bem como das hipóteses de impedimento e suspeição, a imparcialidade do julgador, evitando que este, ainda que inconscientemente, formasse sua convicção com base em provas ilícitas. Infelizmente referido dispositivo foi vetado por não se coadunar com o objetivo primordial da reforma: celeridade e simplicidade processual. Parece ter havido um verdadeiro equívoco, visto que a duração razoável do processo, erigida em direito fundamental com a EC nº 45/2004 (art. 5º, LXXVIII, CF), não exige um processo instantâneo, mas sim um processo de adequada duração, respeitando todos os demais valores constitucionais. Como exemplo de prova constantemente inquinada com vícios de ilicitude tem-se a interceptação telefônica, meio probatório no qual terceiro intervém e capta a conversa entre os interlocutores. Constitui instrumento poderoso de combate à criminalidade, mas que deve ser utilizada em situações excepcionais (ultima ratio), dada a sua própria natureza cautelar. Regulamentando o art. 5, XII, da CF, norma de eficácia limitada, foi editada a Lei 9.296/96, estabelecendo-se os requisitos, o prazo e o procedimento para referida diligência, além de, inclusive, trazer um tipo penal para os casos de interceptação ilegal. A existência e valoração da prova representam elemento primordial para a justa composição da lide e consequente pacificação social. Do mesmo modo que o direito à prova não é absoluto (inadmissibilidade da ilicitude), também não é absoluta a vedação da utilização de provas ilícitas (princípio da proporcionalidade e mitigação da teoria dos frutos da árvore envenenada). Dessa forma, somente com uma interpretação harmônica, ponderando os valores em conflito (situação posta em juízo), alcança-se uma verdadeira e adequada tutela jurisdicional. 79 REFERÊNCIAS AQUINO, Rogério Augusto Ramalho de. Teoria do resultado das comunicações e a interceptação da comunicação de dados. Disponível em: <htpp://www.lfg.com.br>. Acesso em: 6 abr. 2009. ARANHA, Adalberto Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1996. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2. BRASIL. Código de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 625/630. ______. Superior Tribunal de Justiça. Apn 479 / RJ – RIO DE JANEIRO. Corte Especial. Relator: Min. Felix Fischer. Julgamento: 29/06/2007. DJ, 1° out. 2007. p. 198. ______. ______. HC 111972 / RJ – RIO DE JANEIRO. Sexta Turma. Relator: Min. Jane Silva. Julgamento: 18/12/2008. DJ, 1° ago 2008. ______. ______. HC 3982 / RJ – RIO DE JANEIRO. Sexta Turma. Relator: Min. Adhemar Maciel. Julgamento: 05/12/1995. DJ, 26 fev. 1996. p. 4084. ______. ______. HC 64096 / PR – PARANÁ. Quinta Turma. Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima. Julgamento: 27/05/2008. DJ, 4 ago. 2008. ______. ______. RMS 8559 / SC – SANTA CATARINA. Segunda Turma. Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Julgamento: 12/06/1998. DJ, 3 ago. 1998. p. 328. ______. Supremo Tribunal Federal. ADI 1570-2 / DF – DISTRITO FEDERAL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 12/02/2004. DJ, 20 out. 2004. p. 4. ______. ______. AI-AgR 503617 / PR – PARANÁ. Segunda Turma. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgamento: 01/02/2005. DJ, 4 mar. 2005. p. 30. ______. ______. AP 307 / DF – DISTRITO FEDERAL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Ilmar Galvão. Julgamento: 13/12/1994. DJ, 13 out. 1995. p. 34247. ______. ______. HC 69.204-4-SP. 1ª Turma. 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Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento: 13/05/1997. DJ, 15 ago. 1997. p. 37036. ______. ______. HC 74599 / SP – SÃO PAULO. Primeira Turma. Relator: Min. Ilmar Galvão. Julgamento: 03/12/1996. DJ, 7 fev. 1997. p. 1340. ______. ______. HC 74678 / SP – SÃO PAULO. Primeira Turma. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento: 10/06/1997. DJ, 15 ago. 1997. p. 37036. ______. ______. HC 75007 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento: 27/05/1997. DJ, 8 set. 2000. p. 5. ______. ______. HC 75261 / MG – MINAS GERAIS. Primeira Turma. Relator: Min. Octavio Gallotti. Julgamento: 24/06/1997. DJ, 22 ago. 1997. p. 38764. ______. ______. HC 75338 / RJ – RIO DE JANEIRO. Segunda Turma. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 11/03/1998. DJ, 25 set. 1998. p. 11. ______. ______. HC 79512 / RJ – RIO DE JANEIRO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 16/12/1999. DJ, 16 maio 2003. p. 92. ______. ______. HC 80948 / ES – ESPÍRITO SANTO. Segunda Turma. Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento: 07/08/2001. DJ, 8 dez. 2001. p. 4. ______. ______. HC 80949 / RJ – RIO DE JANEIRO. Primeira Turma. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 30/10/2001. DJ, 14 dez. 2001. p. 26. 81 ______. ______. HC 82862 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 19/02/2008. DJ, 13 jun. 2008. p. 348. ______. ______. HC 83515 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 16/09/2004. DJ, 4 mar. 2005. p. 11. ______. ______. HC 83515 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 16/09/2004. DJ, 4 mar. 2005. p. 11. ______. ______. HC 83515 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 16/09/2004. DJ, 4 mar. 2005. p. 11. ______. ______. HC 84224 / DF – DISTRITO FEDERAL. Segunda Turma. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento: 27/02/2007. DJ, 16 maio 2008. p. 522. ______. ______. HC 84388 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. 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Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 10/06/2008. DJ, 1° ago. 2008. p. 700. ______. ______. HC 94237 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Primeira Turma. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento: 16 dez. 2008. DJ, 20 fev. 2009. p. 1185. ______. ______. HC-AgR 83966 / SP – SÃO PAULO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 23/06/2004. DJ, 25 nov. 2005. p. 6. 82 ______. ______. Inq 2424 / RJ – RIO DE JANEIRO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 20/06/2007. DJ, 24 ago. 2007. p. 55. ______. ______. Inq 2725 / SP – SÃO PAULO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Carlos Britto. Julgamento: 25/06/2008. DJ, 26 set. 2008. ______. ______. MS 23452 / RJ – RIO DE JANEIRO. Tribunal Pleno. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 16/09/1999. DJ, 12 maio 2000. p. 20. ______. ______. MS 27483 / DF – DISTRITO FEDERAL. Tribunal Pleno. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 14/08/2008. DJ, 10 out. 2008. p. 189. ______. ______. RE 100-094-PR. 1ª Turma. Relator: Min. Rafael Mayer. DJ, 24 ago. 2004. ______. ______. RE 328138 / MG - MINAS GERAIS. Primeira Turma. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 16/09/2003. DJ, 17 out. 2003. p. 21. ______. ______. RE 402717 / PR – PARANÁ. Segunda Turma. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 02/12/2008. DJ, 12 fev. 2009. p. 650. ______. ______. RE 85.439-RJ. 2ª. Turma. Rel. Min. Xavier de Albuquerque. DJ, 2 fev. 1977. ______. ______. RE-AgR 212171 / RJ – RIO DE JANEIRO. Segunda Turma. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 17/11/2007. DJ, 27 fev. 1998. p. 8. ______. ______. RE-AgR 425734 / MG – MINAS GERAIS. Segunda Turma. Relator: Min. Ellen Gracie. Julgamento: 04/10/2005. DJ, 28 out. 2005. p. 57. ______. ______. RHC 63.834-1-SP. 2ª Turma. Relator: Min. Celio Borja. DJ, 5 jun. 1987. ______. ______. RHC 85575 / SP – SÃO PAULO. Segunda Turma. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento: 28/03/2006. DJ, 16 mar. 2007. p. 43. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 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