Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. Cássia Schroeder Buitoni Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para a educação DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA A FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PARA OBTENÇÃO DO TITULO DE MESTRE EM ARQUITETURA E URBANISMO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PROJETO, ESPAÇO E CULTURA ORIENTADORA: PROFA. DRA. VERA MARIA PALLAMIN SÃO PAULO 2009 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. email: [email protected] B932e Buitoni, Cássia Schroeder Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para a educação / Cássia Schroeder Buitoni. --São Paulo, 2009. 226 p. : 194 il. Dissertação (Mestrado – Área de Concentração: Projeto, Espaço e Cultura) – FAUUSP. Orientadora: Vera Maria Pallamin 1.Escolas(Arquitetura) 2.Crianças 3.Equipamento urbano 4.Espaço escolar – Produção – Uso 5.Participação 6.Lima, Mayumi Watanabe Souza I.Título CÁSSIA SCHROEDER BUITONI CDU 727.1 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a todos os que contribuíram para a realização desta pesquisa: • Vera, minha orientadora. • Dulcília e Ademir – meus pais, por tudo. • Mariana Viégas, minha sócia no escritório, pelo apoio e amizade. • Ana Cláudia Castilho Barone, pelos comentários precisos desde o início do trabalho. • Mário de Souza Lima, pela preservação da memória. • Professores Celso Lamparelli e Reginaldo Ronconi, pela grande contribuição na banca de qualificação. • Professor Celso de Rui Beisiegel, arquitetas Odete Tomchinsky e Vera Pastorello, à pedagoga Marta Grosbaum e ao arquiteto Sérgio Ferro, pela atenção, pelos depoimentos e pelo empréstimo de documentos de seus acervos particulares. • Catarina Bessel, pelo auxílio na diagramação, e Jenny Laguna, pela tradução do resumo. • Professores e funcionários da FAUUSP. • Andreza e equipe da Proart, pela atenção. • Equipe do Centro Sérgio Buarque de Holanda, pela recepção atenciosa e pelo auxílio à consulta do acervo, em especial a Carlos, Gláucia, Leo, Aline e Patrícia. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO ABSTRACT The central theme of this document is the work of the brazilian archi- education of professionals at architectural institutions); the academic tect Mayumi Watanabe de Souza Lima (1934-1994), with an emphasis research and in the elaboration of her thought on the production and in the discussion surrounding educational spaces. usage of spaces based on everyday project experience. Her ideas on As an architect with a career aimed at planning, designing and the relationship between children, space and education are described constructing public facilities for the education of children and youth, in two pilot experiences: the enlargement of the João Kopke school she acted on a variety of public institutions (local, state and federal) expansion (São Paulo, 1976-78) and the construction of two public and developed specific procedures, where the users and their particular schools with the active participation of the population (Jardim Fortaleza way of using the space were the central focus of the architectural de- and Bairro da Varginha, São Paulo, 1983-84) and in two reflective books: sign. Constantly reflecting on projects, Mayumi defended the concep- Espaços educativos, uso e construção (1986) and A cidade e a criança (1989). tualization and usage of a school space with an educational emphasis. Additionally, this work examines Cedec’s achievements (Centro de In her activities, she sought to teach school users to critically “interpret Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e Comunitários), which Mayumi direc- the space”: understand how the space was built, how it reflected the ted and coordinated during Luiza Erundina’s mayorship of the city of São structure of society, to understand oneself as an individual in the world, Paulo (1989-1992). Cedec developed research about the production to see oneself as capable of transforming the space and of building of urban equipment, and ran a factory of pre-fabricated ferrocement again. Her objective was to shape citizens with critical consciences equipments such as trash cans, bus shelters, banks and components able to actively participate in the construction of democracy. for the construction of buildings such as schools, childcare and social The starting point was the evaluation of the material uncovered at centers. Mayumi’s work on citizenship development at Cedec was the architect’s collection (currently found at the Centro de Memória Sérgio unprecedented. Amongst other activities, it included the spread of Buarque de Holanda, at the Fundação Perseu Abramo, São Paulo) and the inter- information to the population through the use of educational folders viewing of the architect’s work colleagues. The documents that were and meetings with the communities where the constructions would selected (texts, photographs, articles, manuscripts, projects, technical take place. illustrations, reports and other documents) were annexed to this in the form of digital files stored on dvd. The essay examines the architect’s professional path, attempting Key words: Mayumi Watanabe Souza Lima; planning; architecture and education; to understand: her origins and education, her field of action (in the public facilities; educational facilities – usage and production; participation and production of facilities for education at public institutions and in the citizenship; architectural education; Cedec. CÁSSIA SCHROEDER BUITONI RESUMO O tema desta pesquisa é a obra da arquiteta Mayumi Watanabe de Souza (em órgãos públicos na produção de equipamentos para a educação Lima (1934-1994), com enfoque em sua discussão sobre a construção e em escolas de arquitetura na formação de profissionais); a pesquisa dos espaços para a educação. acadêmica e a elaboração de seu pensamento sobre a produção e o Arquiteta com carreira dedicada ao planejamento, projeto e uso dos espaços a partir da prática cotidiana de projeto. Suas idéias construção de equipamentos públicos para a educação de crianças e sobre a relação da criança com o espaço e a educação são ilustradas em de jovens, atuou em diversos órgãos públicos (municipais, estaduais e duas experiências piloto: a ampliação da escola João Kopke (São Paulo, federais) e desenvolveu abordagens específicas de atuação, onde o foco 1976-78) e a construção de duas escolas públicas com a participação da de projeto era o usuário e sua maneira particular de apropriar-se do população (Jardim Fortaleza e Bairro da Varginha, São Paulo, 1983-84) espaço. Em trabalho de reflexão constante sobre a prática de projeto, e nos dois livros de reflexão: Espaços educativos, uso e construção (1986) e A Mayumi defendia a concepção e o uso do espaço de uma escola com um cidade e a criança (1989). caráter educativo. Em suas atividades, buscava ensinar os usuários das Examina-se ainda a atuação do Cedec – Centro de Desenvolvimento escolas a “ler o espaço” de maneira crítica: compreender como aquele de Equipamentos Urbanos e Comunitários, dirigido e coordenado espaço foi construído, como ele reflete a organização da sociedade, por Mayumi durante a gestão de Luiza Erundina na Prefeitura de São perceber-se como sujeito no mundo, saber-se capaz de transformar o Paulo (1989-1992). Além de desenvolver pesquisas sobre a produção espaço e de construir o novo. Seu objetivo era a formação de cidadãos de equipamentos urbanos, o Cedec incluía uma fábrica de elementos com consciência crítica para a participação ativa na construção do pré-fabricados de argamassa armada que produziu equipamentos como espaço da democracia. lixeiras, abrigos de ônibus, bancos e componentes para a construção O ponto de partida foi o levantamento do material existente no de edifícios como escolas, creches e centros de convivências. Mayumi acervo da arquiteta (que atualmente encontra-se no Centro de Memória realizou no Cedec um trabalho inédito de formação para a cidadania Sérgio Buarque de Holanda, na Fundação Perseu Abramo, São Paulo) que incluía, dentre outras atividades, divulgação de informações para a e a realização de entrevistas com colegas de trabalho da arquiteta. Os população através de folders explicativos e reuniões com as comunida- documentos selecionados no acervo (textos, fotos, publicações, manus- des onde as obras seriam realizadas. critos, projetos, desenhos técnicos, relatórios e outros) foram anexados ao trabalho na forma de arquivos digitais gravados em dvd. A dissertação examina a trajetória profissional da arquiteta, buscando compreender: suas origens e formação; o campo de atuação Palavras chave: Mayumi Watanabe Souza Lima; planejamento, arquitetura e educação; equipamentos públicos; espaços educativos – uso e produção; participação e cidadania; ensino de arquitetura; Cedec. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO CÁSSIA SCHROEDER BUITONI SUMÁRIO 11 APRESENTAÇÃO 69 CAPÍTULO 3: CEDEC – A CONSTRUÇÃO DO EQUIPAMENTO PÚBLICO COMO CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA 17 CAPÍTULO 1: TRAJETÓRIA EM CONSTRUÇÃO 70 CONTEXTO 18ORIGENS 74O CEDEC 19 FORMAÇÃO 76 20 BRASÍLIA E A CONSTRUÇÃO DO NOVO PAÍS 79DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO 24 PLANEJAMENTO E PROJETO 80O DESENHO DOS EQUIPAMENTOS URBANOS COLETIVOS 26 PROJETOS PARTICIPATIVOS 84O PROJETO DAS ESCOLAS EM ARGAMASSA ARMADA LELÉ E A ARGAMASSA ARMADA 27ENSINO DE ARQUITETURA: A FUNÇÃO SOCIAL DO ARQUITETO 86 PRODUÇÃO DO CEDEC: PROGRAMAS 28 FAU SANTOS, 1970-71 87 COMUNICAÇÃO COM A POPULAÇÃO USUÁRIA 31 FAU SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 1972-74 90IDENTIFICAÇÃO DO EQUIPAMENTO PÚBLICO COM OS USUÁRIOS 33 EESC-USP, 1987-1993 92 34 PESQUISA ACADÊMICA 93ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DA FÁBRICA 40 CONSTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS 96REALIZAÇÕES PARTICIPAÇÃO E MANUTENÇÃO 100 CONTINUIDADE 43 CAPÍTULO 2: REFLEXÃO E PRÁTICA SOBRE A RELAÇÃO 100REGISTRO DOS PROJETOS REALIZADOS CRIANÇA-ESPAÇO 45EEPG JOÃO KOPKE (1976-78) 55 129 CONSIDERAÇÕES FINAIS BAIRRO DA VARGINHA E JARDIM FORTALEZA: DUAS EXPERIÊNCIAS DE CONSTRUÇÃO COM A 135 BIBLIOGRAFIA PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO (1983-84) ANEXOS 58ESPAÇOS EDUCATIVOS – USO E CONSTRUÇÃO (1986) 141 64A CIDADE E A CRIANÇA (1989) 141ANEXO 1: MAYUMI WATANABE SOUZA LIMA – CURRÍCULO 159ANEXO 2: CEDEC – MATERIAL DE COMUNICAÇÃO 217ANEXO 3: ACERVOS DIGITALIZADOS A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 10 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI APRESENTAÇÃO A intenção inicial que me motivou a realizar esta pesquisa de mestrado é de toda a população? Uma resposta comum seria de que “o bairro é foi desenvolver uma reflexão sobre o uso dos espaços nas escolas pú- muito pobre e as pessoas não têm educação”. Mas não é este o lugar blicas. Essa questão me acompanha há algum tempo. onde deveriam ser educadas? Em meu trabalho final de graduação , fiz um estudo dos espaços Na época do trabalho de gradução os textos de Mayumi Watanabe de três escolas públicas no Jardim Pantanal – bairro periférico de baixa Souza Lima (1934-1994) já publicados sobre a criança e o uso do es- renda na zona leste de São Paulo. O que mais me chamou a atenção nos paço foram muito importantes para analisar o espaço dessas escolas e três casos era a forma como os espaços eram utilizados por alunos e elaborar possibilidades de intervenção. Ela denunciava como o espaço professores. Todas as escolas possuíam muitas grades – nos corredores, pode ser um instrumento de dominação e controle pela maneira como nas áreas de acesso, no pátio, nas janelas. Na lógica de funcionamento é organizado e utilizado – o que era muito evidente no caso das escolas dessas escolas, as grades servem para separar a circulação de pais, de no Jardim Pantanal. Defendia a criação de espaços que suportassem alunos e de professores, isolando os espaços que não devem ser aces- a intervenção das crianças, incentivando a sua participação ativa na sados por uns ou por outros. Ao invés de fazer um convite à entrada apropriação do equipamento público. Atenta à qualidade necessária a da população, a escola se isola da cidade por muros altos. O espaço das um espaço educativo, Mayumi preocupava-se, por exemplo, com os crianças dentro de cada escola era sempre restrito e claramente delimi- símbolos gráficos que colocava na porta da sala de aula de uma escola. tado – por grades. Vários espaços externos encontravam-se “abandona- Através de um material gráfico ela criava um canal de comunicação dos”, sem uso e sem possibilidade de acesso. Em todas elas, sinais de com os alunos. Ao mesmo tempo, através de um procedimento di- depredação por toda parte: vidros quebrados, paredes pichadas, portas dático, ela educava as crianças. É um processo de mão dupla: através sem maçanetas, carteiras e cadeiras em péssimo estado, sanitários sem do espaço ela educava as crianças e através da educação ela revelava o torneiras, buracos no piso, falta de lâmpadas etc. O edifício que foi espaço. Essa precisão no tratamento do detalhe que influi na qualidade construído para educar crianças se assemelhava mais a uma prisão. As de um espaço contribui para a formação de um olhar atento na análise quadras esportivas eram praticamente “invadidas” pelos meninos do do espaço projetado. bairro, apesar da existência de campinhos de futebol na região. Um dos motivos alegados para tantas grades era evitar o contato dos alunos com os “invasores”. Como é possível ensinar o que é liberdade e democracia num ambiente como esse? Por que esses espaços são ocupados dessa maneira? Por que tão pouco respeito pelo equipamento público, que Desenvolvido em 2000 na FAUUSP sob orientação da professora Vera Maria Pallamin. 12 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Mayumi publicou dois livros: Espaços Educativos, uso e construção (Brasília, MEC/CEDATE, 1986) e A Cidade e a Criança (São Paulo, Nobel, 1989). O primeiro é fruto de uma pesquisa sobre o uso dos espaços das escolas públicas, contratada pelo governo federal em 1985. O segundo reúne reflexões da arquiteta sobre a relação da criança com o espaço, a partir de suas experiências de projeto, observações de atividades das crianças nas escolas e de leituras de diversos teóricos, como Piaget, Bronovski, Sommer, etc. Conforme depoimento de Ana Cláudia Barone à autora em 10/02/2009. Já formada, no trabalho cotidiano do escritório com minhas sócias, participaram da fundação do PT – reuniu em 2004 o acervo deixado tive oportunidade de fazer projetos de reforma, ampliação e de restauro pelos pais e doou-o para a Fundação. O acervo inclui livros, fotos, de edifícios escolares para a FDE – Fundação para o Desenvolvimento textos, revistas, filmes, cartas, manuscritos, documentos, projetos etc., da Educação. Nas visitas às escolas públicas onde seriam realizados os guardados em caixas arquivo. O material ainda não foi catalogado, projetos, nos deparávamos com as mesmas questões de uso dos espaços, organizado ou processado. Uma etapa importante deste trabalho foi a depredação, presença de grades... É difícil projetar nessas condições, pesquisa documental do acervo para levantar as informações relativas à agravadas ainda pelas normas e padrões construtivos estabelecidos e questão do uso do espaço. Os documentos selecionados foram digitali- pelas restrições de prazo e de orçamento para a execução das obras. zados e organizados com o objetivo subsidiar a pesquisa e contribuir Por mais que o projeto crie espaços agradáveis e estimulantes, sabemos para tornar pública a obra da arquiteta. Essa coleta de dados primários que professores, alunos e funcionários têm seus hábitos de uso dos forneceu as bases para o desenvolvimento da pesquisa. Foram ainda espaços profundamente enraizados. A mudança de postura em relação realizadas entrevistas para complementar as informações do Acervo. aos espaços educativos exige muito mais do que um projeto com boas Sérgio Souza Lima, preocupado com o registro do trabalho da intenções. Nesse sentido, o trabalho de Mayumi aponta possibilidades esposa e companheira de atuação profissional e política, organizou em de reflexão para uma atuação mais crítica e transformadora. Logo, um 1995 a publicação póstuma de uma coletânea de textos escritos por caminho que se mostrou oportuno para uma pesquisa sobre o uso dos Mayumi. O livro abrange um período de produção que vai da disserta- espaços nas escolas públicas foi o de retomar o pensamento e a obra ção de mestrado (defendida na Universidade de Brasília em 1965) até da arquiteta. os textos produzidos para o projeto de educação ambiental ligado à Ao decidir pesquisar o trabalho de Mayumi, descobri que seu despoluição do Rio Tietê (1994). A seleção de textos é uma amostra da acervo completo encontrava-se disponível no Centro de Memória vasta produção teórica da arquiteta – dentre textos preparados para se- Sérgio Buarque de Holanda, na Fundação Perseu Abramo, em São minários e palestras, memoriais de apresentação de projetos e pesquisa Paulo. O Projeto Memória & História foi criado pela Fundação em 1997 com acadêmica – que se encontra sob a guarda do Centro Sérgio Buarque o objetivo de “estimular a pesquisa acadêmica sobre a história social de Holanda. brasileira e contribuir para recuperar a documentação produzida pelo Partido dos Trabalhadores, por militantes, lideranças e dirigentes partidários e pelos movimentos sociais a ele relacionados.” Mário Souza Lima, filho do casal de arquitetos – Mayumi e Sérgio Souza Lima, que Conforme consultado em www.fpa.org.br em 15/02/2009. A pesquisa no acervo do Centro Sérgio Buarque de Holanda produziu um conjunto de documentos digitalizados que inclui todos os textos citados na dissertação e pode ser consultado no dvd anexo no final deste trabalho. Foram entrevistados no segundo semestre de 2008: Mário Souza Lima (filho da arquiteta), a pedagoga Marta Grosbaum e as arquitetas Vera Pastorello e Odete Tomchinsky, colaboradoras de Mayumi por mais de 20 anos. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 13 Inicialmente tratei de reconstituir a trajetória profissional da arquiteta, o que revelou algumas facetas até então desconhecidas. Mayumi quem... No trabalho da arquiteta, a reflexão sobre o uso do espaço é inseparável da questão da produção do mesmo. exerceu atividades de planejamento e projeto de equipamentos para a Mayumi não estava sozinha – ela fez parte de uma geração que educação em diversos órgãos públicos, municipais, estaduais e federais. repensou a atuação profissional do arquiteto a partir de uma crítica ao Paralelamente, envolveu-se com a atividade de ensino de arquitetura. modo de produção capitalista. Um dos representantes mais conhecidos A carreira docente a princípio não teria interesse especial para esta desta geração é o arquiteto Sérgio Ferro, que publicou vários textos pesquisa, que enfoca na questão do uso dos espaços para a educação de e faz parte do “grupo” que se convencionou chamar de Arquitetura crianças. No entanto, o estudo um pouco mais aprofundado das ques- Nova. Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre, Flávio Império, Mayumi e Sérgio tões de ensino de arquitetura revelou muitos aspectos da construção da Souza Lima freqüentavam um grupo de estudos marxistas e eram filia- postura crítica de projeto da arquiteta. A atividade docente de Mayumi dos ao Partido Comunista. estava diretamente ligada ao seu questionamento político e às suas Ao terminar o curso de arquitetura na FAUUSP, no início da atividades nos órgãos públicos. Os exercícios propostos para os estu- década de 1960, esses cinco arquitetos envolveram-se com o ensino dantes de arquitetura eram em sua maioria projetos de equipamentos de arquitetura – Mayumi e Sérgio na recém-criada Universidade de públicos, abrindo a discussão para a questão política do planejamento Brasília e os demais na própria FAUUSP. Configurou-se um grupo urbano e da oferta de serviços públicos de qualidade à população de com interesses comuns – a preocupação com a formação do arquiteto baixa renda, privada do direito à cidade. Os programas das disciplinas para uma atuação consciente na transformação das condições sociais, foram incluídos nesta pesquisa, por serem manifestos da postura de políticas e econômicas do país. atuação da arquiteta. No contexto do processo de industrialização acelerada, incentivada Sua atuação profissional possui um sentido amplo de formação, pelo governo federal desde a década de 1930, intensifica-se a migração em todos os níveis. Mayumi trabalhava o aspecto global da formação da população do campo para os grandes centros urbanos, gerando imen- como ferramenta de transformação para a emancipação de todos os so contingente de mão de obra barata para trabalhar nas indústrias e na envolvidos – estudantes de arquitetura, técnicos a serviço do Estado, construção da nova capital do país e de grandes obras de infra-estrutura operários da construção, professores, crianças... e equipamentos públicos. Com a afirmação da cultura nacional através A questão da formação é fundamental e está articulada à reflexão da música, das artes plásticas e do cinema gera-se uma espécie de “caldo sobre a produção e o uso dos espaços educativos. A análise que Mayumi de cultura” que forma os intelectuais voltados para uma reflexão sobre fez dos espaços parte invariavelmente da crítica à forma como esses as questões de desenvolvimento, atentos às condições da nova classe espaços são produzidos – onde estão localizados, como são projeta- proletária urbana – habitante da periferia das grandes cidades, privada dos, como é feito o programa, como são construídos, por quem, para do acesso aos direitos básicos de saúde, educação, moradia e transporte. 14 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Esse grupo de arquitetos acreditava que o país caminhava para A dissertação foi estruturada em três capítulos. o socialismo e estava empenhado em propor formas de atuação que O primeiro capítulo apresenta um breve histórico da carreira da contribuíssem para a construção dessa nova sociedade. A ditadura mi- arquiteta, buscando compreender suas origens, o seu campo de atua- litar instaurada em 1964 acabou com essas esperanças. Alguns partiram ção e a elaboração de seu discurso sobre a construção do espaço para a para a luta armada. Mayumi persistiu buscando maneiras de continuar educação. É possível perceber como as questões relativas à produção e trabalhando com esse sentido de formação. Ela escolheu a carreira ao uso dos espaços são desenvolvidas nas diferentes atividades – ensino “anônima” dentro dos órgãos públicos como forma de atuar na cons- de arquitetura, pesquisa acadêmica, atuação em órgãos públicos, pla- trução de uma nova sociedade. Em todas as instituições públicas em nejamento e projeto de redes escolares públicas. que trabalhou, buscava sempre oportunidades de transformar a ordem O segundo capítulo destaca quatro momentos em que a arquiteta vigente para a conquista da participação da população nos processos de pôde trabalhar com alguma liberdade as questões relativas ao uso e à decisão – transformar essas instituições por dentro com um sentido de apropriação dos espaços pelas crianças, elaborando importante reflexão democratização. Batalhava ainda pelo direito de toda a população aos a partir de sua prática profissional. Relata as experiências de projeto, serviços públicos de qualidade. Era uma revolucionária paciente. realizadas no âmbito da Conesp, com a participação do usuário: a Com a abertura política a partir do final da década de 1970, as ampliação da escola João Kopke com atividades lúdicas envolvendo os oportunidades de atuação com esse sentido revolucionário que Mayumi alunos (São Paulo, 1976-78) e a construção de duas escolas com a par- tinha se ampliam. Mas é somente no início da década de 1990, durante ticipação da população na gestão da obra (Jardim Fortaleza e Bairro da a primeira gestão petista na prefeitura da cidade de São Paulo, que ela Varginha, São Paulo, 1983-84). A partir dessas experiências práticas e de conseguirá o espaço durante tanto tempo batalhado para experimentar suas leituras teóricas, Mayumi publicou dois livros com suas observa- com mais liberdade a aplicação dos princípios que sempre defendeu ao ções: Espaços educativos – uso e construção (1986) e A cidade e a criança (1989). longo de toda a carreira. O terceiro capítulo é dedicado ao CEDEC – Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e Comunitários, proje- O título propositalmente ambíguo desta dissertação – “a constru- to coordenado por Mayumi durante a gestão de Luiza Erundina na ção do espaço para a educação” – remete a dois aspectos fundamentais Prefeitura de São Paulo (1989-1992). As atividades do CEDEC abran- da obra de Mayumi: a reflexão sobre a construção (obra) do espaço giam pesquisa de materiais e de sistemas construtivos; treinamento e físico da cidade e a construção de “espaços” onde seja possível essa formação de pessoal; produção de elementos pré-fabricados de arga- reflexão (no sentido de criação de oportunidades, abertura para a massa armada; planejamento, projeto e execução de obras. A fábrica realização de experiências). de elementos de argamassa armada produziu equipamentos como lixeiras, bancos e componentes para a construção de edifícios como A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 15 escolas, creches e centros de convivência. Mayumi desenvolveu no Cedec um trabalho inédito de formação para a cidadania que incluía, dentre outras atividades, divulgação de informações para a população através de folders explicativos e reuniões com as comunidades onde as obras seriam realizadas. Este trabalho de mestrado tem um caráter de apresentação da obra de Mayumi Watanabe Souza Lima. A aproximação inicial das questões colocadas pela arquiteta, somada à existência dos inúmeros documentos de seu acervo, aponta diversos projetos de pesquisa possíveis: o ensino crítico de arquitetura; a ação do Estado na construção de equipamentos públicos e a atuação do arquiteto dentro dos órgãos públicos; a importância do planejamento para a qualidade do equipamento público; a participação da população na construção da cidade; a importância do Cedec em seu contexto político, etc. A retomada de suas idéias – ainda muito atuais – abre um campo de reflexão sobre o sentido da atuação das novas gerações de arquitetos frente às condições da sociedade global capitalista. Espero que este trabalho possa oferecer uma contribuição para novas leituras do trabalho de Mayumi e para a reflexão sobre novas formas de encarar, nos dias de hoje, os desafios que ela propôs. Além do material já digitalizado para esta pesquisa e do acervo que se encontra na Fundação Perseu Abramo, outra fonte documental importante para futuras pesquisas é o arquivo da FDE – Fundação para o Desenvolvimento da Educação, que abriga todos os documentos da antiga Conesp, onde Mayumi trabalhou por muitos anos. Provavelmente os relatórios de projetos, bem como as propostas para políticas de construção que Mayumi elaborou como Superintendente de Planejamento encontram-se arquivados na FDE. Seria possível ainda buscar outros documentos importantes nos acervos do Premen, da Emurb e de órgãos públicos em que Mayumi trabalhou – mas é necessário localizar estes acervos (se é que eles foram preservados). Um trabalho a ser realizado por futuros pesquisadores... 16 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI CAPÍTULO 1 TRAJETÓRIA EM CONSTRUÇÃO Quem foi Mayumi Watanabe Souza Lima (1934-1994)? ORIGENS Arquiteta com carreira dedicada ao projeto e planejamento de espaços para a educação de crianças e jovens, Mayumi desenvolveu abordagens Mayumi Watanabe nasceu em 5 de dezembro de 1934 em Tóquio, específicas de atuação, tendo realizado algumas experiências onde o no Japão. Seu pai, Minoru Watanabe, era jornalista e sua mãe, Yuri, foco de projeto era o usuário e sua maneira de apropriar-se do espaço. trabalhava no teatro pertencente ao Grupo de Arte Proletária. Ambos O ponto de partida para compreender sua trajetória profissional participavam de organizações culturais de esquerda em Tóquio. Minoru foi o currículo organizado pela própria arquiteta em 1993, incluído escrevia na revista marxista “Bandeira Vermelha”. Chegou a ser preso no livro Arquitetura e Educação. A lista de atividades desenvolvidas ao em 1930 por um mês. Por causa da perseguição do governo aos inte- longo da carreira é imensa. Definimos para esta pesquisa três eixos lectuais marxistas no país, Minoru e Yuri Watanabe decidiram migrar principais de atuação: ensino de arquitetura, atividades de projeto e com as filhas pequenas, Sayumi e Mayumi, para o Brasil. de planejamento para a construção de equipamentos públicos (em Embarcaram em março de 1938 no La Plata Maru, último navio sua maioria, equipamentos para a educação de crianças e jovens) e que partiu do Japão para a América do Sul. Durante a viagem, a mãe produção teórica. Conforme veremos mais adiante, as atividades de de Mayumi dava aulas de corte e costura para os viajantes do navio. ensino, de projeto e de reflexão eram muito ligadas entre si. Prática e Minoru, que além de jornalista era também caricaturista, produziu teoria eram indissociáveis na sua atuação profissional. mais tarde uma série de aquarelas relatando a viagem e os primeiros É importante notar que a maior parte das atividades de projeto e anos da família no Brasil. planejamento foi desenvolvida em cargos técnico-administrativos em ór- Ao chegar, a família viveu em fazendas em Lins e Guaratinguetá, gãos públicos, ou em consultorias contratadas por estes mesmos órgãos. até março de 1940, quando se mudou para São Paulo. As escolas que Além de discutir a maneira como os espaços para a educação eram pro- Mayumi e sua irmã mais velha, Sayumi, freqüentaram no interior fica- jetados pelos técnicos e utilizados pela população, Mayumi questionava vam distantes de sua casa, sendo longo o percurso diário de caminhada também a forma como o Estado atuava na produção desses espaços. para poder estudar. Os colegas arquitetos relacionam esse fato da in- É fundamental entender o discurso da arquiteta em seu contexto histórico, visto que Mayumi sempre atuou posicionando-se claramente fância de Mayumi a sua preocupação com a localização e acessibilidade das escolas em seu trabalho de planejamento da rede escolar. frente à realidade política, econômica e social do país. LIMA, Sérgio Souza (org.). Arquitetura e Educação, Editora Nobel, São Paulo, 1995, pp.244259. O documento original do currículo encontra-se no acervo da arquiteta no Centro de Memória Sérgio Buarque de Holanda, Fundação Perseu Abramo, São Paulo, SP – Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 37. Ver anexo 1, pp.143-157. 18 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Algumas das aquarelas foram publicadas no livro organizado por Sérgio Souza Lima, Mayumi Watanabe de Souza Lima – arquitetura e educação, pp.24-30. São Paulo, Studio Nobel, 1995. Conforme comentário da arq. Odete Tomchinsky em entrevista à autora, em 20/10/2008. Durante a II Guerra Mundial o Brasil rompeu relações com o cultura e da história do Japão para ilustrar diferenças de comporta- Japão, tornando a vida dos imigrantes japoneses mais difícil no país. mento entre diferentes civilizações em diferentes períodos da história. Já não havia correio e os periódicos japoneses não chegavam ao Brasil. Tratava de explicitar a diversidade cultural dos próprios alunos para Os imigrantes japoneses ficaram isolados de seu país de origem. E, criar uma relação de respeito com as origens de cada um. ao mesmo tempo, é discriminado no novo país por ser estrangeiro e oriundo de um país inimigo de guerra. Yuri faleceu em março de 1945, pouco tempo antes do fim da FORMAÇÃO guerra, após alguns anos adoentada. Minoru casou-se novamente em 1951 com Saki, dona de uma pensão em São Paulo. Mayumi, que sem- Em 1956, Mayumi iniciou o curso de arquitetura na FAUUSP (Faculdade pre fora boa aluna na escola, dava aulas de reforço para as crianças da de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e naturali- pensão. Desde pequena já demonstrava aptidão e gosto pela atividade zou-se brasileira. de ensino. Foi diretora de publicações do GFAU (Grêmio da Faculdade de A origem japonesa é um traço muito marcante na formação de Arquitetura e Urbanismo), responsável pela publicação do jornal Mayumi . Assim como o pai, Mayumi gostava de desenhar e utilizava o “Estudos”, de 1956 a 1957. O jornal publicava em português textos tra- desenho como um instrumento para a comunicação. Tinha ainda um duzidos de revistas estrangeiras de arquitetura, trazendo para o âmbito grande apreço pelas atividades manuais, pelo ato do fazer que encerra da Universidade as discussões internacionais das idéias de importantes em si um ato de re-criação do mundo. A observação dos detalhes e dos arquitetos e intelectuais. Freqüentou na mesma época o curso de fenômenos da natureza leva ao aprendizado – a natureza aparece como extensão universitária “Introdução às Ciências Sociais” na Escola de algo que educa. Essa idéia é muito clara no trabalho de Mayumi, que Sociologia e Política de São Paulo. utilizava em suas aulas de tecnologia para estudantes de arquitetura Na faculdade, Mayumi conheceu o estudante de arquitetura Sérgio muitos exemplos de estruturas orgânicas naturais. Nas atividades lú- Souza Lima, com quem se casou em 16 de dezembro de 1961 (um dico-educativas com crianças utilizava personagens do mundo animal ano após o fim do curso de arquitetura), no Pavilhão Japonês (Parque como metáfora para as relações entre os seres humanos.Veremos ainda do Ibirapuera). Foram grandes companheiros durante toda a vida, que em suas atividades com crianças Mayumi utilizava exemplos da na atuação profissional, na vida acadêmica e na militância política de Conforme informações no livro organizado por Sérgio Souza Lima Mayumi Watanabe de Souza Lima – arquitetura e educação, pp.13-30. São Paulo, Studio Nobel, 1995. A Biblioteca da FAUUSP possui apenas o exemplar do número 2 de Estudos, que contém dois textos: “Os valores espirituais da arquitetura moderna”, de Bruno Zevi e “Plano para um ensino de arquitetura”, de Walter Gropius. Para o número 3 anunciava-se a publicação de textos de Max Bill, Mies van der Rohe, Alvar Aalto, Oliver Hill e Gino Severini. Conforme depoimento de Mário Souza Lima à autora, em 20/10/2008. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 19 esquerda. Colaborando com Sérgio, executou diversos projetos de ar- BRASÍLIA E A CONSTRUÇÃO DO NOVO PAÍS quitetura, como escolas públicas, residências e mesmo o detalhamento e coordenação das obras do MASP para a arquiteta Lina Bo Bardi. A lei que criou a UnB (Universidade de Brasília) foi sancionada Mayumi foi estagiária de agosto de 1958 a maio de 1960 no escritó- em 15 de dezembro de 1961, pelo presidente João Goulart. O Plano rio de Vilanova Artigas (1915-1985), e de novembro de 1959 a julho de Orientador da universidade foi elaborado pelo educador Anísio 1961 no escritório de Joaquim Guedes e Lina Bo Bardi, onde trabalhava Teixeira (1900-1971)e pelo antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997). também, no mesmo período, o arquiteto e cenógrafo Flávio Império Na primeira reunião do conselho diretor, Darcy Ribeiro foi eleito pre- (1935-1985), então estudante. Artigas na época era o grande “mestre” sidente do colegiado e reitor da nova universidade. daquela geração, um dos professores mais admirado pelos estudantes, As atividades foram iniciadas com a implantação de três “cursos- uma referência da chamada “Escola Paulista”. Artigas construía casas, tronco” que constituíram o embrião da UnB: direito, economia e escolas e outros equipamentos públicos em todo o país. A partir de administração; arquitetura e urbanismo; e letras brasileiras (abrangen- 1957 coordenou, juntamente com Rino Levi (1901-1965), a comissão do literatura e jornalismo). As primeiras aulas foram ministradas em responsável pela elaboração da Reforma Curricular, que estabeleceu o um dos prédios da Esplanada dos Ministérios, enquanto se iniciava o novo currículo do curso de arquitetura da FAUUSP a partir de 1962. Foi projeto e a construção da sede da universidade. o grande mentor dessa geração formada no início dos anos 1960. Por Darcy convocou grandes cientistas e intelectuais brasileiros para indicação de Artigas, em 1962 Mayumi e Sérgio Souza Lima vão para montar a universidade. O propósito era montar um novo modelo de Brasília cursar mestrado na UnB (Universidade de Brasília). ensino, que partisse da reflexão sobre a situação de subdesenvolvimento do país para propor uma transformação da realidade nacional, como aponta Paulo Freire: Essa forma de pensar o Brasil como sujeito que levava a uma necessária integração com a realidade nacional, vai caracterizar a ação da Universidade de Brasília que, fugindo obviamente à importação de modelos alienados, busca um saber autêntico, por isso comprometido. Sua preocupação não era, assim, a de formar bacharéis ver- Segundo o filho, a paixão pela discussão política e a luta por uma sociedade melhor eram pontos fortes de união do casal. [Mário Souza Lima em depoimento à autora, 13/10/2008.] Souza Lima, Mayumi Watanabe. Aspectos da habitação urbana – dissertação de mestrado, p.61. Brasília, UnB, 1965. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 16. 20 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI bosos, nem a de formar técnicos tecnicistas. Inserindo-se cada vez mais na realidade nacional, sua preocupação era contribuir para a RIBEIRO, Darcy. Plano Orientador da Universidade de Brasília. Brasília, UnB, 1962. transformação da realidade, à base de uma verdadeira compreensão e João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé (1932-), dentre outros. Eram de seu processo.10 os mesmos arquitetos que haviam participado da construção da nova capital e que, ao mesmo tempo em que davam aulas no curso A estrutura do curso de arquitetura partia do modelo de um Instituto de arquitetura, faziam no Ceplan (Centro de Planejamento da UnB) Central de Artes (ICA) com ciclo básico de 2 anos, seguido por ciclo os trabalhos de projeto e de construção da sede da universidade. “Era profissionalizante de especialização: arquitetura ou artes plásticas, co- uma escola em construção, no meio de universidade em construção, municações, teatro, cinema, etc. Ou seja, a escola de arquitetura era um no meio de uma cidade em construção”12 – enquanto se construía o departamento dentro do ICA, denominado “Arquitetura e Artesanato”. espaço físico da UnB, encontrava-se também em elaboração a estrutura Era uma Universidade que nascia da idéia de cultura e de conhecimen- do que deveria ser o ensino universitário no país. to coletivo: Podemos destacar duas particularidades do ensino de arquitetura (...) essa Universidade parte da idéia de Universidade, da idéia de em Brasília. A primeira é que Niemeyer enfatizava a importância da cultura, do conhecimento, da tecnologia, da produção do saber en- construção no ensino. Estudar a história da arquitetura significava estu- quanto um todo. O curso de arquitetura também tem essa totalidade. dar como se construíram os edifícios – por exemplo como os egípcios Ao contrário, a Faculdade de Arquitetura, aqui em São Paulo, como construíram as pirâmides. Muitas das aulas eram dadas no canteiro aliás, todas as outras faculdade, surgem como escolas, mais ou me- de obras da universidade para que os alunos conhecessem todos os nos isoladas, agregadas a uma coisa que se chama universidade. Na métodos construtivos empregados. verdade, essa unidade não existe: há o curso disso, o curso daquilo A segunda refere-se ao destaque dado ao ensino de Urbanismo (...). É outro o ponto de partida da Universidade de Brasília. (...) a (que na FAUUSP só começava a partir do quarto ano) – desde o segmentação ocorre depois da unidade existente. A origem do curso primeiro ano os estudos estavam voltados para a compreensão da vem como um todo, então é discutido que parcelamento se dará. formação das cidades. Na época Brasília “era o que havia de mais 11 avançado em termos de urbanismo”, então partia-se da discussão O departamento de arquitetura tinha como professores Lucio Costa levantada pela construção da própria cidade como referência para o (1902-1998), Oscar Niemeyer (1908-), Edgar Graeff (1921-1990) ensino. Uma das disciplinas era “Cidade e Cultura”, que tratava da história social desde a tendência associativa do homem primitivo até 10 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 2008, p.107. 11 Depoimento de Mayumi Souza Lima a Gelson Pinto in PINTO, Gelson Almeida. A prática do projeto no ensino de arquitetura: investigação sobre algumas experiências. Dissertação de Mestrado. São Carlos, EESC-USP, 1989, vol.2, p.163) 12 A frase foi encontrada no material do acervo em meio a anotações de Mayumi (pela caligrafia provavelmente é de sua autoria) sobre o ensino de arquitetura no Brasil. Foi reproduzida aqui por sintetizar muito bem o que era o clima da época. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 21 as discussões da Carta de Atenas, passando pelo projeto de Brasília. Era nos países do leste europeu (Polônia, Tchecoslováquia, Alemanha fundamental fazer com que o aluno tivesse uma compreensão crítica Oriental e União Soviética). Foi montada em Brasília uma fábrica de da realidade, que ele compreendesse o contexto onde se o projeto do pré-moldados para a construção dos projetos do Ceplan. Mayumi e arquiteto estava inserido . Sérgio trabalharam com Lelé no Ceplan, onde projetaram e constru- 13 Mayumi aprofundou seus estudos em Sociologia e Urbanismo, cursando disciplinas na UnB com os professores Perseu Abramo e íram com elementos pré-fabricados uma Unidade de Vizinhança para 10.000 habitantes, a Unidade de São Miguel, em Brasília. Nelson Werneck Sodré. Iniciou sua carreira docente como professora O mesmo projeto da Unidade de Vizinhança de São Miguel será assistente no curso de arquitetura da UnB de 1963 a 1965, nas discipli- o tema escolhido por Mayumi para seu mestrado em arquitetura, nas de Física aplicada às construções, Teoria da Arquitetura, Técnica da sob orientação do Lelé. A dissertação defendida em 1965, intitulada Edificação, Iluminação e Instalações Elétricas. “Aspectos da habitação urbana – projeto de habitação para a unidade O referido Ceplan, no planejamento e construção das instalações de vizinhança São Miguel”, discutia as questões de desenvolvimento da universidade, tornou-se um importante laboratório , onde os ar- nacional e o significado do projeto de Brasília como resposta aos pro- quitetos puderam iniciar as experiências de pré-fabricação. O Ceplan blemas habitacionais urbanos e de infra-estrutura. 14 era coordenado por Oscar Niemeyer, que defendia a pré-fabricação Em 1963, Mayumi foi a Havana, Cuba, para o VII Congresso de elementos pesados para eliminar componentes de pequeno porte Internacional de Arquitetos (UIA), sobre Arquitetura nos países sub- que demandassem mais trabalho durante a montagem. O projeto do desenvolvidos, como membro da comissão julgadora do Simpósio de Instituto Central de Ciências (ICC) da UnB – que mais tarde ficou Ensino de Arquitetura. Provavelmente teve oportunidade de conhecer conhecido como “Minhocão” – foi construído nesses moldes. as políticas públicas para a educação (era notável a influência das O diretor executivo do Ceplan era o arquiteto Lelé, que foi res- experiências cubanas entre os educadores brasileiros). Em Cuba a ponsável pelo projeto e pela construção de muitos dos edifícios na alfabetização da população adulta fez parte do processo de revolução primeira fase de implantação da UnB. Lelé nessa época foi enviado em – a guerrilha já se preocupava com a alfabetização e a conscientização, viagem de estudos para visitar as fábricas de elementos pré-fabricados com o objetivo de integrar a população no processo revolucionário. Após a revolução (1959), 1961 é declarado o “Ano da Educação” em 13 Conforme depoimento de Mayumi Souza Lima a Gelson Pinto in PINTO, Gelson Almeida. A prática do projeto no ensino de arquitetura: investigação sobre algumas experiências. Dissertação de Mestrado. São Carlos, EESC-USP, 1989, vol.2, pp.148-151. 14 Para saber mais sobre a importância do Ceplan no histórico da industrialização da construção no Brasil, consultar KOURY, Ana Paula. Arquitetura Construtiva – Proposições para a produção material da arquitetura contemporânea no Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo, FAUUSP, 2005. 22 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Cuba. São criadas “brigadas” de alfabetização com voluntários que seguiam um “manual” (“Alfabeticemos”) de caráter prescritivo, com apoio da cartilha “Venceremos”. A cartilha era baseada em imagens acompanhadas de frases. O manual situa e problematiza os temas para o professor trabalhar em aula. Os temas tinham a ver com o cotidiano dos estudantes, como por exemplo: “La cooperativa pesquera ayuda uma surpresa. (...) Pelo menos para nós, recém-formados, jovens, al pescador. El pescador ya no es explorado. El pescador ahora vive com toda vida pela frente, o golpe foi uma tremenda surpresa.16 mejor.” Em 1958, 33% da população cubana era analfabeta. Em 1959, iniciam-se as primeiras experiências de alfabetização. No final do “Ano Em abril de 1964, após o golpe militar, alguns professores foram presos da Educação”,100% da população adulta estava alfabetizada. A dele- sob acusação de subversão da ordem vigente. Iniciou-se a perseguição gação brasileira que foi para o Congresso da UIA incluía mais de 100 política na Universidade: a sede foi invadida por tropas militares e re- arquitetos. As políticas sociais e a Reforma Urbana promovidas após a vistada à procura de material subversivo. O então reitor Anísio Teixeira revolução em Cuba (1959) são referências e temas de debate para os foi substituído por Zeferino Vaz, interventor nomeado pelos militares. arquitetos do mundo todo. Zeferino era amigo de Darcy Ribeiro e tentou seguir o projeto original 15 No mesmo ano de 1963, foi realizado em São Paulo e no Rio de da universidade, porém não aceitava a pressão do governo para demitir Janeiro o 1º Seminário de Habitação e Reforma Urbana. No contexto professores e pediu demissão. Zeferino transferiu-se para Campinas, das Reformas de Base propostas pelo Presidente João Goulart, era onde como reitor coordenou a fundação da Unicamp. importante para os arquitetos definir o que seria a Reforma Urbana. O governo continuou a pressão sobre o novo interventor nomeado, A inexistência de propriedade do solo em Brasília e a construção de o filósofo da USP Laerte Ramos de Carvalho. Os professores reunidos e conjuntos habitacionais coletivo sem unidades de vizinhança era um assinam um documento comprometendo-se a pedir demissão coletiva modelo a ser reproduzido, com tendências socializantes. caso houvesse demissão de um professor. Em outubro de 1965, após Os intelectuais brasileiros preparavam-se para as transformações o afastamento de 15 professores por ordem do novo Reitor, mais de do país e acreditavam que se caminhava para uma sociedade socialista, 200 professores pediram demissão de seus cargos em solidariedade aos como aponta Sérgio Souza Lima: colegas, esvaziando a universidade. Com esse processo, nós estávamos querendo levar para as cidades Sérgio e Mayumi retornaram a São Paulo. brasileiras, para o conjunto das cidades brasileiras, através de um processo de Reforma Urbana, as mesmas condições que tinham possibilitado Brasília, ou seja, o domínio sobre o uso do solo. É claro que a tendência era socializada, mas o processo todo dava nisso. Era devagar, pois não se acreditava em resistências. O golpe de 64 é 15 Fonte: anotações de seminário da disciplina “Educação e Sociedade no Brasil Contemporâneo”, prof. Celso de Rui Beisiegel, FEUSP, outubro de 2007. 16 Depoimento de Sérgio Souza Lima a Gelson Pinto in PINTO, Gelson Almeida. A prática do projeto no ensino de arquitetura: investigação sobre algumas experiências. Dissertação de Mestrado. São Carlos, EESC-USP, 1989, vol.2, pp.152-153 A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 23 PLANEJAMENTO E PROJETO Organização da Consultoria de Arquitetos e Engenharia do Premen (Programa de Expansão e Melhoria do Ensino), ligado ao governo fe- De volta a São Paulo em 1965, Mayumi trabalhou na diretoria de deral. Desenvolveu programas e projetos para todo o Brasil e participou planejamento do FECE (Fundo Estadual de Construções Escolares). da criação do Cebrace (Centro Brasileiro de Construções Escolares), Desenvolveu estudos para metodologia de cadastro da rede física de com o qual colaborou ativamente de 1975 a 1979 na elaboração de escolas no estado de São Paulo; programas-modelo para projetos de metodologias de planejamento de rede e edifícios escolares. arquitetura destinados ao ensino fundamental e estudos sobre os sistemas construtivos regionais no estado. Nota-se que essas atividades ligadas aos órgãos públicos, responsáveis pela produção de equipamentos escolares, estavam sempre Deste momento em diante, a maioria de suas atividades profis- ligadas à elaboração de metodologias e abrangiam todas as etapas do sionais estiveram ligadas ao planejamento e projeto de espaços para planejamento. E Mayumi insistia muito na clareza dos métodos de tra- a educação de crianças e jovens, tendo atuado como consultora de balho. Na elaboração de manuais de metodologia de planejamento de diversos órgãos e programas públicos para a educação . rede física escolar, criticava a distribuição dos equipamentos públicos 17 De 1968 a 1970 atuou no Cepam (Centro de Estudos e Pesquisas no território – em geral um resultado de poder político em lugar do de Administração Municipal, fundação ligada à Secretaria do Interior processo de planejamento baseado em diagnósticos e estudos criterio- do Estado de São Paulo). Elaborou roteiro para o planejamento educa- sos sobre as demandas de cada local. Defendia a reserva de terrenos cional e o cadastro de informações dos municípios paulistas. A partir de para os equipamentos públicos como uma prerrogativa do Estado para 1969, participou de uma cooperativa de arquitetos, a EDAP (Educação, a garantia da qualidade e localização adequada desses equipamentos. Assessoria e Planejamento). Com os colegas Celso Lamparelli e Maria Criticava as leis existentes, que não incluíam exigências mínimas de Alice Pompéia Gonzaga, também integrantes da cooperativa, publicou qualidade dos terrenos a serem doados pelas empresas imobiliárias um texto sobre a situação das escolas no estado de São Paulo num quando da criação de novos loteamentos. 18 suplemento do jornal Folha de São Paulo. De 1970 a 1975, Mayumi foi Superintendente de Arquitetura e Em relação ao sistema de cadastro de informações que subsidiariam a elaboração de planos, ela questionava: que tipo de informações deveriam ser cadastradas, por quem, com que finalidade. Para ela era 17 Não cabe aqui listar todos os projetos que a arquiteta elaborou nesse sentido, apenas citaremos alguns órgãos onde trabalhou por mais tempo. A lista completa dos trabalhos desenvolvidos encontra-se no seu currículo, em anexo a este trabalho, pp.143-157. 18 “Condições das instalações escolares”, em suplemento especial “Investimento nas novas gerações”, Folha de São Paulo, 1970. Fonte: Acervo Prof. Celso Lamparelli. Ver arquivo anexo. 24 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI fundamental estabelecer procedimentos que gerassem dados quantitativos e qualitativos que refletissem de maneira fiel e abrangente as condições de projeto. E que esses procedimentos estivessem em constante avaliação, permitissem mudanças para melhorar o próprio sistema de coleta de dados. Na elaboração de modelos para o projeto de escolas públicas, que estabeleciam padrões de materiais e acabamentos a serem utilizados estabelecer variáveis intervenientes no sistema-objeto de nosso exame.19 nessas obras, uma das principais questões da arquiteta era a crítica aos sistemas de avaliação de custos da construção, sempre baseados em Como se pode notar, sua preocupação com a qualidade dos equipa- números esvaziados, sem levar em conta a qualidade ou a durabilidade mentos públicos abrangia várias dimensões de projeto, desde a correta dos equipamentos públicos produzidos. A comparação entre materiais distribuição dos equipamentos no território até a questão do desenho priorizava sempre o de preço (absoluto) mais “barato” na hora da com- do mobiliário. Inconformada com a má qualidade do desenho das pra, sem avaliar outros componentes do custo real do material como carteiras e cadeiras utilizadas nas escolas públicas – muito pesadas, os gastos com a manutenção posterior, com a reposição de elementos pouco ergonômicas e que não permitiam movimentação na sala de quebrados pela pouca resistência, com a instalação, etc. aula – Mayumi envolveu-se na realização do Concurso Nacional de Além disso, preocupava-se com a cristalização de modelos que Mobiliário Escolar, em 1968, para a escolha de novo mobiliário para as acarretassem na repetição de projetos padronizados para esses equipa- escolas públicas do estado de São Paulo. O vencedor foi o designer Karl- mentos. Defendia que deveriam existir projetos adequados à variedade Heinz Bergmüller, da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) do de situações existentes no estado de São Paulo, com suas diferenças Rio de Janeiro. Por ocasião do concurso, Mayumi conheceu a pedagoga geográficas, culturais, sociais e econômicas entre as várias regiões: Marta Grosbaum e convidou-a para trabalhar no FECE, como consultora na avaliação dos projetos de arquitetura de escolas. Marta participava Um padrão corresponde sempre a um modelo teórico que serve das reuniões com os arquitetos contratados para executar os projetos como termo de comparação entre uma dada realidade e uma outra e opinava sobre as soluções espaciais propostas do ponto de vista pe- que, por exemplo, se pretende implantar. dagógico. Mayumi preocupava-se com a formação multidisciplinar da Trata-se de um dado sempre relativo aos elementos de confronto e equipe de projeto, onde todos pudessem aportar contribuições para em função das hipóteses e dos objetivos adotados “a priori”. a construção de espaços adequados às propostas educativas 20. Marta Apesar do seu caráter transitório, um padrão corre o risco de se colaborou em diversos trabalhos de Mayumi. tornar permanente e, muitas vezes, obstáculos para mudanças A experiência de trabalho nos órgãos e programas públicos citados porque, ao se transformar em instrumento normativo e institucio- colocou-a em contato com diversas limitações da burocracia existente nalizado, permanece fiel às hipóteses iniciais e não à realidade que se modifica. Daí, o extremo cuidado com que falamos em definição de padrões 19 LIMA, Mayumi W. Souza. Estudo de Padrões de Equipamentos para o Município de São Paulo – Relatório final. Manuscrito, c.1975. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 45. e mais do que fornecer valores e dados definitivos, preferimos 20 Conforme depoimento de Marta Grosbaum à autora, em 21/10/2008, São Paulo. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 25 dentro da estrutura da administração pública. Mayumi buscou alterna- antigo para a construção do novo edifício da escola. A proposta era tivas que rompessem a ordem vigente para a criação de novas posturas em primeiro lugar conhecer as crianças e suas famílias para depois de atuação na máquina governamental. Muitos dos problemas que ela desenvolver atividades onde os alunos pudessem entender o processo apontava na elaboração das políticas de construção de equipamentos de reforma da escola. públicos persistem ainda hoje. Uma releitura atenta das propostas Durante a gestão de Franco Montoro (1983-1986) no governo feitas por Mayumi para o planejamento da rede física poderia fornecer do Estado de São Paulo, Mayumi desenvolveu, também no âmbito da subsídios para o debate de novas metodologias a partir do contexto Conesp, uma experiência de construção de escolas com a participação atual de projeto. da comunidade local na gestão da obra. Mayumi era Superintendente de Planejamento e estava elaborando a nova política de construções escolares21 da Conesp. Dentre as diretrizes, ela propunha a pesquisa PROJETOS PARTICIPATIVOS de alternativas para a construção de edifícios escolares, apresentando como possibilidade a auto-construção pela população. Não se tratava Nos diversos órgãos públicos em que trabalhou com atividades de de um sistema de mutirão voluntário e sim de uma gestão da obra planejamento da rede e projeto do edifício escolar, Mayumi sempre pela associação de moradores do bairro, com assessoria dos técnicos buscou a construção de alternativas mais democráticas de atuação para da Conesp e contratação da mão de obra de acordo com os valores de poder público. Em algumas ocasiões, propôs e conseguiu convencer mercado e a legislação trabalhista vigente. seus superiores a autorizar a realização de experiências piloto de pro- No capítulo 2 apresentamos o relato dessas experiências de parti- jeto com a participação da população usuária. Essas experiências foram cipação e a reflexão posterior que a arquiteta elaborou no livro A cidade descritas em seu livro A cidade e a criança, de 1988, e apresentadas em e a criança. diversos seminários sobre infância e educação. A relação com o usuário do espaço era uma questão muito cara para Mayumi. A primeira experiência que realizou foi na Conesp (Companhia de Construções Escolares do Estado de São Paulo),durante a reforma e ampliação da EEPG João Kopke (1976-1978), que funcionava em um casarão antigo no Bom Retiro, em São Paulo. Ela convocou uma equipe multidisciplinar para realizar atividades lúdicas com os alunos de 7 a 11 anos, durante os meses que antecediam a demolição do casarão 26 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 21 Ver documento “Algumas reflexões sobre construções escolares”, elaborado pela Superintendência de Planejamento da Conesp em setembro de 1983. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. ENSINO DE ARQUITETURA: A FUNÇÃO SOCIAL DO ARQUITETO que supririam o excedente da demanda. Isso gerou uma proliferação descontrolada de novas instituições de ensino superior em todo o país, Mayumi iniciou sua carreira docente na Universidade de Brasília, em tendo como conseqüência a queda da qualidade do ensino. No estado 1963. Como já vimos anteriormente, era um momento de entusiasmo de São Paulo abrem-se novas escolas particulares em Santos, São José e de otimismo com o governo de João Goulart, em que se acreditava na dos Campos, Guarulhos, Campinas, Taubaté e Mogi das Cruzes. construção de uma nova sociedade rumo ao socialismo. A UnB estava em processo de formação, portanto discutia-se a metodologia e os ob- Em 1968, a FAUUSP realizou um Fórum de Ensino, com amplas jetivos do ensino superior no Brasil e do ensino de arquitetura em si. O discussões a respeito da função social do arquiteto. No fórum ficou evi- estudo da atividade docente de Mayumi é fundamental para entender a dente a polarização entre dois “grupos” principais – o famoso “racha” elaboração de sua postura crítica de projeto, porque as questões que ela entre o mestre Vilanova Artigas e seus “pupilos” Sérgio Ferro (1938-), enfrentava no ensino estavam diretamente vinculadas ao contexto social, Rodrigo Lefèvre (1938-1984) e Flávio Império (1935-1985) – o grupo político e econômico do país e à sua atuação profissional. A universidade que mais tarde ficou conhecido como Arquitetura Nova. Por um lado, apresenta-se como um espaço de reflexão sobre a atuação profissional Artigas defendia a atuação através do desenho – o projeto como pro- do arquiteto, onde se oferece a oportunidade de troca de experiências e pulsor da revolução técnica no país, enquanto o grupo da Arquitetura de elaboração de práticas alternativas de ensino e de projeto. Nova elaborava a crítica ao desenho como forma de exploração do Podemos distinguir três momentos distintos de sua carreira docente. O primeiro, recém formada, como professora assistente em trabalhador no canteiro de obras e propunha uma atuação mais ligada à realidade das classes populares, como explicita Ana Paula Koury: Brasília. O segundo momento, na década de 1970, durante a ditadura Se para Artigas a elaboração de um projeto cultural autônomo militar, quando os colegas tentavam elaborar formas de resistência e passava pela superação do subdesenvolvimento com a adoção de muitos (inclusive ela) foram presos. Finalmente, em meados da década um projeto de modernização técnica baseado nos países ricos, para de 1980, na abertura política do país, quando se buscava construir a a Arquitetura Nova tal superação dependia da elaboração de um nova sociedade democrática. modelo tecnológico baseado no emprego intensivo de mão de obra e de menores investimentos em mecanização da produção, ou seja, No final da década de 1960, em resposta aos movimentos que pressionavam por aumento na oferta de vagas no ensino superior, o governo um processo a ser realizado com os recursos possíveis e com os limites existentes no contexto efetivo do país.22 militar faz uma Reforma Universitária. Sem expandir a rede pública, propõe otimizar a estrutura existente com a ampliação do número de vagas. Além disso, cria as condições para a abertura de escolas privadas 22 KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova: Flávio Império, Rodrigo Lefèvre, Sérgio Ferro. São Paulo, Romano Guerra Editora/Edusp, 2003, p.56. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 27 Para os alunos, a discussão era percebida apenas no plano da arquitetura. a ausência de revestimentos, evidencia estrutural, tubulações apa- No entanto, todos esses arquitetos faziam parte do Partido Comunista, rentes, etc). Os alunos deveriam compreender facilmente todos onde ao mesmo tempo ocorria outro “racha” – contrariando as di- os componentes arquiteturais, seus “porquês”, seus “como”. 24 retrizes do partido, que não concordava com a luta armada, Carlos Marighela criara a ALN (Aliança Libertadora Nacional). A discussão no teóricas, foram objeto de longos e convergentes debates com ela. FAU SANTOS, 1970-71 Em Santos, Mayumi,Sérgio Souza Lima e Rodrigo Lefèvre davam aulas pelo Departamento de Tecnologia. Sérgio Ferro dava aulas de História e Teoria. Em 1970, fizeram uma experiência inovadora com os alunos do primeiro ano, enviando-os para estudar as favelas da região, numa ação entre várias disciplinas. Em tecnologia, discutia-se as técnicas empregadas para a população na auto-construção. Em desenho industrial, projetavam objetos para o uso dessa classe popular. Em projeto, propunham soluções para o bairro estudado. No conjunto, a experiência gerou uma reflexão importante sobre a atuação do arquiteto junto às classes populares. O sociólogo Francisco de Oliveira também era professor em Santos e aponta a pesquisa sobre habitação popular como ponto fundante para sua crítica sobre a industrialização e o aumento mais-valia do custo de reprodução da força de trabalho através da auto-construção25. A maior parte das habitações pesquisadas era própria, construída em mutirões nos finais de semana, quando os proprietários chamavam os amigos e juntos iam fazendo a casa aos poucos. Em suas palavras: Em particular sobre a função formadora e pedagógica da arquite- Caiu a ficha. Crítica à razão dualista partiu dessa constatação. (...) a in- tura. Sob esse aspecto insistia muito sobre a clareza construtiva, a dustrialização estava se fazendo, com base na autoconstrução, como presença evidente de todas as equipes de produção (por exemplo, um modo de rebaixar o custo de reprodução da força de trabalho. plano profissional radicaliza-se no plano político e Sérgio e Rodrigo decidem tentar a solução das armas contra a ditadura. Importa aqui assinalar que o grupo da Arquitetura Nova representa uma geração que se dedicou ao estudo das condições de vida das classes populares, no intuito de oferecer soluções para a transformação da realidade política, social e econômica do país. Mayumi e Sérgio Souza Lima foram contemporâneos desse grupo durante a graduação e tornaram-se grandes amigos, trabalhando juntos na estruturação do curso de arquitetura das Faculdades de Santos em 1970 e de São José dos Campos em 1972. Era um grupo de pessoas com formação marxista e uma opção política comum, o que propiciava um debate conjunto sobre a atuação do arquiteto e sua importância na construção de uma nova sociedade brasileira. Como relembra Sérgio Ferro: Fizemos projeto de algumas escolas em São Paulo através da Mayumi, quando ela trabalhava não me lembro mais em qual administração publica23. Nossos projetos, portanto nossas propostas 23 No período de 1965 a 1969, quando Mayumi trabalhava no FECE (Fundo Estadual de Construções Escolares). N.A. 28 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 24 Depoimento de Sérgio Ferro à autora, por email, de 01/04/2009. 25 OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo, Boitempo, 2003. Eu diria que a industrialização brasileira foi sustentada por duas (Sergio, Mayumi, Rodrigo e eu) os outros tiveram que se afastar ou vertentes. A primeira foi a vertente estatal, pela qual o Estado por as barbas de molho.27 transferia renda de certos setores e subsidiava a implantação industrial. E a segunda eram os recursos da própria classe trabalhadora, Sérgio Souza Lima havia entrado para a luta armada junto com Sérgio que autoconstruía sua habitação e com isso rebaixava o custo da Ferro e Rodrigo. Os três foram presos no final de 1970, acusados de en- produção. volvimento na explosão de uma bomba em frente à embaixada norte- 26 americana. Ficaram por um ano no Presídio Tiradentes, em 1971, junto Naquele momento, estavam preocupados em revelar aos alunos as com os arquitetos Júlio Barone e Carlos Henrique Heck (que também condições de vida das classes populares, estudar os problemas da auto- era professor em Santos) – onde eram conhecidos como “grupo dos construção e orientá-los para uma atuação engajada. O relato de Sérgio arquitetos”, tendo montado um ateliê de desenho para os presos28. Ferro reforça o caráter inédito da experiência: Mayumi também foi presa e torturada por um mês no mesmo Nossa atuação em Santos foi bastante inovadora. Basicamente aplica- período. Tinha dois filhos pequenos, Mario (1968) e Silvio (1967), que mos as propostas que haviam sido derrotadas no Fórum da FAUUSP ficaram com os avós. Mayumi não gostava de falar sobre o assunto e, em 68. Propúnhamos um ensino ancorado em questões atuais de apesar de sua postura contra o regime, não concordava com a opção uma arquitetura socialmente engajada. Tomamos, por exemplo, pela luta armada. Foi presa provavelmente para pressionar o marido e uma favela próxima como objeto de estudo de todas as matérias os colegas de faculdade, mas não entregou ninguém. Naquele momen- do 1° ano. Sergio e Mayumi eram professores de Estrutura, e todos to, a sociedade brasileira ignorava a existência de presos políticos e do os conceitos básicos dessa matéria surgiam e eram desenvolvidos a uso da tortura pelos militares. Mayumi denunciou à família de Sérgio partir do estudo das casas da favela. A introdução à teoria da arqui- que o marido estava sendo torturado. A família demorou a buscar ajuda tetura partia de uma análise socioeconômica da favela, de enquetes para tirá-lo da prisão (foi preciso que Mayumi mostrasse as próprias sociológicas precisas, de suas condições de produção e da forma marcas de tortura para que eles acreditassem29). resultante, etc. Enfim, todas as matérias tomavam como suporte Mayumi continuou dando aulas no início de 1971, com os colegas uma realidade presente, e construíam seus conceitos a partir dela, na prisão. Sentia a necessidade de manter a discussão sobre a atuação inclusive, evidentemente, o projeto. Infelizmente, a experiência durou apenas 1 ano - com a prisão de boa parte dos professores 26 OLIVEIRA, Francisco. “O vício da virtude – autoconstrução e acumulação capitalista no Brasil” in Revista Novos Estudos, n.74, março 2006. 27 Depoimento de Sérgio Ferro à autora, por email, de 01/04/2009. 28 Conforme SISTER, Sérgio. “Cultura: Fazendo Arte na cadeia”, artigo da Revista Teoria e Debate n.27, 12/2004, consultado em www.fpa.org.br. 29 Conforme depoimento de Mário Souza Lima à autora, em 20/10/2008. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 29 engajada do arquiteto frente aos problemas políticos e sociais que o acabou desistindo e voltando para o Brasil. Ainda segundo Mário32, país enfrentava: Sérgio estava insatisfeito com o trabalho porque discordava um pouco Eu diria que em Santos, com o período político de uma crise, da arquitetura que Niemeyer estava fazendo na Argélia, pois era um inclusive da esquerda, a gente à procura de uma saída para a vida país atrasado e tudo tinha que ser importado da França, com custo pessoal, para a vida profissional, para a vida nacional: mas, afinal, muito elevado, não compatível com o nível de pobreza da população. vamos ficar fazendo o quê? Então, se de um lado ainda havia arqui- Essa crítica é comum ao grupo na época – eles defendiam a adequação tetos que ficavam discutindo forma com o aluno, para nós parecia das técnicas ao nível de desenvolvimento da sociedade, com vistas a um algo absolutamente impossível de ficar fazendo. Eu não podia ficar processo de modernização que não fosse imposto de cima para baixo. discutindo a casa do burguês, dizendo se o concreto vai ser aparente A opinião de Rodrigo Lefèvre sobre o desenho de Joaquim Cardozo ou não, quando se tinha aquela situação no país.30 para a ferragem das cúpulas de Brasília tem esse mesmo sentido: Se voltarmos para aquele desenho, ele é um desenho muito bonito, Ela achava “um absurdo continuar a fazer projeto de arquitetura como que está ligado à própria forma daquelas meias laranjas que tem lá se nada tivesse mudado no país” e batalhava pela politização da ação do no Congresso Nacional. Mas se nós tentarmos imaginar um operário arquiteto, no sentido de compreender a realidade brasileira como cam- colocando aqueles ferros, um ao lado do outro, um dentro do outro, po de atuação. Daí a importância de se colocar os alunos em contato tentando amarrar um ferrinho no outro, pegando aqueles vergalhões com a realidade da favela desde o primeiro ano de formação. de uma polegada, de uma polegada e meia, tentando encaixar dentro 31 Após sair da prisão, sem emprego e impedido de dar aulas, Sérgio de outros ferros que já estavam montados... e depois de toda a fer- Souza Lima exila-se voluntariamente na Argélia. A convite de Oscar ragem montada, o pedreiro tem que trazer o concreto para cima, e Niemeyer, foi trabalhar na construção da Universidade de Constantine, começar a jogar o concreto ali, dentro daquela trama de ferro, mais em 1973. Por conta da tortura, Sérgio sofreu perda da funcionalidade fechada que uma peneira dessas de cozinha, e tendo que jogar o dos rins e teve a saúde debilitada para o resto da vida. Mário Souza Lima concreto lá dentro e socar o concreto... Se você olha isso pensando no comenta que o pai pediu visto para se exilar na França, não conseguiu, processo de produção, em como realmente o operário vai trabalhar depois chegou a cogitar levar Mayumi e os filhos para a Argélia, mas para conseguir fazer aquilo, você começa a pensar que talvez existam algumas coisas na nossa arquitetura que são “fogo”.33 30 Depoimento de Mayumi Souza Lima a Gerson Pinto em PINTO, Gerson Almeida. A prática do projeto no ensino da arquitetura: investigação sobre algumas experiências, São Paulo 1958/85. Dissertação de Mestrado. EESC-USP, 1989, vol.2, pp.181. 31 Idem, pp.179-180. 30 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 32 Em depoimento à autora em 13/10/2008. 33 Depoimento de Rodrigo Lefèvre a Renato de Andrade Maia em 1974, consultada em www.vitruvius.com.br/entrevista/lefevre/lefevre.asp, em outubro de 2008. FAU SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 1972-74 Aberta em 1970, a Faculdade de Arquitetura de São José dos Campos passou por diversas modificações em sua estrutura. Boa parte dos professores vinha da FAU Santos: Jean Claude Bernadet, Chico de Oliveira, Mayumi Souza Lima e Rodrigo Lefèvre. Inicialmente foi adotado o funcionamento no modelo de ateliês integrados, visando à formação de um Instituto de Projeto e Comunicação (IPC) que teria 3 departamentos: Som e imagem; Projeto de Edificações, Desenho de Objeto e Urbanismo; História e Tecnologia. O modelo do IPC partia da experiência da UnB, conforme relata Mayumi: mestre os alunos desenvolvem um projeto de pesquisa sobre um tema Pensávamos um pouco no modelo de Instituto de Arte e Arquitetura, propor, e não um treinamento específico e limitado a uma atuação porque o Paulo Bastos estava vindo da experiência de Brasília. Assim, profissional por condicionamento prático, empírico, ao sabor das ele propõe para a Fundação que, ao invés de ser só Arquitetura, circunstâncias, alheio à realidade política, social e econômica.35 comum sob orientação interdisciplinar: Ao contrário de modelos anteriores, o sistema de UID não estabelece um modelo acabado de profissional a ser formado pela escola. A ênfase é dada ao processo de formação do indivíduo, e não somente na aprendizagem para uma atuação profissional futura após a conclusão do curso. Pretende-se que os participantes (estudantes e professores) desenvolvam a capacidade de selecionar as informações, analisá-las criticamente e identificar os meios e os momentos das soluções mais adequadas para a transformação desejada. Pensar para fosse Arte e Arquitetura, e aí entram cinema, comunicação. (...) É uma idéia que procura recompor, a partir de uma Faculdade, a con- O projeto era conceituado de forma mais ampla, partindo de um tema cepção da futura universidade que haveria no Vale do Paraíba. Veja (eg. A Universidade Brasileira) e não de um objeto (eg. posto de ga- que interessante, é a retomada da idéia da Universidade de Brasília, solina, logotipo de supermercado). Iniciava-se com a problematização de trás para frente, pois, enquanto a Universidade de Brasília parte do tema de trabalho e a eleição de metodologias, para então passar ao da idéia de Universidade para chegar à Faculdade, em São José se equacionamento da solução (que poderia utilizar ou não a linguagem parte da Faculdade para montar uma Universidade. do desenho). Após a apresentação das propostas, ocorria uma avaliação 34 crítica da provável solução, quanto a sua utilização, suas implicações fíNo início de 1973, é formada uma Comissão de Reestruturação da Proposta Básica do IPC, que em setembro propõe o sistema das UIDs (Unidade Interdepartamental de Ensino e Pesquisa), onde em cada se- 34 Depoimento de Mayumi Souza Lima a Gerson Pinto em PINTO, Gerson Almeida. A prática do projeto no ensino da arquitetura: investigação sobre algumas experiências, São Paulo 1958/85. Dissertação de Mestrado. EESC-USP, 1989, vol.2, p.180. 35 “Prática-investigação: um processo de trabalho em São José dos Campos”. IX Congresso Brasileiro de Arquitetos. Grupo 4: formação do arquiteto, 1976, p.17. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 12. O documento digitalizado encontra-se no dvd anexo a este trabalho. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 31 sicas, sociais, econômicas e políticas.36 Ou seja, a importância era dada o urbano como o lugar disso. Então, o urbano era um elemento ao processo de elaboração da solução e não ao projeto em si. A ênfase importante da formação capitalista. continuava sendo dada à temática de interesse das camadas populares. (...) O pessoal do [padre] Lebret mexia com favela, a Igreja mexia Incluía-se na proposta de ensino a prestação de serviços à população. com favela, cuidar desse negócio de pobre era com a Igreja, e nós Até então a preocupação com a temática social não era tão pre- dizíamos que pobre não era revolucionário, pobre-coitado tem que sente no ensino de arquitetura, e muitas vezes existia uma ironia em sobreviver; e o pessoal da Igreja trabalhava com os pobres. Então relação a esse grupo engajado: “Fomos muito combatidos, e se dizia isso nos opunha ao pessoal católico. 39 que éramos a favor da ‘arquitetura da miséria’ porque fomos falar de favela.”37 A posição do PC era a possibilidade revolucionária estava nos No final de 1974, a mantenedora da universidade demitiu o diretor setores organizados, nos sindicatos dos operários das indústrias. Não se e grande parte do corpo docente, instaurando um curso seriado nos enxergava a favela como ambiente propício à organização da popula- modos tradicionais. Mayumi afastou-se definitivamente, por não con- ção. Os arquitetos começam a trabalhar com habitação popular, entram cordar com os rumos tomados. A faculdade foi fechada em 1976 e os em contato com os movimentos organizados por moradia e começam alunos do curso foram transferidos para a faculdade Brás Cubas, em a perceber seu conteúdo revolucionário. Em 1973, Sérgio Souza Lima Mogi das Cruzes. O processo de transformação do currículo da escola 38 faz para os alunos de São José a tradução de um texto do Jean Lojkine encontra-se registrado em documento40 apresentado no IX Congresso sobre a urbanização, que coloca o urbano como o espaço da reprodu- Brasileiro de Arquitetos em 1976 e constitui importante contribuição ção da força de trabalho no capitalismo: para a discussão sobre o ensino de arquitetura. O que aparece de interessante naquele artigo é a idéia do urbano. Há duas coisas: a primeira, a importância da reprodução da força de trabalho, essa expressão “reprodução da força de trabalho”, e 36 “Prática-investigação: um processo de trabalho em São José dos Campos”. IX Congresso Brasileiro de Arquitetos. Grupo 4: formação do arquiteto.1976, p.15. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. 37 Depoimento de Mayumi Souza Lima a Gerson Pinto em PINTO, Gerson Almeida. A prática do projeto no ensino da arquitetura: investigação sobre algumas experiências, São Paulo 1958/85. Dissertação de Mestrado. EESC-USP, 1989, vol.2, p.181. 39 Depoimento de Sérgio Souza Lima a Gerson Pinto em PINTO, Gerson Almeida. A prática do projeto no ensino da arquitetura: investigação sobre algumas experiências, São Paulo 1958/85. Dissertação de Mestrado. EESC-USP, 1989, vol.2, pp.176-177. Até então quem se ocupava da população marginalizada nas favelas eram os movimentos vinculados à Igreja Católica, naturalmente oposta aos marxistas ateus. N.A. 38 LOJKINE, Jean. “Contribuição para uma teoria da urbanização capitalista”, originalmente publicado em Cahiers Internationaux de Sociologie, vol. LII, 1972, pp.123-146. Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. A tradução encontra-se digitalizada no dvd anexo. 40 “Prática-investigação: um processo de trabalho em São José dos Campos”. IX Congresso Brasileiro de Arquitetos. Grupo 4: formação do arquiteto.1976. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. 32 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI EESC-USP, 1987-1993 Em 1987, Mayumi e Sérgio mudaram-se para São Carlos e voltaram a dar aulas na Universidade, no Departamento de Arquitetura e Planejamento da Escola de Engenharia de São Carlos. Sérgio tinha a saúde debilitada nesse momento, fruto da tortura sofrida na década de 1970.41 Mayumi foi professora e coordenadora da área de Projeto de 1987 a 1988 e atuou como professora até 1993. Ao dar aulas para a turma de primeiro ano do curso de arquitetura na Faculdade de São Carlos, por exemplo, Mayumi percebeu que os alunos não tinham domínio do desenho. Ora, não é possível ensinar projeto para alguém que não sabe desenhar. O desenho é a escrita do arquiteto, é sua forma de comunicação. Então decidiu dar aulas de desenho para aquela turma e, ao final, os alunos haviam aprendido a observar o espaço em que viviam, desenhar e comunicar idéias através do desenho42. Os programas de suas disciplinas constituem importante fonte de pesquisa. Toda a postura crítica da arquiteta transparecia claramente nas propostas dos exercícios de projeto para os alunos a cada semestre. Em geral os temas propostos eram os de edifícios e/ou equipamentos públicos, onde se discutia a relação entre Arquitetura, Estado e população usuária: da população e dos grupos de interesse organizados, como as corporações e as empresas. Enquanto equipamento prestador de serviços, sua localização, número, programa funcional e dimensionamento refletem o tipo de organização da sociedade, a interpretação que o Estado – através dele, as classes dominantes – tem sobre necessidades e prioridades de uma cidade e sua população. Ao se situar em determinado território e de forma específica, ele sempre – e obrigatoriamente – intervém no espaço urbano (ou rural) alterando, não apenas o objetivo-fim do serviço, mas a configuração geral da área, proporcional ou acima do seu raio de ação, em função do movimento da demanda e do abastecimento necessário para seu funcionamento. É um elemento físico e espacial que não pode ser limitado à sua unidade porque se relaciona com os outros elementos, quase sempre articulados numa rede.43 Como material de apoio às suas disciplinas de projeto, Mayumi publicou em 1992 a apostila Arquitetura e Equipamentos Sociais. Trata-se de um estudo sobre o significado dos “equipamentos sociais coletivos”, que traça um histórico dos equipamentos para saúde e educação desde as transformações ocorridas a partir do século XVII nas sociedades oci- O tema do edifício público coloca em questão o espaço destinado dentais. A apostila tem 60 páginas ilustradas com exemplos históricos ao consumo coletivo, construído pela ação deliberada do Estado e, e atuais, discutindo o processo de projetar equipamentos públicos e as por isso mesmo, destinado a satisfazer a necessidades heterogêneas responsabilidades nele implicadas: 41 Conforme depoimento de Mário Souza Lima à autora em 20/10/2008, Mayumi mudase para São Carlos também para estar mais próxima e poder cuidar da saúde do marido. 42 Conforme depoimento de Mário Souza Lima à autora em 20/10/2008. 43 SOUZA LIMA, Mayumi W. e SCHIEL, Kristian. Disciplina Projeto V – SAP 335. Plano de Curso – 1º. semestre 1989. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 40. Documento digitalizado em dvd anexo a este trabalho. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 33 Mas se a obra de arquitetura indica a existência de uma ação criativa Os programas das disciplinas e a apostila publicada refletem a experi- individual, essa criação resulta de um processo coletivo de produção ência profissional da arquiteta e revelam sua preocupação em formar do conhecimento e de produção da própria obra. O que há de indi- jovens profissionais conscientes de sua responsabilidade social, que se vidual é a forma peculiar com que determinada pessoa organizou, dedicassem a construir edifícios de qualidade sempre respeitando a articulou ou estruturou os elementos conhecidos. Enfim, a obra de população usuária. arquitetura é uma produção coletiva, porque cultural. (...) O desconhecimento de materiais, de tecnologias, de processos PESQUISA ACADÊMICA produtivos, de formas concretas de realização ou a ignorância de variáveis de natureza política, cultural ou social levam ao equívoco Em sua atuação profissional, Mayumi sempre misturou teoria e prática, de confundir arquitetura com desenho e o espaço como sucessão numa atividade constante de pesquisa e reflexão sobre o trabalho. Em de fachadas ou de simples composição plástica. dois momentos realizou trabalhos teóricos dentro da Universidade, Esta confusão é tanto mais grave quanto mais coletiva for a desti- formalizando a reflexão sobre os projetos realizados. nação do espaço projetado. O projeto de equipamentos coletivos, De 1963 a 1965, Mayumi fez o Mestrado na Universidade de públicos ou privados, é sempre um projeto comprometido: a forma Brasília, sob a orientação do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé. O que se dá implica tanto nas referências que oferece à cidade e à sua tema da dissertação era a produção de habitações coletivas no Brasil e população, quanto a gama de materiais de que poderá lançar mão tratava da reflexão sobre o projeto da Unidade de Vizinhança de São e acaba por determinar quem terá condições de realizar, quem e Miguel45, em Brasília, projeto de Mayumi em colaboração com Sérgio quantos poderão usufruir ou ainda como e onde poderá existir. Souza Lima. Nada é abstrato, neutro ou indiferente no ato de produção da A dissertação foi dividida em três partes. Na primeira parte, arquitetura dos equipamentos coletivos. Nele, o traço nunca é um Mayumi apresentava as origens do problema habitacional urbano, a risco: é um material, é uma dimensão, é um custo, é uma resposta a partir de autores como Lewis Munford, Max Weber, Karl Marx, Nelson demandas que são concretas em um tempo histórico. 44 44 LIMA, Mayumi W. Souza. Arquitetura e Equipamentos Sociais. São Carlos: EESC-USP, 1992. pp.57-58. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 01. Documento digitalizado em dvd anexo a este trabalho. 34 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 45 Algumas imagens do projeto e da obra, bem como trechos da dissertação, foram publicados no livro Arquitetura e Educação, opus cit., pp.39-47. Os dois volumes existentes no acervo da arquiteta foram digitalizados e os arquivos encontram-se em dvd anexo a este trabalho. Werneck Sodré, Friederich Engels, Walter Gropius e Le Corbusier46. Na rias entre habitação, trabalho e serviço e equipamentos urbanos; segunda, a mesma discussão sobre as origens do problema habitacional d. que torna-se imprescindível a adoção de medidas que cerceiem a urbano era deslocada para o contexto brasileiro, apresentando contri- especulação imobiliária, regulando a inversão privada nesse setor.47 buições dos arquitetos em Congressos e Seminários. No final deste capítulo, Mayumi fez uma declaração de princípios sobre a questão da Na terceira parte foi examinado o caso da construção da Unidade de habitação: Vizinhança de São Miguel, projeto feito por Mayumi em parceria com No que se refere ao planejamento urbano e regional, cabe lembrar Sérgio Souza Lima para o Ceplan, utilizando elementos pré-moldados as conclusões a que chegaram os arquitetos brasileiros, por ocasião – daí a orientação de Lelé, que desde o início da construção de Brasília do 1º. Seminário de Habitação e Reforma Urbana, realizado em vinha trabalhando com a racionalização das obras e participou das pri- 1963, no Rio e em São Paulo: meiras experiências de pré-fabricação na cidade. Brasília era examinada a. que o problema da habitação é de responsabilidade do Estado, como fruto de um processo de expansão industrial, ligada à ampliação e sua intervenção deve ser no sentido de formular o problema em do mercado interno, mais intenso no período de 1955 a 1960, quando sua totalidade; disciplinar as atividades no campo da habitação; o país intensificou seu desenvolvimento capitalista e começou a romper estimular todas as iniciativas que procuram sua solução, e suprir a velha estrutura agrária. Mayumi ressaltava a importância didática da diretamente as deficiências que se manifestam; construção de Brasília, cujo “plano possibilita aplicar, pela primeira vez b. que esta política deve materializar-se mediante planos nacionais, no Brasil, em grande escala o conceito correto de habitação coletiva, territoriais e de habitação, com o objetivo de corrigir as deficiên- tão deturpada pela especulação imobiliária”.48 No início, foram utiliza- cias quantitativas das moradias e serviços sociais, integrando-os em dos métodos construtivos tradicionais por causa da rede de transportes uma planificação global em diferentes níveis (nacional, regional, deficiente. No entanto, já nos canteiros de obra, Lelé preocupou-se em estadual e municipal); estudar e racionalizar as construções provisórias em madeira para os c. que todo plano de habitação deve estabelecer metas através de acampamentos e barracões.49 critérios objetivos que levem em consideração as relações necessá- 46 MUNFORD, Lewis. La cultura delle cittá. Milano, Ed. Di Comunitá, 1954; WEBER, Max. Historia econômica general. Mexico, Fondo de Cultura Económinca, 1961; MARX, Karl. Obras escolhidas. Rio de Janeiro, Ed. Vitória, 1961; SODRÉ, Nelson W. História da burguesia nacional. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964; ENGELS, F. Contribuição ao problema da habitação. Rio de Janeiro, Ed. Vitória, 1961; GROPIUS, W. Alcances de la arquitectura integral. Buenos Aires, La Isla, 1957; LECOBUSIER.Carta de Atenas. São Paulo, GFAU, 1950. Em função da escala das obras e do prazo disponível, criaram-se 47 LIMA, Mayumi W. de Souza. Aspectos da habitação urbana – projeto de habitação para a unidade de vizinhança de São Miguel. Dissertação de Mestrado. Brasília, Faculdade de Arquitetura da UnB, 1965, p.29. 48 Idem, p.45. 49 EKERMAN, Sergio Kopinski. “Um quebra-cabeça chamado Lelé”, consultado em http:// www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq064/arq064_03.asp em 10/04/2008. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 35 condições para a experimentação de novas técnicas, e em 1959 foi cons- a produção de equipamentos públicos para a educação, no contexto da truído o Terminal Rodoviário de Brasília com os primeiros elementos abertura política após anos de ditadura militar. O plano de pesquisa pré-moldados. Segundo Mayumi, foi com a Fundação da Universidade apresentado em 1986 aponta como objetivo “Analisar as condições em de Brasília e a criação do Ceplan que se ampliaram as experiências de que ocorre o processo de produção e consumo dos espaços escolares industrialização da construção. no Estado e examinar as possibilidades de sua transformação em ins- 50 O projeto da Unidade de Vizinhança de São Miguel partiu de um trumento de educação popular.”51 Os exemplos escolhidos para estudo convênio entre a UnB, o Ministério das Relações Exteriores e a prefei- de caso foram o projeto de ampliação da EEPG João Kopke (1976-78) tura do Distrito Federal para a construção de habitações para os funcio- e a experiência de construção das escolas no Bairro da Varginha e no nários destes órgãos (uma população estimada de 10.000 habitantes) Jardim Fortaleza, na periferia de São Paulo, com a participação da nas superquadras 107, 108, 307 e 308 da Asa Norte Residencial, o que população (1983-84) – dois casos de estudos piloto desenvolvidos possibilitaria a transferência do Itamaraty e das delegações estrangeiras no âmbito da Conesp sob coordenação da própria Mayumi. Em 19 para a nova capital. A construção do conjunto foi realizada com pré- de janeiro de 1989 apresentou a qualificação para sua tese, intitulada fabricados produzidos na fábrica do Ceplan. “Estado e movimentos populares na construção do prédio escolar: con- O projeto possibilitou o planejamento global de toda a área de fronto ou colaboração?”52, tendo sido aprovada com A (excelente). Em vizinhança, incluindo urbanização (arq. Fernando Lopes Burmeister), seguida teve que afastar-se da Universidade para dedicar-se ao trabalho paisagismo (arq. Afonso Leiva Galvis), escolas (arq. Geraldo José de na Prefeitura de São Paulo, durante a gestão Erundina (1989-1992), Santana), habitações (arqs. Mayumi Souza Lima e Sérgio Souza Lima) e nunca tendo concluído a tese de doutorado (o que, segundo o filho unidades complementares. Mário, era motivo de constrangimento para ela53). A estrutura do texto preparado para a qualificação tem cinco Em 1984, Mayumi iniciou o curso de doutorado em História e Filosofia partes: introdução; quadro político de 1976 a 1986; conflitos, ideologia da Educação, na Faculdade de Educação, sob orientação de Celso de Rui e participação; Estado e movimentos populares na construção escolar; Beisiegel, pesquisador da história das políticas públicas de educação críticas preliminares ao processo desencadeado. no Brasil. Novamente, o tema de pesquisa tem a ver com a sua atuação profissional. Se no mestrado a discussão era em torno das questões de urbanismo e da pré-fabricação, no doutorado o interesse se desloca para 50 LIMA, Mayumi W. Souza. Aspectos da habitação urbana – dissertação de mestrado, p.48. Brasília, UnB, 1965. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 16. 36 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 51 LIMA, Mayumi W. Souza. “Plano de pesquisa”, 1986. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 40. 52 Parte do texto da qualificação foi publicada no livro Arquitetura e Educação, opus cit., pp.75107. O volume doado pelo prof. Celso de Rui Beisiegel foi digitalizado e encontra-se em dvd anexo a este trabalho. 53 Conforme depoimento de Mário Souza Lima à autora, em 20/10/2008. Na introdução, discorre sobre as condições de vida urbana das unido na oposição à ditadura. Partindo das definições de democracia camadas populares, privadas dos seus direitos básicos e denuncia o discutidas por autores como Francisco Weffort, Norberto Bobbio e papel do Estado na manutenção da situação de espoliação, explicando Giovanni Sartori55, Mayumi defende a democracia participativa como a origem do título da tese: forma possível de transformação social, em complemento à represen- Nesse quadro de exploração/espoliação, o Estado teria um papel tação por meio do voto: múltiplo e fundamental para a manutenção do status quo. De um lado, A participação exclusivamente nos períodos eleitorais, especial- ele produz diretamente parte dessas condições de espoliação, atra- mente quando esta é condicionada por uma forma de coação que vés das políticas de investimento público e seu direcionamento; de obriga a participação de todos, com a punição à ausência na eleição, outro, na reprodução e divulgação da ideologia dominante, através serve para legitimar as desigualdades e reforçar o poder dos grupos de seus aparelhos que penetram na vida cotidiana dos indivíduos. tradicionais hegemônicos. Mas, o Estado constituiria também a instância privilegiada de pres- (...) a questão da participação por meio de representação ou de são e de negociação das camadas populares. É nele, ou melhor, em participação direta deixa de ter sentido de alternativas excludentes, pessoas que representam conjunturalmente o poder do Estado, que mas de um sistema de participação política integral, que decorre as camadas populares identificam a possibilidade de ver atendidas da luta por uma democracia de sociedade e que por isso mesmo suas reivindicações ou, em outros momento, seu principal opositor. encontra um ‘continuum’ de formas de participação, desde as ins- Esta relação ambígua de confronto e colaboração fica bastante clara tâncias mais puras de democracia direta, às de democracia indireta na luta pelo direito à educação, concretizada nas reivindicações por ou da democracia representativa. 56 construção de escolas.54 Ainda dentro do quadro político do período, Mayumi analisa o discurNo segundo capítulo, analisa o período definido para estudo – de 1976 so da democracia participativa no plano de governo do PMDB e critica a 1986, quando acontece a abertura política no país e se discute o en- sua aplicação na prática: caminhamento do processo de democratização política e social. Nesse A manipulação das informações continua a ser instrumento cada processo, inicialmente não havia consenso sobre as condições ideais vez mais importante no aparelho do Estado, associado este a de construção da democracia entre os diferentes grupos que haviam se 55 WEFFORT, F. Por que Democracia? Ed. Brasiliense, S.Paulo, 1984; BOBBIO, N. O futuro da Democracia. Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986; SARTORI, G. De la Democracie. Armand’Collin, Paris, 1973. 54 LIMA, Mayumi Watanabe Souza. Estado e movimentos populares na construção do prédio escolar: confronto ou colaboração? Texto para exame geral de qualificação para doutorado na FEUSP, São Paulo, 1988, p.1. Fonte: Acervo Celso Beisiegel. 56 LIMA, Mayumi Watanabe Souza. Estado e movimentos populares na construção do prédio escolar: confronto ou colaboração? Texto para exame geral de qualificação para doutorado na FEUSP, São Paulo, 1988, pp.18-20. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 37 grupos escolhidos pelo poder como ‘representantes legítimos’ A partir da análise de Celso de Rui Beisiegel da pressão dos movimen- juridicamente instituídos como as lideranças mais cooperativas de tos populares por educação, examina a atuação do Estado no processo sociedades amigos de bairros ou eleitos, como vereadores, depu- de expansão dos serviços educativos da rede pública para as classes tados e prefeitos do mesmo partido que, embora não estivessem populares, apontando a conseqüente redução da qualidade dos edifí- comprometidos com os movimentos populares de reivindicação cios construído: são chamados pelo governo para se tornarem os ‘anunciadores do À escola que servia para os futuros dirigentes, o prédio correspon- benefício do Estado’. dia oferecendo-lhes não apenas biblioteca, auditório ou laboratório. Nesse processo, a participação popular é estimulada ou no mínimo Oferecia-lhes muito mais: a expressão da “superioridade” do aceita, para canalizar as insatisfações, até traduzi-la numa solicitação segmento social ao qual pertencia a criança, valorizando aqueles ao governo. elementos visuais que ressaltavam a escola, no confronto com os A partir desse momento, a relação Estado x setores populares re- demais edifícios. torna à relação de dependência, onde as decisões são de exclusiva A escala, os volumes, os materiais, tudo concorria para identificar a competência (no sentido jurídico de quem tem o ‘direito de’) do escola com a cultura das elites. Governo e o “participante” transformado em “solicitante” aguarda Ao se popularizar, ou melhor dizendo, quando os setores dirigentes, a aprovação benevolente dos dirigentes. situados no aparelho do Estado, cedem às pressões das reivindica- Essa situação de retorno a formas antigas de participação política ções populares e das necessidades do crescimento econômico, as são justificadas, através da questão de representação e eleição.57 escolas sofrem uma mudança qualitativa, justificada teoricamente, tanto pela ótica da pedagogia, quanto pela ótica da psicologia social No terceiro capítulo, parte para a análise do campo ideológico dos como de “adequação aos valores populares”.59 prédios escolares: O prédio escolar se confunde com o próprio serviço escolar e com Em seguida contrapõe a justificativa de adequação aos valores popula- o direito à educação. Embora colocado no rol dos itens secundários res à real razão da simplificação e da baixa qualidade das construções dos programas educativos, é o prédio da escola que estabelece con- escolares destinadas às classes populares – a redução de custos: cretamente os limites e as características do atendimento. E é ainda Ou seja, a simplicidade das soluções não foi buscada para identifi- esse objeto concreto que a população identifica e dá significado.58 car-se à simplicidade dos usuários, nem se deu oportunidade a que se recriassem elementos caros ao imaginário daquela população. A 57 Idem, p.38. 58 LIMA, Mayumi W. Souza. Arquitetura e Educação. Opus cit., p.75. 38 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 59 Idem, p.78. simplicidade transformou-se na padronização e primariação [sim- De 1989 a 1990, Mayumi orienta quatro alunos de iniciação científica plificação] dos espaços, interpretadas as necessidades educativas das na universidade de São Carlos para a pesquisa intitulada “Arquitetura camadas populares, segundo a visão reducionista e hierárquica das dos espaços destinados à educação das crianças e dos jovens em São camadas dominantes. Não se mudavam conceitos de espaços edu- Paulo”, financiada pelo Cnpq (Conselho Nacional de Desenvolvimento cativos e sua apropriação ou adequação segundo as necessidades Científico e Tecnológico). A pesquisa pretendia: e características concretas de uma população. Homogeneizava-se como ‘clientela carente’ e, como tal, as escolas sofreram cortes nos ambientes, nas instalações e nos materiais. 60 • pesquisar e identificar as carências dos espaços destinados ao uso coletivo das crianças; • propor e testar elementos projetuais, com ênfase naqueles elementos lúdicos e visuais que interferem nos espaços destinados O texto passa a discutir a maneira como são interpretadas as neces- à educação.61 sidades das camadas populares e como são produzidos os espaços para a educação a partir desta interpretação, analisando as políticas As pesquisas dos alunos estavam vinculadas a uma pesquisa maior, públicas e a organização administrativa dos órgãos responsáveis pelo envolvendo a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Edu planejamento da rede física e pela construção de edifícios escolares cação62) e com financiamento do BID (Banco Interamericano de – primeiramente o FECE (Fundo Estadual de Construções Escolares) Desenvolvimento), para a elaboração de um diagnóstico das carências e, a partir de 1976, a CONESP (Companhia de Construções Escolares dos espaços das escolas públicas no estado de São Paulo. A partir do do Estado de São Paulo). São apresentadas e analisadas diversas meto- diagnóstico, propunha-se chegar à elaboração de recomendações para dologias de planejamento da rede física propostas ao longo do século futuros projetos escolas, tendo em vista a melhoria qualitativa desses XX, discutindo-se a possibilidade de participação da população usuária espaços. O enunciado dos objetivos da pesquisa reflete claramente a nesse processo. postura crítica de projeto da arquiteta: Quando da qualificação, o capítulo final que relataria as experiências de construção de escolas com a participação da população na gestão da obra não havia sido escrito. 60 Idem, p.80. 61 LIMA, Mayumi W. Souza. “Relatório Pesquisa 1º Semestre 1989 – Arquitetura dos Espaços destinados à Educação de crianças e de jovens da rede escolar de São Paulo”. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 24. 62 A FDE é uma fundação de direito privado vinculada à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Foi criada em 1987 em substituição à Conesp e incorporou além das funções de construção e manutenção da rede física de escola, fornecimento de mobiliário e de material pedagógico para as escolas, definição e aplicação de políticas educacionais, formação permanente dos professores, pesquisa técnica, etc. Para mais informações consultar www. fde.sp.gov.br. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 39 Nesse sentido, o prédio escolar tem de refletir a preocupação do deficiências nos espaços existentes para criar diretrizes para os futuros educador e as necessidades das populações usuárias específicas que, projetos, num processo de auto-avaliação da própria produção e de desde 1983 vem se corporificando na ênfase dada pela Secretaria da seus métodos. Educação às primeiras séries do 1º grau, sob a forma do projeto Ciclo Além das atividades de pesquisa acadêmica e de consultoria para os Básico e complementado na fase seguinte pela Jornada Cíclica. órgãos públicos, por sua vasta experiência Mayumi era freqüentemente Essas medidas trazem necessariamente no seu bojo algo mais do convidada para palestras em seminários sobre a infância, a educação e que a mera expansão do período de permanência da criança na os espaços públicos para a criança na cidade. Produziu e publicou di- escola com a presença do professor. Significa sobretudo a aceitação versos textos sobre o assunto.64 Defendia a importância da experiência oficial da existência de condições sociais, econômicas e culturais de percepção do espaço e das atividades de brincar na elaboração do precárias de parcelas consideráveis da população, que exigem conhecimento da criança, o que implicava a necessidade de construção tratamento especial sem os quais a universalização do direito à de espaços orientados e adequados para a formação, de acordo com educação não passa de um engodo. Significa ainda que, em virtude a faixa etária. O capítulo 2 apresenta algumas das idéias da arquiteta desse reconhecimento institucional abre-se campo para aqueles sobre a relação da criança com o espaço. educadores e comunidades que pretendam desenvolver metodologias mais adaptadas a sua realidade para melhor desempenho da atividade educativa. CONSTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS A arquitetura escolar terá de responder à nova conjuntura, refletindo sobre as conveniências e os limites tanto de padronização Mayumi e Sérgio sempre estiveram envolvidos em movimentos de es- quanto da originalidade, tendo em vista as variáveis que interferem querda e eram filiados ao Partido Comunista. Desde a ida a Brasília, em no problema da expansão e melhoria da rede de ensino público em sua postura de atuação o casal demonstrava um grande compromisso São Paulo. com o a transformação da realidade social do país através do fazer 63 profissional. Nesse sentido, participaram da fundação do Partido dos A pesquisa coloca em questão a padronização de materiais, de pro- Trabalhadores (PT) em 1980, juntamente com outros intelectuais que gramas e de projeto utilizada na FDE (e que vigora até hoje). É uma defendiam a democracia direta e a formação da população de baixa iniciativa importante deste órgão, na medida em que visa identificar renda para a participação na vida política do país. 63 “Relatório n.1 – fevereiro/março 1989”. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 24. 64 Os textos existentes no acervo da arquiteta, na Fundação Perseu Abramo, foram digitalizados e os arquivos encontram-se em dvd anexo a este trabalho. 40 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Quando Luiza Erundina assumiu a Prefeitura de São Paulo, em Criança66, na Favela Nova República, em São Paulo. O projeto foi feito 1989, Mayumi foi convidada para dirigir a Edif (Departamento de por uma equipe multidisciplinar, com sociólogos e pedagogos envolvi- Edificações da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São dos, e previa um centro de convivência para as crianças da favela, com Paulo). Ao chegar ao poder, o PT precisou operar a máquina do estado espaços para diversas atividades lúdicas e de formação – creche, área e para isso convocou intelectuais e técnicos de destaque em suas res- de exposições, brinquedoteca, equipamentos esportivos. Destaca-se a pectivas áreas. Paulo Freire assumiu a Secretaria da Educação, Marilena proposta de um espaço destinado ao convívio entre as crianças e os Chauí a Secretaria da Cultura, Paul Singer a Secretaria do Planejamento idosos da comunidade da favela, como incentivo a um processo de e Ermínia Maricato a Secretaria da Habitação, dentre outros. Trabalhar recuperação da cultura dessa população. na administração municipal neste momento, mais do que uma opção No ano seguinte assumiu a criação da fábrica de elementos pessoal, era um compromisso ideológico de participar da construção de argamassa pré-moldada da prefeitura – o Cedec (Centro de de uma alternativa petista de governo.65 Desde a criação do partido, a Desenvolvimento de Equipamentos Coletivos, 1990-1992), coordenan- questão da democracia direta – com a participação da população nas do sua organização e implantação e estabelecendo todas as diretrizes decisões sobre a cidade – era muito cara ao governo petista. de funcionamento. Pela importância do Cedec e pela maneira ímpar Na direção da Edif, Mayumi elaborou o esboço de uma nova política de construção e de manutenção dos equipamentos sociais. Ela com que Mayumi coordenou suas atividades, dedicamos o capítulo 3 a este projeto. criticava a má qualidade dos equipamentos oferecidos à população Em 1993, após o término da gestão de Luisa Erundina na Prefeitura, periférica e propunha que fosse criado um setor de pesquisa dentro o Cedec foi fechado. Mayumi diminuiu o ritmo intenso de trabalho da Edif, que pudesse testar e avaliar tecnologias e materiais destinados que vinha levando nos quatro anos de administração petista e dedicou- ao uso nos equipamentos públicos. Propunha ainda que se implantasse se novamente a dar aulas em São Carlos e a trabalhar em projetos de um processo mais organizado de planejamento das obras públicas e consultoria. que houvesse programas arquitetônicos e normas de referência para Um exemplo é o projeto de educação ambiental (1993), vinculado a elaboração desses projetos, em função das pesquisas realizadas. Isso à despoluição do Rio Tietê, para o governo do Estado de São Paulo67. O envolveria a realização de programas de formação para os técnicos da projeto envolvia um trabalho educativo em todas as escolas próximas ao Edif. Um dos projetos interessantes que ela fez na época foi o do Espaço 66 No livro Arquitetura e Educação, pp.177-185, encontram-se publicados alguns textos de apresentação do projeto. A prefeitura também promoveu uma publicação do projeto: Espaço Criança.São Paulo, PMSP, 1990, que pode ser consultada no dvd anexo. 65 Conforme depoimentos de Mário Souza Lima, Reginaldo Ronconi e Vera Pastorello à autora em São Paulo, ao longo deste trabalho. 67 Os textos relativos ao projeto de educação ambiental foram publicados no livro Arquitetura e Educação, op.cit., pp. 213-236. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 41 Tietê e seus afluentes, com o objetivo de conscientizar os alunos dessas escolas sobre a importância das obras de tratamento dos rios. Os alunos seriam então agentes de disseminação das idéias de educação ambiental e das ações de preservação nos bairros onde residiam. O projeto previa ainda um curso de formação para os trabalhadores das obras nos rios, para que estes estivessem conscientes de seu papel na sociedade e pudessem explicar o projeto à população vizinha ou mesmo aos grupos de estudantes e de curiosos que fossem visitar as obras. Mayumi faleceu em 23 de outubro de 1994, aos 59 anos de idade, em decorrência de um atropelamento ao atravessar a Avenida Rebouças, em São Paulo. Após a morte, seu marido Sérgio organizou a publicação do livro Arquitetura e Educação, uma seleção de textos e projetos da arquiteta. O estudo e a divulgação da produção de Mayumi como um todo pode ser uma contribuição importante para o debate atual sobre a atuação do arquiteto. 42 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI CAPÍTULO 2 REFLEXÃO E PRÁTICA SOBRE A RELAÇÃO CRIANÇA-ESPAÇO Em duas ocasiões, como Superintendente de Planejamento da Conesp, com crianças eram na realidade experimentos de percepção do es- Mayumi pôde realizar experiências piloto com a participação da po- paço, oportunidades em que Mayumi testava na prática sua reflexão pulação usuária das escolas (o caso da reforma da escola João Kopke, sobre uma pedagogia do espaço. Como poderemos ver adiante, nessas em 1976-78, e o caso da construção das escolas no Jardim Fortaleza e experiências Mayumi criticava a passividade do processo educativo no Bairro da Varginha, em 1983-84). A partir dessas experiências e de tradicional e defendia de uma nova concepção pedagógica onde o outras observações realizadas em paralelo, a arquiteta publicou dois aluno participasse ativamente na elaboração do próprio conhecimento. livros (Espaços Educativos: uso e construção, 1986, e A cidade e a criança, 1989) Em outras palavras, ela criticava a concepção tradicional da educação com suas reflexões sobre a construção e o uso dos espaços educativos como mera transmissão de conhecimento, que cria indivíduos passivos para crianças. e reprodutores da ordem vigente, e defendia uma educação criadora, Antes de relatar as experiências e as reflexões da arquiteta, convém apresentar o que ela entende por espaço educativo: onde o conhecimento é elaborado de maneira coletiva através do fazer conjunto de educadores e educandos. Essa crítica das concepções de Todo o espaço que possibilite e estimule positivamente o educação está diretamente vinculada à difusão das idéias do educador desenvolvimento e as experiências do viver, do conviver, Paulo Freire a partir da década de 1960, quando foram publicados seus do pensar e do agir conseqüente, é um espaço educativo. dois livros mais famosos. Mayumi transpõe para o espaço a concepção Portanto, qualquer espaço pode se tornar um espaço educativo, da construção do conhecimento a partir da consciência do real. Enquanto desde que um grupo de pessoas dele se aproprie, dando-lhe este Paulo Freire alfabetiza a partir do diálogo e da reflexão sobre situações caráter positivo, tirando-lhe o caráter negativo da passividade e da vida cotidiana dos participantes do processo, Mayumi propõe um transformando-o num instrumento ativo e dinâmico da ação dos ensino a partir da observação e da vivência do espaço cotidiano: seus participantes, mesmo que seja para usá-lo como exemplo crítico de uma realidade que deveria ser outra. Na sua concepção, o espaço não É educativo – ele se TORNA educativo a partir da apropriação pelos usuários. Por isso a questão do uso dos espaços é tão trabalhada em sua obra. Todas as atividades realizadas Texto “Algumas reflexões sobre construções escolares”, documento interno da Superinten dência de Planejamento da Conesp, setembro de 1983, pp.2-3. Grifos do próprio texto. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, caixa 24. 44 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Paulo Freire publicou seu livro Educação como prática da liberdade em 1967 no Chile, quando estava exilado. O livro relata sua experiência de alfabetização de adultos a partir da utilização de “palavras geradoras” nos Círculos de Cultura no início da década de 1960 – o que mais tarde ficou conhecido como método Paulo Freire. A alfabetização implicava numa discussão sobre a problemática envolvida nas palavras geradoras, cuidadosamente selecionadas para cada grupo específico, num processo de tomada de consciência do indivíduo sobre seu contexto social, cultural e político. Com a conscientização buscava-se formar sujeitos ativos capazes de participar da sociedade com liberdade. Em 1970 Freire publica Pedagogia do Oprimido, o livro que lança a definição de “educação bancária” – a concepção tradicional de educação onde o professor (detentor do saber) “deposita” o conhecimento na cabeça do aluno, entendido como uma espécie de recipiente vazio a ser preenchido. Os dois livros tiveram ampla divulgação no Brasil e são referências mundiais de educação. Espaços para a educação são as cidades, as praças, as ruas como hoje EEPG JOÃO KOPKE elas existem; são as construções que nos cercam; são os bairros periféricos que crescem em torno das grandes cidades; são os volumes De 1976 a 1978, Mayumi foi Superintendente de Planejamento na e as cores, os materiais naturais e produzidos....; são, enfim, cheios Conesp (Companhia de Construções Escolares do Estado de São Paulo). e vazios dentro dos quais as nossas experiências se processam. São O governador era Paulo Egydio Martins e a Superintendência cons- educativos, na medida em que refletem e representam a realidade truía escolas num ritmo “desenfreado”, algo como 2000 salas de aula brasileira, com sua cultura, seu nível tecnológico, suas condições de por ano. Nesse período, Mayumi encontra tempo para desenvolver clima, a estrutura sócio-econômica de sociedade; são educativos, atividades lúdicas com os alunos da EEPG João Kopke, em São Paulo, porque através deles pode-se descobrir, com os participantes, como paralelamente ao processo de ampliação da escola. Em meio ao fazer e porque são e como são. E, finalmente, são educativos, se através “mecânico” da reprodução de projetos em larga escala, ela busca uma das ações sobre esses espaços, os participantes puderem apropriar-se alternativa que possa ser transformada em exemplo para as futuras dos mesmos, criando-lhes novas formas de uso, encontrando novas intervenções. Foi sua primeira iniciativa de construção com a partici- formas de relacionamento entre eles. pação dos usuários. Em 1976, com a transferência da EEPG Caetano de Campos da Praça da República para o bairro da Aclimação, os alunos que eram moradores do centro foram transferidos para a escola mais próxima, no caso a EEPG João Kopke, no Bom Retiro, próxima à rodoviária e à Estação Julio Prestes. Surgiu então a necessidade de ampliar a capacidade da escola para receber os novos alunos. A EEPG João Kopke funcionava desde 1930 num casarão antigo, construído em 1890, que havia sido moradia de uma baronesa do café. Na época o estado do edifício era tão precário, devido à falta de manutenção, que era neces- Texto “Espaços educativos” apresentado por Mayumi Souza Lima no I Seminário de Educação pela Arte, Rio de Janeiro, 1977. O trecho encontra-se citado no documento “Algumas reflexões sobre construções escolares”, Superintendência de Planejamento da Conesp, setembro de 1983, p.27. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. Segundo depoimentos das arquitetas Vera Pastorello e Odete Tomchinsky, que conheceram Mayumi quando começaram a trabalhar na Conesp, nesse período. A partir de então trabalharão juntas em muitas ocasiões, inclusive na implantação do Cedec em São Paulo (1990-1992). Conforme depoimento de Vera Pastorello à autora em 16/10/2008. Escola Estadual de Primeiro Grau. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 45 sário substituí-lo. Previa-se a demolição do casarão e a construção de dos demais (contra a postura de impor decisões, de cima para baixo). um novo edifício, sem interrupção das aulas por não haver outro local Compartilhava o respeito pelo trabalhador da construção, que não só para funcionar como escola enquanto durassem as obras. executa o projeto – é um artesão e também tem experiência, pensa e Mayumi, como Superintendente de Planejamento, solicita auto- faz junto com todos os técnicos formados na universidade. rização para realizar um estudo piloto envolvendo os alunos, tendo A direção da escola organizou um grupo de alunos10 que par- por objetivo “estabelecer uma metodologia que assegurasse a efetiva ticipou de reuniões quinzenais com a equipe da Conesp onde eram participação dos usuários na definição de suas necessidades.” A abor- realizadas atividades que objetivavam “a percepção por parte dos dagem buscava amenizar os efeitos do processo de obras e incentivar usuários do espaço físico da escola e da sala de aula, suas funções uma melhor apropriação do equipamento público pelos usuários, convencionais e suas possibilidades de alteração; percepção do espaço minimizando os problemas de manutenção decorrentes de vandalismo cultural, social e econômico refletido no espaço físico.”11 A idéia é que e outras formas de agressão ao edifício escolar. esses representantes transmitissem aos colegas informações sobre as Montou-se uma equipe interdisciplinar (arquiteto, socióloga, atividades desenvolvidas, como “agentes multiplicadores”. Além disso, jornalista, educadora) externa à Conesp, para realizar atividades lúdi- havia no pátio um painel com fotos das atividades e uma urna para cas (relacionadas à obra do novo edifício, à percepção do espaço da sugestões, críticas e comentários para uso de todos os alunos. No início escola e de seu entorno, sua relação com a cidade) com as crianças. do processo, os alunos utilizavam as urnas para desabafo e agressões Ao iniciar um novo projeto, Mayumi preocupava-se em montar uma gratuitas, inclusive com uso de palavrões. Após quatro meses de tra- equipe coerente com os objetivos. Preocupava-se com o envolvimento balho da equipe da Conesp na escola, praticamente desapareceu o uso dos integrantes e com a compreensão correta dos objetivos de projeto, de palavrões nas mensagens, que passaram a ter um tom de carência, fazendo um trabalho educativo com a equipe, através de uma dinâmica pedindo atenção para os problemas de cada um dos alunos e de sua de leituras para discussão e reflexão conjunta. Buscava conscientizar os relação com o espaço da escola e do bairro. profissionais sobre como trabalhar em de forma integrada, incentivando a participação e o envolvimento dos colegas na avaliação dos processos e nas decisões sobre os caminhos a seguir, e a respeitar o conhecimento Conforme comentários dos colegas de trabalho, Vera Pastorello, Odete Tomchinsky e Reginaldo Ronconi, em depoimentos à autora, 2008. Idéia que nasce com Paulo Freire, na sua defesa do “saber-feito” (o conhecimento gerado pela experiência de vida da população) e da construção de um saber coletivo. Sérgio Ferro defende essa idéia no canteiro de obras em seu livro O canteiro e o desenho. LIMA, Mayumi W. Souza. “Estudo do espaço escolar”, trabalho apresentado na 32ª. Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Rio de Janeiro, 1980. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. 46 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 10 Um representante de cada classe, de 1ª a 8ª série. A escola tinha 5 turmas de cada série, portanto o grupo possuía 40 alunos. Nos anexos pode ser consultada a lista de alunos. 11 Idem. As atividades lúdicas realizadas com esse grupo de alunos aconteciam na sala de aula e envolviam projeção de slides, encenação de peças de época representando os antigos barões do café que moravam na região, desenho, música, etc. Inicialmente as crianças tiveram dificuldade em participar e interagir com a equipe dentro da sala de aula. Foi preciso tampar as carteiras e cadeiras com jornais, descaracterizando o espaço de aula, para que as crianças pudessem se sentir mais livres, sem o “peso” da disciplina ligada à sala de aula. (ver fotos ao lado) Os professores foram convidados a participar dessas atividades, mas acabaram não se envolvendo por falta de interesse no projeto, alegando falta de tempo livre e inexistência de remuneração pelo que seriam “horas extras” de trabalho. Foi colocada no saguão da escola uma maquete do novo prédio para que os alunos soubessem o que ia ser construído. Ao lado da maquete, Mayumi instalou um aquário de água salgada com alguns bernardos-eremitas (foto ao lado). O bernardo-eremita é um invertebrado que vive alojado em conchas vazias para não ser devorado por peixes. Para continuar crescendo, o bernardo-eremita precisa mudar para uma concha maior. No caso, o bernardo-eremita tornou-se um símbolo de quem se arrisca e muda para poder sobreviver e crescer, uma metáfora para a mudança de prédio da escola. Notamos aqui a já citada influência Página do relatório “Estudo do espaço escolar” (CONESP, c.1976) . Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. da cultura japonesa no aprendizado através da observação da natureza. Entre as atividades lúdicas realizadas, havia brincadeiras de fingir-se animais ou povos de outras épocas e culturas (por exemplo, os barões do café ou gueixas japonesas). Mayumi usava essas figuras animais ou históricas para que as crianças pudessem perceber as diferenças culturais ou refletir sobre o comportamento e as relações de poder entre as pessoas, passando a entender o seu próprio espaço de maneira crítica. Fotos da maquete e do aquário com o bernardo-eremita. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 47 Páginas do relatório “Estudo do espaço escolar” (CONESP, c.1976), com as atividades realizadas em sala de aula com os alunos da EEPG João Kopke. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. 48 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Páginas do relatório “Estudo do espaço escolar” (CONESP, c.1976), com as atividades realizadas em sala de aula com os alunos.Nas fotos à esquerda, vê-se Mayumi. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 49 Ao comparar o edifício antigo com o novo em construção, a equipe da Conesp almejava que os alunos percebessem as diferenças entre materiais e técnicas e seu significado – como cada edifício representava um momento social, histórico e cultural. Tratava-se também de trabalhar a destruição simbólica do casarão antigo, fazendo-os perceber que a toda construção está ligada uma destruição. E que essa destruição é consciente e planejada, na qual se escolhe o que preservar e o que destruir. Além das atividades em sala de aula, foram realizadas e visitas às casas onde os alunos moravam e entrevistas com suas famílias. Através de fotos aéreas do bairro, podiam identificar suas casas, o percurso para chegar à escola e pontos de referência. Com câmeras emprestadas, as crianças puderam fotografar e documentar locais de seu convívio diário. A equipe entrou em contato com a realidade dos usuários do futuro edifício: eram moradores de cortiços ou apartamentos pequenos, sem espaços para brincar/estudar, sendo o espaço da escola sua única alternativa. Tal constatação sensibilizou a direção da Conesp, que permitiu a criação de um espaço de lazer na nova escola para uso fora do horário de aulas. Propõe-se então, além da construção de um projeto de escola nos padrões da Conesp, o acréscimo de uma área para as crianças, junto à quadra esportiva: o grêmio (espaço com mesa para jogos e pequena arena para apresentações artísticas), cujo programa foi definido em conjunto com os alunos. Foram escolhidos elementos do casarão antigo para serem preservados em sua construção: colunas de ferro fundido, domo de cristal, lustre de bronze, como forma de manter a memória da antiga escola (ver fotos p.52). O uso do espaço do grêmio seria administrado pelos próprios alunos. Cada série tinha um representante, que possuía a chave. 50 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Fotos de registro das visitas às casas dos alunos e fotos do entorno da escola, tiradas pelos próprios alunos (c.1976). Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. Imagens do casarão antigo, sede da EEPG João Kopke. Fonte: relatório “estudo do espaço escolar” (Conesp, c.1976). Acervo Mayumi Souza Lima, caixa 40. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 51 Inicialmente a equipe da Conesp desenvolveu atividades para estimular antes naquela escola. Foi preciso romper a disciplina e a ordem da o uso e a apropriação do espaço. Apesar de todo o processo de incen- sala de aula (representadas pelas carteiras em organizadas em fila) com tivar os alunos a participar e compreender o seu espaço na escola e jogos e brincadeiras para que a crianças fossem capazes de interagir. As dele apropriar-se, em pouco tempo o grêmio foi tomado dos alunos atividades de reconhecimento do espaço da escola e do bairro onde as pela diretoria da escola e transformado em depósito, e foram instaladas crianças viviam tinham como objetivo compreender a maneira como grades no pátio. A proposta de gestão do espaço – com eleições livres essas crianças se situam e se apropriam (ou não) do espaço. A partir para escolha dos representantes de cada classe e autonomia para os dessa compreensão, é possível interagir com as crianças para que elas alunos no uso do espaço – não se enquadrava muito bem no clima dis- possam perceber e desenvolver novas formas de uso do espaço. Eram ciplinar no contexto da ditadura militar. Mayumi entende o resultado atividades de formação de uma consciência espacial para as crianças. final como “caso exemplar da dominação opressiva – e possivelmente Com a falta de envolvimento do corpo docente da escola – mais inconsciente – dos adultos sobre as crianças das escolas públicas.”12 voltado para o sistema tradicional de ensino de mão única onde as Em 1980, a equipe da Conesp retornou à escola para acompanhar crianças apenas recebem passivamente o conhecimento – a criação de o uso do espaço de conviência construído pelos alunos, que havia um espaço de liberdade para as crianças dentro da escola acabou sendo sido transformado em depósito. Foi organizado um dia de eventos no frustrada13. As atividades lúdicas desenvolvidas não foram suficientes grêmio, com encenação de peça criada pelos próprios alunos e apre- para mobilizar os alunos a lutarem por seu espaço. sentação musical. Um grupo de alunos fantasiados percorreu a escola para convidar os demais a assistir as apresentações (ver fotos p.54). Mesmo assim, na visita posterior da equipe o espaço do grêmio havia voltado a ser transformado em depósito. A equipe buscou com esse processo primeiramente conhecer os usuários daquela escola. Mayumi criticava o sistema de projetos padronizados adotado pela Conesp, que supunha uma população homogênea, e defendia o estudo caso a caso. A iniciativa de Mayumi face a essa situação delicada da obra a ser realizada durante o período de aulas possibilitou a realização desse estudo piloto. Para aproximar-se das crianças foi preciso construir um espaço de diálogo que não existia 12 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, p.78. 52 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 13 Adriana Sousa considera que a falta de envolvimento dos professores no processo pode ter sido o principal motivo do “fracasso” do estabelecimento de um espaço de uso dos alunos. Sua análise pode ser consultada no relatório de iniciação científica: SOUSA, Adriana Ferreira. Arquitetura, projeto participativo e educação infantil na produção de Mayumi Watanabe de Souza Lima. FAUUSP, 2007. Fotos das obras de construção do novo edifício da EEPG João Kopke. Observa-se a coexistência com o casarão antigo em processo de demolição. Nas fotos ao alto, vê-se o grêmio em construção. Ao centro, o acesso dos alunos às salas de aula do antigo casarão durante o período de obras. Abaixo, vista geral do novo edifício. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 53 Fotos dasatividades realizadas para a utilização do grêmio com os alunos em 1980: passeio pela escola convidando todos para as apresentações, de música e de teatro. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. 54 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI BAIRRO DA VARGINHA E JARDIM FORTALEZA: DUAS EXPERIÊNCIAS DE CONSTRUÇÃO COM A PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO semanais aos domingos com a comunidade envolvida no processo, para discutir a forma de trabalho. A equipe reunia-se também com os trabalhadores no canteiro de obras, para discutir direitos trabalhistas, materiais e técnicas, o tratamento entre eles, etc. De 1983 a 1984, Mayumi voltou a trabalhar como Superintendente de Foram desenvolvidas ainda atividades lúdicas envolvendo as crian- Planejamento da Conesp. Desenvolveu o programa pioneiro de assesso- ças, futuras usuárias da escola: desenho, colagem, projeção de filmes, ria aos movimentos populares na gestão da construção de escolas, que passeios de reconhecimento do bairro, etc. Todas as atividades desenvol- fez parte de sua pesquisa de doutorado. vidas pela equipe eram um esforço para que as crianças e a comunidade Esses projetos acontecem no momento de abertura política do se conscientizassem e se apropriassem do equipamento escolar: país, com a idéia de construção da nova democracia. O governador Enquanto tentávamos nos entender com os adultos, desenvolvíamos Franco Montoro tinha como diretrizes de governo: a democratização com as crianças atividades com o intuito de fazê-las repensar os da administração, a descentralização dos processos decisórios e a par- espaços por elas ocupados, como e porque eles são organizados, ticipação da população. como é possível alterá‑los. Permeando tudo isto estava a tentativa de Mayumi propõe a implantação de uma política alternativa de colocá-las como sujeitos de sua realidade, capazes de transformá-la descentralização para a construção de escolas com a participação da a partir do seu entendimento, através de sua ação e na direção da população na gestão da obra. Nesse intento, são selecionados quatro satisfação de suas necessidades. Para isto utilizávamos atividades de movimentos de associações de bairro que reivindicavam a construção desenho, pintura e colagem, onde as crianças reproduziam a sua de escolas em sua região para a realização da experiência piloto: Bairro casa, o bairro, o surgimento da nova escola, etc., onde foi possível da Varginha, Jardim Fortaleza, bairro Divinéia e Jardim Ikeda14. A Conesp perceber a falta de liberdade de criação em que vivem.15 seria encarregada do projeto, fornecimento de materiais, assessoria técnica e pagamento da mão de obra. A Sociedade Amigos do Bairro O processo16 encontrou algumas dificuldades e diversos âmbitos. Nas (SAB) seria responsável pela seleção dos trabalhadores, divulgação do comunidades de bairro, havia conflitos de poder das lideranças locais processo para a comunidade e administração da obra. A equipe da Conesp envolveu-se em diversas atividades com a população local, desde o início do projeto, com a escolha dos terrenos para a construção, até a entrega da obra. Eram realizadas reuniões 14 Apenas as duas primeiras obras puderam ser finalizadas. 15 CONESP. EEPG Bairro da Varginha – Relatório de avaliação sobre a sua execução, 1984, pp.18-19. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima, caixa 33. 16 Para a descrição detalhada do processo, conferir os relatórios da Conesp existentes no Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima, digitalizados no dvd anexo. Veja-se também a análise no relatório final de iniciação científica da estudante Adriana Ferreira Sousa: Arquitetura, projeto participativo e educação infantil na produção de Mayumi Watanabe de Souza Lima. FAUUSP, 2007. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 55 entre si e em relação aos técnicos da Conesp, que enfrentavam ainda dificuldade de comunicação direta com a população, acostumada a ser tratada de forma paternalista. Havia entraves políticos e burocráticos dentro da própria Conesp e divergência de postura entre os membros da equipe. No entanto, foi um aprendizado importante para toda a equipe envolvida e para a população local, que se fortaleceu enquanto grupo mobilizado. A maneira como foi conduzida a experiência de participação da população na obra se assemelha à idéia do canteiro de obras como local de formação de cidadãos, defendida por Rodrigo Lefèvre em sua dissertação Projeto de um acampamento de obra: uma Utopia17. Rodrigo visualizava o canteiro como um local de aprendizado para todos os trabalhadores envolvidos – um local de troca entre trabalhadores e técnicos formados pela universidade, democratização do conhecimento e de transformação das relações de produção18. Ele propunha a organização de um canteiro de obra num sistema onde os trabalhadores, oriundos das classes populares, fizessem a autogestão e a autoconstrução de suas casas, como base de um processo de formação e aprendizado de atividades profissionais ligadas à construção. Como já vimos, Rodrigo e Mayumi eram contemporâneos na FAUUSP e foram colegas na reformulação dos cursos de arquitetura em Santos e São José dos Campos. Partilhavam as mesmas reflexões e faziam parte de uma geração comprometida com a reflexão da função do arquiteto e com a busca constante de soluções para a melhoria das condições de vida das classes de baixa renda. 17 LEFÈVRE, Rodrigo Brotero. Projeto de um acampamento de obra: uma utopia. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FAUUSP, 1981. 18 ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura Nova. São Paulo, Editora 34, 2002, p.132. 56 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Fotos da escola no Jardim Fortaleza, 1984. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. Fotos da obra da escola no Bairro da Varginha, 1984. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 57 ESPAÇOS EDUCATIVOS – USO E CONSTRUÇÃO de espaços escolares para futuros projetos e/ou transformação de espaços existentes. O CEDATE – Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação No texto de apresentação do projeto, Mayumi partia do contexto – foi criado em meados de 1981 como um órgão de pesquisa vincu- mais global para entender o edifício escolar. Contextualizava a vida na lado ao MEC – Ministério da Educação e Cultura. Fruto da fusão da sociedade de consumo, onde o mercado produtor de bens de consumo Coordenadoria de Desenvolvimento das Instalações do Ensino Superior e os meios de comunicação de massa possuem técnicas de manipula- (PREMESU) e do Centro Brasileiro de Construções Escolares (CEBRACE), ção da vontade coletiva, estimulando o consumo passivo e reprimindo incorporou ainda o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino o pensar próprio, individual. No Brasil, a situação era agravada pela (PREMEN). Sua finalidade era a produção de conhecimento ligado à precariedade das instalações e do funcionamento da escola pública e construção e manutenção da infra-estrutura física de equipamentos de das condições de vida das crianças das classes populares, frequenta- educação, cultura e esportes – planejamento da rede de equipamentos, doras essas escolas. Partindo deste existente precário, a proposta era padronização de especificações técnicas para os edifícios, pesquisa de investigar possibilidades de alterar a condição de pobreza do espaço materiais e técnicas construtivas e diretrizes de projeto. existente, com intervenções de baixo custo19. Mayumi já havia trabalhado anteriormente em projetos para o Mayumi criticava a padronização de programas, dimensões e ma- PREMEN, tendo colaborado na criação do CEBRACE. Em 1985, foi con- teriais para a construção de edifícios escolares. De norte a sul do país, tratada para pesquisar elementos espaciais adequados às crianças das as crianças são muito diferentes entre si e convivem com realidades escolas públicas de 1º grau, com o objetivo de produzir recomendações muito distintas. Na periferia de São Paulo, no caso das duas escolas de projeto para arquitetos e sugestões de uso dos espaços escolares observadas, o entorno era indefinido, com casas nas cores dos blocos existentes para professores. de alvenaria, sem nomes nas ruas, com poucas referências espaciais Mayumi determinou como universo de pesquisa as escolas recém- importantes. A escola – elemento tão importante para a comunidade construídas com a participação da população no Bairro da Varginha e – apresentava-se isolada por muros, sem oferecer à criança estímulos no Jardim Fortaleza, por serem duas escolas em que já havia estabeleci- de cores fortes ou algum outro aspecto mais acolhedor. A pesquisa do um contato próximo com os usuários. apontava a necessidade de se conhecer como as escolas são pensadas, A pesquisa previa três etapas: 1.observação do cotidiano da escola construídas e usadas pela população para que se pudesse repensar as e seu funcionamento; 2. projeto e produção de material pedagógico em conjunto com professores e alunos e testes de uso dos materiais produzidos; 3. construção de elementos-suporte para as atividades pedagógicas em sala de aula, observação de uso, avaliação e proposta 58 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 19 Tendo em vista que os argumentos estatais contra a implementação de projetos de modernização dos espaços escolares em geral apóiam na falta de verbas para financiar esses projetos [n.a.]. diretrizes de projeto. Os espaços educativos devem oferecer aos usuá O produto final da pesquisa para o CEDATE é a publicação do livro rios estímulos para a sua apropriação e uso criativo. Assim sendo, a Espaços Educativos, Uso e construção21. O livro é direcionado aos professores proposta era introduzir no espaço da escola elementos que estimulas- da rede pública e traz sugestões de atividades de percepção e transfor- sem a curiosidade da criança: mação do espaço a serem desenvolvidas em sala de aula. A sugestão é muito simples: com relação a espaços o que importa O texto de introdução do livro é uma espécie de manifesto so- é criar elementos que possam ser recriados – pela imaginação bre o uso do espaço das escolas públicas, convocando os professores – ou construídos realmente pelas crianças; com relação a objetos, a assumirem seu papel na transformação da concepção de espaço na com maior razão, justifica-se o cuidado de oferecer-lhes material sociedade: e elementos que permitam a experiência positiva da destruição/ Elas [as sugestões de atividades] partem do pressuposto de que todo construção, da negação do óbvio e proposta do inesperado. espaço produzido pelo homem interfere no processo educativo de Serão educativos na medida em que possibilitar o contacto, a per- quem o produz e de quem o consome, de forma negativa ou posi- cepção do material, do tempo e estimular a relação da criança com tiva. Isto é, o espaço produzido nunca é indiferente na medida em o mundo. que condiciona nossos gestos diários, habitua nossa visão, estimula O projeto do espaço educativo para criança é portanto um projeto elementos simbólicos, estabelece pontos de referência. Será positivo necessariamente inacabado – intencionalmente incompleto – isto se aquele que produz e aquele que usa, perceber o seu significado é, o projeto se completa somente com e pela ação da criança; isto e puder participar de sua transformação/construção, situar-se não significa falta de projeto ou de proposta do educador ou do nesse espaço e usá-lo como instrumento de sua ação intencional. arquiteto, mas uma intenção claramente contida no projeto de fazer Será negativo se o produtor não tiver consciência do seu trabalho da criança o elemento ativo de construção do espaço. Esta criança, parcelado e se o usuário, quase sempre insatisfeito da precariedade porém, não será de novo a abstração padronizada, criança na cabeça que o espaço da escola oferece, permanecer passivo, confundido de quem projeta ou educa, mas cada criança real que pertence a um entre móveis e utensílios que o acaso ou decisões misteriosas das determinado grupo social, mora em determinado local e condição. autoridades lhes colocou em contato. O espaço deverá permitir, portanto, a interpretação variada que O professor é principal agente na determinação do sentido cada criança dará. (...) positivo ou negativo que se dá ao uso dos espaços escolares, 20 20 LIMA, Mayumi W. Souza. “Espaço para a Educação Pré-escolar”. Texto preparado para o Seminário do CEDATE/MEC, Brasília, outubro de 1985. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima, caixa 24. 21 Brasília, MEC/CEDATE, 1988. Coordenação: Mayumi Souza Lima. Equipe responsável: Mayumi W. de Souza Lima e Tereza Beatriz Herling (arquitetas), Irineu M. Sugahra e Massako M. Kohl (fotos e desenhos). A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 59 Reprodução de página do livro Espaços Educativos: uso e construção, com a crítica à organização da sala de aula em fileiras. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. Fotos das salas de aula da escola Jardim Fortaleza, onde foram realizadas as experiências para o projeto do CEDATE. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. 60 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI embora não seja ele(a) o responsável por sua produção inicial. Somente ele(a) pode desvelar esses espaços, analisá-los, transformá-los em instrumento de trabalho dos seus alunos e, se possível, elementos lúdicos e educativos para adultos e crianças da comunidade.22 Sem nomear explicitamente Paulo Freire, o texto opõe as duas concepções de educação definidas pelo educador: a educação de mão única – onde o professor apenas transmite valores e conhecimentos para alunos passivos – e a educação integral, crítica e criativa – onde cada participante seja ao mesmo tempo educador e educando, num processo de crescimento e construção coletiva do conhecimento. Surge a crítica à organização tradicional das salas de aula com as carteiras enfileiradas que refletem a pedagogia da mera transmissão de conhecimento – o professor como orador e os alunos como platéia (ver página ao lado). Esta não precisa necessariamente ser a única configuração adotada para a sala de aula. O livro recomenda que as crianças sejam apresentadas ao edifício da escola e aos seus funcionários, numa atividade de reconhecimento do território Página do livro Espaços Educativos: uso e construção, com propostas de uso das portas como suporte para aplicação de elementos de comunicação. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. para que a criança se sinta segura em seu novo espaço. São sugeridas diversas intervenções no espaço da sala de aula e da escola, como podemos observar nas imagens a seguir. 22 LIMA, Mayumi W. Souza. Espaços educativos: uso e construção. Brasília, MEC/CEDATE, 1988, pp.9-10. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 61 Páginas do livro Espaços Educativos: uso e construção, com propostas: o uso do batente da porta como escala (à esq.) e a criação de suportes para pendurar materiais educativos (dir.). Fotos das atividades realizadas com os alunos da escola Jardim Fortaleza, para o projeto do CEDATE. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. 62 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Fotos das atividades realizadas com os alunos da escola Jardim Fortaleza, para o projeto do CEDATE. (Nas fotos ao alto aparece Mayumi com as crianças). Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 63 A CIDADE E A CRIANÇA de espaços – causado pela redução cultural dos programas, pela redução de áreas, pela má qualidade dos materiais utilizados. No caso de No livro A cidade e a criança, publicado em 1989, Mayumi reuniu suas edifícios destinados ao uso de crianças, Mayumi destaca a observação observações ao longo de anos de trabalho planejando ou projetando de como esses espaços são construídos para o controle: espaços para uso de crianças. Como havia acabado de fazer a qualifi- Foi nesse observar assistemático, num compromisso descompro- cação para o doutorado em Filosofia da Educação, estava impregnada missado, que a nossa atenção foi chamada pela forma como o por todas as leituras que havia feito. O livro anunciava logo no início a poder, primeiro da sociedade de classes, segundo, das instituições questão frequente em sua atuação como arquiteta, que seria discutida representativas dessa sociedade e, terceiro, dos adultos em geral, se ao longo do texto: apodera do espaço da criança e o transforma num instrumento de De alguma maneira, a questão do espaço sempre esteve presente dominação. em nossas atividades. Não tanto o espaço enquanto resultado da A organização e a distribuição dos espaços, a limitação dos movi- concepção de um arquiteto, mas antes a forma como é organizado, mentos, a nebulosidade das informações visuais e até mesmo a falta distribuído e direcionado pelos que detêm o poder e como esse de conforto ambiental estavam e estão voltadas para a produção de espaço é apropriado ou não por aqueles a quem se destinaria. adultos domesticados, obedientes e disciplinados – se possível lim- 23 pos –, destituídos de vontade própria e temerosos de indagações. A primeira referência teórica apresentada no livro é a questão da Nesse processo, somos todos co-responsáveis. Há, em todos os tirania do desenho sobre o usuário, descrita por Robert Sommer . lugares, como que a obsessão do controle que perpassa todos os Mayumi observa que a tirania do desenho só ocorre plenamente sobre nossos comportamentos adultos em relação à criança; precisamos os usuários coletivizados, que não têm voz nem vontade próprias. sentir-nos donos da situação, ter presente todas as alternativas que A interpretação que os detentores do poder social fazem do desejo a criança poderá escolher, porque só assim nos sentiremos seguros. e das necessidades do usuário coletivizado determina os programas A liberdade da criança é a nossa insegurança, enquanto educadores, dos edifícios construídos para essa mesma população usuária – cole- pais ou simples adultos e, em nome da criança, buscamos a nossa tivizada, abstrata, anônima. No esforço de reduzir gastos, os edifícios tranqüilidade, impondo-lhes até os caminhos da imaginação.25 24 produzidos pelo poder público acabam sofrendo um empobrecimento Mayumi contrapõe dois tipos distintos de uso do espaço. Primeiramente, 23 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, p.9. 24 SOMMER, Robert. O papel do arquiteto – a conscientização do design. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1979. 64 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI o espaço como elemento ativo de condicionamento da criança para 25 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, pp.10-11. a constituição do futuro adulto passivo, conforme padrão desejado enquanto elemento neutro organizado ou construído por peças pela sociedade de consumo. Nas escolas públicas, Mayumi observou o ou componentes materiais, é um ente que, apesar de sua concre- comportamento autoritário e repressivo dos adultos na organização e tude, paradoxalmente, só existe na abstração, quando ele passa uso dos espaços destinados às crianças, produto do condicionamento a ser um objeto-mercadoria ou um objeto-estudo. Em qualquer social a que estamos todos submetidos, como por exemplo no caso do outra situação, o espaço organizado ou construído é mediado, uso do espaço do grêmio na EEPG João Kopke. qualificado, completado ou alterado pela relação que nele estabe- A segunda forma seria a do espaço como um instrumento para a lece o indivíduo consigo próprio ou com outros indivíduos.26 formação de adultos criativos e inteligentes, como um laboratório onde as crianças tenham liberdade para experimentar e criar, apropriando-se Ao contrário da abstração do mundo adulto, as crianças percebem o do espaço e transformando-o. espaço sempre como ambiente relacionado às suas sensações: espaço- Não há espaço vazio, nem de matéria nem de significado; nem alegria, espaço-medo, espaço-proteção – ou seja, os espaços onde elas há espaço imutável. Nada é mais dinâmico do que o espaço podem experimentar a liberdade ou a opressão. porque ele vai sendo construído e destruído permanentemente, Em suas experiências Mayumi procurava observar a forma como seja pelo homem, seja pelas forças da natureza. as crianças podem se apropriar criativamente do espaço sem a “repres- Também nada existe nem se articula fora dele. Justamente porque são” promovida pelo adulto, com a intenção de oferecer alternativas ninguém escapa à inevitabilidade de viver e de se relacionar com de uso para os espaços das escolas públicas. Era importante também pessoas e objetos num espaço material e concreto, carregado de desvelar os motivos pelos quais os espaços são produzidos e utilizados, significado, é que o espaço se mascara na rotina familiar e passa mostrar porque as escolas públicas possuem as características físicas de desapercebido da maioria das pessoas. descuido e depredação que possuem. É no espaço físico que a criança estabelece a relação com o Na sociedade moderna, existe a perda do poder patriarcal sobre mundo e com as pessoas; e ao fazê-lo esse espaço material se os filhos – é o Estado quem passa a decidir qual o tipo de educação qualifica. (...) apropriado para a criança, em função dos interesses do capitalismo, O espaço material é, pois, um pano de fundo, a moldura, sobre com o objetivo de produzir cidadãos disciplinados, obedientes e o qual as sensações se revelam e produzem marcas profundas produtivos para o sistema. Ao pais resta o “dever” de formar os filhos que permanecem, mesmo quando as pessoas deixam de ser conforme o padrão estabelecido e esperado, reproduzindo o sistema crianças. É através dessa qualificação que o espaço físico adquire de dominação em que foram criados. Dessa maneira, o espaço físico é uma nova condição: a de ambiente. Parece-nos importante insistir em que espaço, entendido apenas 26 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, pp.13-14. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 65 tratado como instrumento de poder, concebido de forma a perpetuar tório em contraposição à natureza, mas o retrato de uma sociedade a dominação vigente. que considera a criança parte da sucata industrial que se aproveita Os espaços definidos pelo poder são, de alguma maneira, ou não na produção futura, desde que ela não se oxide enquanto estabelecidos em função da preservação e fortalecimento cresce. Se isso acontecer, ela deixa de ser criança e passa à categoria desse mesmo poder e, portanto, voltados para o controle e a de menor, objeto mais insignificante do que a criança. distribuição desigual de direitos e poderes, através da ilusão da Criança dos bairros de periferia, candidata permanente à condição superioridade de alguns, naturalmente colocados em confronto de menor, recebe professor, escola e merenda de acordo com a com a inferioridade dos demais. distribuição desigual dos direitos na sociedade. (...) 27 O espaço escolar não poderia ser outro: desinteressante, frio, padro- No livro são descritos vários exemplos do uso do espaço como instru- nizado e padronizador, na forma e na organização as salas, fechando mento de poder. Cita o caso dos campos de concentração nazistas, onde as crianças para o mundo, policiando-as, disciplinando-as.29 a organização do espaço visava a quebra da autonomia do indivíduo, a “transformação do sujeito em objeto”. Usa também exemplos registra- Analisa a organização da sala de aula, com a disposição das carteiras em dos na literatura, como as descrições de Dostoievski da relação de poder fila, voltadas para o único centro de poder – o professor. As carteiras entre pais e filhos no espaço doméstico, e exemplos de outras culturas: o utilizadas nas escolas até metade do século XX eram as do tipo “pé funcionamento da sociedade de castas na Índia, a postura de reverência de ferro”, pesadas, que impossibilitavam o movimento, reforçando o na rua à passagem do Imperador no Japão até o início do século XX. domínio sobre o corpo da criança como parte da estratégia de controle Passa então a examinar a história dos edifícios escolares no Brasil, do pensamento. A própria Mayumi envolveu-se, conforme já descrito demonstrando como a escola, ao popularizar-se na metade do século no capítulo 1, na realização de um concurso nacional de projeto para o XX, sofreu uma conseqüente redução de qualidade : redesenho do mobiliário das escolas públicas. Mayumi descreve ainda 28 Se antes as escolas ocupavam os terrenos mais visíveis e altos, passa- casos onde as janelas das classes haviam sido parcialmente vedadas para ram a se instalar nas sobras dos loteamentos, naqueles terrenos que evitar que as crianças distraíssem sua atenção com o mundo exterior; a obrigação legal, formal, incluía em seu índice de áreas destinadas ou a solicitação de portas com visores para as salas de aula – onde a equipamentos públicos. Praças e escolas tornaram-se cada vez a simples possibilidade de ser observada faria com que a criança se menos o símbolo de apropriação e presença do homem no terri- comportasse (idéia do panóptico de Foucault30). 27 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, p.37. 29 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, p.38. 28 Tema também estudado em seu doutorado. 30 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1977, pp.173-199. 66 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Ainda que as propostas pedagógicas evoluam, es escolas continuam exemplo. No entanto, existe nas escolas o conceito de “limpeza” – as sendo construídas a partir de concepções conservadoras de educação. marcas da passagem das crianças não devem aparecer. Muitas vezes, em Mayumi observou que os próprios professores sentem-se inseguros em vez de permitir aos alunos que pintem os muros, a direção contrata um experimentar organizações mais flexíveis do espaço da sala de aula. Ao adulto para produzir – de forma organizada e no lugar das crianças – a lidar com as crianças, a disciplina e a ordem aparecem como referência pintura da escola. E o adulto pinta aquele muro com flores e árvores para o uso do espaço, a alegria e a brincadeira não fazem parte da idéia imitando o modo como a criança desenha – além de ocupar o espaço de aprendizado. Permanece a concepção da educação de mão única, da criação da criança, em vez de criar algo dele mesmo, o adulto ape- onde apenas o professor tem a ensinar: nas reproduz a idéia do que ele acha que seria o desenho da criança. A relação que se espera estabelecer no interior dos espaços Da mesma forma, muitos brinquedos produzidos para recreação não escolares não é uma relação entre iguais, no sentido de que deixam espaço para a fantasia da criança – o adulto se adianta à sua todos os envolvidos tenham lugar para opinar, para questionar, imaginação. Perde-se a oportunidade de que as crianças possam inter- para descobrir, para aprender. Todo o esquema espacial reflete a vir no espaço a escola de forma criativa, como propõe Mayumi: relação de autoridade e de disciplina. 31 É preciso, pois, deixar o espaço suficientemente pensado para estimular a curiosidade e a imaginação da criança, mas incompleto o Questiona: como é possível ensinar hábitos de higiene para as crianças se bastante para que ela se aproprie e transforme esse espaço através a escola não está equipada para tal? É preciso ter lavatórios próximos às de sua própria ação.32 áreas de comida para poder ensiná-la a lavar as mãos antes de comer; é preciso ter funcionários responsáveis pela limpeza da escola e material de No capítulo final, sobre a criança e a cidade, retoma a história da in- limpeza para que esses funcionários possam trabalhar. Além disso, seria dustrialização33 para demonstrar como a criança perdeu seu espaço nas desejável que as crianças fossem envolvidas na limpeza da escola, com o grandes cidades. Até o século XVIII, a rua era o local da vida cotidiana propósito de acabar com o preconceito em relação ao trabalho braçal. de adultos e de crianças. As casas eram pequenas, apenas lugar de O espaço físico da sala de aula não é pensado para a apropriação dormir/comer, não um local de permanência. Na rua aconteciam as dos alunos. A começar pelo uso compartilhado onde várias turmas festas populares, os encontros e as trocas (o comércio), uma espécie de utilizam a mesma sala ao longo do dia. A apropriação supõe a ocupação e a alteração do espaço, além da possibilidade de deixar marcas – cartazes, desenhos ou outros materiais pendurados nas paredes, por 31 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, p.58. 32 Idem, p.72. 33 O texto baseia-se em FARGE, Arlete. “Vivre dans la rue”, Conferência Informations sociales transmises par les objects, Helsinki, 1976; e ÁRIES, Philippe. “La vie ancienne et l’urbanité de l’enfance”. Revista Architecture d’Aujourd’hui, n.20. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 67 extensão da casa, onde as crianças podiam brincar. Aos poucos, com a As crianças dos bairros periféricos brincavam muito na rua e industrialização, surge a polícia metropolitana, responsável pela ordem possuíam um bom domínio do território, identificando pontos de re- urbana. As festas são proibidas, evita-se tumultos e promove-se o deco- ferência e caminhos percorridos no bairro. No entanto, nesses bairros ro. A rua passa a ter a função predominante de circulação e as crianças não existiam números de casas ou nome de ruas – a criança apesar de passam a ser confinadas em espaços fechados – a casa, a escola, o asilo, bem orientada no espaço não estava familiarizada com os símbolos da as fábricas onde passam a trabalhar. Perde-se o convívio natural entre escrita e abstrações com os quais a escola trabalha. adultos e crianças no espaço urbano. A conclusão ao final do livro era de que “a escola é o único espaço Em São Paulo, Mayumi relata suas observações sobre as brincadei- que as cidades paulistas oferecem universalmente como possibilidade ras de crianças de diferentes locais – favelas, cortiços, apartamentos na dos espaços públicos e populares – domínio das atividades lúdicas região central, casas em bairros periféricos. (jogos e brinquedos) – que as crianças e jovens perderam na cidade As crianças moradoras de favelas não tinham espaço para brincar capitalista e industrial.”34 Razão pela qual a arquiteta sempre defendeu dentro de casa, por isso utilizam a área da favela e das ruas do entorno em seu trabalho o tratamento adequado e a criação de novos espaços como território para suas brincadeiras. Essas crianças apresentavam um para a criança na cidade. domínio “considerável” sobre o espaço e muitas vezes construíam seus próprios brinquedos ou mesmo ambientes de jogo delimitados por madeira, papelão ou outros materiais. No entanto, como as passagens da favela eram estreitas, muitas vezes de topografia íngreme, e havia poucas áreas livres onde essas crianças pudessem participar de atividades coletivas. As crianças moradoras de cortiço tinham espaços de uso próprio – brincavam na calçada em frente ou no corredor de acesso aos cômodos de moradia. Não havia lugar para guardar brinquedos ou outros objetos – como havia pouco espaço, as mães guardavam apenas o mínimo necessário. Já as crianças moradoras de apartamento nas áreas centrais eram as “mais prejudicadas” – passavam o dia brincando dentro do próprio apartamento, proibidas de descer à rua ou às praças próximas e muitas vezes mesmo ao pátio do edifício, por motivo de segurança. 68 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 34 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989, p.101. CAPÍTULO 3 CEDEC – A CONSTRUÇÃO DO EQUIPAMENTO PÚBLICO COMO CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA O Cedec (Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e CONTEXTO Comunitários) foi criado em 1990, durante a gestão de Luíza Erundina na Prefeitura de São Paulo (1989-1992), como um setor de pesquisa e Em janeiro de 1989, Luiza Erundina assumiu a Prefeitura da cidade de de produção industrial de equipamentos dentro da estrutura da Emurb São Paulo, a primeira grande conquista do Partido dos Trabalhadores (Empresa Municipal de Urbanização), com ação complementar ao numa eleição direta para cargos executivos. Grandes intelectuais departamento de Edificações (Edif) da Secretaria de Obras e Serviços da esquerda ligados ao partido e comprometidos com as lutas dos (SSO). Suas atividades abrangiam pesquisa de materiais e de sistemas movimentos populares por moradia, educação, transporte e saúde construtivos; treinamento e formação de pessoal; planejamento, projeto assumiram os principais cargos do governo. Várias experiências que já e execução de obras. Foi montada uma fábrica de elementos constru- vinham sendo elaboradas foram viabilizadas na nova gestão. No setor tivos em sistema pré-moldado de argamassa armada para a produção de habitação, a Prefeitura implantou programas inovadores, como o de de equipamentos públicos (escolas, creches, postos de saúde etc.) e de construção de habitação popular por meio de mutirões autogeridos e o mobiliário urbano, a partir da experiência acumulada pelos engenhei- de renovação de cortiços na área central da cidade. ros da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP) e pelo arquiteto Erundina construíra sua liderança política a partir do trabalho com João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé. A arquiteta Mayumi Watanabe os movimentos populares reivindicatórios da periferia da cidade e, sob Souza Lima coordenou a implantação da fábrica e dirigiu o Cedec, o slogan de “São Paulo para todos”, propõe-se a ampliar o acesso de imprimindo uma orientação diferenciada na organização da estrutura todos os cidadãos aos serviços públicos de qualidade (educação, saúde, funcional e no relacionamento com os envolvidos no processo – desde transporte); garantir o direito à moradia e incentivar e abrir canais para a formação dos operários e técnicos que trabalhavam na fábrica até a participação nas discussões sobre o espaço urbano e sobre o uso do a relação com a população usuária dos equipamentos. Buscava cons- orçamento público – ou seja, propõe-se a trabalhar na construção de cientizar a população sobre a importância do equipamento público uma democracia participativa, conforme aponta Paul Singer: de qualidade e da participação ativa dos usuários em sua preservação. Se houve alguma diretriz fundamental que, por assim dizer, As realizações no Cedec são uma síntese do tratamento que Mayumi marcou o governo de Luiza Erundina, esta foi a da democratização acreditava que deveriam ter as obras públicas. do Estado, a de inaugurar um estilo de governar que instaurasse um relacionamento completamente diferente entre prefeitura e munícipes. Tradicionalmente, este relacionamento fora marcado pelo O economista Paul Singer foi Secretário de Planejamento durante a gestão petista. 70 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI autoritarismo dos governantes e pela submissão dos cidadãos, sempre exemplo a argamassa armada, já utilizada em projetos em Salvador e no no papel de solicitantes de despachos, concessões, empregos etc. Rio de Janeiro pelo o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé. No primeiro semestre de governo, foram discutidas simultanea- Incentivar a participação da população nas decisões políticas supunha mente duas propostas neste sentido. Por um lado, a Emurb sugeria a divulgação de informações sobre a gestão pública para que as pes- que fosse implantada uma grande fábrica central, sob o comando do soas pudessem acompanhar a sua execução, o que mobilizou todas próprio arquiteto Lelé. A segunda proposta partiu de uma articula- as secretarias a trabalharem na produção de planos de atuação, o que ção entre secretarias (Secretaria da Habitação – Sehab, Secretaria das caracterizava Administrações Regionais – SAR e Edif/Secretaria de Serviços e Obras (...) um estilo de governo: sempre que possível, a ação administra- – SSP), que sugeria uma unidade central de produção de protótipos tiva seria planejada de antemão, com a definição de metas e prazos, e pesquisa tecnológica, articulada a unidades de pequeno porte ins- e os planos seriam divulgados, para poderem ser acompanhados taladas em cada uma das Administrações Regionais, para atender as pelos interessados e depois cobrados. Ao fim de cada plano, o demandas específicas locais. Em junho de 1989 as duas propostas foram governo faria uma avaliação de quanto do planejado se cumprira condensadas na criação de uma unidade central, sob a administração e divulgaria uma prestação de contas. Este estilo correspondia uma da Emurb – o Cedec (Centro de Desenvolvimento de Equipamentos prioridade fundamental da prefeita e de sua equipe: a transparência. Urbanos e Comunitários). O cidadão comum tinha que ser informado sobre o que o governo se propunha a fazer e depois do que fora logrado. Lelé foi então convidado oficialmente para montar em São Paulo a fábrica de componentes de argamassa armada nos moldes de suas experiências anteriores, mas declinou do convite por estar envolvido Desde a elaboração do programa de governo de Luiza Erundina já existia no projeto de construção dos Ciacs para o governo federal. No entanto, a discussão sobre o espaço urbano, buscando identificar alternativas para participou como consultor do projeto de instalação da fábrica em garantir a qualidade e ao mesmo tempo reduzir o custo das obras de São Paulo e doou à cidade os desenhos técnicos dos componentes e melhoria da cidade. Surge a idéia da instalação de uma unidade de desen- respectivas fôrmas desenvolvidos na FAEC – Fábrica de Equipamentos volvimento e pesquisa para a construção de edifícios e de equipamentos Comunitários, criada por ele em Salvador em 1986. urbanos com processos e materiais diferentes e econômicos, como por Mayumi assumiu em 1990 a direção do Cedec e a implantação da fábrica de componentes de argamassa armada. Mayumi à época era SINGER, Paul. Um governo de esquerda para todos: Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo. São Paulo, Editora Brasiliense, 1996, p.239. Idem, p.40. CEDEC/EMURB. Atividades desenvolvidas: 1990/92. São Paulo, dezembro 1992, p.7. Fonte: Acervo Odete Tomchinsky. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 71 diretora da Edif – Departamento de Edificações da Secretaria Municipal – ao estabelecimento de programas arquitetônicos e normas para de Serviços e Obras, setor de projetos responsável pelas obras execu- a elaboração de projetos e de execução de serviço, compatíveis tadas pela Prefeitura de São Paulo. Como veremos adiante, muitas de com o quadro social, financeiro e tecnológico do município; suas propostas para o funcionamento da Edif serão incorporadas ao – ao desenvolvimento do quadro de pessoal técnico e operacional programa do Cedec. O Plano de metas para o ano de 1990 elaborado e da estrutura organizativa para melhorar a qualidade da ação pela Edif para a Sempla (Secretaria de Planejamento) – dentro do pres- municipal em projeto, orçamento e execução de serviços e obras, suposto de repensar a forma de atuação do poder público – discutia a bem como para instrumentar os servidores para o desempenho forma de produção dos equipamentos públicos na cidade e propunha seguro da fiscalização de serviços e obras contratadas; como diretrizes de atuação: a. privilegiar os programas de recuperação dos equipamentos existentes aos de construção de novos; b. atuar diretamente no processo de produção dos equipamentos de modo a assegurar padrões de qualidade, de custo e de prazo, – à implantação do sistema de desenvolvimento e de produção de componentes da construção municipal, através do núcleo central e das unidades regionais; – ao desenvolvimento do sistema de manutenção preventiva e corretiva com atendimento central, regional e local. comprometidos com a melhoria das condições de vida da população trabalhadora; Verifica-se nessas diretrizes e metas a proposta de reestruturação da c. estimular e desenvolver, no processo de recuperação e de cons- atuação da Edif como um todo, em função das diretrizes políticas do trução de equipamentos sociais, urbanos, as oportunidades de governo petista de privilegiar os investimentos nos equipamentos ampliar a participação popular, a organização dos trabalhadores, públicos de qualidade para a população de baixa renda e de incentivar a melhoria das condições de trabalho e a descentralização articu- a participação da população na tomada de decisões. A questão da quali- lada do poder decisório. dade envolvia, além da construção de equipamentos públicos sob uma nova perspectiva de funcionamento, a manutenção e melhoria dos ser- Em função dessas diretrizes, resultam metas destinadas: viços já existentes – um programa sem visibilidade e impacto que pu- – à pesquisa, acompanhamento e avaliação de tecnologias e ma- desse funcionar em termos de propaganda política, mas atento às reais teriais mais apropriados para o uso público intensivo e de acordo necessidades da população. Além das atribuições de projeto, orçamento com o perfil da população usuária; – à implantação de um processo de planejamento que organize e racionalize as ações e aplicações de recursos, articuladas às condições de demanda; 72 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI “Construção e manutenção de equipamentos sociais”, pp.3-4, documento interno elaborado pela Edif (provavelmente por sua diretora, Mayumi Souza Lima) no final de 1989 para a Sempla, contendo o planejamento, as metas de atuação e a proposta de orçamento da unidade para o ano de 1990. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima, caixa 24. e execução de obras, o departamento passaria a desenvolver pesquisas Administração Regional era justificada pela grande demanda de obras. de técnicas e de materiais adequados às obras públicas, normatização Dessa maneira a Prefeitura poderia gerenciar os custos e prazos dessa de programas arquitetônicos, planos de manutenção da rede de equi- produção, garantindo a qualidade das obras. As Administrações Regionais pamentos municipais e a implantação de processo de planejamento teriam mais independência na programação e execução de suas ativida- de obras (o que demandava a criação de um cadastro atualizado de des e o valor das obras não estaria sujeito ao superfaturamento. todos os edifícios municipais contendo sua situação de manutenção). As diretrizes das ações do Cedec devem ser entendidas no contexto Além disso, o documento defendia a criação das unidades regionais da gestão petista, num momento de abertura política recente do país de produção de componentes para obras de urbanização, tais como e de um esforço de construção de uma democracia participativa. Na guias e bocas de lobo, de acordo com a política de descentralização da época da criação do Cedec, o Secretário de Educação do Município era administração e fortalecimento das Administrações Regionais: Paulo Freire. Freire, que não esteve envolvido diretamente nas obras do Ao propor a fábrica de componentes, em fase de organização na Cedec; mas alguns membros de sua equipe participaram na definição Emurb, como núcleo central do sistema, defendeu-se a implan- dos programas para a construção de escolas. No entanto, sabe-se que tação de outras usinas que atendessem às diretrizes da presente Mayumi estudou os textos de Paulo Freire em suas pesquisas sobre es- Administração, no sentido de assegurar soluções construtivas mais paços para educação. É evidente a coincidência de intenções expressas adequadas à variedade das demandas do município. Esta variedade, nas diretrizes do Cedec e na descrição de “educador progressista”, nas fruto das priorizações estabelecidas no planejamento descentralizado palavras de Paulo Freire: e com participação popular, está a exigir do depto. Edif uma resposta (...) significa, por exemplo, trabalhar lucidamente em favor da técnica e administrativa que agilize o atendimento, naqueles casos escola pública, em favor da melhoria de seus padrões de ensino, mais urgentes, através do fornecimento de componentes destinados em defesa da dignidade dos docentes, de sua formação permanente. à substituição ou à recuperação de equipamentos urbanos. Significa lutar pela educação popular, pela participação crescente das classes populares nos conselhos de comunidade, de bairro, de Mayumi preocupava-se com a autonomia do órgão público em relação escola. Significa incentivar a mobilização e a organização não apenas à ação das construtoras, contratadas em longos processos de licitação. de sua própria categoria mas dos trabalhadores em geral como con- A implantação de unidades de produção de componentes para cada dição fundamental de luta democrática com vistas à transformação necessária e urgente da sociedade brasileira. SINGER, Paul. Um governo de esquerda para todos: Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo. São Paulo, Editora Brasiliense, 1996, p.30. Idem, pp.12-13. FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 2006, p.50. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 73 Em ambos os discursos está explícita a luta por escola pública popular e O CEDEC democrática, ou seja, uma escola de qualidade para todos, com uma gestão popular participativa. Paulo Freire enunciou esse modelo polí- O Cedec foi criado com o objetivo de pesquisar soluções projetuais e tico-pedagógico de escola pública popular no documento “Aos que fazem a construtivas para melhorar a qualidade dos equipamentos públicos na Educação conosco em São Paulo”: cidade. Suas atividades abrangiam: a pesquisa de materiais e de sistemas Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, pos- construtivos industrializáveis; o treinamento e a formação de quadros tulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para partici- técnicos e operacionais; o planejamento, projeto, fiscalização e execu- par coletivamente da construção de um saber, que vai além do saber ção de obras; a elaboração de programas arquitetônicos e diretrizes de de pura experiência feito, que leve em conta suas necessidades e projeto dos equipamentos públicos; produção de material informativo; o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em assessoria técnica e a orientação aos grupos envolvidos na construção sujeito de sua própria história. A participação popular na criação dos equipamentos. da cultura e da educação rompe com a tradição de que só a elite O foco de atuação era a construção de equipamentos públicos é competente e sabe quais são as necessidades e interesses de toda de pequeno porte e de componentes para a urbanização de favelas a sociedade. A escola deve ser também um centro irradiador da – demandas sempre crescentes e em volume elevado que deveriam ser cultura popular, à disposição da comunidade, não para consumi-la, atendidas a curto prazo. Daí o uso de processos industriais de cons- mas para recriá-la. A escola é também um espaço de organização trução, sob controle do governo, o que permitiria maior economia, política das classes populares. A escola como um espaço de ensino- controle da qualidade, rapidez na construção e autonomia em relação aprendizagem será então um centro de debates de idéias, soluções, às grandes empreiteiras, que tradicionalmente investem apenas em pes- reflexões, onde a organização popular vai sistematizando sua pró- quisa técnica de grandes obras viárias e de infra-estrutura. A qualidade pria experiência. O filho do trabalhador deve encontrar nessa escola das obras era defendida como direito dos cidadãos a viverem bem em os meios de auto-emancipação intelectual independentemente dos sua cidade. Nessa perspectiva, os projetos eram pensados em função da valores da classe dominante. A escola não é só um espaço físico. É qualidade final do espaço construído, seu tempo de execução e dura- um clima de trabalho, uma postura, um modo de ser. bilidade, reduzindo os custos da obra e os gastos com a manutenção posterior do equipamento em uso. FREIRE, Paulo. “Aos que fazem a Educação conosco em São Paulo”, texto originalmente publicado no Diário Oficial do Município de São Paulo, 01/02/1989; apud FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. São Paulo, Cortez Editora, 2006, p.16. Sobre as diretrizes da política municipal de educação,ver também o folder da Secretaria de Educação no anexo 2, pp.160-161. 74 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI A fábrica de componentes pré-moldados de argamassa armada estruturou-se a partir do projeto fornecido pelo Lelé, com assessoria da equipe da Escola de Engenharia de São Carlos. Os arquitetos Vera Pastorello e Paulo Eduardo Fonseca Campos foram para Salvador conhe- cer a fábrica. Lelé forneceu não apenas o projeto de instalação da fábri- operacional para assegurar a qualidade da ação municipal em ca, mas também toda a listagem (com quantidades e especificações) de planejamento, projeto, orçamento e execução de serviços e obras, equipamentos e materiais necessários ao seu funcionamento, o que pos- bem como a instrumentação dos funcionários para o desempe- sibilitou que os processos de licitação ocorressem concomitantemente à nho seguro da fiscalização de serviços e obras contratadas; construção da fábrica, sem atrasos para o início da produção . 10 A fábrica foi inaugurada em junho de 1990 em terreno da Prefeitura no bairro do Canindé e iniciou sua produção com componentes de f. A interligação profunda entre construção e manutenção, priorizando a implantação da política e da estruturação de manutenção preventiva sobre as obras novas; canalização de córregos. A fábrica consolidada produziu lixeiras, ban- g. O desenvolvimento técnico, político e social dos trabalhadores cos, abrigos de ônibus, brinquedos para playgrounds e componentes para da construção civil envolvidos na execução das obras municipais construção de edifícios de escolas, creches e centros de convivência. de equipamentos sociais, buscando estimular a organização e a As atividades do Cedec tinham os seguintes objetivos: participação consciente de todos no avanço político da sociedade a. Pesquisa de soluções técnicas e estéticas de melhor qualidade e de maior adequação às condições específicas das demandas sociais em São Paulo, mais apropriadas para o uso público específico; b. Realizar ações de natureza técnico-produtiva articuladas às de na- civil; h. O desenvolvimento de processos e elaboração de materiais auxiliares, informativos, para estímulo à participação consciente de usuários e trabalhadores dos equipamentos sociais.11 tureza educativa e ambiental, buscando conscientizar e envolver a população na construção de um novo espaço público urbano; Para o desenvolvimento desses objetivos, a estrutura interna do Cedec c. O desenvolvimento contínuo e sistemático de novos padrões foi organizada em quatro departamentos principais. O Departamento referenciais de qualidade e de custos das obras públicas, de modo de Desenvolvimento Tecnológico era responsável pela pesquisa de a permitir o controle de tempo de execução e de custos reais, materiais, pelo detalhamento das peças e pelo desenvolvimento da com a diminuição dos custos indiretos e a obtenção de padrões produção do sistema construtivo. Lelé veio algumas vezes acompanhar de referência para a contratação de terceiros, quando necessário; o processo, auxiliou a equipe na definição da modulação, apontou d. O estabelecimento de programas arquitetônicos e normas para detalhes que haviam dado errado nas experiências anteriores e como elaboração de projetos e de serviços, compatíveis com o quadro melhorar. Na pesquisa dos materiais e processos produtivos, era social, financeiro e tecnológico do Município; e. O desenvolvimento contínuo do quadro de pessoal técnico e 10 Conforme depoimento da arq. Vera Pastorello à autora em 16/10/2008. 11 “Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e Comunitários – atividades desenvolvidas 1990/92”, documento publicado pelo Cedec/Emurb em dezembro de 1992, pp.5-7. Fonte: Acervo Odete Tomchinsky. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 75 avaliada a qualidade dos resultados e realizado um estudo econômico. LELÉ E A ARGAMASSA ARMADA O departamento era responsável também pelo treinamento técnico. O Departamento de Planejamento trabalhava junto às Secretarias O arquiteto Lelé, consultor do projeto, é uma figura importante da (Saúde, Educação, Bem Estar) na realização de estudos das demandas e introdução da tecnologia da argamassa armada no Brasil. Conhecia do programa de atendimento. Selecionava o terreno para a implantação Mayumi desde a época da Universidade de Brasília, quando trabalha- da obra e fazia o projeto, que incluía o orçamento e a quantificação de ram juntos no Ceplan e davam aulas na faculdade de arquitetura. Lelé materiais e componentes. Produzia ainda cadernos de cada equipamen- foi o orientador de Mayumi no Mestrado (1963-65). Suas experiências to (escola, posto de saúde, velório,...) com a definição do programa com a pré-fabricação na construção iniciaram-se nas obras de Brasília, arquitetônico e das diretrizes de projeto. no final da década de 1950. Reproduzimos aqui o depoimento de Lelé O Departamento de Produção era responsável por todas as atividades da fábrica: execução de componentes e de protótipos; manutenção de fôrmas e equipamentos; treinamento dos operários. sobre sua experiência. Ainda que um pouco longo, situa muito bem todas as origens e personagens envolvidos na aplicação da técnica: Houve uma grande contribuição minha na área da argamassa ar- O Departamento de Montagem e Manutenção supervisionava mada, pesquisei muito. Os primeiros relatos sobre ela remontam a execução das obras no local, orientando as equipes de montagem. ao final dos anos 1840, quando um engenheiro francês chamado Desenvolvia também um trabalho de acompanhamento do uso do Lambot começa a fazer pesquisas com a argamassa armada para edifício após a entrega da obra, para realizar a substituição de peças construir embarcações. Desde que o concreto surgiu, a argamassa defeituosas, detectar eventuais problemas do sistema construtivo e veio paralelamente, porque usa os mesmos ingredientes. Só que propor soluções. em vez de usar uma armação específica como o concreto, usa uma armação difusa, que torna o material mais homogêneo. (...) Mais tarde, na década de 1940, um engenheiro italiano que trabalho também como arquiteto, Pier Luigi Nervi, volta a fazer pesquisas com a argamassa armada – Lina Bo Bardi trabalhou com o Nervi, até me deu uns documentos originais dele. Nervi retomou essa tecnologia e fez muitas coisas, não especificamente na área industrial, mas muitos prédios em que utilizou a argamassa armada. E o engenheiro alemão que trabalhou com ele nesse período e depois se ajustou a uma feição mais industrial veio para a Universidade de São Carlos e trouxe essa tecnologia pra cá. 76 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Frederick Schiel, se chamava. O filho dele, Kristian, foi meu aluno, mado com o processo de argamassa armada que quando começou estudante de arquitetura [na UnB], começou a trabalhar comigo a abertura política e nosso amigo Vander Almada foi eleito prefeito na construção do Hospital de Taguatinga [1968], e me falou dessas de uma cidade do interior de Goiás, Abadiânia, resolvi embarcar na experiências. Outra coincidência aventura. Ele reuniu várias pessoas de outras áreas, médicos, educa- A obra de Nervi já era muito conhecida na faculdade. Falava-se em dores. Queríamos fazer uma experiência-modelo em Abadiânia, no ferro-cimento, a quantidade de malha de aço era maior, a argamassa meio do mato. (...) era mais forte. O que chamamos de argamassa hoje é diferente, Construí uma fabriqueta em Abadiânia, bem improvisada. Primeiro um produto que decorre daquele, mas não exatamente igual. Fui fizemos pontes, depois escolas, vários equipamentos para uso rural. conhecer o trabalho do Schiel e fiz algumas experiências lá mesmo Foi nesse período que Leonel Brizola ganhou a eleição para gover- em Brasília com o auxílio dele em 1972, na sede da Planalto de nador do Rio de Janeiro pela primeira vez, e seu vice, meu amigo Automóveis, uma revendedora de veículos. Os sheds do prédio são Darcy Ribeiro, me chamou para trabalhar com eles.(...) de argamassa, uma experiência pequena, até bastante artesanal. Existiam dois projetos paralelos. O Ciep (Centro Integrado de Na primeira vez que vim trabalhar em Salvador com projetos ur- Educação Pública) era um conceito que Darcy tinha criado, da banos, em 1979, tínhamos de equacionar o transporte, distribuir criança em tempo integral na escola. Uma parte dos Cieps era feita o material para as áreas mais pobres.(...) Tínhamos que construir pelas empresas construtoras, foi o Oscar quem projetou. Eu atuava escadas drenantes naquelas comunidades para fazer a água escorrer a seu lado, mas quem fez foi ele. Nossa fábrica produzia escolas na época das chuvas, em condições absolutamente precárias. E o isoladas, sobretudo nas favelas, onde não havia condições de se caminhão não chegava lá. instalar os Cieps, que exigiam um terreno maior. Algumas tinham Imaginei que a solução seria desenvolver uma tecnologia indus- o mesmo tamanho dos Cieps, mas em geral eram menorzinhas. E trializada em argamassa armada, fazendo peças menores e mais funcionavam da mesma forma. Chegamos a fazer 200 escolas na leves, o que facilitaria o transporte. Kristian Schiel veio para a Bahia fábrica. Também fizemos outras coisas, como postos de saúde, trabalhar comigo, e trouxemos também o pai dele para desenvolver equipamentos comunitários. Isso foi até o Brizola sair e Darcy não conosco a melhoria do saneamento básico. (...) Infelizmente, Mário ganhar a eleição de 1986 para substituí-lo. Kertész, que era prefeito nomeado, brigou com o governador Mário Kertész acabou ganhando em Salvador para a prefeitu- Antonio Carlos Magalhães, foi demitido, e tivemos de sair. A expe- ra no ano seguinte, e deu a idéia de se criar a Faec (Fábrica de riência ficou na metade do caminho, mas chegamos a fazer muitos Equipamentos Comunitários) aqui. Houve uma espécie de interesse quilômetros de drenagem que estão aí até hoje. generalizado no Brasil, na década de 1980, pela tecnologia do pré- Na época em que fui demitido da prefeitura, estava tão entusias- fabricado. (...) A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 77 Depois que saí da Faec e antes que Brizola voltasse ao governo, Darcy provavelmente a idéia contribuiu para a elaboração das diretrizes mais tornou-se Secretário de Educação de Minas Gerais, e me levou pra amplas de atuação do Cedec: lá. Fiz todos os projetos, hospitais, postos de saúde, mas ele brigou A proposta da Faec (Fábrica de Equipamentos Comunitários) que com o governador Newton Cardoso, e a experiência durou pouco. idealizamos em 1985, em Salvador, era atuar em todos os níveis, Nisso o Brizola ganha, em 1990, e o Darcy volta para o Rio como com vários tipos de ação, não só intelectual. Quando se trata de um secretário de programas especiais. Foi a época do governo de esgoto, da construção de um prédio, também se está fazendo cultu- Fernando Collor. Brizola pegou esses projetos do Darcy e foi levar ra. A rigor, a cultura é inerente a todos esses aspectos da vida urbana para o Collor, sem me falar nada. E eu me vi envolvido de repente – essa era (e é) a concepção de Roberto Pinho, de Gilberto Gil e do nessa confusão dos Ciacs (Centros Integrados de Apoio à Criança). jornalista João Santana, então secretários do governo municipal. Ou Nem sabia o que estava acontecendo e fui chamado a Brasília para seja: tratar todas as reformas planejadas como expressão cultural. fazer, para montar os Ciacs. A Faec era um projeto muito ambicioso, uma fábrica de cidades, Desde o início, sabia que não ia dar certo, o interesse do governo conforme a concepção de Mário [Kertész, prefeito de Salvador na era outro. Havia toda a corrupção de Paulo César Farias, o PC, época] e Roberto. (...) que levou a o impeachment, em 1992. A idéia dos Ciacs era boa, O que pretendíamos era montar um grande laboratório para ree- mas a administração era ruim. E tinha uma compromisso muito xaminar, recolocar todos os problemas urbanos que envolvem uma grande com as empresas de construção, elas queriam ganhar muito cidade da dimensão da capital baiana. Salvador era o protótipo de dinheiro, todo o sistema havia sido montado para isso. Tive que me atuação, mas não queria dizer que a idéia ia ficar só nela. Afinal, o demitir, largar logo. Mesmo assim, fizemos dois protótipos, um no nome do projeto era fábrica de cidades. Rio e outro em Brasília. Depois fizeram outros, tínhamos criado em Quando se examina uma cidade, há desde as coisas mais simples, todos os Estados, desde o Amazonas, tudo adaptado a cada clima. infra-estrutura, esgoto, até as mais complexas, que têm de ser revis- Mas esculhambaram tudo, não sobrou nada do projeto original. tas. Ver quais as alternativas, porque os problemas vão se repetindo. 12 A tendência do conservadorismo, quando está ligado à estrutura É importante lembrar os princípios envolvidos na criação da Faec em capitalista, é de nenhuma empresa fazer uma pesquisa se não der Salvador (1986-88), que almejavam a criação de um laboratório de lucro pra ela. Fazem pesquisa com remédio, coisas espaciais, mas estudos urbanos. A experiência foi realizada pouco antes do Cedec e com a cidade nunca fazem pesquisas porque não há dinheiro. E a iniciativa privada não vai botar dinheiro pra depois perder. Se o 12 LIMA, João Filgueiras. O que é ser arquiteto: memórias profissionais de Lelé (João Filgueiras Lima) em depoimento a Cynara Menezes. Rio de Janeiro, Record, 2004, pp.55-59. 78 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI poder público não fizer pesquisas com a cidade, quem vai? (...) A Faec foi uma experiência frustrante. Tudo poderia ter melhorado em Salvador se a Faec tivesse funciona- DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO do: saneamento básico, educação, saúde, transporte público. Cultura é mesmo a soma da melhoria dessas coisas todas. Nosso projeto era A partir da experiência acumulada pelo arquiteto Lelé na implantação mesmo cultural, para ver a cidade de uma forma diferente, torná-la das fábricas anteriores, com o auxílio dos engenheiros de São Carlos, um pouco mais amena. Tinha programas de contenção de encostas os técnicos que trabalhavam no setor de tecnologia do Cedec puderam para evitar desabamentos, um problema recorrente na época das testar e introduzir algumas inovações no processo de fabricação das chuvas. Havia o interesse de rever até a tipologia da habitação, mas aí peças. Um exemplo é o uso de fibras de polipropileno complementan- a coisa fica difícil até pela falta de poder aquisitivo da população. do as telas metálicas eletrosoldadas estruturais de cada componente, 13 alternativa mais barata e que proporcionava resistência equivalente. Foram testados diferentes de tipos de aditivos plastificantes na misLelé alertou a equipe do Cedec sobre sua frustração com a interrupção tura da argamassa utilizada em divisórias e telhas, para definir um de seus projetos em decorrência de motivos políticos a cada mudança desempenho mais satisfatório. Também foram avaliados os agentes de governo, incentivando a buscar a criação de mecanismos que pu- desmoldantes utilizados nas fôrmas e testados novos métodos de cura dessem garantir a continuidade do projeto. das peças com vapor, no intuito de reduzir o tempo de produção e melhorar a qualidade das peças.14 Após o primeiro ano de funcionamento, foi proposta a ampliação da fábrica com alterações em seu layout de produção a partir da experiência acumulada e das inovações introduzidas. Mayumi foi a Osaka, no Japão, como palestrante na Expo Osaka 90. Conheceu o sistema de reciclagem de entulho implantado naquela cidade e propôs implantar em São Paulo a mesma técnica. O entulho recolhido pela Prefeitura, em vez de ocupar os aterros sanitários destinados ao lixo comum, seria triturado e reaproveitado na fábrica do Cedec para a fabricação de blocos de piso e vedação. A reciclagem 13 LIMA, João Filgueiras. O que é ser arquiteto: memórias profissionais de Lelé (João Filgueiras Lima) em depoimento a Cynara Menezes. Rio de Janeiro, Record, 2004, pp.79-81. 14 O documento “Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e Comunitários – atividades desenvolvidas 1990/92”, publicado pelo Cedec/Emurb em dezembro de 1992, contém o relato do desenvolvimento tecnológico, pp.26-28. Fonte: Acervo Odete Tomchinsky. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 79 no entanto permaneceu apenas na fase experimental, com a fabrica- O DESENHO DOS EQUIPAMENTOS URBANOS COLETIVOS ção de 4.000 blocos para piso. Mas é notável a intenção de resolver a questão da reciclagem de entulho naquela época. Com a proximidade A maior parte dos desenhos dos equipamentos urbanos produzidos da ECO 92, a discussão sobre o meio ambiente ia criando importân- pelo Cedec foi desenvolvida pelo arquiteto João Filgueiras Lima em cia. O aumento da produção de lixo tornava preocupante a questão suas experiências nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador e posterior- do espaço necessário para os aterros sanitários na cidade. Na gestão mente adaptados às condições e demandas locais para serem produzi- Erundina inicia-se a coleta seletiva de lixo, com incentivo para a cria- dos em São Paulo. As imagens a seguir mostram a origem do desenho ção de cooperativas de reciclagem. O problema do entulho ainda não de algumas peças. foi solucionado – paga-se até hoje às empresas de caçambas para levar A equipe de arquitetos do Cedec desenvolveu o desenho de novos o entulho resultante de obras na cidade para locais de despejo, sem equipamentos, como por exemplo as lixeiras coloridas para coleta sele- que seja dada uma destinação adequada a essa imensa quantidade de tiva de lixo e os brinquedos instalados em praças e escolas municipais. material desperdiçado. lixeiras e bebedor projetados pelo Cedec (Fonte: LIMA, M., 1995) 80 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI componentes para abrigos de ônibus componentes para canalização de córregos abrigos produzidos na fábrica do Rio de Janeiro em 1985. (Fonte: LATORRACA,1999) peças produzidas pela Renurb em Salvador, 1980. (Fonte: LATORRACA, 1999) componente abrigo de ônibus fabricado no CEDEC, usado em composição para formar cobertura de entrada nas escolas de argamassa armada. (Fonte: LIMA, M., 1995) obra de canalização de córrego realizada pelo CEDEC em São Paulo. (Fonte: Acervo Reginaldo Ronconi) A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 81 detalhe do encaixe viga-pilar no projeto de Abadiânia (Fonte: LIMA, JF, 1984) escola transitória em argamassa armada, Abadiânia, Goiás, 1986, arq. Lelé e eng. Frederico Schiel (Fonte: LATORRACA, 1999) sequência de montagem do sistema construtivo da escola Abadiânia(Fonte: LIMA, JF, 1984) 82 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI fábrica de escolas, Rio de Janeiro, 1984-87, arq. Lelé (Fonte: LATORRACA, 1999) detalhes da cobertura da escola Abadiânia(Fonte: LIMA, JF, 1984) sequência de montagem do sistema construtivo da escola Abadiânia(Fonte: LIMA, JF, 1984) A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 83 O PROJETO DAS ESCOLAS EM ARGAMASSA ARMADA15 Foram finalizadas sete escolas (5 EMEIs e 2 EMPGs16) na fábrica do Cedec. Os componentes da estrutura, painéis de vedação e cobertura eram de argamassa armada e os caixilhos de aço. O projeto parte do sistema construtivo desenvolvido por Lelé e Frederico Schiel para as escolas transitórias (protótipo de Abadiânia, GO, 1983) e depois aperfeiçoado nas escolas produzidas no Rio de Janeiro de 1984 a 1987 (ver imagens pp. 82-83). Em São Paulo, o projeto foi pensado como um sistema construtivo aberto, permitindo variações nos edifícios de acordo com o programa e a situação específica do terreno disponível (ver projetos pp101-110). Propunha-se ainda a composição do sistema com outros materiais, adequados a cada uso, como por exemplo os caixilhos metálicos modulados e produzidos em série. A principal alteração formal do projeto original das escolas de argamassa armada em São Paulo refere-se à criação de pátios internos ajardinados. A implantação dos equipamentos externos, como playground, quadra de esportes, vestiários e anfiteatros era feita de forma a possibilitar o uso pela comunidade, independentemente do edifício das salas de aula. A área externa era organizada ao longo de um caminho, elemento lúdico e de exploração pedagógica, percorrendo diversos ambientes, como “cidades” do imaginário infantil, com brinquedos alternativos criados a partir da composição de elementos de argamassa armada desenhados pela equipe do Cedec. 15 Uma análise interessante do espaço destas escolas pode ser encontrada em MACHADO, Tatiana. Ambiente escolar infantil. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FAUUSP, 2008. 16 EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil, para crianças até 6 anos de idade) e EMPG (Escola Municipal de Primeiro Grau, de 1ª a 4ª série) 84 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI [página ao lado e esta] imagens dos equipamentos projetados para as áreas externas das escolas (EMEIs e EMEFs) do Cedec. Destacam-se os teatros ao ar livre; os caminhos com a criação de diferentes relevos no piso; os brinquedos compostos por uma família de peças de argamassa armada desenhada pela equipe do Cedec; a utilização de materiais de construção (tubos, corpos de prova) para a criação de brinquedos; o uso das cores primárias. Fontes: Acervo Mayumi W. Souza Lima, Acervo Reginaldo Ronconi. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 85 PRODUÇÃO DO CEDEC: PROGRAMAS o funcionamento do posto que acabou gerando uma nova proposta de atendimento à população – ao elaborar o programa, repensava-se o ser- Os diferentes programas (escolas, centro comunitários, velórios, etc.) viço público de maneira global. A princípio não era uma meta, mas na eram cuidadosamente estudados. Para cada tipologia havia um caderno conjuntura política havia um sentido de revisão da atuação profissional de especificações de ambientes, dimensões, materiais, mobiliário, no âmbito público que acabou por “contagiar” muitos técnicos.18 ventilação e iluminação, etc. – as diretrizes para o projeto de arquitetura, com o objetivo de normatizar características que garantissem a qualidade dos equipamentos construídos. Esses cadernos eram desenvolvidos em conjunto com os técnicos (pedagogos, médicos, etc.) das secretarias responsáveis. Partia-se da premissa de que a qualidade do espaço e sua manutenção interferem na qualidade de vida da população usuária, portanto: Isso significa uma nova postura de projeto e de manutenção, porque significa uma mudança radical de enfoque dos investimentos municipais: o ponto de partida será o usuário e o ponto de chegada, a melhoria da qualidade do ambiente que a ele é oferecido. Por isso, uma creche ou escola não é mais uma construção de baixo custo a ser inaugurada. Ela é a arquitetura de um lugar destinado às crianças, e portanto, necessariamente alegre, clara, com áreas projetadas para as necessidades específicas das crianças.17 A qualidade do equipamento era pensada a partir do usuário, defendiase a adequação dos programas em função das necessidades específicas de cada grupo. No caso do projeto de um posto de atendimento de saúde, os médicos do serviço municipal foram consultados para ajudar na elaboração do programa arquitetônico. Iniciou-se uma discussão sobre 17 LIMA, Mayumi Watanabe Souza. Arquitetura e Educação. São Paulo, Nobel, 1995, p.138. 86 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 18 Conforme depoimento do prof. Reginaldo Ronconi à autora em fevereiro de 2009. COMUNICAÇÃO COM A POPULAÇÃO USUÁRIA com a população e com os trabalhadores envolvidos na execução de obras públicas. Buscava-se romper os vícios do clientelismo na oferta A partir de sua experiência de trabalho, a arquiteta Mayumi Souza Lima de equipamentos públicos, tais como a passividade e a baixa exigência imprimiu diretrizes bastante peculiares ao funcionamento do Cedec. qualitativa da população em relação aos serviços oferecidos, seu dis- Mayumi defendia em seus projetos a participação dos usuários (alunos, tanciamento das decisões sobre a cidade e sua indiferença em relação professores, pais, funcionários) e a conscientização dos construtores à depredação dos edifícios públicos. Além de fornecer o equipamento, para a importância do serviço prestado à população na produção dos havia o propósito de incentivar a gestão democrática do espaço urbano, equipamentos públicos. As atividades do Cedec estavam ligadas às dire- envolvendo a população nos processos de decisões: trizes políticas do PT adotadas na Administração Municipal, conforme Assegurar o direito da população aos serviços públicos básicos explicita a própria arquiteta: significa, no campo que diz respeito à produção dos equipamentos A realização dos objetivos não pode ser desligada das diretrizes po- urbanos, garantir: a participação crescente dos usuários nas deci- líticas do PT, no que se refere à criação de condições para facilitar a sões de planejamento, cujo embrião se encontra nos NPR (Núcleos organização dos trabalhadores, a participação popular, a garantia de Regionais de Planejamento); a qualidade dos espaços, ambientes e condições favoráveis de trabalho e a descentralização do poder deci- instalações oferecidos; a oferta de informações claras e objetivas.20 sório. Todas elas, no entanto, têm como objetivos finais a melhoria qualitativa do ambiente urbano destinado à população trabalhadora Antes do início de cada obra, eram distribuídos folhetos para a co- e a diminuição de custos e prazos na produção e manutenção de munidade local, apresentando a equipe de trabalho e convidando a equipamentos urbanos [...] população para a reunião de apresentação do projeto, com o objetivo Entende-se que os interesses públicos no desenvolvimento de uma de informá-la sobre a obra e buscar seu envolvimento no processo nova prática social que construa a cidadania e que identifique o de construção do edifício. Mayumi ia pessoalmente nessas reuniões morador com a sua cidade estão acima dos interesses do poder para conversar com a comunidade, em geral acompanhada por algum temporário. membro da equipe. Ao apresentar o projeto, discorria sobre a qualida- 19 de do equipamento a ser construído, buscando a conscientização da As atividades do Cedec eram orientadas com o propósito de alterar as população da necessidade de se exigir obras de qualidade do poder relações tradicionalmente autoritárias e paternalistas do poder público público, e entender que o equipamento público deve ser preservado, enquanto serviço de uso coletivo a que todos têm direito. A oferta de 19 LIMA, Mayumi Souza. “A cidade e os equipamentos urbanos”. In: Arquitetura e Educação. São Paulo, Editora Nobel, 1995, p.115. 20 CEDEC. Caderno 7: Casa da Cultura – programa arquitetônico preliminar. São Paulo, 1990, p.3. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 87 informações precisas visava subsidiar a formação de cidadãos com voz ativa no processo de construção da cidade. A reunião21 começava com a discussão sobre os conceitos de periferização, exploração imobiliária, espoliação urbana – para fazer a comunidade entender sua situação histórica na cidade – e em seguida apresentava o CEDEC e como com seu trabalho eles pretendiam mudar essas condições. Era apresentado o projeto do equipamento comunitário (escola, creche, canalização do córrego, posto de saúde etc.) para que a comunidade soubesse o que seria feito no bairro. Ela se preocupava em dizer para as pessoas que “a escola é de vocês, dos seus filhos, vocês têm que acompanhar o processo. A escola não pertence ao diretor, ela é da comunidade e todos devem zelar por ela.” Desejava que as pessoas se apropriassem do equipamento. As reuniões terminavam sempre com o agendamento de um próximo encontro – Mayumi queria estabelecer o compromisso com a população, que eles soubessem que ela não desapareceria como a maioria dos políticos populistas costuma fazer. Convidava a população a acompanhar e “fiscalizar” as obras. No final do processo, ao entregar o equipamento à população, eram distribuídos folhetos apresentando o novo edifício e pedindo à população que zelasse por esse espaço coletivo conquistado. Todos os folhetos eram elaborados em linguagem acessível à população, de forma simples e convidativa, com desenhos e chamadas instigantes como “Não fiquem por fora!” ou “Entre: a casa é sua”. Anotação de Mayumi Souza Lima sobre pauta a ser tratada nas reuniões com os moradores dos bairros Jardim Robru e Jardim Sinhá. Fonte: Acervo Marta Grosbaum. 88 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 21 O conteúdo das reuniões foi descrito aqui a partir do relato de Marta Grosbaum à autora em 21/10/2009. Marta fazia parte da equipe do Cedec e acompanhava a Mayumi em muitas dessas reuniões. Folders de comunicação com os moradores dos bairros onde eram realizadas as obras do Cedec. Fonte: Acervo Mayumi Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 89 IDENTIFICAÇÃO DO EQUIPAMENTO PÚBLICO COM OS USUÁRIOS A comunicação visual das escolas22 reforçava o partido de identificação do usuário com o equipamento público: a logomarca de cada escola era concebida com a função de resgatar a origem do nome do bairro. No Jardim Curuçá, cujo nome significa cruz em guarani, o logotipo foi desenhado a partir de diferentes formas de cruz ao longo da história (egípcia, celta, latina). Foram produzidos folhetos explicativos para cada escola construída23, contando a origem do nome do bairro e relacionando o desenho dologotipo da escola a esse nome para que todos soubessem seu significado. Os folhetos frisavam ainda a idéia de que a escola é um espaço para o conhecimento, por isso deve ser bem cuidada e preservada. A comunicação visual era pensada em função da faixa etária das crianças, com cores fortes e alegres, de modo que elas pudessem facilmente reconhecer e se apropriar do espaço escolar. Na parede ao lado de cada sala de aula, eram pintados números grandes em cores primárias. Mayumi preocupava-se com a falta de familiaridade das logotipo da escola Jardim Robru e aplicação. Fontes: Acervo MWSL, Acervo Reginaldo Ronconi. crianças com informações escritas na paisagem dos bairros periféricos – onde algumas vezes não havia nem mesmo placas com nome de ruas ou números nas casas. O logotipo das escolas era aplicado na caixa d’água, local de grande visibilidade, para identificar a escola no bairro. Foram reproduzidos também nos painéis de argamassa para aplicação nos espaços internos das escolas. Na EMEI Jardim Robru (ver fotos ao lado), por exemplo, 22 O projeto de comunicação visual das escolas do Cedec é de Francisco Homem de Mello. 23 Ver reprodução no anexo 3, pp.166-173. aplicação da comunicação visual na área de refeitório. Fonte: Acervo Reginaldo Ronconi. 90 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI folder da escola Jardim Sinhá, apresentando as origens do nome do bairro e do desenho da marca da escola. Fonte: Acervo MWSL. logotipos. Fonte: Acervo MWSL. aplicação da comunicação visual nas salas de aula e logotipo da EMEI Nova Curuçá na caixa d’água da escola. Fonte: Acervo Reginaldo Ronconi. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 91 o símbolo é o desenho de dois meninos, em homenagem aos irmãos PARTICIPAÇÃO E MANUTENÇÃO Roberto e Bruno, que deram nome ao bairro. O cuidado no tratamento das informações no espaço demonstrava uma atitude política de Para as escolas construídas em argamassa armada, foi produzido o democratização: “Manual do usuário”, uma iniacitiva inédita. Apresentava o sistema A mudança na estrutura de poder exige que as informações escritas, construtivo do edifício e dava orientações gerais sobre a manutenção orais e visuais sejam produzidas, tratadas e apresentadas de modo da estrutura, das instalações hidráulicas e elétricas, das áreas externas, a se tornar uma arma e um instrumento de liberação política das incentivando os usuários a preservar o equipamento público: camadas populares. A escola é de todos e por isso, todos são responsáveis pela escola. 24 É importante que se desenvolva na escola um trabalho pedagógico O objetivo era buscar a identificação do projeto com os usuários, o de conscientização de toda a comunidade escolar (professores, bairro, sua história e o meio ambiente: alunos, pessoal operacional e pais de alunos) visando ao seu envol- Os espaços produzidos têm, portanto, a intenção de estimular, de vimento direto com a conservação do prédio.26 convidar, de provocar o uso inventivo. E tudo terá de ser simples, para que a criança que vai à escola, os pais que se reúnem ou os O Manual sugere ainda que o professor utilize o edifício de maneira trabalhadores que os constroem possam compreender, contribuir e didática, retomando as propostas do livro Espaços educativos – uso e produção apropriar-se do espaço. (LIMA, M. 1986): 25 A confrontação da criança com o prédio escolar abre possibilidades A falta de identificação dos usuários com o equipamento público acar- da apreensão de um conjunto de informações sobre os processos reta muitas vezes em depredação por parte dos próprios usuários. É de transformação da natureza, sobre a ecologia e sobre o trabalho preciso que as pessoas se apropriem dos espaços, tenham o sentido de do homem. que o equipamento público lhes pertence. O professor pode, então, ampliar o interesse dos alunos para os processos de produção, tipo de material, suas regiões de origem, bem como as implicações sócio-econômicas de todas as fases de produção dos componentes até o produto final.27 24 CEDEC. Caderno 7: Casa da Cultura – programa arquitetônico preliminar. São Paulo, 1990, p.6. 25 LIMA, Mayumi Watanabe Souza. “Projeto e produção industrial: Cedec/Emurb” in “Emurb (1989-1992): Política e obras fortalecem cidadania”. Separata da Revista Projeto n. 157, São Paulo, 1992. 92 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 26 CEDEC/EMURB. Escolas – Manual do usuário, p.12. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. Ver anexo 3. Foi uma iniciativa inédita dentro do poder público. 27 Idem, p.8. ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DA FÁBRICA A preocupação em melhorar as condições de trabalho abrangia a realização de estudos do esquema de produção da fábrica, resultando, Além das funções de pesquisa de materiais e sistemas construtivos e de por exemplo, na criação de um sistema de rolamentos pendurados fábrica de componentes em argamassa armada, Mayumi imprimiu ao onde as ferramentas eram transportadas para reduzir o esforço do Cedec o caráter de centro de formação de cidadãos. Os operários eram operário. O próprio esquema de produção da fábrica seguia o mesmo funcionários contratados da Emurb (180 funcionários permanentes, partido do Lelé de uma automatização reduzida no sentido de privi- concursados e treinados em serviço) e temporários (funcionários legiar o emprego: contratados por licitação, com incentivo às cooperativas de traba- Quando nós pensamos no uso da argamassa para construir, pen- lhadores). O treinamento envolvia, além da fabricação, manuseio e samos também numa tecnologia que empregasse gente, porque o montagem dos componentes pré-moldados, a orientação para o rela- desemprego é um dos grandes problemas do Brasil. Não podíamos cionamento dos trabalhadores com a população, como representantes inventar uma tecnologia industrializada que significasse a perda de e prestadores de um serviço público, conscientizando-os de seu papel empregos na construção civil, que continua a ser o que mantém na construção da cidade. A equipe de montagem dos componentes muitas famílias comendo, sobrevivendo. Tínhamos de inventar uma industrializados no local das obras limitava-se a um pequeno quadro tecnologia que continuasse a empregar gente. O nível de automa- formado para orientar os trabalhadores da região, estimulando sempre ção nessas fábricas todas que foram feitas para os Cieps, no Rio de que possível os grupos cooperativos organizados que atuam através da Janeiro, era baixo – no CTRS do Sarah é maior. O peso das peças contratação de serviços. Buscava-se assim gerar empregos na própria era diminuído para permitir que dois homens as carregassem. Tudo região, aproveitando a oportunidade para contribuir para a formação isso para manter a mão-de-obra, havia um sistema híbrido, de usar de mão de obra especializada. Os funcionários possuíam uniforme a industrialização sem abrir mão dos operários. A idéia das fábricas com a identificação do Cedec e eram instruídos a usar equipamentos não era só fazer uma coisa mais barata, era dar ocupação, manter as de proteção (EPIs), como luvas, capacetes, sapatos fechados, óculos. pessoas empregadas.29 A preocupação com o uso de EPIs chegou a ser ridicularizada – no caso de canalização de córregos, em que se pretendia o uso de botas, Mayumi implantou um programa de alfabetização para os funcionários macacão impermeável e máscaras para respirar, dizia-se que o Mayumi que quisessem aprender a ler. As aulas eram dadas após o horário de queria “colocar marcianos nos córregos”. trabalho pela pedagoga Marta Grosbaum. 28 Conforme relato do professor Reginaldo Ronconi. 29 LIMA, João Filgueiras. O que é ser arquiteto: memórias profissionais de Lelé (João Filgueiras Lima) em depoimento a Cynara Menezes. Rio de Janeiro, Record, 2004, p.113. 28 A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 93 Marta e Mayumi editaram durante o período de funcionamento da fábrica um jornal-mural de formação política para os trabalhadores, nos moldes dos periódicos japoneses produzidos para serem afixados nos muros e postes nas ruas, os da-dzi-bau. O jornal era afixado no mural da fábrica às segundas e quintas-feiras. Mayumi elaborou um roteiro definindo o conteúdo de cada edição e Marta redigia o jornal, utilizando figuras recortadas ou mesmo ilustrações produzidas por Mayumi. O da-dzi-bau30 contava uma história crítica da sociedade em capítulos. A organização da narrativa do jornal parte de uma leitura de O Capital, de Karl Marx. No início, havia o homem primitivo lutando pela sobrevivência. Depois, surge o trabalho que transforma a natureza e posteriormente a divisão do trabalho e a exploração do homem pelo homem. Explica ainda o processo de industrialização e passa a abordar os problemas da urbanização, discutindo as questões da cidade de São Paulo e conscientizando o trabalhador da fábrica sobre a importância de seu papel na construção de uma cidade melhor. A abordagem parte do geral (a história do homem) para o local (a atuação do Cedec). O objetivo era a formação crítica dos trabalhadores e sua conscientização social, política, econômica, ética e profissional. Com o jornal, Mayumi pretendia fazer um trabalho de conscientização política dos funcionários, fazê-los entender seu papel e sua importância para a sociedade como construtores de equipamentos comunitários. É um exemplo de como Mayumi achava que deveria ser a atuação profissional dos técnicos, colaborando para a formação de cidadãos conscientes e capazes de participar da construção da nova sociedade democrática. trabalhadores do CEDEC (Fonte: Acervo Reginaldo Ronconi) 30 Ver reprodução do conjunto completo de originais do jornal no anexo 2, pp.188-216. 94 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI exemplares do “da-dzi-bau”, jornal para o mural dos trabalhadores da fábrica do CEDEC (Fonte: Acervo Marta Grosbaum) A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 95 REALIZAÇÕES Mesmo com a conjuntura favorável do PT no governo, existiam muitas dificuldades, especialmente em relação às limitações da máquina burocrática na pouca agilidade em liberar verbas programadas ou realizar de licitações. Problemas que muitas vezes atrapalhavam o funcionamento da fábrica, chegando a atrasar a produção. Era difícil a resolução de imprevistos como, por exemplo, viabilizar a compra de dinamite para implodir pedras encontradas no fundo de um córrego para não ter que paralisar a obra de canalização.31 Também havia discordâncias dentro da Emurb quanto aos projetos em si. Em uma ocasião houve uma reunião sobre o fechamento da escola de Parelheiros, que foi construída simultaneamente com o terminal de ônibus vizinho. Para a Emurb deveria ser construído um muro alto para isolar a escola da circulação de passageiros no terminal. Mayumi, por sua vez, defendeu um fechamento de gradil metálico que garantisse a transparência da escola [ver fotos as lado] e foi “massacrada” na reunião. Ela argumentava que “ao desenhar o contorno da escola, no fundo a gente está desenhando o contorno da sociedade. A construção de um muro de alvenaria com 2 metros de altura parte do pressuposto que a sociedade é irrecuperável e violenta por si só. O gradil transparente denota a fé numa sociedade passível de transformação.” 32 Existia uma vontade política muito grande da prefeita Erundina, que “bancou” a idéia Cedec e apoiou muito a Mayumi nesses casos, mantendo a opção pelo gradil transparente. exemplar do “da-dzi-bau”, jornal para o mural dos trabalhadores da fábrica do CEDEC (Fonte: Acervo Marta Grosbaum) 96 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 31 Conforme depoimento de Vera Pastorello à autora em 15/10/2008. 32 Conforme depoimento de Reginaldo Ronconi na banca de qualificação em julho 2009. Um exemplo da postura ética de Mayumi no trato da coisa pública é o caso da construção de uma das escolas, em que a construtora entregou a medição da cubagem de movimento de terra apenas no final da obra. O volume cobrado era absurdo, pois tratava-se de terreno quase plano. A equipe do Cedec protestou e propôs rasgar o piso da escola já pronta para medir (com trena) a altura do aterro e calcular o volume correto [ver fotos p.97], que evidentemente era muito menor. Mayumi apóia a proposta e a entrega da obra foi adiada em uma semana. Mas conseguiu-se que o valor do pagamento fosse corrigido.33 A arquiteta Vera Pastorello relata34 que o objetivo de Mayumi com a fábrica era construir espaços adequados e com boa qualidade, a preços menores que os praticados pelo governo e pelas empresas privadas, para atender à população necessitada e provar que a construção para a população de baixa renda pode ter qualidade, mesmo a custos baixos. Em trabalho conjunto com a Edif, conseguiram estabelecer um referencial de custos para possibilitar comparação com os preços oferecidos pela iniciativa privada. Lutava para incluir na composição dos preços dos materiais a relação de durabilidade: o uso de materiais baratos não significa custo baixo, pois muitas vezes exige gastos maiores com reposição e manutenção. A grande “mágoa” é que, devido ao curto período de funcionamento da fábrica, o investimento inicial em maquinário embutido no custo não pôde ser diluído, e o Cedec não chegou a atingir custos menores que a iniciativa privada, em termos numéricos absolutos. No entanto, se levarmos em conta a durabilidade desses equipamentos, talvez a conta hoje fosse diferente. No caso dos 33 Conforme depoimento de Reginaldo Ronconi na banca de qualificação em julho 2009. 34 Conforme depoimento à autora em 15/10/2008. [no alto] medições para cáculo correto do volume de movimento de terra em escola [embaixo] escolas com fechamento transparente (Fonte: Acervo Reginaldo Ronconi) A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 97 abrigos para paradas de ônibus, atualmente os implantados no Largo uma cobertura de telhas onduladas de fibrocimento sobre a cobertura Paissandu, no centro de São Paulo, encontram-se em bom estado de existente (telhas de argamassa armada). O motivo alegado era a infil- conservação – inteiros após 17 anos de uso, apenas sujos (o que é tração de água na cobertura, através da juntas entre as telhas, mas na facilmente resolvido por lavagem ou pintura). realidade o principal problema enfrentado por essas escolas referia-se Nessa batalha pela redução dos custos da construção de escolas, furtos realizados pela invasão através dos vãos de iluminação zenital na Mayumi envolvia até os operários da fábrica, mostrando no jornal da-dzi- cobertura, que foram fechados, prejudicando a ventilação e a ilumi- bau (p.96) como todas as ações dos operários (cuidado na desfôrma das nação das salas de aula. Os espaços sob os beirais, que originalmente peças, na montagem e no transporte, no reaproveitamento de materiais) configuravam uma circulação avarandada, e os jardins internos foram poderiam contribuir para a melhoria da qualidade das obras e redução fechados com grades, deixando a escola com aparência de prisão. dos gastos com reposição e perdas de peças por ruptura acidental. As sete escolas receberam nomes novos, como por exemplo: EMEI Os edifícios das sete escolas municipais construídas pelo Cedec Severino do Ramo (EMEI Jardim Robru), EMEI Dr. Fausto Ribeiro da continuam em uso ainda, com alguns problemas de manutenção, em Silva Filho (EMEI Vila Nova Curuçá) ou EMEI Juca Rocha (EMEI Nova parte devido à falta de informações específicas sobre o sistema constru- Parelheiros), rompendo-se o vínculo inicial criado entre a logomarca tivo e das plantas originais contemplando as instalações (hidráulicas, da escola e a identidade do bairro. elétricas, etc.). Existia um manual do usuário preparado pelo Cedec Utilizando o mesmo sistema construtivo das escolas, foram cons- exatamente com essa finalidade, e fazia parte das atribuições do centro truídos dois centros de educação para o trânsito (CETET), na Barra de pesquisa o acompanhamento dos edifícios construídos para manu- Funda e no Tatuapé. Os dois edifícios encontram-se em pleno uso e tenção e avaliação do desempenho das peças fabricadas em argamassa. A em bom estado de conservação. Também neste caso foi acrescentada extinção do Cedec colabora para a deterioração dos edifícios, à medida uma cobertura sobre as telhas de argamassa armada, provavelmente que não existe um departamento municipal destinado exclusivamente por problemas de conforto térmico e de infiltração. à pesquisa de materiais e ao planejamento da manutenção periódica das obras públicas. A seguir, a título de registro, apresentamos a listagem das obras exe- Em duas escolas de ensino fundamental examinadas em dis- cutadas pelo Cedec de 1990 a 199236. As fichas de cada projeto, com sertação sobre avaliação pós-ocupação35, verificou-se a instalação de informações, desenhos dos projetos e fotos das obras executadas, encontram-se nas páginas finais deste capítulo. 35 FERREIRA, Maria Cristina Domingues Lopez. Avaliação pós-ocupação (APO): Escolas de Ensino Fundamental em argamassa armada – cidade de São Paulo e sua região metropolitana. Dissertação de mestrado. FAUUSP, São Paulo, 2005. 98 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI 36 Fonte: CEDEC/EMURB. Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e Comunitários – atividades desenvolvidas 1990/92. Relatório, dezembro 1992. Cedec – Projetos e Implantação de Obras (1990-92) A. Canalização Espaço Vivencial de Trânsito (CET) 1. Favela Mirangoaba (extensão: 300ml) 2. Favela Rubilene (extensão: 330ml) 3. Favela Esperantinópolis (extensão: 600ml) 1. CETEC Leste 2. CETEC Oeste Lazer B. Equipamentos comunitários Secretaria da Educação (SME) 1. EMEI Nova Parelheiros 2. EMEI Vila Nova Curuçá 3. EMEI Jd. Robru 4. EMEI jd, Joamar 5. EMPG Jd. Sinhá 6. EMPG Jd. São Francisco 7. EMPG Jd. Ingá (projeto) 8. EMPG Vila Guilherme (projeto) 9. EMPG Vila Prudente (projeto) 10. EMPG Cidade Kemel (projeto) Projeto e execução de Playgrounds em Centros Esportivos (SEME) – obras concluídas 1. CEE Aurélio Campos/Região Norte 2. Mini balneário Garcia D’Ávila/Região Norte 3. CEE Brigadeiro Eduardo Gomes/Região Norte 4. Balneário Mário Moraes/Região Oeste 5. Balneário José Ermírio de Moraes/Região Leste 6. CEE Cidade Tiradentes/Região Leste Outros 7. Praça Nova Parelheiros 8. Playground Parque D. Pedro C. Mobiliário Urbano SECRETARIA DO Bem Estar Social (SEBES) 1. Casa de Convivência/Homens de Rua 2. Creche Gleba do Pêssego 3. Creche Vila Guilhermina 1. Lixeiras: instalação de 200 unidades em 92 2. Abrigos de ônibus: instalação de 120 unidades em 92 3. Terminais de transporte (CMTC): instalação de 14 mini terminais em execução SECRETARIA DA Saúde (SMS) 1. PAM Seckler 2. UBS Três Corações/Santo amaro A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 99 CONTINUIDADE REGISTRO DOS PROJETOS REALIZADOS O arquiteto Lelé já havia alertado a equipe sobre a questão da conti- Apresentamos a seguir a ficha técnica dos projetos realizados pelo Depar nuidade do projeto – como sempre acontece quando há mudança de tamento de Planejamento e Programação do Cedec, de 1990 a 1992. governo, as novas diretrizes políticas poderiam alterar os rumos das É interessane notar os diversos arranjos permitidos pela flexibilidade ações desenvolvidas, o que de fato aconteceu. Nesse caso, o prefeito da modulação do sistema construtivo com componentes de argamassa seguinte – Paulo Maluf – determinou o encerramento das atividades do armada. Era possível construir, com o mesmo kit de peças, edifícios Cedec, desprezando a importante experiência acumulada e os índices bem diferentes entre si. Uma das diretrizes do Cedec era justamente a de produção alcançados nesse curto período de dois anos e meio. A elaboração de projetos específicos para cada situação, como se poderá fábrica foi fechada com grande quantidade de componentes em esto- verificar adiante. que37, e nunca mais voltou a funcionar. Foi uma grande decepção para As fichas foram elaboradas a partir de um relatório interno do Cedec, do todos os integrantes da equipe do Cedec, que haviam se empenhado período final de funcionamento da fábrica, em que algumas obras ainda com muita dedicação viabilizar o projeto. Além disso, o novo Prefeito se encontravam em execução. Com o fechamento da fábrica, alguns dos instaura processos contra esses mesmos técnicos, numa espécie de per- projetos não chegaram a ser construídos. seguição política a quem havia trabalhado na administração anterior, com o intuito de desmoralizar as ações do governo petista38. A descontinuidade dos programas de obras públicas entre os diferentes governos contribui para a piora da qualidade dos equipamentos Fonte dos dados técnicos e dos desenhos: • Relatório interno do Departamento de Planejamento e Programação, Cedec/Emurb, São Paulo, 1992. (Acervo Odete Tomchinsky) oferecidos à população. Com a criação do Cedec, buscava-se instituir um departamento permanente, dentro da Emurb, responsável pela pesquisa Fontes das fotos: contínua e pela produção de alternativas construtivas, suprindo uma • LIMA, Mayumi Watanabe de Souza. Arquitetura e Educação. São Paulo, Nobel, 1995; demanda que permanece órfã, sendo atendida por programas sem ga- • Acervo Reginaldo Ronconi.. rantias de continuidade ou de boa manutenção, a médio e longo prazo. 37 O arquiteto Reginaldo Ronconi relata que havia 9 escolas prontas para montagem. A fábrica tinha na época capacidade para produzir 8 escolas/mês. Seu fechamento nessas condições foi uma “violência” ao patrimônio público. 38 Conforme depoimento de Mário Souza Lima à autora em 20/10/2008. 100 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI EMEI NOVA PARELHEIROS capacidade: 8 salas/1280 alunos em 4 turnos área construída: 1240m² área terreno: 2890m² local: Rua Gentil Shunk Roschel s/n° obra concluída/execução CEDEC 1 acesso principal 2 sala de aula 3 páteo/refeitório 4 sanitários 5 cozinha 6 despensa 7 manutenção 8 área de serviço 9 secretaria/recepção 10 sala professores/coord. pedagógica/diretoria 11 jardim 12 playground 13 estacionamento 14 caixa d’água A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 101 EMEI JARDIM ROBRU capacidade: 8 salas/1280 alunos em 4 turnos área construída: 1380m² área terreno: 4800m² local: Rua Francisco Monteiro Tavares n° 100 obra concluída/execução CEDEC 1 acesso principal 2 sala de aula 3 diretoria 4 coordenação 5 sala professores/secretaria 6 cozinha 7 despensa 8 almoxarifado 9 sanitários 10 manutenção 11 páteo/refeitório 12 caixa d’água 13 playground 14 área de serviço 15 acesso lateral 16 estacionamento 102 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI EMEI JARDIM JOAMAR capacidade: 8 salas/1280 alunos em 4 turnos área construída: 1250m² área terreno: 5730m² local: Rua Canto do Engenho n° 260 previsão de conclusão: jan/93 - execução CEDEC 1 acesso principal 2 sala de aula 3 diretoria 4 coordenação 5 sala professores/secretaria 6 cozinha 7 despensa 8 alomoxarifado 9 sanitários 10 manutenção 11 páteo/refeitório 12 playgorund 13 área de serviço A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 103 EMEI SAVOY CITY área construída = 1209m2 área do terreno = 2934m2 1 acesso principal 2 sala de aula 3 sanitários 4 diretoria 5 coordenação 6 sala professores 7 secretaria 8 cozinha 9 despensa 10 refeitório 11 galpão 12 acesso 2° pavimento 13 almoxarifado 14 área de serviço 15 caixa d’água 16 playground 104 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI EMEI VILA NOVA CURUÇÁ capacidade: 8 salas/1280 alunos em 4 turnos área construída: 1270m² área terreno: 6970m² local: Rua Alexandre Dias Nogueira n° 100 obra concluída/execução CEDEC 1 acesso principal 2 sala de aula 3 páteo 4 refeitório 5 sanitários 6 cozinha 7 sala professores/coord. pedagógica/secretaria 8 almoxarifado 9 diretoria 10 despensa 11 manutenção 12 área de serviço 13 caixa d’água 14 playground A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 105 EMPG ALTOS DE VILA PRUDENTE capacidade: 12 salas/1920 alunos em 4 turnos área construída: 2250m² (2 pavimentos) área terreno: 6304m² local: Rua Carla Petrela s/ n° projeto em elaboração/CEDEC 1 acesso principal/abrigo 2 sala de aula 3 sanitários 4 cozinha 5 despensa 6 refeitório 7 depósito/manutenção 8 sala uso múltiplo 9 galpão 10 grêmio 11 diretoria 12 coordenação 13 sala professores 14 secretaria 15 almoxarifado 16 dep. educação física 17 biblioteca 18 quadra 106 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI EMPG JARDIM SINHÁ capacidade: 12 salas/1920 alunos em 4 turnos área construída: 2300m² área terreno: 4270m² local: Rua Paris n° 52 obra concluída/execução CEDEC 1 acesso principal/abrigo 2 sala de aula 3 sala multi-uso 4 sala de leitura 5 sala de informática 6 grêmio 7 diretoria 8 coord. pedagógica 9 sala de professores 10 cozinha 11 despensa/depósito 12 sala ed. física 13 sanitários 14 refeitório 15 páteo 16 jardim 17 caixa d’água 18 quadra A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 107 EMPG JARDIM INGÁ / SÃO ROQUE capacidade: 10 salas/1600 alunos em 4 turnos área construída: 1810m² área terreno: 19350m² local: Rua Catarinenses s/ n° projeto concluído/obra sem previsão de início 1 acesso principal 2 sala de aula 3 sanitários 4 páteo 5 cozinha 6 despensa 7 biblioteca 8 diretoria 9 coord. pedagógico 10 sala de professores 11 secretaria 12 almoxarifado 13 manutenção 14 mat. educação física 15 caixa d’água 16 jardim 17 arquibancada 18 quadra 19 palco 20 estacionamento 108 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI EMPG JARDIM SÃO FRANCISCO capacidade: 12 salas/1920 alunos em 4 turnos área construída: 2400m² área terreno: 7930m² local: COHAB Setor 1A – Rua 5 obra iniciada/execução terceiros: fiscalização CEDE 1 acesso principal 2 sala de aula 3 sala multi-uso 4 sala de leitura 5 sala de informática 6 grêmio 7 sanitários 8 circulação 9 jardim 10 páteo 11 refeitório 12 cozinha 13 despensa 14 diretoria 15 secretaria 16 sala de professores 17 coord. pedagógica 18 almoxarifado 19 sala de educação física 20 depósito 21 acesso de funcionários 22 caixa d’água 23 quadra A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 109 EMPG VILA GUILHERME capacidade: 12 salas/1920 alunos em 4 turnos área construída: 2300m² área terreno: 7770m² local: Travessa Simis s/ n° projeto concluído/obra sem previsão de início 1 acesso principal 2 sala de aula 3 sala multi-uso 4 sala de leitura 5 sala de informática 6 grêmio 7 sanitários 8 páteo 9 cozinha 10 refeitório 11 despensa 12 depósito 13 sala de educação física 14 secretaria 15 sala de professores 16 diretoria 17 almoxarifado 18 coord. pedagógico 19 quadra 110 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI CRECHE GLEBA DO PÊSSEGO capacidade: 130 crianças área construída: 830m² área terreno: 2890m² local: Rua 1 com Av. 12 obra em andamento/execução CEDEC 1 acesso principal 2 berçario 3 sala de atividades 4 galpão/refeitório 5 secretaria 6 diretoria 7 cozinha 8 lactário 9 despensa 10 lavanderia 11 zeladoria 12 sanitários 13 almoxarifado 14 depósito 15 caixa d’água 16 playground 17 área de serviço A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 111 CRECHE VILA GUILHERMINA capacidade: 130 crianças área construída: 830m² área terreno: 2790m² local: Rua Lino Cunha s/ n° obra iniciada/execução terceiros: fiscalização CEDEC 1 acesso principal 2 berçário 3 sala de atividades 4 sanitários 5 secretaria 6 diretoria 7 galpão/refeitório 8 cozinha 9 lactário 10 despensa 11 lavanderia 12 depósito 13 zelador 14 almoxarifado 15 playground 16 caixa d’água 17 área de serviço 112 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI ESPAÇO VIVENCIAL DE TRÂNSITO - CETET LESTE área construída: 645m² área terreno: 5900m² local: Rua Vilela n° 573 obra concluída/execução CEDEC 1 acesso principal 2 guarita 3 secretaria 4 coord. 5 sanitários 6 copa 7 almoxarifado 8 reunião 9 monitores 10 micro 11 jogos 12 projeção 13 cantina 14 auditório 15 manutenção 16 garagem 17 pista 18 abrigo A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 113 ESPAÇO VIVENCIAL DE TRÂNSITO - CETET OESTE área construída: 1050m² área terreno: 8600m² local: Av. Marquês de São Vicente n° 2154 obra concluída/execução CEDEC2 1 acesso principal 2 auditório 3 monitores 4 coordenadores 5 secretaria 6 analista 7 reuniões 8 cantina 9 jogos 10 ambulatório 11 administração 12 sanitários 13 projeção 14 garagem 15 manutenção 16 almoxarifado 17 limpeza 18 vigilância 19 pista 20 guarita 114 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI CASA DA TERCEIRA IDADE área construída = 225m2 área do terreno = 1220m2 1 acesso principal 2 sala de múltiplo uso 3 sanitários 4 sala/cozinha 5 dormitório 6 área de serviço 7 caixa d’água A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 115 CASA DA CULTURA área construída = 1445m2 área do terreno = 3790m2 1 acesso principal 2 sotão 3 palco 4 oficina 5 cursos 6 depósito 7 sanitários 8 recepção 9 setor técnico 10 setor administrativo 11 copa/cozinha 12 serviço 13 almoxarifado 14 manutenção 15 lanchonete/cozinha/dispensa 16 artes plásticas 17 acesso 2º pavimento 18 sala de vídeo 19 leitura informal 20 depósito 21 sacada 22 praça 23 caixa d’água 24 abrigo de ônibus 116 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI CASA DE CONVIVÊNCIA HOMENS DA RUA área construída: 345m² área terreno: 445m² local: Av. Alcântara Machado com Rua Placidina s/ n° obra concluída/execução CEDEC 1 acesso principal 2 dormitórios 3 reuniões/cursos 4 administração 5 sanitários 6 guarda-volume 7 cozinha 8 refeitório/galpão 9 área serviços 10 circulação A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 117 HOSPITAL DIA VILA PRUDENTE área construída = 966m2 área do terreno = 1920m2 1 acesso principal 2 hall 3 secretaria 4 diretoria 5 almoxarifado/arquivos 6 reunião 7 sanitários 8 depósito 9 farmácia 10 cozinha 11 despensa 12 lavanderia 13 uso-múltiplo 14 galpão 15 refeitório 16 biblioteca 17 consultório 18 enfermaria 19 sala/grupo 20 caixa d’água 21 jardim 22 praça 118 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI POSTO DE ATENDIMENTO MÉDICO PAM SECKLER área construída (ampliação): 203m² área terreno: 1075m² local: Rua Carlos Mauro n° 150 obra em andamento/execução CEDEC 1 acesso principal 2 sala de espera 3 dentista 4 curativo 5 medicação 6 coleta 7 UVE 8 fono 9 expediente 2 10 psicólogo 11 sala de reunião 12 sanitários 13 caixa d’água/oxigênio A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 119 UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE TRÊS CORAÇÕES área construída: 900m² área terreno: 1440m² local: Rua General José de Oliveira Ramos obra em licitação/fiscalização CEDEC 1 acesso principal 2 espera 3 recepção/matrícula 4 odontologia 5 serviço social 6 educação em saúde 7 consultório pediatria 8 consultório 9 coleta papanicolau 10 consultório ginecologia obstetrícia 11 inalação 12 posto enfermaria 13 T.R.O. 14 vacinação 15 coleta 16 atendimento emergência 17 curativos emergência 18 medicação 19 curativos sépticos 20 expurgo 21 esterilização 22 consultório psicologia 23 sanitários 24 circulação 25 reuniões 26 expediente 27 chefia 28 arquivo 29 distribuição medicamento 30 depósito medicamentos 31 N.E.P.I. 32 depósito administração 33 estar 34 copa/refeitório 35 distribuição materiais/almoxarifado 36 zeladoria 37 área serviço 38 caixa d’água 120 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI PLAYGROUND MINI BALNEÁRIO GARCIA D’ÁVILA área playground = 405m2 1 acesso principal 2 praça 3 trepa-trepa 4 túnel com trepa-trepa 5 escada-árvore 6 palco 7 painel lúdico 8 banco 9 caminho A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 121 PLAYGROUND BALNEÁRIO MÁRIO MORAES área playground = 580m2 1 acesso principal 2 praça 3 trepa-trepa 4 tanque de areia 5 caminho 6 escada-árvore 7 túnel com trepa-trepa 8 piso cimentado 9 “chuveirão” 10 labirinto 122 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI PLAYGROUND C.E.E. AURÉLIO CAMPOS área playground = 670m2 1 acesso principal 2 praça 3 trepa-trepa 4 tanque de areia 5 caminho 6 escada-árvore 7 túnel com trepa-trepa 8 piso cimentado 9 labirinto 10 cavalinho A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 123 PLAYGROUND C.E.E. JOSÉ ERMÍRIO DE MORAES área playground = 634m2 1 acesso principal 2 praça 3 trepa-trepa 4 tanque de areia 5 brinquedo existente 6 caminho 7 túnel com trepa-trepa 8 cavalinho 9 painel lúdico 10 labirinto 11 taturama 12 palco 13 medidor elétrico existente 14 banco 15 piscina existente 124 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI PLAYGROUND CIDADE TIRADENTES área playground = 990m2 1 acesso principal 2 praça 3 trepa-trepa 4 tanque de areia 5 caminho 6 escada-árvore 7 túnel com trepa-trepa 8 piso cimentado 9 labirinto 10 cavalinho A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 125 PLAYGROUND CEL. BRIG. EDUARDO GOMES área playground = 650m2 1 acesso principal 2 praça/escada 3 caminho 4 tanque de areia 5 escorregador de concreto 6 corda de nylon 7 quadra existente 8 cavalinho 9 “chuveirão” 10 túnel com trpa-trepa 11 banco 12 arquibancada existente 126 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI TERMINAL DE ÔNIBUS PARELHEIROS área construída = 88m2 área do terreno = 1500m2 (praça) 1 abrigo de ônibus 2 sanitários 3 guichê 4 caixa d’água 5 bancos 6 praça A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 127 128 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI CONSIDERAÇÕES FINAIS 130 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Se fosse possível resumir em algumas palavras a obra da arquiteta real e dentro dos mecanismos existentes que ela apontava possibilida- Mayumi Watanabe Souza Lima, diria que toda sua vida foi orientada des de atuação e de mudança. em um sentido de formação da consciência crítica para a participação na construção do espaço da democracia. Não é mera coincidência o fato de ter optado por trabalhar com planejamento em órgãos públicos e com atividades de ensino em Todas as atividades envolviam a formação das pessoas – o desen- faculdades de arquitetura e instituições de formação profissional. Ela volvimento de uma consciência crítica da realidade social, econômica via nessas atividades a oportunidade de transformação. Através da cons- e política do país; o perceber-se em relação ao espaço e em relação aos trução do equipamento público, a criação de serviços voltados para a demais; a consciência de que é possível transformar o espaço dessa rea- formação dos cidadãos emancipados. Através do ensino, a formação de lidade. A formação da consciência crítica fornece instrumentos para que profissionais conscientes de sua responsabilidade social e comprometi- as pessoas possam participar ativamente na construção dos espaços da dos com a atuação para a mudança da sociedade. cidade e nas discussões democráticas sobre os rumos desta construção. A forma de atuação de Mayumi é uma espécie de transposição do O ponto de partida é sempre a análise crítica do contexto his- método de alfabetização de Paulo Freire para a construção: enquan- tórico, social, político e econômico. Vivemos numa sociedade de to ele alfabetiza a população a partir da leitura do mundo, Mayumi consumo, baseada no modo de produção capitalista, onde a disciplina ensina a pessoa a ler o espaço ao seu redor, desvelar e problematizar e a alienação (que têm como conseqüência – e objetivo – a passividade as relações dos indivíduos entre si e com o espaço, para então poder dos indivíduos) são instrumentos de manutenção da ordem vigente. transformá-lo. A construção de um objeto ou de um espaço constitui No Brasil, o desenvolvimento foi baseado na exploração do trabalho uma das experiências primeiras e mais completas do ser humano, de um contingente marginalizado de mão de obra barata. A partir dos porque o faz senhor do ato de produzir o novo, capaz de transformar anos 1960, essa população será o foco de atenção da obra da arquiteta. o mundo que o cerca. Mayumi revela a importância de se perceber/ Ao longo de sua carreira, ela se preocupou em entender as carências e compreender o espaço: necessidades populares e, a partir disso, batalhar pela oferta de serviços “O espaço é elemento cheio de significado, que reflete sempre a públicos para a transformação das condições de vida dessa população. história e a cultura de um povo; que revela, no seu uso e na sua Mayumi acreditava numa evolução da sociedade em direção a uma de- disposição, a relação efetiva que está estabelecida entre pessoas mocracia com fundamentos socialistas. Não só acreditava nisso como utopia de um futuro distante, mas trabalhava com muito empenho de maneira a criar os instrumentos de transformação dessa sociedade no presente. Era visionária e ao mesmo tempo possuía sentido prático de transformação de seu entorno cotidiano. É a partir dessa consciência do Conforme depoimento de Mario Souza Lima à autora em 20/10/2008, o casal Souza Lima tinha um certo “preconceito” contra o trabalho do arquiteto em seu escritório particular – não era coerente com a postura política deles trabalhar “fazendo o projeto da casa burguesa”. A questão deles era a construção para as classes populares. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 131 que nele convivem. Enfim, o espaço é um espelho no qual se faz a única”, onde o professor coloca-se como único orador e os alunos leitura de uma sociedade, seus valores, seu sistema social e político, disciplinados apenas assistem ao que o professor fala. Assim sendo, seu desenvolvimento tecnológico.” a qualidade do espaço é entendida não apenas por sua característica física mas também pela maneira como é utilizado. Então, a atividade de Nesse sentido, a atuação do arquiteto ao projetar um espaço nunca projeto reveste-se de uma responsabilidade importante em termos de é neutra. Mayumi possuía uma atuação comprometida com o real, oferecer diversas possibilidades de apropriação por parte dos usuários. onde compreender as contradições existentes na produção e no uso E por isso mesmo Mayumi também se preocupava com a formação dos espaços é condição para o projeto – que por sua vez será sempre das pessoas que ocupariam esses espaços, desenvolvendo diversos tipos um reflexo das condições culturais como um todo (sociais, políticas, de atividades, antes, durante e depois da construção, para incentivar econômicas). o uso e a apropriação do espaço de forma criativa. Criar espaços que Quando Mayumi falava em espaço, não estava se referindo apenas propiciem determinadas experiências de apropriação/destruição e a uma sala com suas quatro paredes. A idéia de espaço incluía também transformação/criação é uma busca constante e coerente do trabalho a forma como ele era ocupado. Ao defender a qualidade do equipa- de Mayumi. mento público, ela não tratava o espaço construído como determinante Anos após a queda da ditadura, ainda não fomos capazes de para a qualidade das atividades a serem desenvolvidas ali, mas entendia educar cidadãos conscientes capazes de participar na construção de que a qualidade do espaço poderia influir positiva ou negativamente uma nova sociedade. Muitos equipamentos públicos continuam nessas atividades. Podemos imaginar o caso de uma sala de aula: se sendo construídos sob critérios meramente quantitativos, onde o for um ambiente escuro e sem ventilação, certamente vai atrapalhar importante é construir mais metros quadrados a um menor preço, o desenvolvimento de atividades de ensino. Por outro lado, uma sala sem preocupar-se com a qualidade real do espaço para a sociedade. bem iluminada, com janelas generosas, pode ser mais agradável. Se Todo o questionamento da arquiteta em relação ao projeto de escolas essa sala tiver abertura direta para a área externa, pode propiciar a e outros equipamentos públicos válido para os dias de hoje. Nesse realização de atividades didáticas ao ar livre, o que seria uma inovação sentido, o estudo de sua obra é fundamental para se repensar a atuação em relação às salas de aula comuns. No entanto, se essa mesma sala do arquiteto na construção de espaços para a educação e de espaço agradável for ocupada por carteiras enfileiradas, seu caráter inovador se para a reflexão sobre a construção. perde e ela refletirá apenas a concepção tradicional de “ensino de mão LIMA, Mayumi W. Souza. Espaços Educativos: uso e construção. Brasília, MEC/CEDATE, 1986, p.11. 132 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI NOTA: É importante retomar algumas características do presente trabalho, que teve como ponto de partida a pesquisa documental do acervo e a realização de entrevistas e, como um dos objetivos, resgatar a trajetória da arquiteta. Ao longo de um ano de consultas ao acervo no Centro Sérgio Buarque de Holanda, na Fundação Perseu Abramo, São Paulo, foram selecionados e digitalizados inúmeros documentos, como subsídio ao trabalho. O produto da pesquisa documental foi organizado e reunido em DVD contendo mais de 300 arquivos de textos, fotos, relatórios, manuscritos, projetos, periódicos, cartas, entre outros documentos. O DVD é uma contribuição para futuros pesquisadores, na reflexão ligada à construção, à educação e à administração pública, e para a divulgação da obra da arquiteta. Ver anexo 3. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 133 134 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI BIBLIOGRAFIA ANAIS do 1º Encontro Nacional sobre edificações e equipamentos escolares. São Paulo, Fundação para o Desenvolvimento da Educação, Instituto dos Arquitetos do Brasil, Instituto de Engenharia, 1994. ARANTES, Otília Beatriz Fiore. O lugar da Arquitetura Depois dos Modernos. São Paulo, Studio Nobel, 1994. ____ . Urbanismo em Fim de Linha. São Paulo, Edusp, 1993. ____ . Arquitetura simulada, e outros estudos sobre a ideologia arquitetônica contemporânea. São Paulo, tese de livre-docência FFLCH/USP, 1992. ARANTES, Pedro Fiore. Arquitetura Nova – Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo, Editora 34, 2002. ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1992. _____. Política e educação popular. São Paulo, Ed. Ática, 1982. _____. A Qualidade do Ensino na Escola Pública. Brasília, Líber Livro, 2006. BENJAMIN, Walter. 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Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 147 “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. 148 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 149 “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. 150 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 151 “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. 152 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 153 “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. 154 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 155 “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. 156 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 157 “Curriculum Vitae”, 1993. Fonte: Acervo Mayumi W. Souza Lima. 158 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI ANEXO 2 CEDEC – MATERIAL DE COMUNICAÇÃO Folder “Cosntruindo a Educação Pública Popular” Secretaria da Educação, PMSP, 1991 Fonte: Acervo MWSL 160 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Folder “Cosntruindo a Educação Pública Popular” Secretaria da Educação, PMSP, 1991 Fonte: Acervo MWSL A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 161 Folder “São Paulo melhor: a contribuição do CEDEC” Cedec/Emurb, São Paulo, 1990-92 Fonte: Acervo MWSL 162 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Folder “São Paulo melhor: a contribuição do CEDEC” Cedec/Emurb, São Paulo, 1990-92 Fonte: Acervo MWSL A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 163 Folder “Estranhos seres invadem o nosso bairro...” Cedec/Emurb, São Paulo, 1990-92 Fonte: Acervo MWSL Folder “Não fiquem por fora...” Cedec/Emurb, São Paulo, 1990-92 Fonte: Acervo MWSL 164 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Folder “Entre: a casa é sua!” Cedec/Emurb, São Paulo, 1990-92 Fonte: Acervo MWSL A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 165 Folder “EMPG Jardim Sinhá” Cedec/Emurb, São Paulo, 1992 Fonte: Acervo MWSL 166 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Folder “EMPG Jardim Sinhá” (verso) Cedec/Emurb, São Paulo, 1992 Fonte: Acervo MWSL A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 167 Folder “EMPG Jardim Robru” Cedec/Emurb, São Paulo, 1991 Fonte: Acervo MWSL 168 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Folder “EMPG Jardim Robru” (verso) Cedec/Emurb, São Paulo, 1991 Fonte: Acervo MWSL A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 169 Folder “EMEI Nova Curuçá” Cedec/Emurb, São Paulo, 1991 Fonte: Acervo MWSL 170 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Folder “EMEI Nova Curuçá” (verso) Cedec/Emurb, São Paulo, 1991 Fonte: Acervo MWSL A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 171 Folder “EMEI Nova Parelheiros” Cedec/Emurb, São Paulo, 1991 Fonte: Acervo MWSL 172 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Folder “EMEI Nova Parelheiros” (verso) Cedec/Emurb, São Paulo, 1991 Fonte: Acervo MWSL A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 173 Folder “Você se educa...” Cedec/Emurb, São Paulo, 1990-92 Fonte: Acervo Odete Tomchinsky 174 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Roteiro para o jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 175 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 176 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 177 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 178 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 179 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 180 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 181 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 182 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 183 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 184 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 185 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 186 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 187 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 188 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 189 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 190 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 191 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 192 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 193 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 194 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 195 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 196 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 197 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 198 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 199 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 200 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 201 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 202 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 203 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 204 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 205 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 206 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 207 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 208 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 209 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 210 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 211 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 212 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 213 Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. 214 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI Jornal interno da fábrica do Cedec, destinado à formação política dos operários. Acervo Marta Grosbaum. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 215 Recado de Mayumi para Marta Gorsbaum, sobre a continuação da estória do Jornal interno da fábrica do Cedec. Acervo MWSL. 216 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI ANEXO 3 ACERVOS DIGITALIZADOS contendo os arquivos digitalizados dos acervos: • Mayumi e Sérgio Souza Lima (Centro Sérgio Buarque de Holanda, Fundação Perseu Abramo, São Paulo) • Marta Grosbaum, São Paulo. • Odete Tomchinsky, São Paulo. dvd 218 CÁSSIA SCHROEDER BUITONI CONTEÚDO DO DVD Ao longo de um ano de visitas à Fundação Perseu Abramo para consulta do Acervo de Mayumi Watabanbe Souza Lima (MWSL), digitalizamos (por scanner ou fotografia) mais de 300 documentos, dentre textos, manuscritos, apostilas, fotografias, relatórios, projetos, etc. Esses arquivos foram organizados por temas e, sempre que possível, em ordem cronológica. Com este levantamento esperamos contribuir para o trabalho de futuros pesquisadores da obra da arquiteta. Foram incorporados alguns documentos (textos, anotações, desenhos técnicos) relativos ao período do Cedec, pertencentes aos acervos pessoais da arquiteta Odete Tomchinsky e da pedagoga Marta Grosbaum, colaboradoras de projetos de Mayumi,que gentilmente cederam o material. A seguir, apresentamos a listagem das pastas e arquivos incluídos no DVD, com a descrição do respectivo conteúdo. Por se tratar de lista extensa, muitos nomes estão abreviados. OBS: Para facilitar a localização do doumento no acervo físico, os arquivos foram nomeados com o prefixo do número da caixa em que se encontram guardados. 01_FORMAÇÃO 01.1_1962-65_MESTRADO unb cx16_MWSL_mestrado-vol1.pdf; cx16_MWSL_mestrado-vol2.pdf LIMA, MWS. Aspectos da habitação urbana: projeto de habitação coletiva para a unidade de vizinhança São Miguel. Dissertação de mestrado. 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S Paulo, 1984 folha de organização do estado para a construção de escolas sobre o caso de Fortaleza (Guarulhos) e de Varginha cx38_MWSL_PG_txt_participcomunitariabrasil.pdf cx40_MWSL_planopesquisa_prodespacoseducativos.pdf cx26_mwsl_pg_relatoriopesq_1988.pdf folha do plano de pesquisa de doutorado Relatório de atividades desenvolvidas no período de 1984 a 1988, relacionados a pós-graduação e ao tema da pesquisa cx51_MWSL_livroAE_txt_escolaconquistapop.pdf cx31_mwsl_pg_trabalhodisciplina_fls863.pdf LIMA, MWS. Liberdade e igualdade: problemas de teoria política contemporânea. Trabalho de doutorado. FEUSP, 1988 LIMA, MWS. texto “A escola como conquista popular e como instrumento de legitimação dos setores dirigentes” cx7_FFLCH_bibliografia.jpg bibliografia de curso da FFLCHUSP cx31_txt_movpopularesurbanos_edisonnunes_greyscale.pdf NUNES, Edson; JACOBI, Pedro. “Movimentos populares urbanos, poder local e conquista da democracia” cx37_FEUSP_ata_qualificacao_MWSL.pdf FEUSP. Ata do “Exame geral de qualificação - nível de doutorado”, 1989 cx38_MWSL_PG_analisetxt_beisiegel.pdf LIMA, MWS. Análise dos textos “Educação e sociedade no Brasil após 1930” e “Ensino público e educação popular” de Celso de Rui Beisiegel, ca.1983 02_docência 02.1_avulsos cx01_ABEA_txt_MWSL_universidade.pdf ABEA. Caderno 4:demandas internas. lixo. cidade moradia. paisagem urbana. informática.exercício profissional . Cadernos ABEA cx01_unb_aulamaior_teoriaarqtt_jan1964.pdf Esquema de aula maior da disciplina Teoria da Arquitetura II cx38_MWSL_PG_analisetxt_paiva_bruneau.pdf cx01_unb_relatorio_2sem_1963.pdf LIMA, MWS. Sobre os textos “Educação de adultos e educação popular” de Vanilda Pereira Paiva e “Igreja e educação popular” de Thomas C. Bruneau, s/d cx04_MWSL_txt_analiseprojetoedificio.pdf cx38_MWSL_PG_analisetxt_paulofreire.pdf LIMA, MWS. Relatório da disciplina Teoria da Arquitetura II LIMA, MWS. Análise de projeto de edificações. Tema para o Simpósio de engenharia Civil da UFSCAR, ca.1987 LIMA, MWS. Sobre os textos “Educação como prática da liberdade” e “Pedagogia do oprimido” de Paulo Freire, s/d cx06_MWSL_ms_projeto.jpg cx38_MWSL_PG_FE_historicoescolar.pdf cx09_MWSL_ms_palestrafauusp_1993.pdf histórico escolar do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de S Paulo, ca.1988 LIMA, MWS. Manuscrito de itens e temas a tratar em palestra dada na FAUUSP, ca.1993 cx38_MWSL_PG_programa_sociologiaeduc_1984.pdf cx11_rinolevi_txt_ensinoarqtt.pdf cx03_FE_qualificacao_celso.pdf calendário do primeiro semestre e programação da disciplina de Sociologia da Educação, ca.1984 comentário de Celso Beisiegel sobre o texto da qualificação cx38_MWSL_PG_trabalho_prof.josealvaromoises.pdf LEVI, Rino. “O ensino da arquitetura”. Conferência realizada na Universdade Mackenzie a convite do grêmio da Faculdade de Arquitetura. 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Texto base da palestra sobre o tema “Produção de equipamentos coletivos” da EESC. São Carlos, 1989 jornal dos alunos do João Kopke “Novo J.K.” Ano I cx43_joakopke_lista alunos.pdf lista dos alunos da EEPG João Kopke MWSL_cx21_quadro_deptoprojeto_01.jpg 02.3_São José dos Campos [FAUSJC, 1972-74] cx43_joakopke_MWSL_ms_levantamento.pdf anotações no quadro do departamento de projeto da FAU cx01_FAUSJ_introdarqtt_programacurso.pdf LIMA, MWS. Manuscrito de levantamento de ambientes sobre a escola João Kopke, ca.1978 MWSL_ms_tecnologiaformacaoarqt.pdf LIMA, MWS. Manuscrito sobre o conhecimento da ciência e da tecnologia do arquiteto LIMA, MWS. Programação para a discplina “Introdução à arquitetura” FAUSJ_MWSL_txt_estruturacao_1972.pdf cx44_sbpc_32reuniao_txt_mwsl_estudoespacoescolar_joaokopke.pdf “Anotações para discussão” – Representação do Departamento de Tecnologia à Comissão de Estruturação da FAUSJC LIMA, MWS. 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Manuscrito com observações e sugestões para o Curso de Edificação para Jovens, 1992 cx35_CEDEC_folder_empg_jdrobru.pdf cx40_reuniao_autoconstrucao_varignha_divineia_fortaleza.pdf cx21_CEDEC_folder_spmelhor.pdf relatório de reunião “reunião sobre 3 experiências de autoconstrução: Varginha, Divinéia e Fortaleza” cx35_CEDEC_folder_estranhos_seres.pdf CEDEC/EMURB. Folder “S Paulo melhor: a contribuição do Cedec” CEDEC/EMURB. Folder Estranhos Seres cx40_varginha_estoria.pdf cx23_24_folder_PMSP_educacao.jpg cx35_CEDEC_folder_inaugura_escola.pdf PMSP. Folder “Construindo a Educação Pública Popular” CEDEC/EMURB. Folder Inauguração escola “Entre: a casa é sua!” cx23_24_PMSP_folder_acasacai.pdf cx35_CEDEC_folder_naofiquefora.pdf PMSP. Folder “Se você não cuida a casa cai...” CEDEC/EMURB. Folder “não fique de fora” cx23_24_PMSP_folder_encontrojovens_vm.pdf cx35_cuadernodesarollolocal_gestaoerundina.pdf folha “proposta de programação de atividades” de Varginha PMSP, SURBES/VM. Folder “Da cidade que temos à cidade que queremos” texto “Erundina a la Alcadia”, Cuaderno de Desarollo Local cx40_varginha_roteiroentrevista_adultos.pdf cx24_edif_contrucaoequipamentososciais_txt.pdf roteiro de entrevista com os adultos para “experiência de auto-construção em Varginha” EDIF. Texto “Reconstruindo a escola” EDIF. Proposta do Orçamento Programa para 1989 Planejamento/Metas e campo de atuação da unidade cx35_MWSL_ms_alfabetizacao.pdf cx40_varginha_txt_solucoesalternativasredefisica.pdf cx24_edif_folder_acasacai folha “soluções alternativas para a rede física - auto-construção no bairro de Varginha” EDIF. Folder “A casa cai”, sobre manutenção de escolas cx42_CEDEC_componentes_equipamentosurbanos.pdf cx52_conesp_processos_autoconstrucao.pdf cx26_prop_SMC_PMSP_erundina.pdf CEDEC/EMURB. Componentes e montagem do sistema construtivo dos equipamentos urbanos. Caderno CEDEC/EMURB. 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Texto para o seminário do CEBATE/MEC. Brasília, 1985 cx15_jornal_alagoas1802076.jpg 05.4_sesc_criancaespacoludico cx15_jornal_alagoas190276.jpg cx10_MWSL_Seminario_sesc_espacoludico_transparencias.pdf LIMA, MWS. Transparências do seminário do SESC. cx10_MWSL_txt_criancaespacoludico.pdf LIMA, MWS. Texto sobre a criança e o espaço lúdico. cx10_SESC_semin_espacoludico_folder.jpg “Técnicos concluíram estudos sobre a educação em Alagoas”. Diário Oficial, 18/02/1976, pág. 5 “Senec analisa os maiores problemas (e suas razões) na educação de Alagoas”. Gazeta de Alagoas, Maceió, 19/02/1976 cx15_jornal_GZN1989.jpg “Livros novos”. A Gazeta da Zona Norte, S Paulo, 02/12/1989 cx15_jornal_JH_180276.jpg Folder Seminário “A criança e a cultura: o espaço lúdico”, SESC-SP, set. 1994 “Equipe apresenta levantamento da educação em AL”. jornal de hoje, Maceió, 18/02/1978 05.5_textos publicados_crianca “Prefeitura implanta rede de creches”. O Vale Paraibano”, 23/03/1977 cx03_txt_MWSL_criancapercepcaoespaco.pdf LIMA, MWS. A criança e a percepção do espaço. Cadernos de pesquisa da Fundação Carlos Chagas. cx06_Abrinq_jornalcrianca_MWSL_txt_1990.pdf LIMA, MWS. “A criança e o espaço urbano”. Jornal da Criança, S Paulo, 1990 cx15_JP_txt_MWSL_jeitoludicobrincar.jpg LIMA, MWS. “Um jeito lúdico de brincar”. Jornal Paulista, n.11081. S Paulo, 16/07/1993, capa cx15_jornal_valeparaibano230377.jpg cx28_revistanoaescola24_1998_projetos.pdf “Não se faz mais escola como antigamente”. Revista Nova Escola, n.24. S Paulo, 09/1988, pág. 12 cx3_ABCI_debatesistconstrutivos_MWSL.pdf LIMA, MWS. Debate sistemas construtivos. Mesa-redonda da ABCI. cx46_MWSL_clipping_trabalhos.pdf FREITAS, Ana Maria.“A cidade não foi feita para elas”. Shopping News - City News - Jornal da Semana, “A Conesp, os projetos e a construção de escolas”. Jornal do IAB, S Paulo, 11/1981, págs. 4-5 “Prefeitura anuncia continuação de ‘obras sociais’ deixadas por Jânio”. Folha de S Paulo, S Paulo, 24/03/1989 decreto legislativo 02 de 29 de março de 1990 da Câmara Municipal de S Paulo “Rio poderá ter escolas construídas em praças”. Jornal do brasil, 22/07/1976, 1° caderno “Murilo recebe a análise dos serviços educacionais”. Jornal de Alagoas, Maceió, 18/02/1976 “A crise dos arquitetos”. O Estado de S Paulo, S Paulo, 09/07/1981, pág.12 6.2_docs_curriculo cx03_PMSP_trabalhosnacogep.jpg Declaração de participação nos trabalhos da COGEP. S Paulo, 1982 cx06_carta_MWSL_GTNM_191292.jpg LIMA, MWS. Carta de desligamento da GTNM. S Paulo, 1992 cx07_MWSL_cadastro_MEC.pdf LIMA, MWS. Cadastro para o MEC. cx15_folder_ISEAU.jpg Folder “I SEAU - seminário de arquitetura, urbanismo e engenharia urbana”. São Carlos, 1993 cx15_MWSL_MEC_declaracaotrabalhos_1974.pdf LIMA, MWS. Declaração para o MEC de trabalhos realizados. Rio de Janeiro, 1974 cx16_MWSL_curriculos_1990a92.pdf Currículo de Mayumi Watanabe de Souza Lima 1990 a 1992 cx23_24_MEC_cadastro.pdf Cadastro de especialistas em educação pré-escolar. cadastro do MEC. Brasília, 1991 cx37_MWSL_curriculum_1993.pdf Curriculum Vitae de Mayumi Watanabe de Souza Lima. S Paulo, 1993 cx39_MWSL_FAU_historicoescolar.pdf LIMA, MWS. Histórico escolar da FAUUSP. S Paulo, ca.1960 cx39_MWSL_naturalizacao.pdf Documento de naturalização brasileira. Rio de Janeiro, 1956 cx39_PMSP_emurb_nomeacaoMWSL.pdf PMSP/EMURB. Titulo de nomeação para o cargo e Diretor da Empresa Munipal de Urbanização - EMURB. S Paulo, 1990 cx44_sbpc_32reuniao_resumos.pdf SBPC. Resumo da 32a reunião so SBPC. S Paulo MWSL_curriculo_rascunho.pdf LIMA, MWS. Manuscrito rascunho do curriculum vitae,1993 06.3_imigracao cx27_minoru_historiaimigracao.pdf Manuscrito com a história da imigração de Minoru Watanabe e Yuri Takao ensino comum, in: ANDE - revista da associação nacional de educação, s/d cx19_txt_caderno_FCC_eepgnegromonte.pdf cx21_ref_txt_educpopular.pdf 06.4_falecimento “Educação popular: a questão do saber”, in: A questão política da educação popular, s/d cx13_carta_freibetto_falecimento.jpg cx26_txt_ref_kowarick_encontro.pdf Carta de Frei Betto a Sérgio, Yuri e Mário sobre o falecimento de Mayumi Watanabe de Souza Lima. S Paulo, 1994 KOWARICK, Lúcio. Os caminhos do encontro. Caderno do CEDEC. S Paulo, 1983 cx13_GTNMfalecimentoMWSL.pdf cx26_txt_ref_tragediaurbanabrasileira.pdf “Mayumi, continuaremos na luta com seu exemplo”. Tortura Nunca Mais, n.5. S Paulo, OUT/NOV 1994, capa Texto “A tragédia urbana brasileira”. cx46_MWSL_clipping_falecimento.pdf bibliografia de referência utilizada no Cedec/Emurb “Missa de sétimo dia”. Diario Nippak, n.11390. S Paulo, 28/10/1994, capa cx37_premen_encontroplanejamento_doc11.pdf 06.5. catalogação de documentos e comprovantes de currículo Da pasta 15 cx38_diederich_27maneirasfugirproblemaeducac.pdf FPA_MWSL_pasta 15.xls cx38_txt_escola_ruimcomela_piorsemela.pdf cx37_EMURB-bibliografia.pdf PREMEN. documento n°11 do encontro nacional de instalações escolares, ca.1973 DIEDERICH, Paulo B. 27 maneiras de fugir dos problemas da educação texto “A escola: ruim com ela, pior sem ela” 07_referencias folhetim_emiliaviotti.pdf [Alguns textos de interesse que estavam nas caixas em meio aos projetos e anotações de Mayumi foram digitalizados. Com esse material tem-se uma pequena idéia do referencial teórico da arquiteta] txt_caminhosalternateducpublica.pdf 07.1_textos do acervo cx01_USPSC_txt_castells_spaceandsociety.pdf “The new historical relationship between space and society”, in: A cross-cultural theory of urban social change cx04_txt_joaohojkine_urbanista.pdf LOJKINE, Jean. “Contribuição para uma teoria da urbanização capitalista”. Cahiers Internationaux de Sociologie, vol.LII, 1972, págs. 123-146 cx06_txt_jamespetras.pdf PETRAS, James. As transformações mundiais: crise e desafio para a esquerda. New York, 1992 cx07_txt_flaviovillaca_terraurbana.pdf VILLAÇA, Flávio. A questão da terra urbana. Manuscrito. cx10_ref_txt_philosophyofplay.pdf SCHILLER, Friedrich. “The philosophy of play”, s/d COSTA, Emilia Viotti. “Liberalismo brasileiro, uma ideologia de tantas caras”. Folhetim, n. 423. S Paulo, 24/02/1985, págs. 6-9 “Caminhos e alternativas para a valorização da escola pública”. S Paulo, 1991 07.2_catalogação de livros do acervo MWSL_livros acervo.doc [catalogação de todos os livros encontrados no acervo MWSL na Fundação] ACERVOS PESSOAIS Incorporamos ao DVD os acervos de duas colaboradoras de Mayumi: a pedagoga Marta Grosbaum e a arquiteta Odete Tomchinsky. Estes acervos contém documentos originais do período do Cedec, dentre os quais destacam-se anotações pessoais, o jornal mural produzido por Mayumi e Marta para os operários da fábrica, os folders das escolas e os cadernos de números 3 e 4 do Cedec, sobre escolas e equipamentos coletivos. cx19_revistaande_txt_beisiegel_ensinocomum.pdf BEISIEGEL, Celso de Rui. Relações entre a quantidade e a qualidade no A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO 225 Livros Grátis ( http://www.livrosgratis.com.br ) Milhares de Livros para Download: Baixar livros de Administração Baixar livros de Agronomia Baixar livros de Arquitetura Baixar livros de Artes Baixar livros de Astronomia Baixar livros de Biologia Geral Baixar livros de Ciência da Computação Baixar livros de Ciência da Informação Baixar livros de Ciência Política Baixar livros de Ciências da Saúde Baixar livros de Comunicação Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE Baixar livros de Defesa civil Baixar livros de Direito Baixar livros de Direitos humanos Baixar livros de Economia Baixar livros de Economia Doméstica Baixar livros de Educação Baixar livros de Educação - Trânsito Baixar livros de Educação Física Baixar livros de Engenharia Aeroespacial Baixar livros de Farmácia Baixar livros de Filosofia Baixar livros de Física Baixar livros de Geociências Baixar livros de Geografia Baixar livros de História Baixar livros de Línguas Baixar livros de Literatura Baixar livros de Literatura de Cordel Baixar livros de Literatura Infantil Baixar livros de Matemática Baixar livros de Medicina Baixar livros de Medicina Veterinária Baixar livros de Meio Ambiente Baixar livros de Meteorologia Baixar Monografias e TCC Baixar livros Multidisciplinar Baixar livros de Música Baixar livros de Psicologia Baixar livros de Química Baixar livros de Saúde Coletiva Baixar livros de Serviço Social Baixar livros de Sociologia Baixar livros de Teologia Baixar livros de Trabalho Baixar livros de Turismo