Resolución Nº 30631/09.7T2SNT.L1.S1.
Tribunal: 6ª Secção - Supremo Tribunal da Justiça.
Magistrado Ponente: SOUSA LEITE .
Lisboa, 09 de fevereiro de 2012.
6ª SECÇÃO Relator: SOUSA LEITE
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
FIRMA
DENOMINAÇÃO SOCIAL
MARCA
REGISTO
I - A prioridade registal entre uma firma ou denominação e uma marca afere-se pela data dos
pedidos referentes ao certificado de admissibilidade da firma ou denominação e ao registo da
marca.
II - A composição de uma marca, através da utilização integral e exclusiva de parte da
denominação de uma firma não pertencente ao titular daquela, e em que tal marca se destina à
publicitação de serviços que constituem o objecto comercial da sociedade a que se reporta a
referida firma, constituem-se como fundamento de anulação da aludida firma.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – AA– SOCIEDADE DE DECORAÇÕES, Ldª veio demandar, no Juízo do Comércio da
comarca da Grande Lisboa-Noroeste,BB, Ldª, alegando, para tal, que, tendo por objecto o
comércio de serviços de decoração e design de interiores, em 29/10/2008 apresentou o pedido
de admissibilidade da firma com que ora se identifica como sua denominação social, o que lhe
foi deferido, vindo o certificado respeitante à referida admissibilidade a ser utilizado na sua
constituição como sociedade, facto que ocorreu por contrato celebrado em 10/11/2009, sendo
certo que, antes daquelas indicadas datas, já as sócias da A utilizavam a expressão “AA” como
marca destinada a assinalar os serviços que prestavam na área da decoração de interiores,
procedendo à sua promoção junto de várias empresas comerciais.
Porém, tendo apresentado, em 02/01/2009, o pedido de registo da referida marca, tomou,
então, conhecimento de que a Ré, em 05/11/2008, havia requerido o registo da marca nacional
n.º 000000, com igual designação, o que lhe fora concedido por despacho de 09/02/2009, e
publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 16/02/2009, pelo que, por tal motivo, o INPI
recusou à A o registo da marca em causa e do respectivo logótipo.
Assim, veio peticionar, que:
Seja anulado o registo da marca nacional n. º 000000 “AA”; e que a Ré seja condenada a
abster-se de usar a expressão “AA”, para designar produtos e serviços idênticos ou afins à
actividade prestada pela A.
Contestando, a Ré veio impugnar os factos alegados pela A, pugnando pela improcedência da
acção.
No prosseguimento da normal tramitação processual, veio, a final, a ser proferida sentença, na
qual a acção foi julgada improcedente, decisão esta integralmente confirmada pela Relação de
Lisboa na sequência de apelação da A, que, inconformada vem, agora, requerer revista do
decidido pela 2ª instância, recurso este que, nos termos do art. 721º-A do CPC, foi admitido
pela decisão da formação constante de fls. 403/409 dos autos.
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Assim, nas conclusões apresentadas na sua minuta, a recorrente vem requerer a prolação de
decisão por este STJ, relativamente à definição do acto que determina a prioridade do registo,
no que respeita a uma denominação social e a uma marca.
Pela recorrida não foi apresentada qualquer resposta.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Da Relação vem dada por assente a seguinte matéria de facto:
“1 - Em 02/01/2009, a A apresentou o pedido de registo do logótipo n. º 0000, "AA, constituído
pela gravura (as letras são de cor preta e o ponto de cor roxa):
AA
2 - E, na mesma data, a A apresentou também um pedido de registo da marca nacional n.
000000, "AA", também caracterizado pela figura referida em (1), que se destina a assinalar
"adesivas (bandas) para papelaria ou para uso doméstico; adesivas (fitas) para papelaria ou
para uso doméstico; adesivos [matérias colantes] para papelaria ou para uso doméstico;
autoadesivas (fitas -) para a papelaria ou para uso doméstico; autocolantes [artigos de
papelaria]; bandas adesivas para papelaria ou para uso doméstico; bandas colantes para
papelaria ou para uso doméstico; colantes (bandas -) para papelaria ou para uso
doméstico; colantes (matérias -) para papelaria ou para uso doméstico; decalcar (tela para -):
decalque (papel para -); decalques; fitas adesivas (distribuidores de -) [artigos de papelaria];
fitas adesivas para papelaria ou para uso doméstico, impressões; papel para decalque; tela
para decalcar" (classe 16); e serviços de"comércio por grosso e a retalho de papel/fita/tela auto
adesiva".
3 - Em 05/11/2008, a Ré requereu o registo da marca nacional n.º 000000, constituída pela
designação "AA", registo que foi concedido por despacho de 09/02/2009 e publicado no Boletim
de Propriedade Industrial de 16/02/2009, para assinalar serviços de "decoração de interiores"
da classe 42, da classificação Internacional de Nice – docs. de folhas 54 a 61.
4 - Ao tomar conhecimento da situação referida em (1) e (2), a Ré reclamou, com fundamento
no facto referido em (3), sendo que, em consequência, o INPI recusou os pedidos da A – docs.
de folhas 44 e ss.
5 - Em 29/10/2008, pelas 11,15 h, a A apresentou um pedido de certificado de admissibilidade
de firma, utilizando a expressão "AA- Sociedade de decorações, Lda", como a sua
denominação social, que foi deferido e após emitido certificado de admissibilidade, em
3/11/2008 - (a) e (b).
6 - As actuais sócias da A, em data anterior a 10/11/2008, começaram a utilizar a expressão
"AA" para identificarem produtos que pretendiam comercializar – (c) e (d).
7 - As actuais sócias da A agiram da forma descrita em (8), junto de entidades comerciais,
realizando sessões de apresentação dos referidos produtos - (e).
8 - As sócias da A contactaram, em Setembro de 2008, a sociedade "CC, LDA", para os fins
referidos em (6) - (g).
9 - As actuais sócias da A contrataram os serviços da empresa Bold Comunicação e Design,
Lda, no âmbito da sua pretensão de comercialização referida em (6) - (h).
10 - As sócias da A contactaram, em 15/10/2008, a sociedade "PROPOSTAS INTEMPORAIS",
para os fins referidos em (6) - (j).
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11 - As sócias da A contactaram a loja El Corte Inglés para os fins referidos em c) e d) - (k).
12 - Pela ap. 33/20081110, mostra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de
Lisboa, com o NIPC000000000, a sociedade AA- Sociedade de Decorações, Lda, da qual são
sócias DD e EE, sendo esta ultima sócia também gerente – doc. Fls. 109 a 111.
III – Temos, pois, e atendendo a que, na presente revista, a recorrente deixou cair um dos dois
fundamentos que havia alegado como causa de pedir da acção, fundamento esse consistente
na utilização de marca livre, perante o caso julgado sobre o mesmo entretanto formado,
apenas há portanto que apreciar o restante fundamento pela mesma aduzido, consistente na
invocada anterioridade do pedido de certificado de admissibilidade da firma por si adoptada,
relativamente ao pedido de registo da marca da Ré.
Com efeito, as instâncias consideraram, que os actos que relevam, para efeitos de prioridade
entre aqueles dois sinais distintivos do comércio, eram, quanto à marca, a data do pedido de
registo apresentado ao INPI, e, no que respeita à denominação social, a data do registo
definitivo da constituição da sociedade a que a mesma se reporta.
Assim, e se relativamente à marca, o seu registo tem natureza constitutiva, uma vez que, só
após a sua efectivação, passa a existir o direito exclusivo do seu titular sobre a mesma – arts.
224º e 258º do CPI (Código da Propriedade Industrial) -, atendendo a que, “com o registo, a
marca torna-se um bem jurídico autonomamente protegido sendo atribuído ao respectivo titular
um direito absoluto, operando, pois, o registo o acertamento de um bem incorpóreo,
exteriorizado por um facto humano, e culminando um longo processo de constituição complexa
de um direito” – Manual de Direito Industrial do Prof. Couto Gonçalves, pág. 218 -, todavia,
análoga situação se verifica no que respeita à natureza constitutiva do registo da firma – arts.
3º e 35º, n.º 1 do RRNPC (diploma integrado no RNPC, onde se contém o regime jurídico
aplicável ao referido sinal distintivo do comércio, e cuja regulamentação se insere no DL n.º
129/98, de 13/05).
E, se é certo, que, deste último nomeado regime jurídico não consta a inserção de qualquer
norma onde se mostrem enunciados os actos que conferem prioridade aos registos relativos
àquela modalidade do direito da propriedade industrial e àquele sinal distintivo do comércio, no
caso dos mesmos se mostrarem em conflitualidade, por confundibilidade, já, por outro lado, e
no que para tal e aqui releva, no art. 4º, n.º 4 do CPI mostra-se expressamente consagrado,
que “os registos de marcas constituem fundamento de recusa ou de anulação de
denominações sociais ou firmas com elas confundíveis, se os pedidos de autorização forem
posteriores aos pedidos de registo”, normativo este, que, apesar de, a priori, dever constar do
regime jurídico do RNPC, não pode deixar de constituir o princípio geral aplicável na situação
objecto dos presentes autos, já que o seu conteúdo se traduz num critério adjuvante a
considerar, por aquela entidade da Direcção-Geral dos Registos e Notariado - art. 2º do DL n.º
129/98 -, na apreciação da verificação do princípio da novidade, relativamente aos pedidos
respeitantes à admissibilidade de uma qualquer firma que lhe sejam apresentados, uma vez
que, e no que respeita a tal juízo de valor, deve, igualmente, ser considerada “a existência de
marcas já concedidas que sejam de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre
a titularidade desse sinal distintivo” – - art. 33º, n.º 5 do RRNPC.
Assim, traduzindo-se o referido princípio da novidade como um dos pressupostos essenciais
para a atribuição do certificado respeitante a tal admissibilidade – arts. 45º, n.º 1 e 78º, n.º 1, al.
c) do RRNPC -, o referido documento, todavia, para além de constituir, não só o primeiro
elemento do processo destinado à efectivação do registo definitivo da pessoa colectiva a que
respeita o aludido sinal distintivo, representa, também, documento indispensável, quer para a
constituição da referida sociedade, quer para a efectivação do registo comercial do contrato a
esta respeitante, quer, ainda, para a inscrição obrigatória da mesma no FCPC – arts. 6º, al. a);
54º, n. º 1; 55º e 56º, n.º 1, al. b) do RRNPC.
Temos, portanto, atenta a apontada função do certificado de admissibilidade da firma na
génese da constituição da sociedade comercial por aquela individualizável nas suas relações
mercantis, que o pedido respeitante à emissão de tal documento – - art. 46º, n.º 1 do RRNPC -
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, como pedido atinente à concessão de autorização da constituição da firma a utilizar no tracto
comercial, e a emitir por parte dos organismos governamentais a quem tal função compete,
assume natureza análoga ao do pedido de registo da marca, pelo que, e embora estando em
causa sinais individualizadores de diferentes elementos característicos da actividade comercial,
mas que se assumem, porém, como passíveis de enquadramento no âmbito geral dos sinais
distintivos do comércio – Propriedade Industrial do Dr. Carlos Olavo, vol. I, pág. 24/29 –
entende-se, de acordo com o preceituado no art. 10º, n.ºs 1 e 2 do CC, e como, aliás, atrás se
referiu, ser de aplicar à situação aqui em causa o princípio geral vertido no art. 4º, n.º 4 do CPI,
de tal modo que, o direito de protecção conferido, quer à marca registada, quer ao registo
definitivo da firma ou denominação, quando confundíveis, assenta a sua prevalência na
anterioridade da formulação de cada um dos mesmos, o que, e no que respeita àquele último,
se consubstancia no pedido relativo ao certificado de admissibilidade da firma ou denominação.
Ora, vindo provado das instâncias, que a A, em 29/10/2008, apresentou um pedido de
certificado de admissibilidade de firma, utilizando a expressão "AA- - Sociedade de
Decorações, Lda", como respeitante à sua denominação social, o que lhe foi deferido, e a que
se seguiu, em 03/11/2008, a emissão do respectivo documento de tal comprovativo - (a) e (b)
-, e que, em 05/11/2008, a Ré requereu o registo da marca nacional n.º 000000, constituída
pela designação "AA", registo este que lhe foi concedido por despacho de 09/02/2009, para
assinalar serviços de "decoração de interiores" - doc. de fls. 54/61 -, torna-se manifesto, não só
que o pedido de autorização da constituição da firma formulado pela A teve lugar em momento
temporal anterior ao do pedido de registo da marca por parte da Ré, como também, que esta
última é integralmente constituída pela expressão que compõe a primeira parte da aludida firma
- "AA" -, sendo, por seu turno, igual a actividade do sector terciário que é desenvolvida pela
firma e os serviços que a aludida marca se destina a publicitar – decoração de interiores.
Assim, e dado que a concessão de direitos de propriedade industrial constitui mera presunção
da existência dos requisitos que presidiram à sua concessão, haverá lugar à anulação do
registo da marca, caso esta constitua a reprodução, integral ou parcial, de uma firma que não
pertença ao respectivo requerente e seja susceptível de induzir o consumidor em erro ou
confusão – arts. 4º, n. º 2, 239º, n. º 2, al. a) e 266º, n. º 1 do CPI.
Temos, portanto, que, perante a factualidade acima exposta, quer quanto aos elementos
constitutivos da firma da A e da marca da Ré, quer pela identidade dos serviços a que tais
sinais comerciais se reportam, torna-se manifesta a impossibilidade do consumidor comum,
perante a apontada dualidade identificativa, de diferenciar a identidade da sociedade que os
presta, o que, dado o conteúdo dos normativos apontados, constitui fundamento para a
anulação da marca em causa.
Procedem, assim, as conclusões da recorrente.
IV - SUMÁRIO
I – A prioridade registral entre uma firma ou denominação e uma marca afere - -se pelas datas
dos pedidos referentes ao certificado de admissibilidade da firma ou denominação e ao do
registo da marca.
II – A composição de uma marca, através da utilização integral e exclusiva de parte da
denominação de uma firma não pertencente ao titular daquela, e em que tal marca se destina à
publicitação de serviços que constituem o objecto comercial da sociedade a que se reporta a
referida firma, constituem-se como fundamento de anulação da aludida marca.
V – Vai, pois, concedida a requerida revista, revogando-se o acórdão da Relação, bem como a
decisão da 1ª instância, e julgando-se, em consequência, a acção procedente, anula-se o
registo da marca nacional n.º 000000 “AA” e condena-se a Ré BB, Ldª a abster-se de usar a
expressão “AA”, para designar produtos e serviços idênticos ou afins à actividade prestada pela
A AA– SOCIEDADE DE DECORAÇÕES, Ldª.
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Custas nas instâncias e neste Supremo pela Ré.
Após o trânsito em julgado da presente decisão, remeta certidão da mesma ao INPI, para os
efeitos constantes do preceituado no art. 356º, n. º 1, al. i) do CPI.
Sousa Leite (Relator)
Salreta Pereira
João Camilo
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