A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
O TERRITÓRIO NA NORMATIVA JURÍDICA QUE INSTITUI A REDE DE
ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
LUCAS TAVARES HONORATO1
Resumo: O presente trabalho propõe analisar o discurso do texto da Portaria do
Ministério da Saúde Nº 3.088, de 23 de Dezembro de 2011, que “Institui a Rede de
Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS)”, no que tange o conceito de território. Busca refletir
sobre as possíveis implicações, no âmbito das políticas de saúde mental no Brasil,
da emergência do conceito. Em torno disso, discute os limites e possibilidades da
sua mobilização na normativa, no sentido da melhoria na assistência e cuidado à
população em condições de sofrimento psíquico e dependência.
Palavras-chave: território, Rede de Atenção Psicossocial, políticas de saúde
mental.
Abstract: This study aims to analyze the text of the speech of the Ministry of Health
Ordinance No. 3088, of December 23, 2011, which "establishes the Psychosocial
Care Network for people with mental distress or disorder and needs arising from the
use of crack, alcohol and other drugs under the Unified Health System (SUS) ",
regarding the concept of territory. Seeks to reflect on the possible implications in the
context of mental health policies in Brazil, the concept of emergency. Around that
discusses the limits and possibilities of their mobilization in the rules, in order to
improve the assistance and care to people in psychological distress and dependence
conditions.
Key-words: territory, Psychosocial Care Network, mental health policies.
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense
(PPGEO/UFF) – Bolsista CAPES. E-mail de contato: [email protected]
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1 – Introdução
A importância do trabalho aqui proposto, está situado no âmbito de minha
pesquisa no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal
Fluminense (PPGEO/UFF). Fundamentalmente, aqui buscaremos explorar, de forma
inicial, reflexões que possibilitem o avanço na discussão sobre as implicações da
adoção do conceito de território nos discursos oficiais das políticas de saúde mental,
tomando como base a normativa que regulamenta e institui as diretrizes da Rede de
Atenção Psicossocial – a Portaria do Ministério da Saúde Nº 3.088, de 23 de
Dezembro de 2011.
A escolha deste “ato administrativo normativo” em particular, justifica-se por
dois motivos: pela sua importância como símbolo do progresso no processo de
Reforma Psiquiátrica, do avanço de um modelo de cuidado em Saúde Mental, de
“base comunitária e territorial”, substitutivo ao modelo manicomial; e como marco
jurídico-político, ao definir e prever os equipamentos de cuidado, e orientar suas
devidas competências e formas de articulação entre si e com a atenção primária em
Saúde. Desse modo, a análise do texto da normativa, que apresenta o território
como perspectiva norteadora das diretrizes, objetivos e ações na Rede, é crucial
para a reflexão sobre a melhoria na assistência e cuidado à população em
condições de sofrimento psíquico e dependência toxicológica.
Metodologicamente, o artigo se divide em três momentos: primeiro, um breve
debate sobre a relação entre norma e espaço, buscando pensar a relevância da
aproximação entre os campos da Geografia e do Direito, e orientando a discussão
para o debate da territorialização de políticas públicas; segundo, apresentaremos a
normativa, sua estrutura e posicionaremos as abordagens de território presentes em
seu discurso; terceiro, como considerações finais, esboçaremos algumas reflexões,
no intuito de direcionar questões no âmbito da relação entre território e políticas de
saúde mental, avaliando até que ponto realmente são propostas inovações que
possibilitem avanços, no sentido da melhoria na assistência e cuidado à população.
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2 – No princípio era substantivo, e o substantivo se fez verbo e o
verbo se fez carne...
Desde a década de 1980, os estudos sobre a relação entre a Geografia e o
Direito vêm sofrendo uma inflexão decorrente das críticas à abordagem positivista
saturada em seus campos científicos. Tanto o espaço geográfico quanto a norma
jurídica, vistos como entes em si, vão gradualmente sendo compreendidos enquanto
produtos sociais. Surge o olhar sobre a norma e o espaço enquanto processos
sociais. As disciplinas, que até então só se aproximavam de forma técnica (SOUZA,
2013), vêm se aproximando, ao rearticular conceitos e teorias na busca do
entendimento da sociedade: no campo do Direito, assistimos desdobramentos no
que tange o pluralismo jurídico, por exemplo, absorvendo e articulando diferentes
estruturas normativas a partir das diferenças nos/dos espaços; no campo da
Geografia, poderíamos citar, os avanços na busca de uma teoria geográfica crítica
que considere a sobredeterminação entre espaço e sociedade – como no caso da
abordagem da produção do espaço.
Cabe ressaltar, para uma interface profícua entre os campos, a preocupação
esboçada por Antas Jr. (2005, p. 79) é fundamental, quando afirma que “o Direito
deve ser entendido como instância social e não somente como ciência”, sendo
constituído por normas jurídicas e normas não-jurídicas, não devendo “ser
confundido com a prática do Advogado” (Ibid., p. 54). A norma aqui é entendida
como o nexo estruturante das relações entre os campos citados, enquanto parte
constituinte do espaço geográfico, a partir do momento em que:
As normas jurídicas e as formas geográficas guardam a propriedade comum
de produzir condicionamentos sobre a sociedade, funcionalizando-a para
diversos fins e direções distintas. Indivíduos, grupos e/ou populações têm
seus comportamentos constantemente submetidos a enquadramentos
[normas] geradores de resultados “socialmente desejáveis”. Essa coação
produzida externamente aos sujeitos pode ter sua fonte numa materialidade
[formas geográficas] apenas aparentemente inerte, uma vez que os
conjuntos de objetos artificiais e humanizados que a constituem arranjam-se
intencionalmente, de modo a obstaculizar dadas ações ou, ao contrário, a
promover-lhes a fluência. (Ibid., p. 61)
Há, ainda, as formas de solidariedade social que, reguladas pelas normas
morais, tal como as normas jurídicas, territorializam-se, sendo estruturadoras de
territórios. Apesar dos costumes apresentarem solidariedades distintas das normas
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jurídicas, muitos deles tendem a transformarem-se em normas jurídicas, na medida
em que se configuram essenciais à sustentação de uma comunidade. Por tanto, os
limites entre a norma jurídica e norma moral acabam por se diluírem.
Geografia e Direito se encontram, uma vez que a interação difusa dessas
diferentes concepções normativas transforma a “materialidade condicionadora da
vida social” (Ibid., p. 59), ao mesmo tempo em que direciona usos e
comportamentos (em vista aos “resultados socialmente desejados”), influi no
reordenamento dos espaços, podendo acarretar rearranjos espaciais, transformando
paisagens, re-configurando territórios e re-estruturando lugares.
Porém, o autor (Ibid., p. 70) nos alerta que
A regulação social e territorial, quer nos parecer, é efetivamente exercida
pelas instâncias que detêm poder de fato e não apenas um poder
declarado. Advém daí a proposta de um entendimento de que a regulação
do território nacional atravessa hoje [com a globalização] uma transição
para uma evidente divisão entre poderes: 1. o poder monolítico e extensivo
da hegemonia soberana; 2. o poder fragmentado, especializado por setores
econômicos (não necessariamente produtivos), formado por redes técnicas
e organizacionais − a hegemonia corporativa; e 3. a constituição de novas
2
formas de poder fundada no multiculturalismo.
À essa complexidade, o autor designa de forma híbrida de regulação. E, desta
forma, afirma que “a crise de regulação que o Estado atravessa neste período não
se dá em função de uma obsolescência de sua forma e de seu ente; reside, antes,
na crença de que ele é o único a regular o território em que está circunscrito. (Ibid.,
p. 51)
Nossa reflexão se situa neste contexto, mas do ponto de vista do movimento
de retomada do planejamento nacional e de produção de políticas públicas
nacionais, a partir dos anos 2000, onde o enfoque no território tem se tornado
estratégico para a absorção das demandas territoriais no modelo institucional, em
vistas à transformação do espaço social.
O programa de governo de redução das desigualdades, apoiado na pauta do
crescimento econômico com desconcentração social e regional de renda, vem
buscando reafirmar o papel da participação social (articulação de conselhos,
2
“Organizações sociais bem estruturadas, com ação local, regional, nacional e supranacional, de um
lado, e corporações transnacionais, de outro, são exemplos claros de uma nova tipologia de agentes
hegemônicos.” (Antas Jr., 2005, p. 65)
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orçamento participativo, consultas populares etc.) nos processos de decisão
(STEINBERGUER, 2013).
Destarte, segundo Rodrigues (2004), as inflexões na relação sociedadeEstado têm apontado para a territorialização das políticas públicas. Perspectiva que
se distingue da abordagem clássica das políticas públicas setoriais, onde o território
vem emergindo como uma possibilidade e uma promessa, para a construção e
reorganização do planejamento e das próprias políticas públicas. Tal concepção se
soma e se particulariza, no âmbito das políticas de saúde mental, às outras políticas
públicas do e integradas ao campo da saúde, formuladas e reformuladas neste
ínterim – como a NOAS-SUS 01/2001, que define o processo de regionalização da
assistência à saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), dando
protagonismo ao conceito de território. Deve ficar claro que esta nova perspectiva,
ao mesmo tempo em que particular ao contexto brasileiro, está inserida no bojo de
um conjunto de debates no mundo, seguindo o que podemos chamar de “tendência”
ou, nos dizeres de STEINBERGUER (2013), um “modismo”.
Aqui se situa nossa preocupação: apesar das apostas nos avanços que a
emergência do território tende à apontar no campo das políticas públicas,
compreendemos que ainda precisamos amadurecer o entendimento da dimensão
real de suas possibilidades e limitações. Este processo, urge, primariamente,
análises críticas das normativas que têm absorvido esta concepção. Porém, deve-se
ficar claro que esta forma de abordagem proposta neste artigo, apesar de basilar, é
apenas o passo inicial, visto que, para o estabelecimento de análises e críticas que
realmente apontem para um progresso teórico-epistemológico do debate, a
dimensão empírica, através dos estudos de caso, é fundamental.
2 – Encruzilhadas em Rede, território em evidência.
A orientação de uma Rede de Atenção Psicossocial, conforme proposta pela
Portaria do Ministério da Saúde Nº 3.088, de 23 de Dezembro de 2011, adequada
às diretrizes da Lei Federal Nº 10.216/2001 (“Lei da Reforma Psiquiátrica”, que
redireciona o modelo de assistencial em Saúde Mental), pressupõe “a atenção
integral articulada aos diferentes níveis de cuidado no Sistema Único de Saúde –
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SUS, oferecendo suporte às ações desenvolvidas no território, na busca da
autonomia dos indivíduos, da integralidade da atenção e da inserção social”
(MATEUS, 2013, p. 16)
Segundo o discurso do texto, a referida Portaria “Institui a
Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e
com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS)”. Para compreendermos o sentido e a amplitude
da medida instituída, é imperativo a definição de alguns conceitos.
A normativa compõe o corpo das políticas de saúde mental, enquanto
políticas de saúde concernentes às orientações e diretrizes do Sistema Único de
Saúde (SUS). Entenderemos políticas de saúde como “o conjunto de formas de
intervenção concretas na sociedade que o Estado aciona para equacionar o
problema das condições sociais de existência de grandes camadas populacionais;
(...) Em termos mais claros: a maneira como o Estado conduz o problema das
condições de vida das classes trabalhadoras.” (LUZ, 1994, p. 86).
Políticas estas, articuladas do ponto de vista da rede, que, no caso do setor
saúde, “supõe certa ligação ou integração entre os serviços, evitando que fiquem
dispostos de forma isolada, autarquizada, ou seja, sem comunicação entre si. (...) A
forma de rede regionalizada possibilita a distribuição dos estabelecimentos de saúde
em um dado território, de modo que os serviços básicos estejam mais disseminados
e descentralizados enquanto os serviços especializados se apresentam mais
concentrados e centralizados (...) de forma a garantir o atendimento integral à
população e evitar a fragmentação das ações em saúde.” (PAIM, 2009, p. 48). Os
princípios que dão coerência lógico-estrutural a esta organização em rede, se
referem à descentralização3 e a integralidade4.
“Busca adequar o SUS à diversidade regional de um país continental como o Brasil, com realidades
econômicas, sociais e sanitárias muito distintas. (...) Neste sentido, as decisões não devem estar
centralizadas em Brasília, sede do governo federal. As decisões do SUS seriam tomadas em cada
município, estado e Distrito Federal, por meio das respectivas secretarias de saúde, cabendo ao
Ministério da Saúde coordenar a atuação do sistema no âmbito federal” (PAIM, 2009, p. 49).
4
“Envolve a promoção, a proteção e a recuperação da saúde. Mas, além de ser integral, o
atendimento no SUS deve priorizar as atividades preventivas. (...) Esta diretriz do SUS, que busca
compatibilizar ações preventivas e curativas, individuais e coletivas, (...) representa uma inovação nos
modos de cuidar das pessoas e de buscar soluções adequadas para os problemas e necessidades
de saúde da população de um bairro ou de uma cidade” (Ibid., p. 50)
3
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Esse todo, organizado a partir do paradigma da Atenção Psicossocial, que,
segundo COSTA-ROSA (2013, p. 22), “se caracteriza por um conjunto de práticas
cujo arcabouço teórico-técnico e ético-político caminha na direção da superação
paradigmática da psiquiatria asilar”. Este modelo de produção de cuidado, se firmou
como política pública oficial do Ministério da Saúde ao longo do processo da
Reforma Psiquiátrica, orientado, principalmente, pelos seguintes pressupostos:
assume ética e tecnicamente a indissociabilidade entre a saúde psíquica e a
subjetividade; inclui a implicação protagonista do indivíduo nos conflitos e
contradições em que está imerso; exige uma concepção de saúde em termos de
processos complexos de produção social da vida material em sociedade; parte de
um fazer-saber diretamente dependente do trabalho vivo, ou seja, onde o trabalho é
entendido fora do princípio que caracteriza as disciplinas e se inclua na
transdisciplinaridade; recupera os modos cooperados de gestão dos dispositivos
institucionais e dos processos de produção da Atenção, onde os processos
micropolíticos são considerados fundamentais. (Ibid.)
Em síntese, compreenderemos aqui a normativa como uma orientação do
Estado que busca a resolubilidade, ou seja, a eficácia e eficiência nas ações em
Saúde
Mental,
através
da
definição,
promoção,
orientação
e
articulação
descentralizada de serviços e equipamentos dispostos à população alvo, em vistas à
um atendimento integral, absorvendo as demandas individuais, ao direcionar o
protagonismo da Atenção aos sujeitos, na complexidade de sua reprodução social –
daí a “sensibilidade espacial”.
Para isso, o documento define uma série de serviços e equipamentos5 que
deverão constituir a Rede (Art. 5), no que diz respeito à: atenção básica em saúde;
atenção psicossocial especializada; atenção de urgência e emergência; atenção
5
São equipamentos e serviços previstos (Art. 5): Unidade Básica de Saúde; Núcleo de Apoio a
Saúde da Família; Consultório de Rua; Apoio aos Serviços do componente Atenção Residencial de
Caráter Transitório; Centros de Convivência e Cultura; Centros de Atenção Psicossocial nas suas
diferentes modalidades; SAMU 192; Sala de Estabilização; UPA 24 horas e portas hospitalares de
atenção à urgência /pronto socorro, Unidades Básicas de Saúde; Unidade de Acolhimento; Serviço
de Atenção em Regime Residencial; Enfermaria especializada em hospital geral; Serviço Hospitalar
de Referência (SHR) para Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas; Serviços Residenciais
Terapêuticos (SRT); Programa de Volta para Casa (PVC); Iniciativas de Geração de Trabalho e
Renda; Empreendimentos Solidários e Cooperativas Sociais.
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residencial
de
caráter
transitório;
atenção
hospitalar;
estratégias
de
desinstitucionalização; estratégias de reabilitação psicossocial. Equipamentos e
serviços que deverão obedecer à 12 “diretrizes para o funcionamento da rede” (Art.
2), visando 3 “objetivos gerais” (Art. 3), através de 9 “objetivos específicos” (Art. 4).
No que diz respeito ao termo “território”, é citado num total de 10 vezes,
aparecendo no texto de 2 “diretrizes para o funcionamento da rede” 6; em 1 dos
objetivos gerais7; e 7 vezes, ao caracterizar os componentes da Rede e suas ações
e competências8.
Buscamos compreender e sistematizar as diferentes concepções do termo
adotadas em cada uma das citações, chegando à 3 “categorias principais de sentido
atribuídos ao conceito”: a) território como orientador das atividades terapêuticas; b)
território como unidade de gestão e planejamento em saúde; e, c) território como
aquilo que dá coerência à unidade político-administrativa do Estado.
2.1 – Território como orientador das atividades terapêuticas.
Esta forma de abordagem é a mais frequente ao longo do texto, sem, porém
apresentar definições claras. É que o texto considera e incorpora todo o conjunto de
outras normativas e Leis precedentes, transpondo seus conceitos e abordagens.
Este fato, longe de empobrecer o debate, nos obriga a referenciar nossa leitura em
alguns dos outros documentos considerados e incorpora-los no presente artigo.
A abordagem está presente em 2 diretrizes, sendo: a) “desenvolvimento de
atividades no território, que favoreça a inclusão social com vistas à promoção de
autonomia e ao exercício da cidadania” (Art. 2, inciso VII); e, b) “ênfase em serviços
de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos usuários e
de seus familiares” (Art. 2, inciso IX).
Também aparece em 1 dos 3 objetivos gerais – “garantir a articulação e
integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território, qualificando o
cuidado por meio do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às
urgências” (Art. 3, inciso III).
6
Art. 2, incisos VII e IX
Art. 3, inciso III
8
Art. 6 § 3º; Art. 7, § 1º; Art. 10, § 4º; Art. 12, § 2º; e, Art. 14, incisos I, II e III.
7
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Por fim, no que diz respeito aos componentes da Rede, aparece 2 vezes: a)
“no que se refere ao inciso II deste artigo, em nível local ou regional, compõe a rede
hospitalar de retaguarda aos usuários de álcool e outras drogas, observando o
território, a lógica da reduçã de danos e outras premissas e princípios do SUS” Art.
10, § 4º, acerca da “atenção hospitalar - serviço Hospitalar de Referência para
Atenção”); e, b) “as iniciativas de geração de trabalho e renda/empreendimentos
solidários/cooperativas sociais de que trata o § 1º deste artigo devem articular
sistematicamente as redes de saúde e de economia solidária com os recursos
disponíveis no território para garantir a melhoria das condições concretas de vida,
ampliação da autonomia, contratualidade e inclusão social de usuários da rede e
seus
familiares”
(Art.
12,
§
2º,
no
que
tange
às
“estratégias
de
desinstitucionalização”).
Este conjunto de referências apontam, principalmente, o direcionamento de
um discurso de território que emerge como o meio e, ao mesmo tempo, como a
condição para a Atenção, como base de organização das práticas de cuidado,
fundamentada nas noções de desinstitucionalização e em vistas à assistência
integral.
A desinstitucionalização, perspectiva fundante da experiência basagliana da
Psiquiatria Democrática, tem como preceito básico terapêutico a recolocação do
louco em sua condição de sujeito, permitindo a esse a reapropriação de sua vida e
abertura a outras possibilidades de ser, para além da doença – “a liberdade é
terapêutica!”
Nesta perspectiva, seria possível compreender o doente e agir em seu
benefício, empreendendo uma luta em duas esferas: na esfera científica e na esfera
política. Na luta contra a institucionalização do ambiente externo (luta política de
transformação da relação sociedade-loucura) e contra a institucionalização nos
manicômios, em busca de novos espaços e formas de lidar com a loucura.
Trata-se de “colocar a doença entre parênteses”, que “diz respeito à
individuação da pessoa doente (...) [de] realizar uma operação prático-teórica de
afastar as (...) superestruturas, produzidas tanto no interior da instituição
manicomial, em decorrência do estado de institucionalização, quanto no mundo
externo” (AMARANTE, 1994, p. 68 e 70)
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Através da noção de desinstitucionalização é expressa uma perspectiva de
cuidado territorial pela necessidade de “deslocamento das ações para o contexto
social dos usuários, de sua existência concreta, para mudar, em última instância, a
relação do corpo social com a loucura.” (ROTELLI, 1992 apud LEMEK E SILVA,
2013, p. 9).
Já a assistência integral aponta um trato com o sujeito do cuidado de forma
ampliada, descentrando o olhar técnico de análise das demandas em saúde do
ponto de vista puramente fisiológico, o que imputa ao agente de saúde o “cuidado no
território”, na complexidade dos contextos de vida dos usuários, na “complexidade
movente do território, seus contextos e interações” (LEMEK E SILVA, 2013, p. 10).
2.2 – Território como unidade de gestão e planejamento em saúde.
No que diz respeito à esta abordagem, podemos citar 2 momentos em que o
conceito é acionado, sendo: a) “quando necessário, a Equipe de Consultório na Rua,
de que trata a alínea "a" do inciso II deste artigo, poderá utilizar as instalações das
Unidades Básicas de Saúde do território” (Art. 6 § 3º, acerca da “Equipe de atenção
básica para populações específicas - Consultório de Rua”); e, b) “o Centro de
Atenção Psicossocial de que trata o caput deste artigo é constituído por equipe
multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar e realiza atendimento às
pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às pessoas com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em sua área
territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo, e não intensivo” (Art. 7,
§ 1º, no que tange a “atenção psicossocial especializada – CAPS”).
Aqui, apesar de em ambas as redações observarmos à filiação às normas de
regionalização e territorialização pautadas pelo SUS (NOAS 01/2001), podemos
notar dois sentidos distintos: por um lado, observamos a perspectiva da
territorialidade dos serviços, adequados as Regiões de Saúde – e, neste sentido,
território emerge como sinônimo de região; por outro, o território também aparece
como continente, como possuidor de equipamentos – muito se aproximando da
perspectiva de território como “receptáculo”, apontado por SOUZA (1995).
2.3 – Território como aquilo que dá coerência à unidade políticoadministrativa do Estado.
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Por fim, no que diz respeito à última forma de abordagem, podemos citar 3
momentos em que o conceito é acionado de forma idêntica, no que se refere ao Art.
14 (Competências para a operacionalização da Rede de Atenção Psicossocial) 9. Em
ambos os casos, o conceito é acionado na concepção histórica dos juristas da
relação Estado-território, do trato do território como espaço no qual vigora o poder
soberano do Estado; como constitutivo deste, aquele que o liga ao “povo” e lhe dá
coerência;
como
sinônimo
de
base
física,
recursos
materiais
e
limite
(STEINBERGUER, 2013).
3 – Considerações Finais
Concordamos com a concepção de SOUZA (1995), que compreende o
território como um “campo de forças, as relações de poder espacialmente
delimitadas e operando, destarte, sobre um substrato material”. E ainda: “o território
é sempre, e concomitantemente, apropriação (num sentido mais simbólico) e
domínio (num enfoque mais concreto, político-econômico) de um espaço
socialmente partilhado” (HAESBAERT E LIMONAD, 2007, p. 43).
E, ainda, com LUZ (1994, p. 88) segundo o qual, compreender as políticas de
saúde mental e, respectivamente, as diferentes abordagens de território prevista no
corpo da normativa, é preciso ter claro que elas “mediatizam saberes e práticas
institucionais distintos, com uma evolução histórica específica, e que tanto esses
saberes, quanto as práticas de intervenção institucional que eles originam não são
monolíticos e nem coerentes”. Daí resultam muitas das contradições entre discurso
(normas, programas etc.) e prática institucional.
Neste sentido, o conceito pouco avança no que diz respeito à adequação às
diretrizes do SUS e/ou à abordagem clássica dos juristas – enquanto aquilo que dá
“à União, por intermédio do Ministério da Saúde, o apoio à implementação, financiamento,
monitoramento e avaliação da Rede de Atenção Psicossocial em todo território nacional” (Inciso I);
“ao Estado, por meio da Secretaria Estadual de Saúde, apoio à implementação, coordenação do
Grupo Condutor Estadual da Rede de Atenção Psicossocial, financiamento, contratualização com os
pontos de atenção à saúde sob sua gestão, monitoramento e avaliação da Rede de Atenção
Psicossocial no território estadual de forma regionalizada” (Inciso II); e, “ao Município, por meio da
Secretaria Municipal de Saúde, implementação, coordenação do Grupo Condutor Municipal da Rede
de Atenção Psicossocial, financiamento, contratualização com os pontos de atenção à saúde sob sua
gestão, monitoramento e avaliação da Rede De Atenção Psicossocial no território municipal” (Inciso
III)
9
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coerência às unidades político-administrativas do Estado. Porém, apresenta um
grande potencial progressista, no que tange à Atenção Psicossocial. Contudo, cabe
ressaltar que, quando compreendido conforme o Portal do SUS10, tende a se
confundir com o próprio “espaço da vida” dos sujeitos, perdendo seu caráter
analítico de exprimir as relações de poder atuantes nos fenômenos. Assim sendo, a
possibilidade do cuidado territorial adquirir uma perspectiva de complexidade infinda,
tende a levar o ato terapêutico ao esvaziamento da pauta da desinstitucionalização
mais ampla (da relação sociedade-loucura), pela sobrecarregamento do trabalho
individualizado-individualizante. Neste sentido, sem o acompanhamento de um
estudo de caso mais aprofundado para compreensão da amplitude das
possibilidades concretas de transformação no modo de cuidado pautado, os
discursos acerca do território pautados no corpo da normativa podem acabar se
tornando verdadeiros obstáculos epistemológicos.
4 – Referências Bibliográficas
ANTAS Jr., Ricardo Mendes. Elementos para uma discussão epistemológica sobre a
regulação no território. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 16, pp. 81 -86, 2004.
________. Território e regulação – espaço geográfico, fonte material e não-formal do direito.
São Paulo: Humanitas, 2005.
AMARANTE, Paulo. Uma aventura no manicômio: a trajetória de Franco Basaglia. Rev.
História, ciências e saúde – Manguinhos, vol. I, n 1, jul.-oct., 1994.
COSTA-ROSA, Abílio da. Atenção Psicossocial além da Reforma Psiquiátrica: contribuições
a uma Clínica Crítica dos processos de subjetivação na Saúde Coletiva. São Paulo: Editora
UNESP, 2013.
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 437.
HAESBAERT, Rogério e LIMONAD, Ester. O território em tempos de globalização. Rev.
etc..., espaço, tempo e crítica, nº 2 (4), v. 1, 2007. Disponível em: <http://www.uff.br/etc/>.
“a designação não apenas de uma área geográfica, mas das pessoas, das instituições, das redes e
dos cenários nos quais [e com os quais] se dão a vida comunitária” (http://portalsaude.saude.gov.br/)
10
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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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LEMKE, Ruben Artur; SILVA, Rosane Azevedo Neves da. Itinerários de construção de uma
lógica territorial do cuidado. Rev. Psicologia Social, Belo Horizonte, v. 25, n. esp. 2, 2013.
Disponível em
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