1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS LEIDERENE SOUSA SILVA CRIANÇA E CONSUMO: A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DO CONSUMISMO INFANTIL NO ESPAÇO DA CRECHE. FRANCA 2010 2 LEIDERENE SOUSA SILVA CRIANÇA E CONSUMO: A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DO CONSUMISMO INFANTIL NO ESPAÇO DA CRECHE. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Profª. Drª. Nanci Soares FRANCA 2010 3 LEIDERENE SOUSA SILVA CRIANÇA E CONSUMO: A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DO CONSUMISMO INFANTIL NO ESPAÇO DA CRECHE. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. BANCA EXAMINADORA Presidente:__________________________________________________________ Drª. Nanci Soares, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP. 1º Examinador:_____________________________________________________________ Franca, 28 de Outubro de 2010 4 Dedico a: A minha mãe que foi quem me fez chegar até aqui E ao meu pai pela paciência e por me permitir sonhar. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais grandes responsáveis por cada dia em que estive em Franca, obrigada pelo empenho, apesar das dificuldades de me manterem aqui. Em especial a minha mãe grande mulher, com quem aprendi valores e princípios indestrutíveis. Ao meu querido irmão Leandro meu grande incentivador, que mesmo sem perceber, contribuiu muito para eu ser quem sou. Aos meus familiares que mesmo indiretamente acompanharam o meu desenvolvimento. Ao meu namorado que principalmente no final desta jornada fez tanta diferença na minha vida. Aos meus queridos vizinhos Cidinha e seu Eugênio por me fazerem sentir tão feliz a cada volta para casa. Aos meus amigos que sempre os tive, aos que passaram por mim e tanto contribuíram e que hoje mesmo não preservando os mesmos laços de antes ainda estão em mim em forma de lembrança. Aos amigos que permanecem que tiveram comigo no meu churrasco de despedida e de conquista, quando passei no vestibular, e que me acompanharam mesmo que a distância nesta grande caminhada. Aos veteranos que aqui me receberam, obrigada por serem tão especiais, é imensa a falta que fizeram quando os vi tendo de ir e seguir. Vocês fizeram de Franca minha cidade e da Moradia a minha casa, nunca me esquecerei de cada um. Espero que todos obtenham alegrias pelos caminhos da vida. Aos amigos que fiz e espero cultivar, moradores da Moradia Estudantil, onde morei por três anos e pude aprender a me conhecer e a lidar com muitas dificuldades, mas também vivenciei grandes e inesquecíveis alegrias. A turma do fundão da XXXI turma de Serviço Social, obrigado por serem únicos, por serem do contra e por serem F##A e principalmente por me deixarem fazer parte de um grupo tão heterogêneo e especial. Eu amo vocês! Ao grupo NECRIA pela experiência e aprendizado. A minha orientadora que muito contribuiu para a consolidação deste trabalho, obrigado pelas correções, orientações e apontamentos que fizeram deste um trabalho muito mais rico. 6 Aos funcionários e professores que de alguma forma estiveram lá e realizaram seu trabalho de forma a colaborarem muito para a minha experiência em Franca. A minha supervisora de estágio pelos risos, momentos e principalmente por tudo que me ensinou sendo ela mesma. As amigas que fizeram a loucura de deixar a Moradia e irem morar comigo e a tudo que já passamos juntas, a irmã gêmea que encontrei, aos mais diferentes tipos de pessoas por quem me apaixonei. Mais do que uma formatura, ou fotos de um álbum, já que ambos eu não pretendo ter, eu vou levar comigo coisas que muitas pessoas não conseguem ter em uma vida inteira, ao escrever estas páginas pude perceber que nesse quatro anos eu vive muito, mas muito mais do que resumidamente escrevi aqui, garanto que tenho muitas historias para contar e que as repetirei até o fim de minha vida. Ao escrever um filme muito longo cheio de flashs passou na minha cabeça, cada rosto, cada sorriso, cada Bom Dia ou Boa noite, cada assembléia, brigas, discussão. Enfim todos os choros e os risos hoje são por mim bem vindos, pois me serviram para descobrir e fazer nascer em mim o que antes eu ainda não tinha. Eu os amo por tudo o que fizeram de mim e eu me amo por carregar todos no meu coração. Não foi nada fácil aos 17 anos mudar para uma cidade ao qual nunca tinha nem ouvido falar o nome para morar numa grande casa com outros 85 estudantes, mais de 500 km longe da minha cidade de origem, foi difícil tanto financeiramente, como emocionalmente. Foi dolorido cada aprendizado, cada aula de Serviço Social em mundo tão contraditório. O amadurecimento custou noite de lagrimas, muito medo e no final uma pressa insana de que tudo acabasse, mas não posso negar que viveria tudo de novo se no final fosse esse o resultado. Foi inesquecível, doloroso e prazeroso tudo o que vivi. Um muito obrigado a Franca com quem vivi uma relação de amor e ódio pelos meus quatro anos mais felizes e tristes da minha vida. Carrego na bagagem de volta nada demais, mas em mim o conhecimento e os amigos que fizeram de mim um ser completamente diferente. 7 Na infância você chora, te colocam em frente da TV Trocando as suas raízes por um modo artificial de se viver. Ninguém questiona mais nada, os homens do “poder” agora contam sua piada Onde só eles acham graça, abandonando o povo na desgraça Vidrados na tv, perdendo tempo em vão Ditadura da televisão, ditando as regras, contaminando a nação! O interesse dos “grandes” é imposto de forma sutil Fazendo o pensamento do povo se resumir a algo imbecil: Fofocas, ofensas, pornografias Pornografias, ofensas, fofocas Futilidades ao longo da programação Ditadura da televisão, ditando as regras, contaminando a nação! Numa manhã de Sol, ao ver a luz Você percebe que o seu papel é resistir, não é? Mas o sistema é quem constrói as arapucas E você está prestes a cair Da infância a velhice, modo artificial de se viver Alienação, ainda vivemos aquela velha escravidão. Ditadura da televisão, ditando as regras, contaminando a nação! (Ponto de equilibrio – Ditadura da televisão) 8 SILVA, Leiderene Sousa. Criança e consumo: a atuação do assistente social no enfrentamento do consumismo infantil no espaço da creche. 2010. 93 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Serviço Social) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca. 2010. RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar e refletir a respeito da atuação do profissional do Serviço Social no espaço da creche no âmbito do enfrentamento do consumismo infantil. Na busca pela obtenção do objetivo apresentado, realizamos através de pesquisa bibliográfica e documental o resgate histórico tanto do processo de desenvolvimento dos meios de comunicação de massa no Brasil, como as mudanças referentes à trajetória do Serviço Social e da creche no cenário brasileiro para a compreensão das contribuições histórica na realidade atual. Como parte deste trabalho, fizemos pesquisa de campo em duas instituições infantil do município de Franca-SP e entrevistamos duas profissionais do Serviço Social, buscando adquirir contribuições para o debate da intervenção profissional, problematizando a atuação do assistente social na creche e sua dimensão política na apreensão das complexidades da relação entre a criança e o consumismo no campo da desmistificação da sociedade do espetáculo e do consumo em massa. Foi possível apreender a indispensável relação desta problemática com a ordem societária vigente e a necessidade do Serviço Social se apropriar deste espaço de discussão indo de encontro com o próprio Projeto Ético Político da categoria. Palavras- chave: Consumismo infantil. Creche. Assistente social. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 CONSUMISMO INFANTIL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DA ATUAL CONSOLIDAÇÃO DA REPRODUÇÃO DO CONSUMO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA ............................. 13 1.1 O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a cultura do consumo no Brasil................................................................................................................................. 14 1.2 A criança e a sociedade do espetáculo ......................................................................... 21 1.3 Consumismo infantil e a publicidade dirigida a criança .............................................27 CAPÍTULO 2 O SERVIÇO SOCIAL E A CRECHE: UMA TRAJETÓRIA DE MUDANÇAS E UM EXTENSO CAMINHO À CAMINHAR .............. 32 2.1 A educação infantil e a problematização do consumismo: uma possibilidade de trabalho .......................................................................................................................... 33 2.2 Breve evolução histórica da instituição infantil no Brasil ......................................... 37 2.3 A construção do Serviço Social na sociedade capitalista .......................................... 46 2.4 O assistente social e a creche na contemporaneidade: um debate a cerca do trabalho profissional do serviço social ....................................................................................... 56 CAPÍTULO 3 PESQUISA DE CAMPO ........................................................................... 3.1 Procedimentos Metodológicos ..................................................................................... 3.2 Universo da pesquisa .................................................................................................... 3.3 Análise das entrevistas ................................................................................................. 3.3.1 Consumismo infantil no espaço da creche ................................................................. . 3.3.2 O trabalho do profissional do Serviço Social na creche ............................................. 61 62 65 68 68 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 81 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 85 APÊNDICES ..................................................................................................................... 92 10 INTRODUÇÃO 11 Este trabalho pretende abordar e apresentar elementos para a construção da problemática em torno do trabalho do assistente social no enfrentamento ao consumismo infantil no espaço da creche, ressaltando a possibilidade das suas contribuições e a aproximação da categoria com a temática. O tema surgiu a partir da observação da própria realidade e da clara reprodução das formas de consumo dos dias atuais vivenciadas desde a infância, através do comportamento visível da supervalorização do ter e do reconhecimento de determinadas marcas e a preferência em obtê-las, esta situação foi observada em diferentes espaços ocupados por crianças. Tendo em vista este contexto apreendido em situações casuais do cotidiano, surgiu o interesse em estudar inicialmente o papel dos meios de comunicação de massa e mais profundamente a sua relação com a infância para posteriormente centralizar os estudos na abordagem da publicidade infantil. Para isso pesquisamos primeiramente como se deu o processo de instalação e o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa no Brasil, a fim de traçar uma leitura histórica da realidade e da formação dos grandes monopólios da comunicação existentes na atual conjuntura brasileira. Em um segundo momento, nos preocupamos em estudar de que forma o profissional do Serviço Social iria se apropriar desta temática, devido ao interesse em estudar o trabalho do assistente social em creches houve uma convergência para que o objetivo da pesquisa se definisse, mas para isso nos atemos em pesquisar a construção tanto da profissão do assistente social como do surgimento das creches numa perspectiva de totalidade para a formação de um olhar diante da representação dos papeis de ambos na contemporaneidade. Nos propomos a realizar uma breve analise do consumismo infantil e sua conjuntura na sociedade neoliberal, nos pautando em bibliografias especificas da área e contando com a participação em eventos e com as contribuições de filmes e documentários. A partir do objetivo central da pesquisa nos voltamos a buscar a compreensão para outros assuntos pertinentes ao tema, nos preocupando em investigar diferentes formas de se olhar o consumismo infantil e de compreender o papel do assistente social na perspectiva de embate a ele, não como um profissional isolado, mas ressaltando a importância dele se posicionar diante da realidade e de trabalhar em conjunto com outros profissionais e com as famílias de modo a estabelecer a construção de um conhecimento político em torno das discussões abordadas. No primeiro capítulo apresentamos uma breve trajetória do desenvolvimento dos meios de comunicação, desde os primeiros impressos chegando ao auge da indústria cultural 12 globalizada, até as formas mais complexas de interação da mídia obtidas hoje, analisamos também as diferentes formas em que o conceito de criança e infância foram alteradas através dos séculos, passando pelo Código de Menores até a conquista do Estatuto da Criança e do Adolescente e seus avanços. Concluímos o primeiro capitulo em uma síntese da atual relação da mídia com a infância, apontando assim o interesse e as formas de proteção existentes no mercado da propaganda brasileira. No segundo capítulo abordamos a trajetória da profissão do serviço social e o processo de politização ao qual faz parte da identidade da profissão. Abordamos a creche desde a sua inexistência e a negação do estado, passando posteriormente pelo período de concessões na finalidade de conter as exigências da classe trabalhadora até um contexto de mobilização e manifestações para a conquista e a garantia ao direito a creche. Encerramos o capítulo articulando o trabalho do assistente social na creche e os desafios existentes na contemporaneidade. No terceiro capítulo traçamos a metodologia da pesquisa de campo e sua análise, a fim de confrontar a realidade apresentada pelas entrevistas em nosso universo de pesquisa e a pesquisa teórica até então explanada. A pesquisa de campo trouxe um rico conhecimento ao trabalho garantindo a aproximação efetiva ao objeto de estudo o que foi muito válido e satisfatório, já que partimos de falas reais para um debate em torno delas. Pretendemos traçar um debate contemporâneo que não diz respeito somente a uma categoria profissional, acreditamos que muito ainda deve ser estudado sobre este assunto e que outras profissões devem contribuir, assim como toda a sociedade de forma geral que se preocupa com o futuro que construímos no hoje, nos valores que transmitimos a nossas crianças e ao nosso posicionamento diante da alienação reproduzida nos espaço de educação. 13 CAPÍTULO 1 CONSUMISMO INFANTIL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DA ATUAL CONSOLIDAÇÃO DA REPRODUÇÃO DO CONSUMO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA. ... A TV tem bons programas pra quem quiser estudar, mas passam de madrugada antes do galo cantar hora que os jovens de hoje nem pensam em acordar. (Os jovens de hoje em dia e a influência da TV- José Acaci) 14 Os meios de comunicação de massa desempenham um papel de destaque na sociedade contemporânea, sendo eles utilizados não só como meio de circulação de informações e notícias como para entretenimento e formação de opinião. A mídia em si exerce um poder influenciador sobre seus expectadores, sendo alvo de discussões e questionamentos presentes em diferentes linhas de estudos teóricos. Não há como negar o avanço alcançado atualmente no século XXI pelas sociedades em matéria de tecnologias e desenvolvimento industrial, porém neste trabalho nos posicionaremos no debate em torno das mídias e a sua relação com a propagação do consumo em excesso, entendendo este como um fenômeno presente na sociedade moderna. Diante de uma temática tão ampla nos ocuparemos em trazer essa discussão para o âmbito da infância, que também se encontra consumista, em uma perspectiva política debruçada na crítica da função da propaganda para crianças. 1.1 O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a cultura do consumo no Brasil A comunicação é fundamental para o desenvolvimento do homem, pois com ela é possível transmitir pensamentos, idéias, crenças e conhecimento. O homem passou por constantes transformações históricas até conquistar o nível de desenvolvimento alcançado pelos meios de comunicação nos dias atuais, a informação pode ser transmitida através de aparatos técnicos e eletrônicos com velocidade e qualidade. Mas este trabalho não pretende apenas discutir e analisar os meios de comunicação através do prisma do desenvolvimento da capacidade de informação, mas sim numa ótica crítica da função mercadológica assumida por estes. Segundo Scavone (1975) a comunicação “... se constitui de símbolos, que surgem em função das relações sociais características em quaisquer sociedades”(p.9). E é dentro da sociedade de produção capitalista, dada através de antagonismos e luta de classes que os meios de comunicação de massa participam e contribuem no contexto da relação capital X trabalho em um determinado contexto sócio-histórico. Para Emery (1973), a história do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa se inicia a partir da luta dos homens pelo direito a liberdade de falar e escrever livremente e a circulação das informações ao grande público. E completa: 15 Há cinco séculos a imprensa começou a revolucionar a capacidade humana de transmitir informações e comunicar idéias. No entanto, a partir do momento em que Johann Guttenberg introduziu o tipo móvel no mundo ocidental, em 1440, na Alemanha, foram levantadas barreiras contra a sua utilização como meios de influenciar a opinião pública, através de um livre fluxo de informações e idéias. (p.43) Segundo Sousa (1996) a imprensa moderna surge com Guttemberg através do manejo de materiais que já eram utilizados para impressão na Coréia, mas a grande novidade desenvolvida por ele “era imprimir com tipos móveis de metal de modo que pudessem ser usados interminavelmente em muito serviços. O resultado foi uma máquina para rápida duplicação da escrita”. Através dos tipos móveis a população pôde usufruir da velocidade na fabricação dos impressos com o aumento e a rapidez com que se imprimia, contribuindo assim para uma distribuição mais abrangente das notícias e outros tipos de informações. De acordo com Sousa (1996) com os grandes descobrimentos, houve a necessidade de comunicação entre as metrópoles européias e o ultramar. Nasceram as “cartas noticiosas” dos navegadores, que as utilizavam para a transmissão de notícias de interesses do comércio durante todo o século XV. Havendo desde então um estímulo para o fluxo de informações, diante da necessidade em se comunicar de diferentes lugares do mundo. Para Sousa (1996) a imprensa com o passar das décadas foi se apropriando de técnicas de aprimoramento e se desenvolvendo, sendo criados posteriormente, em diferentes épocas diversos tipos de publicações com a função de difundir notícias, assim como os Corantos no século XVII e alguns jornais de notícias no século XVIII. Para Bosi (1972) “Entre 1830 e 1840 existiam periódicos políticos para os trabalhadores de divulgação cultural, religiosos. Já a partir de 1840 há uma forte invasão da industria de ficção”. (p.63) Com o desenvolvimento da indústria gráfica, da própria sociedade e seu interesse pelas notícias que começavam a circular com maior freqüência e alcance, foi possível a criação de outras formas de materiais de circulação popular. Bosi (1972) ainda completa a respeito da propagação do jornal, da informação e das publicações dos folhetins: O jornal começa a existir como veículo indispensável de comunicação e de persuasão [...] A corte, a igreja, e mesmo a Universidade deixam de ser os focos absolutos de informação e de interpretação da realidade histórica. Esta se irradia nas noticias e nos editoriais jornalísticos e nos artigos vivos e não raro, polêmica, das revistas. Por outro lado, uma certa <<psicologia dos sentimentos>>, uma certa >>filosofia de vida<< filtram-se nos romances de 16 folhetim, nas histórias morais e religiosas para os jovens. (BOSI, 1972, p. 64) Para a autora a crescente popularização dos jornais trouxe a possibilidade de uma maior democratização das informações, abrindo outros espaços de possibilidades com um alcance significativo para outras camadas da população, mas que este carrega em si um outro lado que ela adverte, já que o considera um veículo de persuasão e a propagação da formação de uma nova forma de cultura. No Brasil, é possível ressaltar que as grandes transformações voltadas à cultura ocorreram durante e após a chegada da família Real no país, segundo Cesnik e Beltrame (2005): De 1808 a 1929 foi possível promover investimentos no setor cultural em igualdade de condições com outros setores da economia. Partiu-se do zero e começa-se por um interesse de Dom João VI em criar condições para habitação da Corte Portuguesa recém-transferida para o Brasil (CESNIK; BELTRAME, 2005, p.149) Foi neste período em que foi lançado o primeiro livro no país e a inauguração da primeira biblioteca entre outras atividades voltadas para o estímulo da propagação cultural, como a Ópera Nacional, dentre outros. Mas de maneira ainda muito privada e restrita a corte e a elite ligada a ela, eram quem financiavam e se apropriavam deste setor do país. Ou seja, com a vinda da família Real ao Brasil viu-se a necessidade da produção de cultura no país, mas esta era concentrada na elite e nos padrões europeus, aos quais a corte portuguesa estava familiarizada. Com o passar das décadas a intensificação e a expansão dos meios de comunicação de massa no Brasil e a industrialização da cultura evoluíram atreladas ao processo de desenvolvimento urbano-industrial da sociedade moderna. Os jornais, os folhetins, as revistas e mais adiante o surgimento do rádio foram importantes elementos para a formulação de novas formas de culturas que aos poucos se tornaram familiarizadas ao Brasil e a sua forma de lidar com a realidade do país, foram surgindo uma gama de programações diversificadas voltadas para públicos cada vez mais específicos e se intensificando a visão de mercado diante dos meios de comunicação. O seu desenvolvimento envolveu um processo de transformação cultural e sua ascensão foi acompanhada do declínio da influencia das crenças religiosas e de uma série de inovações técnicas, associadas à produção de materiais impressos, codificação da informação e produção de formas simbólicas de comunicação. 17 “A indústria permite a reprodução em série das coisas, de cópias idênticas, em um espaço de tempo muito curto, de produtos destinados a abastecer grande parte dos setores da cultura.”(CESNICK; BELTRAME, 2005, p.34.) O Termo “cultura de massa” surge na década de 20 para definir os meios de comunicação e informação que eram utilizados na perspectiva de atingir o maior número de pessoas ao mesmo tempo sem nenhuma distinção, de maneira homogênea, independente de suas diferenças culturais, sendo assim criando uma verdadeira massa em torno de uma mesma cultura. Diferente da cultura elitista até então preservada entre as classes mais altas e divulgada de maneira restrita, a cultura de massa visava o contrário, ela buscava atingir todo o resto da população que se encontra até então dispersa em diferentes formas culturais, partindo para a perspectiva da união e consolidação da divulgação de uma cultura única midiatizada. Na década de 20 surgiram diferentes tipos de manifestações de cultura de massa com o rádio e uma maior influência da música e da criação de bandas e novos estilos musicais, assim como a música ligeira, houve transformações no mundo do cinema e a literatura com seus romances policiais e a banda desenhada, que eram os quadrinhos que fizeram bastante sucesso no Brasil. Para Scavone (1975, p. 10) “... na cultura de massa o estilo da criação é determinado pelos padrões de produção e consumo em massa, dirigido, unilateralmente, do produtor para o consumidor”. Ou seja, para a autora não existe participação direta do receptor que recebe a programação veiculada em sua casa de maneira individual, não necessitando de um contato com outras pessoas além do objeto de transmissão. Tendo em vista a industrialização da cultura e o aumento significativo da participação dos meios de comunicação de massa no cotidiano da sociedade, esta mesma sofreu alterações que impactaram as suas formas de relações com o consumo, assim como enfatiza Caldas (1986, p.9) “A cultura de massa mudou inteiramente o estilo de vida das pessoas, revolucionando comportamentos e criando as mais variadas alternativas para o consumo de objetos e produtos culturais” A escola de Frankfurt, que muito contribuiu para a discussão aqui proposta, composta por Adorno e Horkheimer, entre outros, diante da expansão dos meios de comunicação de massa formularam o conceito de “indústria cultural”, como um mecanismo industrial que possui todas as características da indústria moderna e que se utiliza dos meios de comunicação de massa para ditar uma sociedade do consumo e salientar a ideologia dominante. 18 Para Thompson (1995), Adorno considerava a indústria cultural extremamente manipulativa, suas relações eram baseadas em negócios com fins comerciais, possuía uma influência em isolar as pessoas e as suas capacidades racionais ao submetê-las incansavelmente à publicidade e a ideologia do consumo, a liberdade de escolha não passaria de pura ilusão, são criadas necessidades que não partem do homem, mas de uma ideologia externa a ele. Assim, a felicidade e os valores dos indivíduos passam a ser condicionados pela ideologia da indústria cultural, os homens passam a ser meros objetos diante dela, submetidos incansavelmente à publicidade e ao sonho de alcançar o desejo de consumir os produtos por ele assistido. A cultura deixa de ser entendida como desenvolvimento com a crise de 1929 e passa a ser considerada ferramenta de propaganda e um dos elementos da cena política a partir da ditadura Vargas em 1930, mais intensamente, a partir de 1937 com a constituição imposta por Getúlio, “A Polaquinha”, só para lembrar dos veios facistas do ex-presidente.(CESNIK; BELTRAME, 2005, p.150) Os meios de comunicação de massa, principalmente o rádio no Brasil, tiveram grande participação política, como se pôde observar no governo de Getúlio Vargas, pois era através deste veículo de informação que se transmitiram discursos do presidente. O rádio assumiu um papel de destaque entre a população e em períodos importantes no pós 30 como no regime ditatorial, o Estado Novo, instaurado pelo governo Vargas em 1937. A imprensa participou de divulgações políticas no período consagrando o presidente populista como o “pai dos pobres”. Getúlio permaneceu no poder até 1945. Na década de 1950, o período do desenvolvimentismo no Brasil, governo de Juscelino Kubitschek, mobilizou diversos setores do país na busca por modernizar e avançar para uma inserção mais profunda nos marcos do modo de produção capitalista, já desenvolvido em países de Primeiro Mundo. O consumo industrial de massa no Brasil foi acelerado pelo governo de J.K., indo de encontro com um processo que já estava em curso há algumas décadas. A partir de 1964, no período da Ditadura Militar1 o Brasil assume um novo ideal político-econômico e passa a buscar a formação de um Estado centralizado, mas com abertura a um contingente de empresas estrangeiras e a adoção e apelo ao consumismo. No período da Ditadura Militar, os meios de comunicação de massa passaram por um período de repressão e luta pela liberdade de imprensa, muitos assuntos eram vetados pelo 1 A Ditadura Militar consiste em um período em que o Brasil foi governado pelos militares, caracterizada pela falta de democracia e censura, foi instaurada após um golpe no ano de 1964 e durou até 1985. 19 Estado, sendo assim, assuntos políticos ou que iam contra a ordem vigente eram proibidos de serem veiculados e os seus autores cassados e punidos. Porém muitos dos meios de comunicação, como a televisão, neste período serviram como difusor da ideologia dominante, servindo aos interesses dos militares. Como no caso da empresa de televisão da família Marinho, a TV Globo, que surgiu no ano de 1965, logo após o golpe militar e se consolidou enquanto líder de audiência também neste período, atendendo e servindo aos critérios do regime ditatorial e ao mesmo tempo se tornando líder no gosto popular. A televisão ocupou um papel de destaque no período da Ditadura Militar, tanto na consolidação do golpe e permanência por 21 anos, como com o seu fim e o processo de redemocratização do país. A mídia neste processo histórico conquistou um espaço central para o povo brasileiro que desenvolveu o habito de ter principalmente a televisão como fonte para informações sobre diferentes assuntos, além de também oferecer entretenimento. Com isso a comunicação de massa e o consumismo foram paulatinamente se consagrando no cenário ideológico e político, intimamente atrelados ao processo histórico do país, contando com a formação de um Estado centralizado a partir de 1964, a ideologia de modernização, o milagre econômico, o desenvolvimento das relações capitalistas e investimentos internacionais que já existiam em governos anteriores, mas que se intensificaram, neste cenário que se perpassa a expansão dos meios de comunicação no Brasil, num sistema de produção em que grandes empresas assumem o monopólio da difusão das informações transmitidas. Esta centralidade encontra-se marcante até os dias atuais. Os meios de comunicação de massa vão aparecer, então, num intricado sistema de produção, centralizados em poucas redes, e nas regiões mais desenvolvidas, difundindo informações para o conjunto do país, de uma forma homogênia e coesa. É neste contexto que tem sentido falar em comunicação de massa no Brasil. A centralização da produção cultural em poucas empresas situadas nas grandes cidades, daí irradiando, em nível nacional as mesmas mensagens, tende a configurar no Brasil uma cultura de massa que vai levar às mais longínquas regiões, sejam rurais ou urbanas os padrões da nova sociedade urbano-industrial em formação (SCAVONE, 1975, p. 42). Nas décadas de 80 e 90 os programas de televisão se tornaram parte da família brasileira, a televisão passou a exercer cada vez mais uma forte influência entre o senso comum, os programas de auditório, as novelas, os reality show´s se tornaram líderes de audiência e se consolidaram no gosto popular, segundo dados do Censo Demográfico do 20 IBGE, o número de aparelhos de TV foi aumentando cada vez mais nos domicílios brasileiros: A despeito da rápida difusão do rádio, o crescimento dos aparelhos de televisão nos domicílios foi ainda mais significativo. Em 1960, menos de 5% dos domicílios tinham acesso à televisão. Este número pulou para 24% em 1970, 56% em 1980, 80% em 1991 e 87% em 2000. Em números absolutos houve um salto dos domicílios com televisão de 0,6 milhão em 1960 para 39 milhões em 2000. Outra mudança importante é que no começo do período prevaleciam as televisões em preto e branco e, no ano 2000, as televisões coloridas eram amplamente majoritárias. (ALVES, p. 29,2004) Atualmente, existe uma rede de informações intensa composta por diversos meios de comunicações, pois o homem moderno busca conhecer e se informar sobre assuntos do mundo todo, mas é necessário reconhecê-los como meios políticos que se posicionam diante dos fatos, os meios de comunicação de massa não são necessariamente neutros ou imparciais, estes atribuem idéias e julgamentos de valores às coisas, pessoas e situações. É através dos meios de comunicação de massa que os produtos de consumo são anunciados, em sua maioria não de forma objetiva e clara, mas de maneira convincente se utilizando de métodos subjetivos, buscando despertar desejos e vontade de comprar, não pela necessidade de se obter o que se precisa, mas pelo desejo em alcançar status, é esta a função da publicidade na nossa perspectiva: criar/despertar objetos de desejos. No Brasil como em outros países existem normas que tratam da publicidade, sua regulamentação e os direitos dos seus consumidores, como o Código de Defesa do Consumidor, reconhecido e elaborado por determinação da Constituição Federal de 1988 e instituído pela Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, a fim de assegurar a proteção do direito do consumidor e estabelecer as relações comerciais de consumo. A publicidade no Brasil é auto-regulamentada pelo Conselho Nacional de AutoRegulamentação Publicitária, o CONAR, que desempenha a função de estabelecer e se fazer cumprir as normas dispostas no Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, aprovado em 1978 pelo III Congresso Brasileiro de Propaganda2. Se alguma publicidade é entendida pelo CONAR como desrespeitosa a alguma de suas normas, esta recebe punições, sendo até mesma retirada ou proibida de entrar em circulação nos veículos midiáticos. Encontramos estímulos ao consumo de diversas formas, é possível encontrar as mesmas marcas e propagandas em diferentes veículos de comunicação, nossa sociedade 2 O CONAR é uma Organização Não Governamental custeada pelas agências de publicidades que surgiu diante de uma ameaça a liberdade da propaganda, mais informações online. 21 encontra-se cercada pela globalização dos produtos de consumo e da incessante necessidade em obtê-los, os meios de comunicação de massa hoje, contribuem para a divulgação publicitária de objetos ideais, vinculados a grandes monopólios, que vendem não só um produto, mas uma fórmula para se alcançar um padrão de vida. Monopólios estes forjados dentro de um contexto histórico pautado na centralização do Estado e na concessão de privilégios e troca de favores. Assim podemos observar a apropriação da publicidade à falsa idéia de inclusão, muitas vezes perversa, que busca vender ao seu cliente mais que um produto e sim a idéia da mudança que aquele produto pode fazer a sua realidade, não levando em consideração o fato de apenas introduzir mais um consumidor no mercado e na busca pelo fim da invisibilidade, que segundo é pregado, a visibilidade enquanto cidadão e sujeito são adquiridos através do consumo de produtos de alto padrão. É necessário um olhar crítico ao simples ato de folhear uma revista ou assistir a um programa de televisão, que é interrompido diversas vezes com seus comerciais. Para isso é importante compreender como se consolidou a mídia no nosso país para entendermos o que ela representa nos dias atuais, o processo histórico aqui resumidamente traçado não busca identificar vilões ou fazer uma leitura maniqueísta da história, mas utilizar o passado como fonte para uma possível análise do presente. 1.2 – A criança e a sociedade do espetáculo. Durante séculos a criança ocupou um papel meramente insignificante dentro das sociedades, vista apenas como um adulto em miniatura ou como um ser humano preso a uma fase da vida que deve ser superada o quanto antes. A mentalidade das sociedades foi se modificando através de um lento processo que atualmente se encontra consolidado através de políticas e legislações em defesa e pelo reconhecimento da infância enquanto período de desenvolvimento e de responsabilidade não só da família, como também do Estado e da sociedade de forma geral. O processo pelo qual toda criança passa é intrínseco a condição do desenvolvimento da existência humana, ou seja, todos nós para nos tornarmos adultos teremos de passar pela condição de sermos crianças, ela compreende um processo no qual estamos submetidos a vivenciar, mas que se dá não como uma fase unicamente biológica, mas como uma construção social e historicamente construída. 22 “Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo”.(ARIES, 1986, p.50). Demorou-se para as sociedades desenvolverem uma preocupação voltada unicamente para suas crianças até mesmo por uma falta de cultura e estrutura social, levando em consideração a mortalidade infantil que era elevada e não havia nem mesmo a efetivação da criação de laços de afeto entre elas e seus cuidadores e procriadores. É a partir do século XVI que começa a se consolidar o interesse na subjetividade da criança, através de diversas alterações históricas como o reconhecimento das suas especificidades e a diminuição da taxa de mortalidade infantil aproximando mais os adultos das crianças, contudo o percurso entre este reconhecimento e a efetivação de um olhar objetivamente consolidado foi tecido no decorrer do processo histórico e na dinâmica das transformações sociais na qual as crianças e suas famílias se encontravam inseridas. Para Áries (1986): A descoberta da infância começou sem duvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na historia da arte e na iconografiados séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII. (1986, p.65). No Brasil, as crianças durante um longo período não recebiam nenhuma atenção especial, as crianças negras, filhos de escravos, eram vendidos e concebidos como mercadorias e força de trabalho desde muito novos. Segundo Áries (1986) assim que as crianças pudessem sobreviver sem a ajuda de suas mães ou amas, por volta dos sete anos de idade, estas já eram preparadas para a vida como adultos, só havendo um certo reconhecimento da infância após séculos de seu não reconhecimento. Somente no início do século XVI, nas camadas altas, é que os educadores renascentistas começavam a considerar a criança como uma criatura especial, com diferentes necessidades, requerendo uma separação protetora do mundo adulto. Nas camadas baixas, porém, elas continuaram a fazer parte do mundo adulto até fim do século XIX, na Europa e até hoje em muitas regiões do mundo. (BRASIL, 1987, p. 10) Em 1726 como medida de assistência à infância surgiu em Salvador à primeira roda dos expostos no Brasil, depois destas ainda foram instaladas outras como no Rio de Janeiro e em Recife, somando no total treze rodas, criadas em períodos diferentes, com a finalidade de 23 receber e cuidar de crianças que eram abandonadas. A roda dos expostos já existia em outros países e sua finalidade era cuidar e algumas vezes ao menos batizar as crianças antes que morressem. A Igreja Católica exercia muita influência nesta sociedade, com isso era freqüente a doação de esmolas em prol dos expostos, homens e mulheres caridosos a fim de salvar suas almas e garantir sua entrada no “reino dos céus”. No decorrer do século seguinte surgiram inúmeras instituições voltadas para o atendimento de crianças e a proteção da infância, cada vez mais os leigos participavam da causa, a criança era vista como um ser fraco e dependente, necessitando então de quem o protegesse. O assistencialismo e a filantropia tomaram conta das questões que perpassam o universo das crianças enjeitadas, a sociedade buscava participar dos cuidados referentes à infância. A idéia do recebimento de favor em detrimento da noção do direito mostra a inexistência de política de assistência pública como um direito da criança e um dever do Estado. Segundo Kramer (1982) os recursos destinados à assistência social e educacional foram sempre muito escassos, voltando-se mais aos problemas da sociedade. Associações religiosas e organizações legais, bem como médicos, educadores e leigos eram solicitados a realizar juntos com o setor público a proteção e o atendimento à infância, com a direção e alguma subvenção deste último. Se desde o século XVII a assistência social privada, principalmente a católica, precedeu a ação oficial do Brasil, a partir da década de 1930 o Estado assumiu essa atribuição e convocou indivíduos isolados e associações particulares a colaborarem financeiramente com as instituições destinadas à proteção da infância. O autor citado acima salienta, que em 1940, surgiu o Departamento Nacional da Criança - DNC, vinculado ao Ministério da Saúde e destinado a coordenar as atividades nacionais relativas à proteção da infância, da maternidade e da adolescência. Tinha como objetivo unificar os serviços relativos não só a higiene da maternidade e da infância, como também a assistência social de ambos. Fiscalizava, ainda, as instituições existentes por todo o país. Tendo em vista à infância, adolescência e a legislação brasileira, em 1927 foi decretado no Brasil um Código de Menores voltado para crianças e adolescentes, mas em caráter discriminatório já que este era voltado para meninos e meninas abandonados, infratores pertencentes a um segmento de classe baixa no qual a pobreza era associada à delinqüência. 24 Segundo Soares (2003) O Código de Menores foi criado em 1927, pelo Decreto A 17.943 , ao qual define as noções de abandono, suspensão e perda do pátrio poder, delinqüência, assistência e proteção caracterizada, essencialmente, pelo caráter policial e punitivo em detrimento de caráter assistencial preconizado. No Brasil, foi através de muita luta social que a criança e o adolescente conquistaram seu devido reconhecimento perante as legislações do país, somente na Constituição Federal de 1988 e em seguida com o ECA em 1990, é que todo o processo de luta em prol do reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente foram devidamente reconhecidos nos termos da lei enquanto sujeitos de direitos e deveres, sem diferenças ou preconceitos, ou seja todas as crianças deveriam ser vistas como iguais perante a validade do Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo Soares (2003), o ECA e legislações complementares, foram um avanço na legislação infanto-juvenil, garantindo o direito à criança, de proteção e cuidados da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público, garantindo ainda, oportunidades e facilidades necessárias ao seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, cultural e social em condições de liberdade e dignidade. Como foi possível perceber, não só o papel da criança se alterou na sociedade, como a própria sociedade também passou por transformações históricas que não se deram de forma uniforme ou como uma linha do tempo. Partindo do pressuposto de que a realidade não se dá através um sistemático acordo cronológico entre os fatos, mas sim de diferentes movimentos constante em sentidos opostos e em contextos antagônicos e que é através deste movimento que a realidade atua no homem e o homem atua nela e ambos se modificam e são também modificados, o processo histórico traçado pelas sociedades e suas crianças, aqui apresentado, não pretende se colocar como algo simplista e gradual, mas sim como processo de lutas sociais historicamente construídas. A criança atualmente se encontra inserida nas novas relações socialmente estabelecidas. E para compreender este intricado rol de relações é necessário o interesse pelos diferentes serviços que estão em contato com o universo infantil, como por exemplo, os avanços tecnológicos existentes, como a internet, o celular e a televisão e a maneira como estes servem e são apresentados as crianças e as suas famílias. Para aumentar a percepção de que esta sociedade nos trata como consumidores e não como cidadãos. A própria ONU, em seus estudos sobre cidadania, utiliza-se do indicador “poder de compra”. Estudos mercadológicos são realizados para avaliar o conhecimento de produtos e prever estratégias de marketing para vendê-los. 25 A sociedade é invadida pelo consumo. O produto vale pela etiqueta, pela grife e não por aquilo que efetivamente é seu valor. Isso atinge ate mesmo as crianças, o grande alvo da mídia eletrônica, que já não conseguem ser felizes pelo que tem, mas sim infelizes pelo que não têm. (MARTINELLI, 1998, p. 141-142) A sociedade que temos hoje nos apresenta novas configurações sociais que se dão pelas transformações do mundo do trabalho, o Estado Mínimo, e outras situações que a lógica do sistema capitalista neoliberal nos coloca enquanto condição de seu desenvolvimento e existência, como bem coloca Iamamoto: Essa contradição fundamental da sociedade capitalista – entre o trabalho coletivo e a apropriação privada da atividade, das condições e frutos do trabalho – está na origem do fato de que o desenvolvimento nesta sociedade redunda, de um lado, em uma enorme possibilidade de o homem ter acesso à natureza, à cultura, à ciência, enfim desenvolver as forças produtivas do trabalho social; porem, de outro lado e na sua contraface, faz crescer a distancia entre a concentração/acumulação de capital e a produção crescente da miséria, da pauperização que atinge a maioria da população nos vários países, inclusive naqueles considerados “primeiro mundo”. (IAMAMOTO, 2001, p.27-28) Em meio a esta realidade antagônica que se deve pensar a infância atualmente, é neste contexto que se podem analisar as reais condições de desenvolvimento e proteção a infância. Uma sociedade repleta de contradições, em que a educação assim como outras áreas de atendimento a infância estão atreladas à política econômica e mercadológica do sistema capitalista, portanto reafirmam a propagação da ideologia dominante. Fazemos parte de um contexto de aparências, do que alguns estudiosos como o autor Debord (1994) chamam de “sociedade do espetáculo”, em que se nota claramente a exaltação da vaidade, do consumo e do dinheiro. “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens” (DEBORD, 1994, p.14). Não obstante o que já foi abordado até então, para ilustrar vamos citar alguns trechos de uma conversa entre Domenico de Mais, sociólogo, professor universitário em Roma, e Frei Betto, dominicano, jornalista e escritor. Diz Frei Betto: Gosto muito da metáfora da catedral. Às vezes, quando amigos meus vão a Europa pela primeira vez, principalmente para a Itália, digo a eles: “Se andarem pelo interior e numa pequena cidade encontrarem uma catedral, parem, porque essa cidade tem história”. No período medieval, quando uma cidade queria adquirir status, era edificada uma catedral. À vezes a custo até de privações do povo da cidade, movido pelo discurso do poder clerical. Essas pessoas faziam sacrifícios que pesavam à sua sobrevivência à sua sobrevivência, em louvor a Deus. Visitando catedrais, ou quando olho para 26 a ponte Rio-Niterói, sempre me pergunto: quanto sofrimento e sangue existirão por trás dessas obras de arte? Hoje, quando uma cidade brasileira quer adquirir status, ela constrói uma catedral chama shopping Center. Quase todos têm linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas. Esse é um valor, não para mim, mas para muita gente. Você não pode ir ao shopping com qualquer roupa, tem que ser roupa de missa de domingo. Contempla as várias capelas onde os veneráveis objetos de consumo encontram-se em nichos acolheitados por belíssimas sacerdotisas. E quem não puder comprar sente-se no inferno. Se tiver de entrar no cheque especial, no cartão de crédito, na compra a prazo, vai doer, sente-se no purgatório. E se puder comprar à vista sente-se no céu. Mas os três serão consolados na saída, na eucaristia pós-moderna da mesma mesa do McDonald’s. (FORBES, 2003). Nesta metáfora, é possível perceber que quando a cidade na idade média queria adquirir status construía igreja a custo de muito sacrifício humano, hoje se constrói Shopping Center exaltando a valorização do consumismo, ou seja, quando podemos adquirir o objeto de desejo, existe a satisfação, mas, quando somos privados desse “privilégio”, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão e infelicidade, condenado ao mundo da pobreza e à cultura da exclusão. Os indivíduos se associam a uma marca ou a um determinado produto atribuindo a ele a sua própria identidade, em um contexto de luta por mobilidade social, individualidade e busca para serem incluídos em grupos econômicos, obedecendo à lógica mercadológica que em seus anúncios parecem estar vendendo a própria felicidade do consumidor. “Tal individuo faz parte de tal grupo porque consome tais bens e consome tais bens porque faz parte de tal grupo” (BAUDRILLARD, 1995, p.70) A sociedade de hoje trata as crianças como consumidores em potencial, esta mesma sociedade que prega o esforço individual, o “fazer por merecer” sem se preocupar em refletir sobre a falta de espaço para todos no próprio mercado, como Baudrillard (1995, p.57) destaca: “ Não há direito ao espaço a partir do momento que não há espaço para todos”, dentro do modo de produção capitalista sempre existirá luta de classes, opressor e oprimido, nesta correlação de força não existe igualdade de condições e esta realidade não se altera através de uma mudança individual. Desde que cada família, com uma determinada renda, usa idêntica hospedagem, cinema e cigarros conforme o apresentam as estatísticas, assim os temas se estereotipam segundo os vários tipos de automóvel. Quando se encontram nos domingos, ou em viagens nos hotéis, cujos cardápios e acomodações se equivalem quando em preços iguais, os visitantes descobrem que se tornaram ainda mais parecidos entre si, mediante o isolamento. A comunicação providencia a igualitarização dos homens através do seu isolamento. (HORKHEIMER; ADORNO, 1970, p.58) 27 A nossa sociedade compra educação, compra saúde, compra lazer e vende a falsa felicidade uns aos outros, “Aqui não é mais o sujeito que deseja, é o objeto que seduz” (BAUDRILLARD, 1996, p.100). A criança apreende na televisão uma realidade inventada (pois esta não condiz com o padrão de vida da maioria da população do país), com base em modos de vida ideais, que pregam a ideologia dominante a fim de permanecer como hegemonia garantindo a reprodução das relações de poder atual. Para uma formação emancipadora de uma infância criativa é preciso refletir com elas uma sociedade crítica, diferente, é necessário projetos, programas voltados para a criatividade da criança e preocupados com o seu desenvolvimento integral de forma a prepará-las para as escolhas do seu futuro e não as imbecilizando a reproduzir o que já está estabelecido. 1.3 O consumismo infantil e a publicidade dirigida à criança Diante das transformações apresentadas tanto no papel da infância como na própria sociedade que ela se encontra inserida e na relação desta sociedade com o processo de expansão dos meios de comunicação de massa, fica mais visível a possibilidade de estudo a respeito da temática do consumismo voltado a criança, já que a criança ocupa um grande espaço na mídia, seja através da programação voltada para a sua faixa etária ou até mesmo da sua inserção na programação adulta, como é o caso no Brasil de crianças participando de novelas e ocupando personagens de destaque em programações voltadas aos públicos adulto ou adolescente. Os programas infantis televisivos que tiveram grande repercussão desde o início dos anos de 1980 já identificavam o público infantil como consumidores em potencial, tanto os apresentadores dos programas como o próprio programa mantinham e ainda mantém a tendência a se vincularem a marcas que se transformam em brinquedos, roupas, maquiagem, jogos infantis, entre outros produtos para crianças, alcançando altos lucros com estes investimentos. Assim a publicidade dirigida à criança, o mercado de produtos infantis e os programas de televisão atuam juntos, explorando a imagem de seus apresentadores em parcerias com a fabricação de produtos que estampe seus rostos. Como para LINN (2006,p.29): “ O marketing é formulado para influenciar mais do que preferências por comida ou escolhas de roupas. Ele procura afetar os valores essenciais como as escolhas de vida: como definimos a felicidade e como medimos nosso valor próprio.” 28 Abordamos abaixo uma tirinha retirada da obra de Quino (1993), como elemento ilustrativo dos assuntos abordados. Fonte: (QUINO, 1993, p.350) Nos quadrinho acima é possível refletir através da fala de Miguelito, nos levando a um questionamento relevante em consideração ao olhar lançado e a intencionalidade da publicidade, é possível se utilizar destes instrumentos também no sentido de um trabalho com as crianças partindo de material divertido, mas com uma possibilidade de repensar importantes questões que perpassam o nosso cotidiano. Miguelito também deixa explicito a ligação entre a felicidade como uma opção de fácil alcance e acesso necessitando apenas da vontade e a capacidade de poder adquirir e consumir determinados objetos. Segundo a professora americana Susan LINN3 (2008) uma criança antes de entrar na escola aos seis anos de idade, já assistiu em média de 5 à 6 mil horas de televisão na sua vida e cerca de 40 mil comerciais ao ano, considerando somente aqueles vinculados a televisão, exposta a publicidade dirigida a criança, já deve estar familiarizada com as marcas anunciadas no seu programa preferido. Compreender e estudar os rebatimentos do consumismo na infância se faz necessário para pensar o desenvolvimento da criança e os seus processos de aprendizagem e apreensão 3 Fala apresentada no II Fórum Internacional Criança e Consumo promovido pelo Instituto Alana, em São Paulo nos dias 23, 24 e 25 de setembro de 2008. 29 do mundo nos dias atuais e o contexto no qual ela esteve inserida antes mesmo de ser matriculada na creche ou escola. Não há possibilidade de aprendizagem e conseqüentemente de humanização fora do convívio social, e, sem vivenciar e sentir realmente um vínculo afetivo, estável e confiável, que no começo é muito mais sentido do que manifesto. Aprender a agir, inclusive a brincar, no início da vida, só se dá em contato íntimo e significativo com o outro, e, este é o papel da mãe ou de quem a substitua (TASSINARI, 2004, p.24). Muitas empresas investem no marketing infantil. “O fato de as crianças influenciarem mais de US$ 600 bilhões em gastos anuais não passou despercebido às empresas americanas, que buscam estabelecer um vínculo de lealdade às marcas de seus produtos e serviços que vá do “berço ao túmulo” (LINN, 2006, p.21), que visa uma possível fidelidade por parte do consumidor, que desde a infância já se torna o seguidor de uma determinada marca No Brasil existem leis de proteção à criança no espaço midiático, partindo desse pressuposto a publicidade abusiva é vedada no Brasil e garantida pelo Código de Defesa do Consumidor (L 8.078/1990), no qual a incitação à violência, a exploração do medo e da superstição dentre outros fatores incluído o do aproveitamento da deficiência de julgamento e experiências das crianças são proibidos, como segue abaixo no Artigo 37 do CDC: Art. 37 - É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1º - É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2º - É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3º - Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. No entanto a publicidade de muitas marcas infantis é voltada para a criança tendo ela como o consumidor alvo de seus produtos, apesar de o Código Civil brasileiro determina no seu “Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos,” Sendo assim, crianças não têm poder de compra, não se pode destinar a venda de um produto a uma criança, mas nas publicidades de produtos infantis o que se observa é que se 30 vende não só o produto como as sensações que o produto pode causar se utilizando de linguagem subjetiva como os sentimentos de visibilidade e aceitação em um grupo. A divulgação publicitária de produtos realizada no período voltado a programação infantil é proibida em vários países como na Noruega em que é proibida a publicidade durante programas infantis ou na Grécia em que é proibida a publicidade de brinquedos entre às 7 e as 22h. Assim como já existe em outros países o Brasil necessita de um projeto de regulamentação na área publicitária em defesa do consumismo infantil, é de interesse da sociedade e é através da participação desta que a luta deve-se realizar para a construção de uma Política regulamentadora a fim de promover o embate a um fenômeno muito explorado pela mídia e toda a rede mercadológica, na qual se envolvem os interessados em faturar com a ideologia do consumo infantil. Já existem Projetos de Lei para serem votados no Brasil, dentre as propostas constam à regulamentação dos horários de exibição das propagandas infantis, sendo proibida sua exibição entre 08:00h e às 18:00h. O CONAR, órgão já mencionado neste trabalho, responsável por regulamentar a veiculação publicitária no Brasil, em 2006 estipulou restrições quanto à publicidade dirigida à criança, assumindo a necessidade de proteção à infância. Na seção 11 é possível encontrar uma série de estipulações para a publicidade de produtos infantis, na qual, entre elas exige-se: ... Os anúncios não podem impor a noção de que o consumo do produto proporcionará superioridade ou, na sua falta, inferioridade; Os anúncios não podem provocar situações de constrangimento aos pais, responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo; ( ...) Nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. A luta pela efetivação da regulamentação da publicidade de produtos infantis deve contar com a participação do Estado, da sociedade e das instituições e órgãos que representem a defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Este trabalho estuda a publicidade infantil na forma de propagação do consumismo infantil, compreendendo esta temática enquanto promoção do ato da compra, do ter, da ideologia de mercado às crianças que não possuem o poder de compra, mas mesmo assim são incitados a comprar. 31 Sabemos que dentro do tema da mídia e infância, assim como da publicidade dirigida a criança existem outros assuntos que também nos preocupa, mas que não trataremos no nosso trabalho devido a complexidade de cada tema. Sendo eles, dentre outros: a erotização precoce, o estresse familiar, transtornos do comportamento, transtornos alimentares (tanto obesidade infantil como a anorexia e bulimia), violência, entre outros assuntos que se dão no âmbito da discussão entre mídia e infância na contemporaneidade. O estudo aqui pretendido se refere há um fenômeno da atualidade que tem se tornado cada vez mais relevante diante das ciências humanas e sociais aplicadas, já que está diretamente associado às relações estabelecidas historicamente dentro da nossa sociedade, procuramos entender a consolidação da mídia no Brasil, assim como a criança em seus diferentes tempos históricos para compreender a atual relação entre criança e direitos e a partir disto compreender a mídia enquanto facilitadora ou não da garantia destes direitos, para assim assumir uma posição diante da publicidade e a sua relação com as crianças do Brasil e do mundo. Todavia compreendemos que não só nos devemos pautar no objetivo da regularização da publicidade voltada à criança como também a discussão do consumismo em todas as faixas etárias e a sua função dentro da nossa sociedade, nos perguntando a serviço de quem ele está. 32 2º CAPÍTULO O SERVIÇO SOCIAL E A CRECHE: UMA TRAJETÓRIA DE MUDANÇAS E UM EXTENSO CAMINHO A CAMINHAR. ... Eu lembro que antigamente Na hora da refeição, Toda a família na mesa, Rezava uma oração Hoje é na frente da tela, Sofá e prato na mão. ( Os jovens de hoje em dia e a influência da TV – José Acaci) 33 2.1 A educação infantil e a problematização do consumismo: uma possibilidade de trabalho Considerando os objetivos da pesquisa, entendemos que para estudar a atuação profissional do assistente social no embate ao consumismo infantil no espaço creche, se faz necessário à busca pela compreensão das diferentes contribuições, forjadas historicamente em seus diferentes contextos, com um olhar voltado a sua totalidade e a dinâmica relação dos distintos segmentos sociais, econômicos, políticos e culturais. Partindo da exposição apresentada no capítulo anterior em que pretendíamos esboçar uma análise histórica a respeito do consumismo infantil e a sua conjuntura atual na sociedade neoliberal, levantando a reflexão a respeito da carência de um projeto de regulamentação publicitária em defesa ao consumismo infantil no Brasil, sendo esta uma luta presente no cenário político atual, foi possível formular alguns posicionamentos diante desta realidade que continuaremos a explorar no trabalho. Defendemos que a luta pela efetivação da regulamentação da publicidade de produtos infantis deve contar com a participação da sociedade, do Estado e das instituições e órgãos que representem a defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a fim de promover o embate a um fenômeno muito explorado pela mídia e toda a rede mercadológica, na qual se envolvem os interessados em faturar com a ideologia do consumo infantil. Neste capitulo objetivamos discutir o papel do assistente social no espaço da creche e as transformações vivenciadas por ambos (profissional e instituição) nos últimos anos, levando em consideração as mudanças e a construção de uma postura política em ambos, com isto esperamos agregar elementos que fortaleçam a discussão e nos possibilite novos caminhos e apontamentos na perspectiva do embate ao consumismo infantil no espaço creche e a abertura para a discussão para além deste espaço. As reflexões abordadas até então, permitem apreender o surgimento do consumismo infantil como uma das problemáticas modernas, resultante de um sistema que preza a valorização do mercado e da produção e reprodução do fetiche da mercadoria. Tendo em vista o reconhecimento desta problemática torna-se importante pensar a necessidade de uma demanda de profissionais que devem estar aptos a compreender e interferir de maneira propositiva e política indo de encontro com a transformação do projeto societário vigente, a fim de contribuir a para a educação e a formação de uma perspectiva que proporcione uma aproximação à busca pela emancipação do homem. 34 Nesta perspectiva a atuação do assistente social no enfrentamento deste fenômeno, se faz necessário e coerente com os princípios éticos e políticos da profissão. A sociedade no decorrer da história passou por constantes transformações, reinventado as suas formas de se relacionar entre si e com os espaços ocupados, atualmente diante do alto desenvolvimento tecnológico, industrial e científico alcançado surgiram no decorrer dos processos históricos novas formas de integração entre o globo terrestre como a globalização mundial, que possibilitou a idéia de um mundo mais aberto e mais receptivo, trazendo entre outras coisas a velocidade e alto alcance as novidades consumíveis o que envolveu a sociedade e as suas formas de relações interferindo até mesmo nas formas de cultura e educação. A globalização pode ser definida e discutida desde uma perspectiva ampla ou a partir de um enfoque mais restrito, como por exemplo, a opção pela discussão subdividida em áreas como: da economia, do âmbito político, do aspecto sociocultural, mas neste trabalho pretendemos dar ênfase a sua relação com a área da educação. A partir dos anos de 1970 o mundo sofre profundas e rápidas transformações, o que foi denominado de globalização. Para Singer (1998) o início da globalização foi marcado pelo entusiasmo otimista, mas com o decorrer do tempo este entusiasmo foi se apagando, apesar de ser cada vez mais forte seu impacto. O impacto da globalização esta se fazendo sentir de forma cada vez mais forte e difusa. A sua recepção inicial foi marcada pelo entusiasmo otimista, mas com o correr do tempo este foi sendo substituído pelo temor e pelo desencanto. O mundo globalizado tornou-se mais aberto e receptivo, mas, além das novidades consumíveis, o exterior está nos mandando quebra de empresas, corte de postos de trabalho e crises financeiras. (SINGER, 1998, p.7) O autor em sua obra discorre a respeito das vantagens e as desvantagens do mundo globalizado, enfatiza que se por um lado o mundo torna-se mais acessível, por outro o fenômeno também está provocando quebra de empresas e principalmente, corte de postos de trabalho e crises financeiras. Entre os aspectos negativos da globalização podemos ressaltar a instabilidade econômica, referente a crises múltiplas que ocorre em alguns países e atingem rapidamente outros. Partindo dos pontos positivos podemos destacar a facilidade com que as inovações se propagam entre países e continentes, o acesso fácil e rápido à informação e aos bens de 35 consumo. Entretanto, em um país em desenvolvimento, esse acesso não é tão “fácil”, devido ao custo elevado e a substituição da velocidade pela lentidão em alguns locais. Soares (2009) enfatiza que na educação, o mundo globalizado trouxe mudanças significativas, na formação e na educação profissional. Segundo Silva & Cunha (2002) uma delas é a intelectualidade (valorização das atividades cerebrais em detrimento às atividades braçais), outro a criatividade (tarefas repetitivas e chatas serão feitas pelas máquinas); outro é a estética (o que distingue hoje não é mais a técnica, e sim a estética, o design). Além destas mudanças mencionadas também farão parte dos processos educativos do futuro: a subjetividade, a emotividade, a desestruturação e a descontinuidade. Na atual conjuntura da globalização, a educação é tida como o maior recurso de que dispomos para enfrentar essa nova estruturação do mundo, uma vez que dela depende a continuidade do atual processo de desenvolvimento econômico e social, ou a era pósindustrial, evidenciando um declínio do emprego industrial e a multiplicação da ocupação em serviços diferenciados como comunicação, saúde, turismo, lazer e informação. Para Moacir Gadotti (2008), os principais promotores da globalização capitalista para o setor da educação na América Latina são: a) Noção de governo – a globalização capitalista trabalha com a noção de governo (aparatos administrativos/ separado da noção de Estado). O Estado além de “governo” tem uma dimensão simbólica que inclui a noção de cidadania. O Estado não apenas financia a educação, mas também constrói valores e sentidos. Para o “globalismo” o cidadão é reconhecido apenas como cliente, como consumidor, que tem uma “liberdade de escolha” entre diferentes produtos. O cidadão precisa apenas ser bem informado para “escolher”. Por isso ele precisa saber das principais escolhas. Esse cidadão não precisa ser emancipado, precisa apenas saber escolher. A globalização é uma tendência mundial do capitalismo que, juntamente com o projeto neoliberal, impõe aos países periféricos a economia de mercado global sem restrições, a competição ilimitada e a minimização do Estado na área econômica e social. Algumas questões que aparecem em decorrência disso são a exclusão social, o desemprego e o aumento da miséria. b) Equidade - os governos devem ser eqüitativos nos gastos, privilegiando os mais pobres e delegando a função de educar aos pais. Para os pobres a filantropia, para os ricos o pagamento pelo ensino. Para as políticas neoliberais, o Estado deve abandonar a idéia de igualdade (socialização) para assumir a equidade (atenção para as diferenças). Considera-se a educação como um serviço e não como um direito. 36 c) Instrucionistas – os princípios que orientam as reformas neoliberais na América Latina são essencialmente instrucionistas, ou seja, estão centradas no ensino e não na aprendizagem. Entre suas propostas: defende-se o aumento de tempo para instrução e não qualidade da formação escolar. Ensina-se muito, aprende-se pouco. Aprender é identificar informações e saber utilizá-las em algum momento. Ensinar se reduziria a aplicar uma receita, manejar um repertório de técnicas. d) Docentes – na concepção neoliberal os docentes não precisam ter conhecimento científico, assim seu saber é inútil, e consequentemente não precisam ser consultados, eles só precisam receber “receitas”, programas instrucionais. Na globalização capitalista encontramos uma proliferação em larga escala de classes superlotadas e a promoção do “ensino a distância a baixo custo”. Essa seria a abordagem de uma educação para todos. e) Educação bancaria – o docente é apenas um “aplicador” de um texto, que devem ser “explícitos”, criativos, pensados e revistos de acordo com certos parâmetros nacionais para o ajuste e a reprodução social. f) Elites – haveria necessidade de professores, para formá-los como “governantes”. Na escola pública, na concepção neoliberal o professor deve ser apenas um repassador de informações para todos. g) O sistema de ensino – na globalização capitalista o sistema de ensino deve propor pacotes de ensino para serem “aplicados”, para as pessoas aprenderem a resolver seus problemas. E como a referência da educação neoliberal é o mundo, não a cidadania, os princípios que orientam as reformas neoliberais na América Latina estão muito mais voltados para a compra de equipamentos. Não são projetos educativos em seu sentido estrito. Para Gadotti (2008) tudo esta submetido a lógica do mercado. As “políticas de ajuste” promovidas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional impõem à necessidade de adequar a educação às exigências da “sociedade de mercado”, considera a Escola como uma empresa, que precisa se submeter à lógica da rentabilidade e da eficiência, principalmente os conteúdos, a avaliação e a gestão da educação. Frente a “globalização capitalista” devemos nos organizar para uma outra globalização cuja proposta baseia-se em educar para a humanidade, educar para uma sociedade sustentável. Fundada em princípios éticos que não sejam baseados na exploração econômica, na dominação política e na exclusão social. Um exemplo disto é o próprio planeta: a forma como vamos lidar com este planeta, decidirá sobre sua vida ou sua morte. 37 Para Soares (2009) há necessidade de resistência à política neoliberal, buscando outra concepção, que tenha sim uma ótica de internacionalização, mas que não seja o mercado, a privatização, o desemprego ou o trabalho precário. Uma ótica que tenha principalmente um investimento na educação, em todos os níveis, de modo a assegurar a democracia e a cidadania. Para Pedro Demo o nosso maior atraso histórico não está na economia, reconhecida como importante no mundo, mas na educação “Ou resolvemos isso, ou ficaremos para trás”. (DEMO, 1997, p.95). Enfatiza ainda o autor, que devemos começar pela educação infantil como premissa primeira. Partindo das abordagens apresentadas até então, ressaltamos que a presente pesquisa pretende contribuir para uma reflexão a acerca da educação infantil e os efeitos remetidos a ela, justamente no âmbito da globalização e do desenvolvimento do capitalismo e o neoliberalismo que se envolvem de acordo com o que foi estudado no capitulo anterior, na discussão da propagação da publicidade infantil na forma de promoção do consumismo, portanto nos apropriamos da preocupação em estudar e olhar de diferentes ângulos a complexa teia que cerca o nosso fenômeno de estudo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 inclui as creches e préescolas no sistema nacional de educação, enquanto instituições responsáveis pela educação infantil. No artigo 30 da referida Lei, a educação infantil “tem como finalidade o desenvolvimento integral das crianças de até seis anos de idade, em seu aspecto físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da oportunidade”. A instituição infantil é o universo da nossa pesquisa, para melhor entender este equipamento faremos algumas considerações sobre a creche, situando sua trajetória como instituição, mostrando que esse espaço surgiu moldado em idéias da filantropia, sem recursos, sem profissionais capacitados, portanto tinha uma função assistencialista de “guarda” e não de direito da criança. Através de seu contexto histórico, salientamos sua luta, para ser um direito da criança, um espaço social infantil, voltado para uma ação educativa em que a ambientação, a rotina, e as relações que se estabelecem devem centrar-se no favorecimento da ação construtiva da criança. 2.2. Breve evolução histórica da instituição infantil no Brasil. 38 As primeiras iniciativas de creches surgem na Europa do século XIX, a fim de evitar o abandono de crianças e a contaminação destas pelo ambiente de influências moralmente negativas em que elas se encontravam. O século XIX foi marcado por intensas transformações decorrentes da Revolução Industrial. A sociedade participou e contribuiu para estas transformações, que ocorreram em um determinado contexto histórico atrelado ao desenvolvimento das maquinas dentro das fabricas e a diminuição do trabalho que exigia força musculare, criando-se a ocupação da mulher nos postos de trabalho dentro das indústrias. As famílias tiveram que se reorganizar, pois não era mais o homem o único provedor, que assumiria o sustento da casa. Dessa forma tanto as mulheres como as crianças, participaram desse crescimento industrial moderno. A creche surge no Brasil e se expande em um período de estruturação do capitalismo e o aumento da necessidade da reprodução da força do trabalho e o do número de mulheres sendo inseridas no mercado de trabalho. Os donos dos meios de produção lucraram com a entrada da mulher no mercado de trabalho, já que estas recebiam bem menos por suas atividades que os homens. Foi através do crescimento e a modernização industrial que foi possível o surgimento de cargos caracterizados por tarefas femininas, em que estas passaram a participar cada vez mais da produção e reprodução do mercado de trabalho do sistema capitalista. Não era só nas fábricas que as mulheres trabalhavam, diante da existência já cultivada em seus lares com os trabalhos dos cuidados com a casa, muitas vezes permaneciam no trabalho domestico de famílias burguesas, como alternativa para complementar a renda familiar, estas passaram a sair do interior de suas casas e das obrigações domesticas voltadas somente a suas famílias para o mundo do trabalho e da venda de sua capacidade de trabalhar, contribuindo assim para o inicio de uma transformação nas relações sociais e de reprodução do trabalho. A mulher sempre teve um papel importante nos cuidados com a família e o lar. Na busca por melhores condições de vida, e em conseqüência do crescimento da industrialização, a urbanização e o desenvolvimento e diversificação das atividades econômicas, o trabalho feminino e infantil foram requeridos para a tender a crescente demanda da mão-de-obra na produção de bens que necessita. Nesse sentido, o desenvolvimento do sistema capitalista exigia mão de obra barata já que esses trabalhadores eram considerados de qualidade inferior. (IZUMI, 2005, p.40) 39 Tendo em vista este contexto e a sua relação com o surgimento da necessidade da implantação de creches, enquanto uma maneira de atender a uma demanda carente e empobrecida, que já não encontrava em seus lares prioritariamente os cuidados maternos em detrimento devido a inserção da mulher no mercado de trabalho, tendo em vista as transformações do papel da mulher enquanto trabalhadora e seus impactos nas suas obrigações enquanto mãe. Pensar a creche no cenário nacional é pensar o mundo do trabalho e a participação da mulher na contribuição da renda da família, para assim compreender a produção aliada à estabilidade e a garantia de bem estar aos filhos, só então pode-se pensar na possibilidade da existências de creches, diante das transformações apresentadas na sociedade. Para uma compreensão inicial do atendimento à criança em creches, temos que considerar vários pontos: o grande crescimento populacional ocorrido em São Paulo, aliado à expansão da industrialização e do setor de serviços, a participação da mão-de-obra feminina na população economicamente ativa do município, o crescimento significativo do percentual da população de baixa renda nos últimos anos, com suas dificuldades para alcançar uma qualidade mínima de vida. (ROSEMBERGUE, 1989, p.36) Algumas fábricas cedendo a pressões de trabalhadores instalaram algumas creches em suas dependências, devido a falta de lugar para os empregados deixarem seus filhos, levando em consideração que muitas vezes famílias inteiras eram empregados em uma mesma fábrica. Sendo assim, a creche em um determinado momento histórico é pensada enquanto uma aliada da burguesia, as mulheres que tiverem garantido uma vaga as suas crianças nas creches, se encontrarão mais satisfeitas e tranqüilas, assim produzindo mais a empresa a quem presta serviço. Uma situação diferente das condições até então existentes, já que a proposta das creches seria de cuidados a criança enquanto a mãe trabalhava. Até 1920, o atendi mento a crianças em creches, asilos e orfanatos era exclusivamente filantrópico e destinava -se basicamente a filhos de mães solteiras que não tinham condições de ficar com eles (ROSEMBERGUE, 1989, p.36) Como um dos primeiros incentivos as creches, surge no Rio de Janeiro em 1899 o Instituto de Proteção e Assistência a Infância de caráter medico assistencial como um dos marcos de cuidado e proteção a criança, tinha entre seus objetivos: zelar pela vacinação das crianças e a saúde das mulheres grávidas, assim como preconizava a criação de creches e pré- 40 escolas, outros Institutos surgiram pelo país depois desta data, reforçando assim os seus objetivos. Neste mesmo ano surge também a primeira creche para filhos de operários registrada no Brasil: No ano de 1899, ocorreram dois fatos que permitem considerá-lo como marco inicial do período analisado. Em primeiro lugar, fundou-se o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, instituição pioneira, de grande influência, que posteriormente abriu filiais por todo o país. Em segundo lugar foi a inauguração da Creche da Companhia de Fiações e Tecidos do Corcovado (RJ), a primeira creche brasileira para filhos de operários de que se tem registro. (KUHLMANN, 2001 ,p.82) Neste período já existiam escolas do jardim de infância, voltadas para filhos da classe burguesa, mas que não compreendiam os filhos de operários. Em 1924, é regulamentada a Escola Maternal, onde eram atendidos filhos de operários. Neste período algumas conquistas são alcançadas para a infância pobre no Brasil, mas a sua função e perspectiva de trabalho ainda eram voltadas para a moralização das famílias e um olhar preconceituoso para o pobre. Numa primeira perspectiva a creche se propõe a realizar um trabalho que visava a higienização e a implantação da moral burguesa predominante na época, buscando salvar as crianças atendidas das influências dos seus meios pobres num trabalho messiânico ou de até mesmo negação das reais condições que permeavam a realidade da criança e sua família. Sua função inicialmente se limitava aos aspectos de saúde no assistencialismo médico, dentário e nutricional, objetivando em contrapartida a diminuição da mortalidade infantil, o espaço era para os filhos da classe trabalhadora que não tinham recursos para os cuidados das crianças. Para Kuhlmann (2001, p. 88) “O peso das concepções médico-higienistas na sociedade – particularmente na assistência a infância – durante as primeiras décadas deste século, acaba por encobrir, à primeira vista, a influência de outras concepções” As creches eram implantadas por médicos e contava com muitas aliadas da classe burguesa, mulheres que tinham interesse em realizar caridade, e que acreditavam em salvar aquelas crianças de condições precárias de existência e até mesmo da morte. Este contexto se deu atrelado ao processo de saneamento de algumas cidades no Brasil, o discurso realizado era em prol de uma sociedade higienizada e a inserção da infância dentro deste novo modelo sanitário. 41 No primeiro governo de Getulio Vargas, na década de 1930, o Estado surge com concessões à classe trabalhadora a fim de manter e regularizar as relações entre os patrões e seus empregados, a partir de então a burguesia cada vez mais recorre ao Estado para a articulação da utilização da Política Social como estratégia para conter as classes subalternas. No ano de 1930 o Estado cria o Ministério da Educação e Saúde e assumindo alguns cuidados e responsabilidades pela infância. “Na realidade, o Estado acaba por agir como um mediador entre o capital e o trabalho, tentando compensar de alguma forma os efeitos de concentração de renda e poder. Esta função, no entanto, entra em contradição com seu outro papel, que é o de garantir a infra-estrutura necessária para o sistema produtivo, o que acaba por consumir a maior parte de seus recursos: são os grandes investimentos no campo da energia, dos transportes, da comunicação, etc. Suas respostas às necessidades da população por serviço de saúde, moradia, saneamento, educação, segurança, transporte e previdência social acabam por ser insuficientes em face das demandas crescentes” (ROSEMBERG, 1989, p.13). Diante da pressão social realizada e com o interesse de desestabilizar a organização popular as creches foram surgindo, como uma conquista não só para as crianças diretamente atendidas como para as suas famílias. Em 1943, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) garantiu as instalações de creches nas empresas que tiverem no seu quadro de funcionários mais de 30 mulheres, não contemplando outros espaços de trabalho que continham um número menor, assim como as empregadas domésticas. Na década de 1950 o interior do debate a respeito das creches sofreu grande influência da psicologia, principalmente baseadas em obras e teorias de Jhon Bowlby4, a creche tornou-se alvo de estudos e pesquisas que tinham como ponto de partida uma abordagem voltada ao afeto entre a mãe e o filho e a sua relação com desenvolvimento infantil. A partir destas considerações surgiu uma discussão a respeito do rompimento de laços afetivos importantes para a criança com a mãe, acarretado pelo distanciamento durante o tempo que esta permanece em seu local de trabalho e o outro na instituição, aos cuidados de uma terceira pessoa, uma funcionária da creche, e estas manifestações no processo do desenvolvimento infantil. 4 Médico e psicólogo inglês que pesquisou durante sua vida assuntos referente ao apego e o vínculo maternal, trouxe a problematização das relações desenvolvidas na infância entre a mãe e o bebe e os problemas psicopatológicos. 42 Com isto estudos voltados para a creche abordaram o papel das pajens – as cuidadoras – e a sua relação com as crianças atendidas, enquanto substitutas das mães. Enquanto isso, nas famílias repensava-se o papel das pajens e seu aspecto de rival, foram realizadas pesquisas e trabalhado com ambos os lados uma maneira satisfatória para um bom desenvolvimento para a criança. Na década de 1960, vê-se nas questões pertinentes a creche, maior participação técnica-profissional, contando com um olhar das categorias que atuam no seu interior, com a necessidade e a cobrança de um viés mais especializado. A pedagogia, o serviço Social e a psicologia, por exemplo, passam a intervir mais na causa contando com a promoção de projetos pedagógicos, e psicossociais. A partir das décadas de 1970 e 1980, as creches se inserem num processo de ruptura, participação social, avanços e mudanças na sua estrutura enquanto finalidade social. O país continuou a se desenvolver industrialmente e a classe trabalhadora teve participações e conquistas nesse processo. Em 1985 é criado pelo Ministério da Justiça e o Conselho Nacional dos direitos da Mulher a “Comissão de Creche” que buscava priorizar a creche como direito à educação, os Mvimentos sociais, a população usuária, mulheres e famílias se uniram na luta pelo direito a creche. Mas o verdadeiro marco social do Brasil, partindo do pressuposto de uma série de negação de direitos ocorridos por 21 anos, no período da Ditadura Militar, a sociedade brasileira pode enfim obter através da Constituição Federal de 1988, uma legislação que contemplasse o processo de lutas de diversos setores da sociedade, que buscavam seu reconhecimento como sujeitos de direitos perante seu país. Através da nova Constituição Federal em 1988 diferentes demandas se tornaram políticas e responsabilidade do Estado e da sociedade, a criança então é abordada e reconhecida enquanto individuo dotado de direitos, como é bem colocado no artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 43 Através do reconhecimento primordial da criança enquanto sujeito de direitos é que foi possível o desenvolvimento de outras políticas atuantes na temática da defesa da criança e do adolescente ampliando o leque de conquistas a elas como as suas famílias. A Constituição também apresenta em seu artigo o papel do Estado e a questão da creche: Artigo 208: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:” e mais adiante no seu inciso no qual trata a respeito da creche: “IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade.” É a partir da concepção da criança como cidadã que a Educação Infantil começa a ser alvo de preocupação contribuindo para a sua inserção e regulamentação na legislação do Brasil. Em 1990 é aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que vem reafirmar e estabelecer os direitos da criança e o do adolescente legitimando a Constituição do país. Tendo em vista o avanço que a Constituição e o ECA trouxeram para a população brasileira, mesmo que ainda de forma teórica, materializada em leis, foi um passo considerado importante para o início da construção de uma nova realidade voltada agora para a implantação e a aplicação dos direitos concebidos através de décadas de lutas e movimentações. Em 1996 é aprovada a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 5, contribuindo para mais uma conquista no cenário da população brasileira, é através dela que a Educação é considerada responsabilidade do Estado e da família com a contribuição sistematizada dos municípios, estados em cada período escolar e a participação da União, como também o atendimento gratuito em creche e pré-escola e a exigência da qualificação dos trabalhadores que atuam na área. Com a LDB, Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, a creche passa então a ser compreendida enquanto componente do processo da educação brasileira, que é concebida enquanto parte da educação básica na sua primeira etapa, legitimando uma nova perspectiva ao trabalho realizado e ao conceito de creche no país. Com isto, o espaço da creche procura romper com o seu caráter assistencialista do cuidar, passando a ser reconhecida legislativamente como parte do sistema educacional brasileiro. Ocupando o cenário educacional do país a creche é contemplada enquanto espaço de garantias de direito, não só das crianças como de suas famílias, um espaço educativo que 5 Lei nº 9394/96 que é quem regulamenta e também estrutura o sistema de ensino educacional no Brasil. 44 tem como um dos princípios a sua garantia através do dever do Estado, sendo assegurada no Artigo 4°, inciso IV da LDB: “- atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;”. A creche já não se justifica somente enquanto espaço de cuidados, as crianças que ali se encontram na ausência de seus pais, devem receber mais do que somente afeto. O seu papel agora se deve voltar não só a questões ligadas à assistência como também a educação e ao desenvolvimento integral das crianças e a participação da família como parte integrante deste processo, os professores deverão ser preferencialmente de nível superior e a perspectiva de trabalho pedagógico deve ser voltada às necessidades de cada fase do desenvolvimento infantil. A creche assume então uma preocupação com o desenvolvimento integral da criança, com projeto pedagógico e alterações na importância que passa a ocupar enquanto espaço de socialização e estimulação nas relações sociais da criança. Dizer que a criança é um ser social significa considerar que ela tem uma história, que vive uma geografia, que pertence a uma classe social determinada, que estabelece relações definidas segundo seu contexto de origem, que apresenta uma linguagem decorrente dessas relações sociais e culturais estabelecidas, que ocupa um espaço que não é só geográfico, mas também de valor, ou seja, ela é valorizada de acordo com os padrões do seu contexto familiar e de acordo também com a sua própria inserção nesse contexto (ROSEMBERG, 1989, p. 23). Portanto, pensar a creche enquanto espaço que pretende atuar no âmbito de atendimento as crianças e as suas famílias é participar de um compromisso que exige estar em consonância com a proposta atual legitimada através das leis brasileiras e mais do que isso compreende permanecer em luta para a concretização desses direitos. atualmente muitas crianças ainda esperam nas listas de espera por vaga nas creches, é necessário o empreendimento de profissionais qualificados e a participação da população para a atuação em um espaço que já foi considerado “ajuda” ou “caridade”, mas que hoje é direito e conquista para muitas crianças e famílias cidadãs que compõe o cenário do nosso país. Os desafios para a viabilização e a implantação concreta da LDB no país inteiro compõem o cenário atual que exige luta para a efetivação e o reconhecimento da creche e do seu papel na sociedade atual. A história da creche está intimamente ligada a transformações vividas pela própria sociedade e a como esta reagiu diante dessas transformações, ou seja, é a partir da 45 transformação do papel da mulher e do processo de industrialização que a creche se apresenta enquanto necessidade social e é diante desta necessidade que a população se une em busca da sua consolidação. Décadas após o início deste processo é possível ver os traços deixados como marcas históricas que necessitam de superação. A creche ainda é encarada como destino dos filhos das famílias pobres, ao contrário da pré-escola que se deu historicamente de maneira diferenciada, sendo utilizada pelas classes mais abastadas. Não obstante os processos que nos trouxeram até a atual conjuntura, a realidade contemporânea nos faz pensar a enorme barreira que ainda teremos que romper para a concretização de uma creche pública de qualidade para o atendimento de toda a população que dela quiser se fazer usuária, que consiga de fato trabalhar em consonância com os cuidados e a educação necessária para o desenvolvimento integral da criança, não a vendo a partir de um prisma de fragmentação ou de simples preparação para a vida adulta o que pensamos ter sido superado há algum tempo. Antes do ECA as instituições de atendimento a infância e também a adolescência mantinham uma função de guarda, com valores assistencialistas, como vimos nas palavras de Kuhlmann (2001), de uma pedagogia preconceituosa, que intencionalmente exclui as crianças pobres que freqüentam as creches de um trabalho de qualidade. O reconhecimento das creches, como parte do sistema educacional na Constituição (1988) e na LDB (1996), pode ser caracterizado como a superação de um obstáculo necessário. Com a creche sendo parte do sistema educacional do país, ela deixa de ser apresentada como alternativa para pobres, para ser posta como em equipamento complementar à ação da família, tornando-se uma instituição que corresponda a uma nova concepção de educação e não um simples paliativo. A passagem para o sistema educacional não representa, de modo algum, a superação dos preconceitos sociais envolvidos na educação da criança pequena, cuja proposta vai de encontro com a perspectiva de educar para a humanidade, fundada em princípios éticos que não são voltados para a exploração econômica, a dominação política e a exclusão social. Tendo em vista a criança, Oliveira (2002) mostra que a proposta pedagógica deve considerar a importância dos aspectos socioemocionais na aprendizagem e a criação de um ambiente interacional rico de situações que provoquem a atividade infantil, a descoberta, o envolvimento em brincadeiras, explorações com companheiros. Deve-se priorizar o desenvolvimento da imaginação, do raciocínio e da linguagem como instrumentos básicos 46 para a criança se apropriar de conhecimentos elaborados em seu meio social, buscando explicações sobre o que ocorre à sua volta e consigo mesma. Analisamos que o consumismo infantil, assim como outros temas pertinentes não podem estar descolado da proposta pedagógica. Assuntos referentes a reflexão a respeito do poder da mídia e toda a rede mercadológica, na qual se envolvem os interessados em faturar com a ideologia do consumo infantil; devem fazer parte das atividades, projetos e brincadeiras, no cotidiano da instituição. É importante que as crianças sejam estimuladas, desde cedo, a questionarem e a não se conformarem em simplesmente “imitar” a maioria, através de atividades aliadas a sua idade e fase cognitiva, desenvolvida por profissionais competentes. A luta para a instituição infantil ser um direito da criança, um espaço social infantil, voltado para uma ação educativa em que a ambientação, a rotina, e as relações que se estabelecem devem centrar-se no favorecimento da ação construtiva da criança, como vimos foi uma reivindicação das mulheres, da sociedade de uma forma geral. As preocupações que perpassam o universo da criança são temas da contemporaneidade que dão margem ao espaço de estudo e trabalho do assistente social, tanto na atuação em outras instituições como principalmente o que atua na creche, enquanto espaço de promoção do desenvolvimento integral das crianças de 0 a 3 anos. Após este breve estudo procurando compreender e contextualizar historicamente as varias dimensões relativas a instituição creche, quais sejam: social, política, psicológica e ideológica, visando um aproximação de forma a compreender as forças de poderes presentes no seu desenvolvimento histórico e o seu processo de luta no bojo da sociedade, enquanto instituição responsável pelo atendimento à criança, e universo da nossa pesquisa. Mas, para compreender o papel do assistente na perspectiva do embate ao consumismo no espaço creche, entendemos ser importante contextualizar historicamente a profissão do Serviço Social, mostrando que sua atuação no início da profissão baseava-se também no assistencialismo, e na atualidade luta pelos direitos, pelo fortalecimento dos movimentos sociais organizados em defesa dos direitos da classe trabalhadora e de uma sociedade livre e emancipada. 2.3 A construção do serviço Social na sociedade capitalista. 47 A história do Serviço social está intimamente ligada aos fatos históricos vividos pela sociedade, os avanços tecnológicos, a economia, o desenvolvimento da produção de conhecimento das ciências sociais e a formação histórica que a categoria participou dentro de um contexto permeado por diversas situações e posicionamentos diferenciados de acordo com a evolução deste processo que se deu dentro do sistema capitalista e a partir do surgimento de uma demanda carente pelos “serviços” dos futuros assistentes sociais. Realizar atualmente uma discussão de cunho contra-hegemônico em coerência com os princípios do Código de Ética da profissão em favor da transformação social e de uma sociedade sem discriminação de classes não nos parece, mas é exercer uma consciência que foi adquirida e transformada historicamente pelos profissionais do Serviço Social dialogando com a própria realidade, no bojo dos movimentos de luta ao qual a categoria esteve presente. A presença da caridade e da filantropia esta intimamente aliada ao surgimento do Serviço Social, durante décadas a profissão sofreu grande influencia messiânica de orientação tomista e neotomista, corrente filosófica expressa por São Tomás de Aquino6, através de uma orientação moralista voltada a integridade do homem e da sua harmonia com a sociedade e a obediência a ordem natural das coisas. No Brasil em 1930, década do surgimento da primeira Escola de Serviço Social no país, vivia-se um processo, decorrente das décadas anteriores, de crescimento no número de trabalhadores operários devido ao fenômeno da industrialização instaurado no país, já abordado neste trabalho. O cenário da década era permeado pelo contexto da crise do café, a migração do campo para a cidade e a formação de uma classe proletária industrial, que vendiam sua força de trabalho em troca de um salário que precariamente pretendia garantir suas mínimas condições de sobrevivência. As manifestações da Questão Social se colocavam visualmente para a sociedade o que culminou no acirramento da luta de classe e a mobilização da classe trabalhadora incomodando a elite burguesa. Neste período o proletariado ocupou um papel de luta e defesa pela a criação de direitos diante da desigualdade social vivenciada por eles, período de mobilizações instalado no país e intensificado neste período. 6 Filosofo italiano e cristão do século XIII, pregava a bondade e a caridade e a harmonia entre a razão e a fé, foi considerado o Doutor da Igreja Católica. 48 Sendo assim passaram a desempenhar uma ameaça ao status quo, ou seja, uma ameaça à elite dominante que recorreu ao Estado pressionando-o para se ocupar com a regulamentação destas relações entre trabalhadores e empregadores, consequentemente atuando na manutenção da ordem vigente. As concessões administradas pelo Estado e a filantropia realizada pela igreja, não estavam sendo suficientes para lidar com os conflitos resultantes das contradições socialmente imposta, vê-se a partir de então a necessidade da formação profissional de uma categoria capaz de lidar com essas mazelas. O aprofundamento do capitalismo traz ainda, como necessidade inerente a seu processar, uma nova racionalidade, por meio da qual a questão social deve ser conduzida (...) Dessa forma, a nova racionalidade no atendimento da “questão social” aparece no fato de que serviços assistenciais e educacionais (entre outros), fornecidos a determinada parcela da população – especialmente aquela engajada no processo produtivo – tornam-se consumo produtivo para o Capital e o Estado. (IAMAMOTO, CARVALHO, 2005, p.307) Foi no bojo deste Estado conciliador e com o apoio da burguesia que o Serviço Social se profissionalizou no país diante da questão social. A igreja foi a sua maior impulsionadora em seu processo de estruturação, já que antes de se constituir profissão foi no espaço das ações sociais realizadas pela caridade da igreja que as futuras assistentes sociais atuavam. Eram elas em sua maioria, mulheres, jovens que integravam o movimento Católico Leigo, vinham de famílias elitizadas e conservavam uma boa índole, atuavam junto à classe trabalhadora através da Ação Social católica. O Serviço Social inicialmente se pautou na ideologia cristã, em uma perspectiva de reafirmação da ordem vigente colaborando para o desenvolvimento econômico e industrial do país, trabalhando em contraste com as manifestações da questão social e o medo da disseminação das idéias comunistas, procurando estabelecer uma relação de cultivação com os valores tradicionais. Atuando a partir dessas seqüelas sobre a reprodução material do proletariado, os Assistentes Sociais agem ou projetam agir com sua visão do mundo, própria de sua posição de classe. A representação que fazem do proletariado e dos problemas sociais e que legitima para si mesmos sua intervenção são aquelas produzidas pelas classes e frações de classe dominantes, necessárias à reprodução das relações sociais de produção capitalista. (IAMAMOTO, CARVALHO, 2005, p.213) 49 Em 1932, foi fundado o CEAS (Centro de Estudos e Ação Social) em São Paulo, inaugurado após um curso ministrado por uma professora belga, da Escola Católica de Serviço Social do seu país. O CEAS não recebia nenhum apoio financeiro estatal, era mantido somente pelas próprias sócias, leigas que buscavam capacitação no CEAS . As atividades do CEAS se orientarão para a formação técnica especializada de quadros para a ação social e a difusão da doutrina social da Igreja. Ao assumir essa orientação, passa a atuar como dinamizador do apostolado laico através da organização de associações para moças católicas e para a intervenção direta junto ao proletariado... São promovidos diversos cursos de filosofia, moral, legislação do trabalho, doutrina social, enfermagem de emergência etc. (IAMAMOTO, CARVALHO, 2005, p.173) Foi o CEAS quem fundou e manteve a primeira escola de Serviço Social do Brasil, fundada em 1936 em São Paulo. No ano de 1937 a segunda escola foi inaugurada no Rio de Janeiro, estas tinham forte influencia do Serviço Social da Bélgica e França. O Serviço social surge da iniciativa particular de grupos da classe burguesa junto a Igreja católica, em prol da assistência aos menos favorecidos, mas esta condição no passar das décadas e do movimento da realidade e da aproximação da profissão com outras linhas teóricas foi se alterando e ganhando outras formas de trabalho. As primeiras assistentes sociais brasileiras partilhavam de uma atuação voltada para uma moralização da questão social, ou seja, trabalhavam com a questão social de maneira superficial, com casos isolados, colocando a culpa nos indivíduos e na sua maneira de viver e lidar com a realidade. Eram avaliados os valores dos “clientes” atendidos e a integração deveria ser feita através da mudança no individuo não havendo a busca pela análise das complexas relações sociais existentes. As assistentes sociais deveriam trabalhar como uma possibilidade de controle sob as tensões presentes entre as classes, deveriam atuar em uma perspectiva de reconhecer os problemas sociais, mas não se comprometendo a um olhar voltado para a sua essência, baseavam-se nos princípios éticos da filosofia tomista, através da perspectiva conservadora. Neste período a profissão ainda não havia superado o tradicionalismo católico. O Serviço Social brasileiro sofreu grande influencias das escolas Americanas, a partir de meados da década de 1940, no período pós-guerra, devido à proximidade entre os laços dos dois países e interesses econômico e políticos, é com o Serviço Social dos Estados Unidos da América que os assistentes sociais brasileiros irão se apropriar de métodos de trabalho e da corrente teórica pautada no funcionalismo, como o Serviço Social de grupo e o 50 Serviço Social de caso e posteriormente com as experiências do trabalho do desenvolvimento de comunidade que segue adiante pela década de 1950. O trabalho de desenvolvimento de Comunidade, chamado de Organização de comunidade mantinha um discurso que se pautava na contribuição para a adaptação recíproca dos indivíduos e do meio social. Numa ótica ainda focalizada. Durante um longo período, principalmente a partir do governo Vargas 7, a questão social no Brasil foi tratada de maneira superficial através de políticas de cunho paternalista pelo governo que utilizava artimanhas políticas diante do povo, se mantinha no “gosto popular” devido às concessões que seletivamente concediam aos trabalhadores brasileiros, mas sem deixar de conceder privilégios e ganhos a elite industrial. A partir das décadas de 1950 e 1960 o espaço de atuação do Serviço social aumentou consubstancialmente se adentrando aos interiores do país e a novas áreas de trabalho, como também a uma elevação ao número de escolas voltadas para a formação profissional da categoria. Em 1961 ocorreu o II Congresso Brasileiro de Serviço Social no Rio de Janeiro, que propunha uma discussão a respeito da formação profissional e o treinamento para a execução do Desenvolvimento e Organização de Comunidade. Com um intervalo de quatorze anos em relação ao ultimo Congresso, este segundo encontro abrangente do meio profissional dos assistentes sociais irá ocorrer numa conjuntura bastante modificada. Após mais de uma década de “desenvolvimentismo” sustentado em estratégias políticas populistas, a vitória do janismo representava a possibilidade de um novo começo (IAMAMOTO, 2005, p.346) Os anos de 1960 foi um período de efervescência nos Movimentos Sociais de Luta, não só no Brasil como na America Latina e no mundo, que se voltava a um momento de maior participação política do povo, através de reivindicações. Em Cuba iniciava-se um novo contexto político e econômico com a Revolução Cubana Socialista, influenciando aqueles que acreditavam na possibilidade de um rompimento com o capitalismo imperialista NorteAmericano. 7 Referimos-nos A Era Vargas em que o presidente governou o país por período de 15 anos sequenciais, assumindo o poder na Revolução de 1930 e se mantendo até 1945. 51 Este contexto de transformações e rupturas permeavam diferentes segmentos da sociedade que se encontravam diante de um período de modernização no país, a questão social se agravava e o povo se mobilizava em torno de um ideal antiimperialista. Esta conjuntura de mobilizações rebateu também na categoria do Serviço Social através do levantamento dos questionamentos a respeito da realidade do Serviço Social e de sua prática profissional, da necessidade de uma revisão profunda nos fundamentos teóricos metodológicos e técnicos instrumentais da profissão. Panoramicamente, o Serviço Social com que se depara o observador contemporâneo configura-se como um caleidoscópio de propostas teóricometodologicas, com marcadas fraturas ideológicas, projetos profissionais em confronto, concepções interventivas diversas, práticas múltiplas, proposições de formação alternativas – sobre o patamar de uma categoria profissional com formas de organização antes desconhecidas e o pano de fundo de uma discussão teórica e ideológica ponderável também inédita. (NETTO, 2009, p. 127-128) Desde então surgiu a necessidade de se repensar a realidade brasileira e estabelecê-la como ponto de partida ao invés da perspectiva da importação dos métodos de trabalho, levando em consideração as especificidades da sociedade deste país, assumindo uma posição política da categoria, ainda que de início não hegemônica dentro da categoria. Portanto necessitando de uma reflexão a respeito do referencia teórico, prático e metodológico da profissão, este período é reconhecido e denominado como o “Movimento de Reconceituação” que se propagou não só no Brasil como na America Latina formando assim um período de renovação nos fundamentos teóricos metodológicos da profissão, um marco na história do Serviço Social. Desde 1964 com a ditadura, a questão social foi encarada de maneira velada e a repressão o instrumento mais utilizado pelo Estado, o capitalismo se intensificou ao mesmo passo que a inserção de investimentos externos e os monopólios, as funções do Serviço Social foram sendo ampliadas, porém controladas, ao mesmo tempo os direitos aos cidadãos foram diminuídos e algumas conquistas descartadas, a assistência ao trabalhador era regulada de perto pelo Estado e a sua intervenção cada vez maior diante da nova ordem instalada no país. No Serviço Social o Movimento de Reconceituação exigiu a formulação de novas diretrizes e de um outro projeto profissional, dentro deste mesmo movimento surgiram diferentes perspectivas pautadas em correntes teóricas distintas. Sendo elas trabalhadas por NETTO (2009) e outros autores da seguinte maneira: 52 A vertente Modernizadora de influencia Positivista, esta buscava a compreensão das ciências humanas através da utilização das ciências biológicas pretendendo obter a explicação de uma através dos métodos da outra. Neste período compreendendo parte do processo que compôs este movimento existiram alguns encontros que muito contribuíram e reforçaram a formulação das bases desta vertente, como o Documento de Araxá produzido em 1967, redigido após o seminário realizado pelo Comitê Brasileiro da Conferencia Internacional de Serviço Social, em Araxá Minas Gerais, discutindo as mudanças teóricas dentro do contexto econômico do país, apontando a necessidade de reformulação da teoria metodológica e ensino buscando uma maneira de aprimorar ainda mais a categoria da profissão no país. Posteriormente o Documento de Teresópolis em 1970, escrito após sete encontros regionais para se rediscutir o Documento de Araxá e a sua atualização no contexto atual, o encontro durou sete dias, focalizando a questão em se discutir a metodologia e a busca da cientificidade própria do Serviço Social, realizado no Estado do Rio de Janeiro, através do encontro de profissionais de orientação positivista e funcionalista. As formulações registradas nos documentos de Araxá e Teresópolis, marcos canônico da perspectiva modernizadora do Serviço Social em nosso país, simultaneamente configuraram a sincronização da (auto)representação profissional ao projeto e à realidade globais da “modernização conservadora” que o Estado ditatorial levava a cabo e contribuíram, no plano especifico do universo profissional, intelectual e operativo do assistente social, balizando novas exigências e condições para a sua reprodução enquanto categoria e para seu exercício enquanto técnico assalariado. (NETTO, 2009, p. 193) A perspectiva Modernizadora considerava que o objeto do Serviço Social se consistia nas situações problemas e a metodologia era baseada no estudo de caso, grupo e comunidade objetivando a integração social do individuo no desenvolvimento do país, indo de encontro com a política de governo do país. A vertente de influência Fenomenológica pretendia realizar uma busca a rehumanização do trabalho do Assistente Social, assumindo como objeto de atuação profissional as situações sociais problemas e travando em contrapartida uma metodologia baseada no diálogo, no aspecto pessoal e na transformação social, voltado a valorização homem em seus aspectos afetivos e sentimentais. Tendo como Objetivos a ajuda psicossocial voltada à centralidade do individuo. 53 Segundo Netto (2009) esta vertente acaba recaindo no conservadorismo não conseguindo propor uma transformação nas idéias conservadoras, mesmo realizando uma crítica a corrente teórica pautada no positivismo e a considerando demasiadamente tecnicista, a perspectiva da vertente de inspiração fenomenológica não consegue se desvencilhar do tradicionalismo, mas sim reconstituí-las sob uma nova roupagem, sem se desvencilhar da herança histórica construída até então. Outra corrente que também compôs este processo, mas de inspiração marxista sendo esta a que mais se aproximou de fato de uma ruptura com a presença do Serviço Social tradicional em suas diferentes formas, constituída por uma critica ao tradicionalismo e voltada a construção de uma nova concepção da profissão. Um dos maiores marcos da denominada “intenção de ruptura” NETTO (2009), foi a construção do Método de Belo Horizonte, desenvolvido durante a década de setenta, demarcada por um período de elevadas conturbações e intensa repressão política, fase mais dura da ditadura militar no Brasil, o Serviço Social experimentou uma contribuição de muita importância como alternativa para reformulação e intenção de um processo de mudança. Baseada na metodologia da capacitação, da organização e da transformação social e propondo como objeto de estudo e trabalho a própria realidade e desenvolvida com o objetivo da conscientização, contou com a participação de estudantes e profissionais politizados comprometidos com uma mudança na trajetória que se traçava até então historicamente na profissão. Elaborado na Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais o método de Belo Horizonte teve grande repercussão na área acadêmica e mais adiante, assumiu uma ampla discussão entre a categoria profissional traçando uma critica ao Serviço Social tradicionalista e a denominada neutralidade cientifica que beneficiava os interesses hegemônicos. Tendo em vista a necessidade de se repensar à realidade brasileira e estabelecêla como ponto de partida, levando em consideração suas especificidades. O método de Belo Horizonte critica a visão tradicionalista do objeto do serviço Social, tanto paternalista e fatalista, fundamentadas no domínio do sujeito pelo objeto. Procura-se pensar nas relações do homem não só entre si, mas também dele com a sociedade da qual faz parte e as relações ali estabelecidas. Para José Paulo Netto (2009) o método de Belo Horizonte deve ser abordado como parte significante e singular do processo histórico do Serviço Social e como este método se diferenciou em muitos aspectos da perspectiva modernizadora, que não conseguiu desenvolver-se em contraposição ao tradicionalismo e autocracia burguesa. “O método que ali 54 se elaborou foi além da crítica ideologia da denuncia epistemologia e metodologia e da recusa das práticas próprias do tradicionalismo” (p. 276) Segundo NETTO (2009) há alguns equívocos presentes no Método como a confusa relação entre o método cientifico e o método profissional, a defasagem das referencias teóricas para a própria intervenção profissional e sua formulação e o equivoco da atribuição feita à profissão como promovedora da transformação da sociedade e do homem. Para José Paulo Netto (2009), os experimentos do Método de Belo Horizonte apresentaram dificuldades que comprometeram a sua formulação como, mas mesmo com contradições e falhas o Método de Belo Horizonte pode ser considerado um grande marco para a categoria profissional dos assistentes sociais, determinantemente significativo para a perspectiva da intenção de ruptura que mais adiante foi possível ser repensada e rediscutida para a reconfiguração das fragilidades e dificuldades identificadas anteriormente. Com isto, assim como a preocupação voltada à ocupação de um papel crítico e político em face de um posicionamento teórico e prático, a profissão se define como categoria a favor dos setores oprimidos da sociedade. Ora, é precisamente na perspectiva da intenção de ruptura que se plasmam as conotações inerente a um exercício profissional (e suas representações) compatível com a modernidade: o reconhecimento dos projetos societários diferenciados das classes e dos parceiros sociais, a compreensão da dinâmica entre classes/ sociedade civil/ Estado, a laicização do desempenho profissional, a assunção da condição mercantilizada dos serviços prestados pelo profissional etc. (NETTO, 2009 p.305) Estas correntes nortearam diferentes concepções no âmbito da atuação profissional do Assistente Social por um período compreendido até mesmo após o Movimento de Reconceituação, persistindo até nos debates da contemporaneidade. O Congresso da Virada em 1979 é um marco diante das transformações e processos ao qual a categoria esteve participante, os eventos acadêmicos e a participação e mobilização dos estudantes de Serviço Social fizeram da década de 1980 um período de mudanças significativas para os estudantes e profissionais. O Serviço Social na década de 1980 carregou as vivências e experiências do Movimento de Reconceituação, facilitando então a sua inserção no processo de debates em torno da redemocratização do país e se engajando em Movimento Sociais, se aproximando da Teoria Social de Marx. 55 Neste período pode-se observar uma constatação das mudanças decorrentes dos processos das décadas anteriores, contribuindo para uma alteração na visão de homem e de mundo que deve orientar a ação profissional, procurando pensar nas relações sociais préestabelecidas. Sendo assim, o Serviço Social se aproxima de um posicionamento hegemônico dentro da categoria de compromisso com uma orientação teórico metodológica pautada na luta dentro da perspectiva da garantia e ampliação de direitos, do comprometimento com a classe trabalhadora, a participação nos Movimentos Sociais e a transformação social. Por sua radicalidade histórico-critica, a teoria social de Marx só interessa a quem concebe a história como um campo de possibilidades abertas – não apenas à barbárie, à desumanização, à reificação do presente - , mas, sobretudo, aos projetos coletivos que apostam na criação de uma nova sociedade, onde a liberdade possa ser vivida, em todas as suas potencialidades. (BARROCO, 2008, p.15-16) O legado sócio-histórico ao qual a profissão esta intrinsecamente atrelada se faz necessário para se analisar o processo de consolidação do atual posicionamento assumido pela categoria e expressado no seu Código de Ética formulado em 1993. A partir de 1993, o Código de Ética passa a ser uma das referencias dos encaminhamentos práticos e do posicionamento político dos assistente sociais em face da política neoliberal e de seus desdobramentos para o conjunto dos trabalhadores. É neste contexto que o projeto profissional de ruptura começa a ser definido como um projeto ético-político referendado nas conquistas dos dois Códigos (1986 e 1993), nas revisões curriculares de 1982 e em 1996 e no conjunto de seus avanços teórico-práticos construídos no processo de renovação profissional, a partir da década de 60. (BARROCO, 2008, p.206) Desde a Constituição Federal de 1988, o Serviço Social e a Assistência Social avançaram no cenário brasileiro, garantindo, ao menos legislativamente, ganhos e conquistas aliados a participação e a mobilização popular. Em 1993 com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o que antes era considerado favor passa a ser regulamento como direito garantido pelo Estado. O assistente social passa a ocupar espaços como educador social, as suas ações perpassam o âmbito do direito e da cidadania, na luta pela transformação social e a emancipação do homem. O Assistente Social, através da prática direta junto aos setores populares, dispõe de condições potencialmente privilegiadas de apreender a variedade 56 das expressões da vida cotidiana, por meio de um contato estreito e permanente com a população. Sendo esta proximidade aliada a uma bagagem científica, que possibilite ao profissional superar o caráter pragmático e empirista que não raras vezes caracteriza sua intervenção, poderá obter uma nova visão totalizadora da realidade desse cotidiano e da maneira como é vivenciada pelos agentes sociais (IAMAMOTO & CARVALHO, 2005, p. 115). A Política Nacional da Assistência Social (2004) e o Sistema Único de Assistência social (2007) foram avanços na Política de Assistência, necessárias para a atuação profissional que não deve mais se colocar na postura de quem faz caridade ou ajuda, é um profissional apto para atuar pautado em políticas. A Constituição Federal, a Lei Organica de Assistencia, o Estatuto da Criança e do Adolescente são conquistas recentes da população brasileira, são frutos de amplas mobilizações, que ai estão para consagrar o campo dos direitos sociais, núcleo fundante da democracia, terreno fecundo para o exercício da cidadania. Contudo, não é bem isso que se vê no plano político nacional, em que o social é visualizado como mero apêndice do econômico. Se uma nova relação vem se estabelecendo, ainda que de modo tímido e não generalizado, não é pelas determinações dos governantes do país, mas sim pela luta cotidiana de vários segmentos da população no sentido de inverter o eixo dessa relação e de marcar a sua presença no cenário da história nacional como sujeito político e não apenas como categoria econômica. (MARTINELLI, 1998, p.141) São muitas as dificuldades e os desafios presentes na contraditória ação do profissional que atua na efetivação das Políticas Sociais na atualidade, todavia todo o debate travado neste processo nos leva a acreditar na possibilidade de mudança e da realização de um trabalho crítico em compromisso com os usuários. Não pretendemos esgotar o assunto como acabada a partir das conquistas legislativas, mas sim admitir a necessidade de um debate massivo em torno da aplicabilidade e fiscalização, além da ampliação destas leis. 2.4 O assistente social e a creche na contemporaneidade: um debate a cerca do trabalho profissional do Serviço Social. Partindo da breve exposição realizada nas paginas anteriores é possível visualizar mesmo que minimamente alguns aspectos presentes na nossa realidade atual como o resultado de um caminhar prolongado através de décadas que ainda não se encontra fechado ou tido 57 como abatido, muito ao contrário, nos encontramos em um momento de constantes questionamentos, em um momento que aparentemente nos aponta uma direção de conquistas consolidadas, mas que não nos deve confundir com a impossibilidade de lutar por mais. A creche ainda se encontra em processo de implantação diante das transformações legislativas e diante das ideologias e preconceitos ao qual ela se encontra historicamente atrelada. O serviço social ainda carrega muitos desafios no âmbito das implicações do seu trabalho em um espaço demasiadamente contraditório e conflituoso e na viabilização das políticas publicas em conjunto com um trabalho educativo de cunho participativo e democrático. Pensar então a participação do Assistente social no trabalho da creche exige ressaltar a trajetória de ambos na historia de nosso país para assim compreender as limitações e os avanços deles, inseridos dentro de um contexto social político e econômico e as suas transformações no agir dentro da sociedade. Vale ressaltar a eminente preocupação no que norteia a educação social das crianças, no desenvolvimento de relações afetivas e na construção dos sentimentos de respeito, amizade, compreensão e solidariedade. Toda a atenção dirigida à educação infantil tem por finalidade a qualidade do atendimento às crianças. E, apesar de todas as mudanças no âmbito das políticas públicas e do aparato legal, elas são ainda hoje focalizadoras, seletivas e compensatórias, que são cada vez mais expressadas pelo número reduzido de creches que não atendem a demanda. (DAMACENO, 2006, p.41) A formação diferenciada do Assistente Social deve ir de encontro com a contribuição para a compreensão da creche enquanto espaço político, para uma apreensão de um trabalho voltado a uma perspectiva crítica no ambiente da creche, junto a outros profissionais no trabalho interdisciplinar afim do reconhecimento das contribuições de cada área profissional no processo de desenvolvimento da criança. Na sua atuação na creche o assistente social trabalha também na integração da equipe, família e as crianças. É papel do Serviço Social, pelo seu compromisso como profissão e como e como ser humano, tornar a instituição mais acessível aos usuários, despertando o desejo de participar, bem como facilitando o processo de comunicação entre entidade e usuários e entre usuários e entidade (SOARES, 2003, p.54). 58 O trabalho de Assistente Social dever ser voltado à interdisciplinaridade e a interrelação entre os diferentes setores que abrangem os cuidados relacionados ao desenvolvimento da criança e ao atendimento de sua família. “A inserção do Serviço Social na creche busca primeiro compreender sua especificidade, já que é uma área da educação, da psicologia, da medicina, da nutrição. É necessário visualizar o aspecto social que envolvem relações creche-familia-sociedade” (IZUMI, 2005, p.52) Um trabalho muitas vezes realizado somente no âmbito burocrático, mas que carrega um papel fundamental na dinâmica da instituição e sua integração com as famílias. Os profissionais que atuam na creche devem estar atentos a sua prática, no agir em favor e em conjunto com seus usuários, criando laços com as famílias e mais do que isso se comprometendo com as necessidades que surgem no universo infantil. É, contudo apoiado em estudos e base teórica que o profissional irá realizar uma analise da realidade apresentada e intervir através de uma prática coerente, indo de encontro com os interesses da infância garantidos no Estatuto da criança e do adolescente: “ Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e a dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.” Tendo em vista a creche enquanto um espaço educacional no qual as crianças são inseridas para participarem e se desenvolvem tanto pedagogicamente como emocional e socialmente, o trabalho do assistente social na creche atrelado à realidade social, pretende ser voltado a uma dinamização entre as demandas da creche e a sua interlocução com as manifestações da questão social, as mazelas do capitalismo e sua capacidade de uma análise de conjuntura na perspectiva da totalidade, para assim realizar e estabelecer uma relação entre aquela instituição e suas famílias e as mediações com a realidade capitalista indo além da imediaticidade do seu trabalho cotidiano. Numa palavra, o assistente social é profissional que, pela sua polivalência, que não é sinônimo de inespecificidade, pode concretamente reconstruir as mediações ontológicas estruturantes da dinâmica e das categorias históricas do concreto, trabalhando-as no plano das representações da população usuária, usando estratégias para a superação do nível da singularidade da prática, bem como pode, no processo de intervenção propriamente dita, ter a possibilidade de articular as forças e os sujeitos em presença. (PONTES, 2009, p.182-183) 59 Não obstante a necessidade em se compreender a construção do real no sistema ao qual pertencemos é importante um olhar as diversas temáticas que abordam o universo infantil e familiar, como a demanda especifica a ser atendida. O profissional do Serviço Social deve se apropriar do espaço da creche enquanto espaço político, a fim de realizar seu trabalho pautado no Projeto Ético Político da profissão, não se omitindo, ao menos se acomodando ao que já esta pronto. Como enfatiza FREIRE (1997,p. 79) “Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte” e a creche enquanto espaço que contribui para o se fazer, apresenta-se como possibilidade de desconstrução e atuação por meio do exercício de pensar e intervir através da articulação entre os profissionais, as famílias e as crianças atendidas. A realização de um trabalho político em consonância com os Movimentos Sociais e com as lutas da classe trabalhadora deve perpassar todos os segmentos no qual ela esteja inserida, segundo Yazbek (2004) o assistente social atua em: organizações públicas e privadas, como hospitais, centros de saúde, ambulatórios de saúde mental, pronto-socorros, abrigos para idosos e para portadores de deficiência, presídios, albergues, escolas, creches, clínicas, centro comunitários, centros de convivência, serviços de proteção à infância e juventude, empresas, construtoras, usinas sucro-alcooleiras, fóruns, universidades, bancos, entidades de prestação de serviços sociais e assistência em geral. Portanto, a creche deve ser apropriada enquanto possibilidade de atuação para além da sua funcionalidade de atendimento a crianças de zero a três anos de idade, tendo em vista a sua potencialidade de participação popular, viabilizada através de um trabalho em equipe com a participação de um assistente social, profissional este que consideramos ir de encontro com este compromisso. A contextualização contemporânea do Serviço Social requer do Assistente social desenvolver capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho, ou seja, ser um profissional propositivo e não só executivo. No âmbito da temática aqui pesquisada existem possibilidades de ação em conjunto não só que envolvam projetos de valorização e questionamento a cerca do que é pregado pela mídia e a real função do brincar, vestir e do comer, como também o trabalho político de desmistificação do objeto de consumo. Para Iamamoto (2001) o maior desafio que o Assistente Social vive hoje é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Entre as competências do assistente social, arroladas no Código de Ética de 1993, destacamos 60 “elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil”. Compreendemos que os educadores, assistentes sociais e familiares, devem lutar para que a publicidade dirigida a criança respeite a dignidade, a ingenuidade, a credulidade, a inexperiência e o sentimento de lealdade da criança e adolescente, conforme estipulado pelo CONAR e mais que isso abordar outros temas que se inter-relacionam nesta totalidade. Assim, estaremos não só cuidando e educando das crianças, mas contribuindo na luta pela efetivação da regulamentação da publicidade de produtos infantis, a fim de promover o embate a um fenômeno muito explorado pela mídia e toda a rede mercadológica, na qual se envolvem os interessados em faturar com a ideologia do consumo infantil, assim como fomentando a discussão do próprio sistema capitalista e suas mazelas. 61 3º CAPÍTULO PESQUISA DE CAMPO. ... Tomara que esses versos Chamem sua atenção E que no seu dia-a-dia Sirvam de reflexão, Para não cair nas tramas Das novelas e programas Que têm na televisão ( Os jovens de hoje em dia e a influência da TV – José Acaci) 62 Neste ultimo capitulo abordaremos a pesquisa de campo a fim de estabelecer um diálogo entre as falas apresentadas e a pesquisa teórica em uma perspectiva dialética. 3.1 Procedimentos Metodológicos Compreendendo a metodologia, segundo Minayo (1999), enquanto o método a ser utilizado para o desenvolvimento e a realização de um estudo mais aprofundado do trabalho em questão, que deve ser capaz de encaminhar a teoria na orientação da prática e os impasses causados na relação entre ambas, apontando a direção na qual caminharão os processos nela estabelecidos. A metodologia se coloca como parte fundamental para o processo de concretização da pesquisa, na forma de caminho a ser caminhado “Entendemos por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade” (MINAYO, 1999, p.16). Partindo da analise dos objetivos deste trabalho é possível compreender a relevância de uma pesquisa embasada em um referencial teórico pautado em uma analise crítica do processo histórico e de uma pesquisa de campo que possibilite a apreensão do movimento da realidade ao qual este trabalho se limita. A pesquisa se iniciará com levantamento bibliográfico e documental a fim de criar condições de debate teórico crítico, estudando autores e pesquisadores das três maiores áreas de interesse da pesquisa: a creche, o consumismo infantil e a atuação profissional do assistente social. Consideramos que é essencial a compreensão dos processos históricos vivenciados pelas sociedades e a sua confrontação com a realidade atual e a temática da pesquisa, por isso partimos de uma pesquisa bibliográfica que aborde a construção históricas pertinente ao nosso objeto de estudo, para assim a contribuição da construção de uma perspectiva sócio-histórica dos fatos problematizando-os em contraposição com as relações sociais estabelecidas. Contamos também com pesquisa documental na obtenção de conhecimentos específicos pertinentes a temática, assim como legislações pertinentes. O presente projeto conta com pesquisa de campo, a fim de buscar proximidade com objeto em estudo a partir da realidade apresentada, interagindo e contribuindo mutuamente com ela, buscando sentido a pesquisa de forma dialética com a realidade. Entendemos que pesquisa se realiza não só através do direcionamento do olhar do pesquisador, mas também na dinâmica deste com o objeto. 63 Não é apenas o investigador que dá sentido a seu trabalho intelectual, mas os seres humanos, os grupos e as sociedades dão significado e intencionalidade a suas ações e as suas construções na medida em que as estruturas sociais nada mais são que ações objetivadas. O nível de consciência histórica das Ciências Sociais está referenciado ao nível de consciência histórica social (MINAYO, 1999, p.14) A pesquisa social esta intimamente ligada à realidade e é diante dela que o pesquisador irá lançar seu olhar buscando responder e aprofundar seus estudos de maneira crítica. Como considera Minayo (1999), o objeto da pesquisa é histórico, por isso a necessidade de se compreender o processo no qual ele esteve inserido e articular o seu histórico com a sua atual conjuntura, num desdobramento entre o presente, o passado e as projeções de futuro. A pesquisa social tem como direcionamento debates a respeito das temáticas sociais, englobando demandas apresentadas na dinâmica em sociedade, tendo como prioridade as especificidades características do ser humano e suas relações sociais. Consideramos o uso da análise qualitativa mais apropriado, abordando as diferentes opiniões e dando espaço a uma melhor visualização da complexidade que perpassa a atuação do assistente social na creche, não descaracterizando a importância da análise quantitativa, mas ressalvando a aplicabilidade que melhor se encaixa no contexto e nos objetivos da presente pesquisa, a qual assim como na análise qualitativa: “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operalização de variáveis” (MINAYO, 1999, p.21) A pesquisa contou com observação do espaço de trabalho e reconhecimento das funções e atribuições pertinentes ao assistente social, bem como o funcionamento das instituições, que ocorrerá através de visitas sistemáticas às instituições. A pesquisa de campo foi realizada através de instrumental considerado imprescindível para uma contribuição satisfatória e para o aprimoramento dos fatos apresentados, ou seja, a partir dos estudos voltados a instrumentalização da pesquisa de campo, realizamos entrevista semi-estruturada, visitas institucionais e o roteiro da entrevista elaborado de acordo com as inquietações pertinentes. Optamos pela escolha destes entrevistados, de acordo com a necessária coerência com os objetivos propostos, procurando responder os questionamentos que levaram a sua execução. 64 A pesquisa de campo será realizada através de entrevista semi-estruturada, contando com a presença de um gravador de áudio, que será utilizado em todo o desenrolar da entrevista, serão pré-formuladas algumas questões, mas com a abertura, diante da necessidade de se criar novas perguntas diante das inquietações desenvolvidas no decorrer da atividade e a garantia das livres manifestações para os profissionais. As questões a serem abordadas na entrevista, serão pré-formuladas e seguirão um roteiro que compactue com as inquietações do presente tema, a fim de tentar suprir e contribuir com as hipóteses e as implicações do trabalho do assistente social na creche no enfrentamento do consumismo infantil. A pesquisa de campo será realizada em duas instituições, para um maior aprofundamento nos sujeitos e para a possibilidade de contraposição nas falas e posições. Como parte do processo da pesquisa, será realizado levantamento de dados acerca das creches da cidade, na busca da contemplação por aquelas que possuam em seu quadro de profissionais a contribuição de um profissional com a formação de um assistente social. Foi estabelecido a importância em existir a diferenciação das formações históricas dos espaços sendo eles de origem e demandas diferenciadas como espaço para investigação e pesquisa de campo. A presente pesquisa busca estabelecer vínculo com a realidade e em conjunto receber contribuições e contribuir de maneira a agir nela e levantar apontamentos construídos a partir da pesquisa levando em consideração a contextualização histórico-social do objeto, em uma perspectiva de análise da abordagem dialética, como para GIL (1999, p.32): A dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influencias políticas, econômicas, sociais, culturais, etc. Por outro lado, como a dialética privilegia as mudanças qualitativas, opõe-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que a odem quantitativa se torne norma. Assim, as pesquisas fundamentadas no método dialético distinguem-se bastante das pesquisas desenvolvidas segundo a ótica positivista, que enfatiza procedimentos quantitativos Será realizada análise de conteúdo das entrevistas, que serão divididas em categorias de análise, sendo elas: o consumismo infantil no espaço da creche e o trabalho do profissional do Serviço Social na creche. A primeira categoria irá debater as questões pertinentes ao consumismo infantil e a possibilidade de sua discussão no interior da creche. A segunda categoria irá abordar o assunto a partir da familiaridade e o posicionamento do tema por parte dos entrevistados e as facilidades e dificuldades encontradas na sua discussão na creche. 65 Assim como para Minayo (1999) que se refere à análise dos dados na perspectiva dialética: “A dialética pensa a relação da quantidade como uma das qualidades dos fatos e fenômenos. Busca encontrar, na parte, a compreensão e a relação com o todo e a interioridade e a exterioridade como constitutiva dos fenômenos” (1999, p.24). Com base nos procedimentos apresentados, objetivamos estabelecer o método teórico pratico para a obtenção coerente as indagações e objetivos do presente projeto de pesquisa, orientados pelo Código de Ética do Serviço Social e o instrumental da profissão. Para Martinelli (1994, p.6) “E nós, que somos profissionais do social temos uma riqueza de vida que poucas profissões tem, temos uma atividade que se constrói na trama do cotidiano, que se constrói na trama do real.” É a partir do real que esta pesquisa se desenvolveu, comprometida com seus sujeitos e com o retorno desta a eles. Tendo em vista os pontos discutidos nos capítulos anteriores pretendemos a partir de então retomar na pesquisa de campo os rebatimentos históricos apresentados. 3.2 Universo da Pesquisa. A pesquisa se realizou na cidade de Franca, interior de São Paulo devido à proximidade física do pesquisador com o objeto de pesquisa. A cidade, segundo dados do Censo 2000 tem uma população de aproximadamente 287.400 habitantes e de acordo com o IBGE de 2009 estimou-se 330.938 habitantes. Seu principal produto de exportação e assim de vinculo empregatício é a produção de calçados e o couro, sendo fonte de renda para a população e fonte de exportação para a cidade. Todavia esses setores passaram recentemente por crises afetando assim toda a população que permanece muitas vezes no desemprego e na precarização do trabalho. Segundo a Secretária de Educação Municipal até novembro de 2010, a cidade mantinha em seu quadro de instituições de Educação Infantil um total de 44 creches, sendo destas 1 estadual, 2 municipais e outras 42 creches particulares/filantrópicas conveniadas com a Prefeitura de Franca. Destas instituições apresentadas acima, como já foi mencionado, duas foram parte desta pesquisa, sendo destas uma de cunho filantrópico conveniada com a prefeitura e outra estadual. Estas foram escolhidas por terem em seu quadro de funcionários uma profissional formada em serviço Social e por se disporem a contribuir com a pesquisa, sendo estas abordadas e convidadas a participarem e estas responderem de modo favorável a ela. Ambas iam de encontro com os objetivos apresentados na busca da reflexão do pensar profissional 66 na intervenção do espaço infantil a respeito do consumismo infantil e já discutiam de alguma forma esta temática no interior da instituição. As duas creches estabelecidas como universo de pesquisa de campo deste trabalho, se situam em regiões e bairros diferentes dentro da cidade de Franca, ambas possuem diferentes critérios e números de usuários. Estas a partir de então receberão neste trabalho a atribuição de letras ao invés de seus verdadeiros nomes, sendo elas A e B. A creche A foi fundada em 1970, é uma instituição reconhecida pelos órgãos municipal, federal e estadual, atende atualmente cerca de 135 crianças, mas possui uma lista de espera de outras 120 famílias aguardando uma vaga. A instituição conta com uma equipe de 15 funcionários, sendo eles: uma assistente social, uma secretaria, um coordenador, sete educadores, duas cozinheiras e três auxiliares de limpeza e uma voluntária. São atendidas crianças de 2 a 4 anos e 11 meses, sendo este o último ano que abrangerá esta faixa etária, passando a até 3 anos e 11 meses. A demanda se constitui de famílias de diferentes classes sociais, mas todas obedecem como critério de seleção as mães trabalharem fora e morarem ou trabalhem nas proximidades da instituição. A creche conta com recursos governamentais, verba pública repassada pelo município e Estado e através de promoções que a instituição realiza pra trazer fundos contando com a participação da comunidade. A entrevistada se formou em 1995 e trabalha na creche desde então, foi na mesma instituição em que ela estagiou enquanto estudante, a chamaremos de Ana. De acordo com ela assim se resumem suas atividades: o serviço social além de toda a parte burocrática que é relatar, documentar, fazer projetos, relatórios, [...] a gente tem que acompanhar de verdade , porque a criança esta deste jeito, por que que com esta criança está acontecendo isso, e tudo envolve as famílias, então meu trabalho é mais voltado para as famílias, [...] os problemas surgem aqui através das crianças, as famílias vem buscam a gente como uma forma de apoio, mas a maioria das vezes a gente trabalha voltado pra esse contato , criança, família e creche ta sempre nesse círculo. (Ana) A entrevistada menciona que sua atuação não esta pautada somente na parte burocrática, procurada fazer um trabalho propositivo. Para Iamamoto (2001) a atuação do Assistente Social deve ir além das rotinas da instituição, deve buscar apreender o movimento da realidade para detectar tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas pelo profissional. 67 A entrevistada enfatiza também que seu trabalho está voltado à família da criança usuária da creche. Segundo Yazbek et al (2008) o trabalhar com a família, esta na profissão desde sua origem, que de início foi utilizado como uma das principais mediações disciplinadoras da classe trabalhadora diante do agravamento da questão social naquele contexto histórico. Atualmente ainda se constata a tendência de deslocamento dos conflitos que tem fortes raízes societárias para os âmbitos privados da esfera doméstica e comunitária, com a sua conseqüente despolitização e culpabilização das famílias pelas situações em que se encontram. A creche e pré-escola B é uma instituição que atende a filhos de funcionários de uma Universidade de Franca, crianças na faixa etária de 3 meses a 6 anos e 11 meses, em período integral ou parcial conforme a necessidade da família. Fundado em 1988 e desde 2009 passou a funcionar em prédio próprio construído para a sua funcionalidade. O seu limite de atendimento é de 32 crianças, mas atualmente conta com 28 crianças. O quadro de funcionários é formado por 10 profissionais, todos contratados pela Universidade, sendo eles: os agentes de desenvolvimento infantil, qualificados com nível superior em pedagogia atuando diretamente com as crianças, uma auxiliar de enfermagem, um auxiliar administrativo, cozinheira, auxiliar de limpeza, auxiliar de serviços gerais e a entrevistada enquanto assistente social também formada em pedagogia, na função supervisora de creche. Formada em serviço social em 1989, a denominaremos Maria, segundo ela as atividades desenvolvidas são as seguintes: as atividades que eu desenvolvo são relacionadas aos aspectos administrativos e pedagógicos da instituição que envolve desde da questão do projeto político pedagógico, planejamento de atividades, orientações aos funcionários, orientações as famílias, tendo ai permeado nesse trabalho educativo todo o embasamento do serviço social em relação a visão de homem, a visão de educação, a visão de sociedade. (Maria) Em sua falta relata que executa atividades administrativas e pedagógicos pautadas no projeto ético político da profissão. No Serviço Social contemporâneo o processo de trabalho é pautado no instrumental técnico-operativo, teórico-metodológico e ético-político. O instrumental técnico-operativo não deve ser compreendido apenas como um conjunto de técnicas utilizadas para efetivação do serviço, mas também a utilização do teórico-metodológico (conhecimento, valores, herança cultural, habilidades). O assistente social ao utilizar o referencial teórico-metodológico deve permitir apreender a realidade numa 68 perspectiva de totalidade e construir mediações entre o exercício profissional comprometido e os limites dados pela realidade de atuação. Ambas as entrevistadas se mostraram muito abertas a responder as questões levantadas e a contribuir com a pesquisa assim como a apresentar a instituição. Enriquecendo assim a pesquisa de campo, parte fundamental deste trabalho. 3.3 Análise das entrevistas A análise das entrevistas será realizada e subdividida em categorias para um melhor foco na abordagem dos temas, lembrando que não pretendemos fragmentar a discussão, entendemos que as categorias se complementam que não devem ser consideradas isoladamente entre si, mas como parte de um contexto que pertence a uma determinada realidade social, utilizaremos deste método apenas como forma de organizar as idéias abordadas, mas estas certamente devem ser relacionadas com outras dimensões já abordadas neste trabalho como em outras que o leitor deve se dispor a construir no discorrer de sua leitura. 3.3.1 Consumismo infantil no espaço da creche. Como já apresentado anteriormente neste trabalho à creche se estabelece enquanto espaço no qual se reúnem profissionais qualificados, as famílias envolvidas e as crianças que se inserem diariamente neste local. Sendo assim preocupa-nos refletir a respeito do papel educativo atualmente já consolidado legislativamente e devidamente reconhecido no Brasil, mas que ainda necessita ser aprimorado e exercitado ativamente nestes espaços. Tendo em vista a necessidade de um trabalho educativo de cunho político e social estar em coerência com a realidade e com as constantes transformações ocorridas na nossa sociedade, consideramos de fundamental importância inserir temas pertinentes a reflexões dentro da creche, trazida não só pelos profissionais como de todos os seus usuários. Sendo assim, o consumismo infantil aparece como uma importante demanda a ser pensada e estudada, principalmente nos espaços que envolvam crianças e suas famílias. Abordamos com as entrevistadas inicialmente a maneira como elas analisam o consumismo infantil e a sua relação com a mídia no contexto atual, para a partir disso realizar um debate com base em sua compreensão sobre o assunto, já que, uma vez que um 69 posicionamento em favor ou indiferente a questão influencia o direcionamento que cada uma manisfestou no decorrer da entrevista. O assistente social de acordo com o seu Código de ética não possui uma única linha de orientação teórica e tem como um dos princípios éticos, o respeito ao pluralismo, mas como um dos princípios fundamentais ele deve trabalhar em um projeto profissional que defenda a criação de uma nova ordem societária contra qualquer forma de exploração. Para Barroco (2008) o profissional de Serviço Social “encontra sua identidade profissional na função de educador e organizador da população, a serviço das classes subalternas, no processo de construção de uma nova hegemonia”.(p.171) Tendo em vista o objetivo de capturar uma analise individual das entrevistadas e respectivamente sua visão de realidade voltada para um olhar a respeito da mídia e a sua relação com a infância questionamos o seu posicionamento diante desta realidade, que segundo Linn (2006): O hábito de comprar por impulso ou de fazer comprar baseadas nos apelos emocionais de um comercial sem qualquer tipo de analise é outro comportamento de clientes que beneficia as empresas, não os consumidores. Se prestarmos atenção à maioria dos comerciais de hoje, especialmente os comerciais para crianças (e especialmente os comerciais para crianças sobre comida), eles não contêm muita informação útil sobre o produto. Os comerciais do McDonald´s, como os baseados no Ronald, nem mesmo preocupam-se em mencionar a comida. (LINN, 2006, p.239) Portanto, a criança passa horas assistindo televisão, e está exposta a publicidades dirigida a ela, com isso familiarizando-se com as marcas anunciadas no seu programa preferido. Preocupados em adquirir o produto, como por exemplo, McDonald’s, sem se preocupar com que esta comendo e com a real necessidade daquele tipo de alimentação. Os pais e os profissionais que trabalham e se relacionam com crianças devem estar alerta com este assunto. O consumismo infantil se apresenta como parte de um conjunto de efeitos de um processo histórico no qual a sociedade capitalista se consolidou e obteve garantias para a sua hegemonia até a atualidade. Sendo para Buckingham (2000, p.209) “atribui-se às mídias um superpoder capaz de governar comportamentos, moldar atitudes, construir e definir a identidade das crianças”. Para o autor atualmente a mídia é supervalorizada, ou seja na sua visão, há um exagero em atribuir efeitos negativos a mídia e a sua relação com a sociedade. 70 Abordamos que tipo de leitura do real as entrevistadas fazem no aspecto da mídia e a sua relação com o consumismo infantil intensamente propagado atualmente, sabendo da existência apresentada nas citações acima de posicionamentos diversos em torno da discussão. Para Maria Infelizmente as crianças são alvos da mídia, não só em relação ao consumismo, mas em todos os sentidos em relação quando você coloca consumismo em todos os aspectos de vestimentas, brinquedo, alimentação, quando que a gente pode perceber que a própria alimentação da criança pode ser influenciada pela mídia. No relato desta entrevistada é possível entender o seu posicionamento na perspectiva das crianças serem alvo da mídia em relação ao consumismo, e que não é só na alimentação, mas nas vestimentas, brinquedos, entre outros. O profissional de Serviço Social deve ter clareza da compreensão desta sociedade do espetáculo que está posta pelo sistema capitalista voltando-se prioritariamente a economia de mercado. A análise crítica da sociedade neoliberal é de grande importância para a análise da relação entre a criança e o consumismo, o contexto no qual a criança esta inserida está intimamente ligado à compreensão dos antagonismos e as mazelas presentes no contexto atual. Para Iamamoto (2001) o maior desafio que o Assistente Social vive hoje é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. O mundo contemporâneo, diante do contraditório contexto de transformações que se observam no capitalismo, acarreta impactos dessa conjuntura a sociedade de forma geral e as profissões, como o serviço Social, fazendo repensar sua prática profissional. Para tanto o assistente social deve ter habilidade e competência profissional para interagir neste mundo e nas novas questões que são apresentadas no cotidiano profissional. Ana aborda a questão relacionando com a responsabilidade e a contribuição não só da mídia como dos próprios pais: A gente percebe muito essa questão do consumismo no comportamento das crianças e que assim na maioria das vezes é incentivado e motivado pelos pais, as vezes parece que é um desejo dos pais: “ai que lindo, eu não tive isso, então vou dar isso pro meu filho”. Infelizmente aquela historia se repete, é bem repetitiva e é sempre a mesma, assim é como a gente enxerga, agora como a gente analisa, é o que eu acabei de colocar é cultural, as famílias que acabam incentivando, porque a criança em si se está com frio, põe uma blusinha de frio, ta brincando quer ficar com sapato confortável [...] Então é uma questão muito mais cultural e dos valores familiares do que da própria criança em si. (Ana) 71 Ana pauta-se na reprodução dos valores que são transmitidos a criança, dentro de sua família, porém cabe ressaltar que pensando a família como parte de um sistema alienante e contraditório esta se encontra em um processo de produção e reprodução que tampouco pretende possibilitar um rompimento ou uma transformação nos valores já preexistente em seu cotidiano imediato. Como ressalta Marx; Engels (2006, p.92) “Depois de sofrer a exploração do fabricante e de receber seu salário em dinheiro, o operário torna-se presa fácil de outros membros da burguesia, do locador, do comerciante, do agiota etc”, e atualmente da exploração comercial publicitária e consumo em excesso. Na busca pelo padrão ideal de vida, muitas vezes baseado na vida de personagens de novelas, ou em se aproximar do estereótipo vivido pelas celebridades. “Tudo isso é uma parte integrante da educação capitalista pela qual os indivíduos particulares são diariamente e por toda a parte embebidos nos valores da sociedade de mercadorias, como algo lógico e natural” (MESZAROS, 2008, p.82.) Maria nos traz a seguinte reflexão: “a criança ela vai desde muito pequena com essa questão do consumismo, ela vai se tornando só um mero consumidor, mas vai se tornando um individuo que não atribui muito valor aos objetos que inclusive não desenvolve muito sua capacidade criadora, pelo fato de ser tudo "tem, depois já estraga", como se fosse descartável tudo (Maria) A fala da entrevista mostra que a criança desde pequena vai se tornando um consumidor, valorizando por um curto prazo os seus objetos e desvalorizando as relações que podem ser construídas em torno até mesmo do brincar. Isto pode estar ligado a vários fatores, entre eles a dificuldade dos pais em colocar limites. Com as mudanças na família, a entrada da mulher no mercado de trabalho, surge então, a culpa, a insegurança e a associação errônea de educação com repressão ou compensação. Segundo Franarin e Furtado (2009) os pais ausentes, longe de seus filhos sentem-se inseguros em relação ao amor destes. Como forma de compensar esta “ausência”, realizam todas as vontades nos filhos. Procuram evitar o não. Isso pode levar a um grande equívoco, pois afirmar limites é construir uma referência de afeto, é forma de amor e demonstração de que o filho, ou aluno é importante a figura de alguém que irá possibilitar um diálogo em torno do que se pode ou não ser feito. De acordo com as afirmações, compreendemos a atuação da família como primordial neste aspecto, os profissionais da instituição devem contribuir e serem parceiros, 72 mas não são eles os principais responsáveis pela formação da criança, como afirma Franarin e Furtado (2009) as famílias já não sabem como educar seus filhos, recorrem a especialistas, delegando tal responsabilidade a escola/creche, psicólogos, médico, que devem colaborar de acordo com as suas capacidades e especificidades profissionais para a melhor forma desta família se sentir acolhida nos assuntos pertinentes a educação de suas crianças, mas ressaltando as responsabilidades cabíveis as famílias. A relação creche/família deve ser pautada no dialogo e respeito, a instituição deve receber os pais e fazer da escola infantil um espaço para o dialogo e convivência. Freire (2008) enfatiza que a escola, nas reuniões com os pais deve colocar temas significativos que envolvam tanto os professores na relação com os alunos, quando os pais na relação com seus filhos, tais como limite, rotina, agressividade, sexualidade, consumismo infantil entre outros, que fazem parte do dia-a-dia, em que pais e professores se coloquem em seus desafios, podendo em muitas situações, a escola lançar luzes para o entendimento dos pais de sua importância enquanto educadores, na relação com seus filhos. A creche se coloca então como um espaço rico, multifacetado por representações sociais já previamente estabelecidas, da reprodução do real, enquanto universo de diferentes manifestações da infância, criando então a possibilidade de problematizamos uma questão referente aos rebatimentos apresentado pela influência do consumismo infantil nas instituições em que realizamos a pesquisa. a gente observa por exemplo uma sandália nova, uma sandália da Xuxa, sandália da angélica passa poucos dias as crianças estão com os sapatos nos pés na instituição, e começam a mostrar, olha eu tenho e você não tem, a questão dos brinquedos também, as crianças brincam pelo que é ditado na mídia, a questão das vestimentas, e a gente observa que grande parte do que as crianças consomem é determinado sim pela mídia, não só as crianças mas as próprias famílias são envolvidas, nesse engoldo. [...] Como eu falei, as crianças trazem pra dentro da instituição todo esse consumismo que é adquirido fora. (Maria) No depoimento da Maria é possível perceber o como as relações de poder de compra são reproduzidas dentro da creche pelas próprias crianças e muitas vezes reforçadas pela família, como aborda a assistente social Ana ao falar de casos que ocorrem com freqüência na creche em que trabalha, muitas vezes necessitando orientar as famílias a respeito da maneira como a criança se apresenta na instituição: [...] comprar um tamanco de salto pra uma criança de 2 anos, vai machucar o pé, a criança mal sabe andar, tem muitas dificuldades, não se equilibra, não é o ideal, ou compra de repente aquele brinquedo nada ver que a criança não 73 compreende o objetivo daquilo, mas ta na moda, a prima tem o vizinho tem então meu filho também vai ter (Ana) A criança aparece no consumo muitas vezes como uma influenciadora dentro da família, que acaba cedendo as suas vontades. Como os publicitários já reconheceram, as crianças podem até não ter muita renda própria para gastar, mas seu “poder de importunar” exerce uma influência real nas decisões de comprar na família” [...] Nos Estados Unidos, por exemplo, o mercado para criança é calculado em 10 bilhões de dólares por ano: mas a influencia total das crianças é calculado em 130 bilhões de dólares anuais de acordo com estimativas. (BUCKINGHAM, 2000, p.212) Como já foi abordado no primeiro capitulo deste trabalho partimos da concepção de que o “consumismo infantil” se constitui historicamente dentro do desenvolvimento do capitalismo, da modernização das formas de reprodução dadas no mundo do trabalho, do desenvolvimento técnico cientifico industrial e de fatores como a globalização e a formação de grandes monopólios mundiais, porém defendemos também um trabalho pautado na luta pela mobilização popular em defesa da regulamentação voltada à publicidade em defesa a infância e um trabalho de cunho educativo no sentido de discutir e rediscutir as formas de apropriação da riqueza socialmente produzida e as formas de controle e alienação presentes no sistema neoliberal capitalista. Nesse sentido, observa-se, primeiramente, que o ponto de partida é o reconhecimento do caráter amplo da educação, que geralmente é tratada apenas em sua dimensão mais restrita, ou seja, enquanto processo formal que transcorre no interior de uma instituição criada para tal. Resgatada em sua dimensão mais ampla, concebe-se que a educação, entendida como aprendizado pelo qual o ser social incorpora certos conhecimentos que lhe permitem compreender e agir sobre a realidade que o cerca, é um ato que marca a própria materialidade do homem. (GONÇALVES; MATTOS; ORSO, 2008, p. 39) Pensando a creche enquanto espaço educativo tanto no atendimento a infância como as suas famílias, é importante ressaltar a necessidade de um comprometimento dos profissionais ao abordarem este tema em defesa da sua demanda e não se apropriando de um discurso feito pela elite dona dos meios de produção que tende somente a lucrar com a propagação do consumo e do espetáculo midiático. Tendo em vista o que já foi até aqui discutido, partimos para o questionamento a respeito da possibilidade de debate em torno desta temática no espaço da creche levanto a possibilidade deste espaço ser entendido enquanto local disponível para discussão. 74 Nas duas instituições foi possível perceber a realização de trabalhos preocupados em ressaltar e contribuir com novas formas de apreensão da realidade, preocupados em reinventar e resgatar o brincar e o comer de formas saudáveis voltados à necessidade e ao desenvolvimento da criança e ao seu bom relacionamento com a família, não visando atribuir valor monetário a esses espaços. A gente procura no espaço aqui da creche principalmente trabalhar buscando pela questão das crianças ainda muito pequenas, nos poderíamos falar, num trabalho de conscientização, é claro que você ja vai colocando umas sementes já trabalhando, mas sempre procurando demonstrar para as crianças como, por exemplo, a questão dos brinquedos, então a gente tem um trabalho voltado para as brincadeiras folclóricas, a construção de brinquedos demora pra mostrar que ha outras formas de brincar sem que seja com a Barbie, com o Ben 10, o carrinho da Hot Wells, então mostrar para as crianças acho que esse é um papel educativo da instituição, não só para as crianças como também para as famílias, que ha outras possibilidades (Maria) Para Maria é necessário um comprometimento na intenção do criar e recriar formas de trabalhos alternativos na promoção de um novo olhar, fonte de criação de alternativas frente à realidade consumista. Menciona em sua fala a questão da construção de brinquedos, procurando mostrar que há outras possibilidades, ao contrário da simples aquisição de brinquedos, muitas vezes caros incentivados pela mídia. Soares (2003) enfatiza que estimular brincadeiras, fornecendo materiais e idéias é um dos recursos mais importantes usados no desenvolvimento da criança. a) b) Direito de brincar brincar, ou seja, capacidade de representar a realidade através da fantasia na sua ação sobre objetos e/ou pessoas; jogos de faz de conta, jogos motores e jogos com regra simples (ECAPLANILHA PARA OPERACIONALIZAÇÃO, 1999, p. 90). A criança necessita de ajuda para desenvolver a criatividade. Precisa ser desafiada a encontrar soluções para problemas e decidir qual a solução é a melhor. Assim poderá colocar em prática suas idéias e decisões além de observar os resultados com segurança. A aprendizagem educadora que ocorre através da recreação dirigida (jogos de faz de conta, jogos motores, jogos com regras simples e outros) mostra a imensa riqueza, complexidade e precocidade da criatividade infantil, assim como sua importância em todo o processo de desenvolvimento. Ana apresenta exemplos efetivos abordados na instituição que trabalha: 75 na situação do brinquedo, a gente valoriza aquela brincadeira de relação entre as famílias, fica muito mais gostoso a mãe, o pai, o irmão, o tio, brincar de casinha com a criança, fazer uma bonequinha de pano, do que comprar aquela boneca mais cara que tem lá na loja e deixar a criança num canto brincando sozinha, o que que é mais válido pra essa criança. (Ana) Ana nos traz uma reflexão à cerca da necessidade da interatividade da criança não só com o brinquedo, mas com outras pessoas, na qual a criança tem com quem dividir o brincar. Pensar possibilidades de diálogo com as famílias, para assim desenvolver projetos em conjunto, a necessidade em trabalhar o consumismo infantil como parte a ser abordada e trabalhada de interesse da creche e seus profissionais, para assim em uma orientação critica discutir para além do fenômeno. Tendo em vista uma perspectiva de repensar as formas de exploração e reprodução da nossa sociedade e o papel da ideologia do consumo na nossa sociedade. Como bem coloca Maria: principalmente com as famílias, pra estar mostrando a elas que muitas vezes nós somos levados ao consumismo, que é uma das artimanhas do sistema capitalista, no sentido de promover o ter, muitas vezes esquecendo da questão ser, pra que elas também não se sintam muitas vezes cobradas porque as vezes não pode dar, ou naquele momento não tem dinheiro disponível, eu acho muito importante trabalhar em relação a isso e também como os profissionais da instituição, é uma temática que precisa ser discutida com os próprios profissionais para que eles possam estar também fortalecidos para levantar este debate , pra responder a alguma situação que é manifestado no grupo de criança, ate mesmo pra desenvolverem alguns projetos (Maria) Foi possível perceber a existência de diferentes níveis socioeconômicos dentro da creche e a importância em se trabalhar estas diferenças dentro da instituição. uma competição eu tenho você não tem, e isso quando você trabalha num espaço, que com famílias diferentes níveis sócio econômico, embora todos servidores públicos, mas nos temos sim desde filhos de professores a crianças que são filhos de pessoas que desempenham uma função operacional (Maria) Através destas perguntas formuladas e apresentadas em forma de questionário semiestruturado percebemos que as creches pesquisadas já se preocupam em dialogar alguns abusos que são trazidos até a instituição em forma de exibicionismo e reprodução da supervalorização do ter, as instituições estão dispostas a trazer a família para este debate e se voltam a preocupação de recriar o brincar como estratégia aliada ao dialogo junto às famílias. 76 essa questão do consumo ela faz parte da vida de todo mundo a criança fica aqui o dia todo, e assim a gente consegue busca junto com aquelas famílias, na troca de informação, uma troca de experiência (Ana) Analisamos que esta discussão ainda necessita de aprofundamento e apropriação temática ressaltando a sua primordial importância e ligação à reprodução das relações socialmente estabelecidas. Pensamos então que é necessário o reconhecimento do papel educativo da creche, em uma perspectiva política num viés de desconstrução e questionamentos dos valores atuais, de maneira lúdica com as crianças e através de participação e abertura da creche para as famílias na possibilidade de transformação conjunta. 3.3.2 O trabalho do profissional do Serviço Social na creche: Pensando a partir da analise apresentada na categoria anterior é possível compreender o consumismo infantil e as suas forma no espaço da creche e maneira como ele é apreendido e as formas de embate utilizado pela instituição. Mas objetivando como foco da pesquisa o trabalho do assistente social, esta categoria de análise pretende discutir em que esta profissão pode contribuir e qual as dificuldades e facilidades encontradas para o desenvolvimento desta contribuição. Pensamos que o profissional do Serviço Social pode e deve se apropriar de assuntos referentes à realidade e as manifestações do real no seu local de trabalho e para além dele. Partindo do exercício da apropriação da realidade presente na atuação do assistente social, que deve ser entendido como ponto fundamental presente no cotidiano profissional, como bem coloca Pontes (2009) na sua discussão a respeito da mediação como método em Marx. A particularidade histórico-social da profissão representa o alcance de um complexo processo de análise-síntese do movimento do modo de ser mesmo da profissão na estrutura social. Significa conjugar a dimensão da singularidade, com a universalidade para se construir a particularidade. No plano da singularidade, comparecem as formas existenciais irrepetíveis do fazer profissional do cotidiano sócio-institucional, em que os sujeitos estão imersos na repetitividade e heterogeneidade da vida cotidiana. Na dimensão da universalidade, o fazer profissional é projetado nas leis sociais tendências e universais que regem a sociedade, encontram o sentido de sua inserção histórico-social. (PONTES, 2009, p.164) 77 Primeiramente abordamos se cabe de fato na visão das entrevistadas, ao Serviço Social a realização deste debate e se existe de fato a possibilidade de contribuição da profissão. Para Maria o serviço social ele tem um papel importante aqui, quando você discute se ele pode contribuir, eu acho que ele pode e deve contribuir por ser uma profissão interventiva, justamente por ser uma profissão de punho essencialmente educativo, então no espaço da creche ou no espaço de qualquer outra instituição o serviço social deve promover esse debate sim, junto no caso aqui as famílias atendidas, na elaboração de alguns projetos educativos, junto diretamente com as crianças [...]então através deste trabalho educativo, mas uma das grandes dificuldades é justamente rebater esse projeto maior inicial que é instalado. Maria ressalta o papel interventivo da profissão e o seu papel educativo primordialmente desenvolvido em face da consciência da existência de um projeto maior no qual estamos inseridos, baseado no neoliberalismo e na visão do mercado. Para Iamamoto (2001, p.18) é no contexto da globalização mundial sobre a hegemonia do grande capital financeiro, da aliança entre o capital bancário e o capital industrial, que se testemunha a revolução técnico-científica de base microeletrônica, instaurando novos padrões de demanda de trabalho, amplia-se a população sobrante para as necessidades médias do próprio capital, fazendo crescer a exclusão social, econômica, política, cultural de homens, jovens, crianças mulheres das classes subalternas, hoje alvo de violência institucionalizada. Segundo Ana: acredito que o serviço social, como uma parte desse grupo ele colabora nesse sentido, em levar as pessoas a refletir, sobre o que está acontecendo, sobre esta questão.(Ana) Ana aborda o papel de um trabalho que busque possibilitar a reflexão em torno das questões referentes ao consumismo infantil, mas é valido ressaltar que é necessário o empenho do próprio profissional em estudar e desenvolver uma postura critica, lembrando que esta postura não está intrínseca ao profissional, mas sim deve e pode ser construída tanto a ele como a qualquer outra pessoa. Maria ainda acrescenta: O serviço social ele vai ter que justamente de um trabalho educativo contribuir pra ir desvendando os olhos dessas famílias das pessoas em relação a essa questão desse trabalho educativo de conscientização de esclarecimento de informação, e aqui no caso especial por ser uma instituição de educação infantil (Maria) 78 Tendo em vista a realização de projetos desenvolvidos no interior da creche, voltados para a participação e envolvimento da família, Ana nos traz: São vários projetos que a gente desenvolve, projeto comunicativo, projetos infantis, projeto com a família, projeto com reuniões de grupos dentro das reuniões a gente desenvolve assim temas que são do interesse da família como valorização do ser humano, a gente procura trabalhar bastante a motivação pessoal, acho que a gente acredita numa postura assim: estar bem comigo primeiro pra estar bem com o outro , então a gente procura fazer este trabalho de valorização aqui na creche com as famílias, mas existe todo um trabalho voltado pra este lado. (Ana) Porem pensamos, que este trabalho realizado e desenvolvido pelo assistente social deve se preocupar também com questões políticas que perpassam o universo dos direitos e da implicação deste no cotidiano familiar, desencadeando nas discussões referentes ao posicionamento político adotado diante da realidade e as artimanhas e manifestações presentes no sistema capitalista que não nos permite compreendê-lo de imediato. Para Silva e Silva (2006), a ação profissional na contemporaneidade pode-se identificar alguns pressupostos: usuários: é percebido como sujeito do processo de intervenção profissional, o qual deve ser fortalecido no processo de organização e participação social dos setores subalternizados; educação política: visa alterar a correlação das forças sociais em direção a uma contra-hegemonia. Muitas vezes esta relacionada à prestação de serviços, ou seja, à prática da assistência social redimencionada na perspectiva de um direito social, voltando-se, para a mobilização, conscientização e organização popular. Posteriormente abordamos as dificuldades e as facilidades apresentadas na realização deste trabalho sendo elas apresentadas de acordo com as especificidades de cada instituição. Eu acho que uma grande dificuldade que nós temos é a própria ideologia, muitas vezes da família que acaba sendo envolvida por que a mídia é muito sedutora todo esse projeto de sistema capitalista ele é muito sedutor, a questão da competição, a questão do ter, a questão do poder mais do que o outro, ele acaba sendo muito forte nas pessoas, então muitas vezes você tem até uma proposta, de uma educação mais diferenciada e as próprias famílias são sim pouco contrarias (Maria) 79 Maria traz a questão da ideologia que é propagada e envolve as famílias o que dificulta a possibilidade ou a abertura do diálogo, passando assim a ter as próprias famílias como contrarias a um trabalho em prol de uma discussão contraria a reafirmação desta ideologia consumista. A dificuldade eu vejo assim que a gente não tem, 100% todas presenças , muitas vezes a gente tem a presença das famílias, mas não ocorre uma mudança na atitude ou no comportamento, então assim, isso as vezes a gente fica frustrada , e a gente percebe isso de que forma? Muitas vezes através de uma situação problema, você faz orientações, você faz abre pra discussão, faz encaminhamentos, e você percebe claramente pela atitude da criança, que não ta tendo uma resposta, um acompanhamento, um apoio do outro lado (Ana) Ambas abordam a dificuldade da realização de um trabalho que envolva o apoio das famílias, mas para isto é importante repensar a questão do espaço da creche enquanto espaço de construção com a consolidação da ocupação deste pelas famílias, é necessário compreender que as parcerias com os usuários têm que se torna algo natural de forma que eles se sintam parte de fato da instituição. Mas como ressalta Gadotti (2003, p.73): “É preciso que a rigorosa análise da situação não fique nela mesma, mas aponte caminhos e nos indique como caminhar” Um diálogo junto à população usuária e a outros espaços são de fundamental importância para se pensar um trabalho voltado a crianças e ao comprometimento com a construção de outra forma de conceber a infância e o consumo, mas é necessário que o processo não se rompa, é preciso dar continuidade na busca pela efetivação de ações e práticas transformadoras. A nossa 1ª reunião do ano é sempre essa, a gente busca mostrar para as famílias que nós somos parceiros, pra gente conseguir algo mais a gente precisa estar junto, sempre junto, sempre todos envolvidos no mesmo trabalho, eu falo isso por que a gente trabalha dentro de uma creche. A creche envolve as crianças diretamente, envolve todos os funcionários que trabalham aqui, com o objetivo que é a criança e atende todas as famílias destas crianças [...] a família que traz a história da criança, todas as influências que ela recebe. (Ana) Consideramos a pesquisa de campo rica em diferentes aspectos, pois foi possível apreender nas falas obtidas o como este tema é presente no cotidiano da creche e o quanto ainda temos a nos aproximar da temática apesar dela já ser discutida em alguns espaços, mas da real necessidade em relacioná-la a toda a conjuntura social pela qual vivemos, atribuindo a este trabalho um para além do consumismo infantil e pensando no futuro e na propagação das idéias e comportamentos que reafirmam a calamidade social ao qual nos encontramos “presos” a reproduzir diariamente, mesmo que de maneiras diferentes. 80 Como coloca Faleiros “É preciso que os trabalhadores sociais desenvolvam ainda mais sua capacidade crítica frente às instituições e sua capacidade política de pensar e agir estrategicamente para enfrentar com eficácia os problemas que se lhe colocam no presente para o futuro” ( 1996, p.16) Há a necessidade em estarmos atentos a novas demandas presentes no cotidiano profissional e a buscarmos aprofundamento teórico para desenvolvermos junto com a realidade apresentada formas de lidar e recriar o real, ao lado e em conjunto com os usuários e com outros profissionais partindo da compreensão de que nada está acabado e tudo é passível de mudança. 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS 82 Procuramos neste trabalho tecer uma análise a cerca da realidade a qual permeia a atuação do assistente social frente ao consumismo infantil no espaço da creche, objetivando um olhar a categoria e a sua responsabilidade diante das novas demandas socialmente produzidas no bojo das contradições do sistema capitalista. Tendo em vista o intuito de compreendermos as transformações históricas construídas anteriormente ao atualmente vivido, entendemos como parte do processo de pesquisa a necessidade de partimos da reflexão e o aprofundamento em referenciais teóricos para fundamentarmos as partes em si que compõe o nosso objeto de estudo. Sendo assim, através de uma releitura da construção histórica tanto do desenvolvimento dos meios de comunicação e a ideologia do consumo intensificada por eles, como o da própria formação e identidade da profissão do Serviço social e da creche no Brasil, desempenhamos os estudos de nossa pesquisa. Na abordagem referente à trajetória da propagação do consumismo infantil percebemos através da relação da compreensão que temos do sistema capitalista baseado na propriedade privada, na exploração do trabalho e a concentração da riqueza socialmente produzida, que o consumismo não deve ser encarado de forma “natural” e sim ser criticamente analisado na perspectiva de encará-lo como uma artimanha do capital para a reprodução desta ordem social. O estudo referente à construção histórica, mesmo que breve, da evolução dos meios de comunicação nos possibilitou acompanhá-lo junto com o desenvolvimento do próprio sistema e o seu fortalecimento no nosso país, na intencionalidade de apreendermos na dinâmica histórica o nível de complexidade e alcance dada a proporção da propagação da ideologia consumista na atualidade, percebendo também a formação dos grandes monopólios e o fortalecimento deste diante da própria política desenvolvida no Brasil. A trajetória da Creche e do Serviço Social nos possibilitou a compreensão da alteração dos papeis de ambas, em um período em que não só o Brasil como outros países passaram por importantes transformações, nós direcionamos um olhar voltado a necessidade destas alterações para o bem não só da população que se encontrava em estado agravante como do próprio Capital que se viu pressionado a conceder mudanças, nos atemos de modo positivo as conquistas dos Movimentos Sociais, mas não caímos na inocência de acreditar que o próprio capital não se beneficiou de alguma forma diante deste contexto. As transformações apresentadas neste trabalho decorrentes em décadas,estão fortemente atrelada ao desenvolvimento do próprio sistema capitalista no Brasil e a intensificação da Questão Social. 83 Através da pesquisa teórica foi possível criarmos uma visão voltada para a totalidade da história que compreende a temática deste trabalho, apesar de não darmos conta de esgotar o assunto somente neste, acreditamos que ainda há muito a ser estudado e abordado de diferentes maneiras, pautados numa visão critica e com a perspectiva transformadora em prol da contra hegemonia. Com isto nos fizemos mais seguros para a realização da pesquisa de campo, parte importante para o desenvolvimento do trabalho. Nas falas a respeito do consumismo infantil no espaço da creche foi possível perceber o quão arraigado esta temática se faz no nosso cotidiano, é visivelmente compreensível a preocupação das famílias e educadores no sentido da explosão das marcas e do consumo já na infância. Os sujeitos de nossa pesquisa nos falaram a respeito dos trabalhos desenvolvidos na instituição e sua preocupação voltada principalmente para a questão alimentar, foi possível perceber a creche enquanto espaço de manifestações claras da reprodução do consumo e da valorização de objetos que são exaltados na mídia, porém ainda se faz muito superficialmente este debate que merece um espaço de maior discussão. Foi possível perceber a existência de projetos que já são desenvolvidos nas instituições voltados para a valorização de atividades alternativas, no sentido da criação de outras formas de brincar e se alimentar, pautadas no verdadeiro significado dessas ações sem promover nenhum tipo de marca ou dar créditos a um determinado mercado. Acreditamos na maior participação da família, não só nos assuntos referentes ao tema deste trabalho, mas em todos os outros que se fazem necessário, na intenção da família se sentir parte da construção do espaço da creche. A respeito do trabalho do assistente social compreendemos, assim como foi colocado nas falas das entrevistadas, que cabe sim a este profissional junto a sua equipe trazer elementos para a possibilidade de inserir dentro da creche este debate, para em um trabalho de cunho político e não meramente ilustrativo, discutir a realidade e a sua relação com a lógica capitalista. É possível perceber a distancia existente entre esta discussão imediata e a sua essência, no sentido de debater as questões mais complexas que invadem o tema. Sabemos que este não é um retrato uniforme e que nosso universo de pesquisa não representa todo o amplo campo de trabalho dos assistentes sociais e as creches, mas ressaltamos a importância em se considerar o olhar que foi lançado a estas instituições. Nos preocupamos em não nos fazer simplista ou maniqueísta, de forma alguma pretendemos achar uma resposta pronta, temos o intuito de problematizar para assim pensarmos alternativas para formas de debate e participação popular, compreendemos que não 84 cabe ao assistente social sanar e encerrar o fenômeno em debate, mas acreditamos que cabe a este profissional se debruçar diante desta realidade e estudá-la a fundo a fim de criar junto aos seus usuários formas de trabalhar em prol de um rompimento com o estabelecido, através de um trabalho pautado no reconhecimento da luta de classes e dos antagonismos presentes no capitalismo para fornecer elementos para a população no sentido da criação e o desenvolvimento de Movimentos Sociais que falem por si diante da historia a ser construída e o futuro da humanidade. É em consonância com os princípios do nosso Código de Ética e em resposta a nossa trajetória política enquanto profissão que realizamos esta pesquisa no intuito não de isolar o consumismo infantil como um fenômeno inerte a toda realidade social estabelecida, mas sim de compreendermos a complexidade e a gravidade deste fenômeno em uma sociedade como a nossa. Consideramos a pesquisa valida no sentido do reconhecimento do conhecimento adquirido e construído em seu processo, esperamos que estas inquietações não cessem com o termino deste trabalho e que ela se volte aos profissionais sujeitos desta pesquisa em forma de possibilidade de trabalho efetivo. 85 REFERÊNCIAS 86 ABREU, Marina Maciel. Serviço social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002. ALVES, José Eustáquio Diniz. As Características dos domicílios brasileiros entre 1960 e 2000. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2004. ÁRIES, Philippe. 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