DISCURSOS DE ÓDIO ONLINE: UMA ANÁLISE DA COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO AMBIENTE VIRTUAL 1 MARIOTTO, Laura2; SILVA, Rosane Leal da Silva.3 1 Resultados parciais do Projeto de Pesquisa intitulado “Liberdade de expressão ou violação de direitos humanos? O tratamento jurídico dado a conteúdos discriminatórios veiculados na Internet” realizado no Curso de Direito do Centro Universitário Francisano (UNIFRA), financiado pela UNIFRA. 2 Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil. 3 Profª Drª, Coordenadora do Projeto e professora Adjunta do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: [email protected]; [email protected] RESUMO Neste trabalho, discute-se a prática dos discursos de ódio na Internet, com ênfase na colisão de direitos fundamentais ocasionada pela manifestação neonazista no ambiente virtual. Desenvolvese o tema pela identificação de pontos positivos e negativos da liberdade de expressão na Internet com a demonstração de violações aos direitos fundamentais de judeus, negros e outros grupos étnico-sociais. Propõe-se uma possível solução para a colisão entre a liberdade de expressão dos autores de sites e blogs de se manifestarem, e o direito à igualdade e não discriminação dos atingidos pelo conteúdo veiculado na Internet. Verifica-se que a metodologia da ponderação ou sopesamento é insuficiente para a resolução do problema, além de permitir subjetivismos e tratar princípios constitucionais como se houvesse hierarquia entre eles no caso concreto. Constatou-se que é possível a formação de um “contra-discurso online” pelas organizações de grupos étnicosociais discriminados, incentivando a valorização das diversidades e respeito entre os homens. Palavras-chave: Colisão de direitos fundamentais; Discurso de ódio online; Internet Liberdade de expressão. 1. INTRODUÇÃO Com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação, em especial a Internet, o exercício da liberdade de expressão assumiu diversas formas de manifestação, as quais foram criadas, introduzidas e aprimoradas a partir do aumento de sua utilização pelos internautas. Não obstante o ciberespaço ser um lócus para a promoção da liberdade de expressão, o ambiente virtual também se revela facilitador para violações de outros direitos fundamentais devido aos fatores do anonimato, invisibilidade e sensação de impunidade. Exemplos de tais ofensas são os discursos de ódio encontrados em sites e blogs neonazistas de autores brasileiros, os quais promovem a intolerância e o ódio ao povo judeu, negros e homossexuais com fundamento na pretensa superioridade de um povo sobre o outro. Os responsáveis pelo conteúdo disponibilizado costumam agir de forma articulada e planejada, além de utilizarem diversos meios proporcionados pelos avanços tecnológicos para que seus computadores não sejam rastreados pelos órgãos públicos 1 responsáveis. Diante desse contexto, questiona-se acerca da possibilidade de conciliar os direitos em colisão: o direito fundamental da liberdade de expressão de membros de grupos de extrema-direita e, ao mesmo tempo, viabilizar uma proteção efetiva dos direitos de igualdade e não discriminação dos atingidos pelo discurso. A primeira seção é dedicada à contextualização com a sociedade informacional e as facilidades proporcionadas pela Internet, tanto para a promoção da liberdade de expressão como para a violação de outros direitos. No item seguinte, os argumentos expostos serão cotejados com as informações obtidas do exercício da liberdade de expressão no ambiente virtual, ocasião em que são demonstradas discursos de ódio neonazistas de autores brasileiros em sites e blogs. Dessa forma, procurar-se-á trazer ao estudo a interação da hermenêutica constitucional em situações polêmicas já apreciadas pela Suprema Corte como no caso Ellwanger, com a realidade virtual em busca de possíveis respostas para o conflito entre direitos fundamentais, de forma a apresentar novos tópicos a serem discutidos e enfrentados na Sociedade Informacional. 2. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA INTERNET: PONTOS E CONTRAPONTOS A Constituição de 1988 assinala, no plano jurídico, a passagem política do regime autoritário militar para a democracia ao incorporar direitos humanos fundamentais1 reivindicados por movimentos militantes democráticos. O texto constitucional reconheceu a liberdade de expressão2 como direito humano fundamental basilar do ordenamento jurídico pátrio, considerado como a pedra angular de um sistema democrático que pressupõe a relação e interação do ser humano com seus semelhantes para a formação do sujeito individual e político. A interação com o outro vem adquirindo feições diversas e se aprimorando com as novas tecnologias da informação e comunicação. O uso da Internet, ilimitado pelo contexto geográfico e temporal, permitiu com que a liberdade de expressão atingisse patamares sem precedentes, visto que promove uma espécie de polifonia, onde todos podem se expressar, 1 Para maior elucidação das diferenças terminológicas entre direitos humanos e direitos fundamentais, será utilizado neste artigo o marco teórico do jurista Perez Luño, que define direitos humanos como todos os direitos do homem, protegidos na esfera internacional e que se encontram no plano das declarações, convenções e tratados internacionais enquanto que os direitos fundamentais são aqueles que foram positivados e internalizados pela Constituição dos estados como fundamentos e princípios que resumem e informam a concepção política de cada ordenamento jurídico. Em suma, os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados a nível interno nas constituições estatais contemporâneas. (PEREZ LUÑO, 2005, p. 33). 2 Neste trabalho, a liberdade de expressão será utilizada como gênero, em seu sentido lato, englobando a liberdade de expressão dos pensamentos, ideias, convicções, opiniões, sensações e sentimentos e as diversas maneiras de exteriorização pela atividade cultural, linguística, científica e de comunicação. 2 abrindo espaço para constantes debates entre pessoas com variadas posições e ideologias. No entanto, assim como no ciberespaço há a promoção da liberdade de expressão através de uma estrutura horizontal de articulação, também se desvela violações frontais a direitos fundamentais da igualdade e não discriminação. Exemplos disso são as diversas manifestações de discursos de ódio, que demonstram intolerância e desprezo como as ideologias neonazistas3. Neste contexto, com o escopo de verificar como internautas de extrema-direita propagam o discurso de ódio no ciberespaço, será analisado no próximo item o conteúdo neonazista veiculado na Internet de autores brasileiros. 2.1 ANÁLISE DO CONTEÚDO DE DISCURSOS DE ÓDIO VEICULADO NA INTERNET No período entre 02 de dezembro de 2011 a 28 de agosto de 2012, foi realizada pesquisa em busca de manifestações de discursos de ódio de caráter neonazista disponíveis na rede mundial de computadores. Os resultados encontrados nos fóruns de comunidades neonazistas em blogs e sites demonstraram apologia ao ódio contra judeus, homossexuais e negros, em que os internautas manifestam o seu desprezo e intolerância por aqueles que, segundo eles, teriam como meta contaminar a raça ariana4. Em uma primeira visita, observa-se um atraente layout na apresentação de sites como o Partido Nacional-Socialista Brasileiro 88 (2012) nas cores do símbolo da suástica, em preto e vermelho, com o lema: “Quem jura pela suástica deve renunciar a qualquer outra lealdade...”. As discussões virtuais tratam o racismo, o etnocentrismo, o ódio e a discriminação de forma sutil pelo rigor intelectual da linguagem e da aparência profissional da redação dos textos. Defendem que aqueles que possuem sangue europeu são superiores a qualquer outra raça, em um país que se caracteriza pelo pluralismo, miscigenação de culturas e diversidade. Com firmeza em suas crenças alegam que: [...] é justamente num país com alto grau de miscigenação que se torna mais necessária a consciência racial. Aqueles que preservam a sua identidade natural são privilegiados. Somos radicalmente contrários à miscigenação e a promiscuidade cultural, estes sim elementos nocivos à sociedade, pois eliminam a diferença que a natureza criou e promovem a discórdia e a instabilidade social (PARTIDO NACIONAL-SOCILAISTA BRASILEIRO 88, 2012). 3 O neonazismo na Internet é um exemplo de discurso de ódio (hate speech) o qual se refere “a palavras que tendem a insultar, intimidar, ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que tem a capacidade de instigar a violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas”. (BRUGGER, 2007, p. 118). 4 No caso específico do neonazismo no Brasil, o preconceito e ódio racial adaptaram-se à realidade nacional: no lugar dos turcos, os alvos são os nordestinos, negros, mulatos, homossexuais, judeus, ciganos e deficientes físicos que são vistos como a causa para todos os males sociais. (SALEM, 1995). 3 Há ainda diversos blogs que permitem uma maior interação entre os seguidores de Hitler, com sugestões de livros, vídeos e outros materiais para maior aprofundamento a respeito do nacional-socialismo, a exemplo do Stormfront (2012a), Retaliação Brutal (2012), Causa Nacional (2012a), os quais apresentam postagens e fóruns para discussão com tópicos como: “Como conviver com não-brancos?”(STORMFRONT, 2012 b), “As falsas memórias do Holocausto de Simon Wisenthal” (INACREDITÁVEL, 2012), “O julgamento de Nuremberg: análise da maior farsa jurídica do século” (CAUSA NACIONAL, 2012b). A dinâmica de funcionamento deste espaço revelou que os autores do site e blogs são extremamente cuidadosos com os seus atos no ambiente virtual, utilizando-se das ferramentas proporcionadas pela Internet para que não sejam punidos pelos órgãos fiscalizadores responsáveis. Desta forma, utilizam-se do anonimato ao propagar suas ideias e violam dispositivos constitucionais e outros provenientes de declarações de direitos humanos que protegem a igualdade e não discriminação dos povos, bem como do direito à verdade e à memória das vítimas do genocídio ocorrido na Segunda Grande Guerra. Feitas essas considerações e após a demonstração das formas que o exercício da garantia à liberdade de expressão vem servindo de proteção a discursos que trazem indignações aos atingidos pelo seu conteúdo, buscar-se-á o encontro de uma harmonização dos direitos fundamentais em colisão. 3. DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO: COMO TRATAR OS DISCURSOS DE ÓDIO ONLINE Com o propósito de realizar breves apontamentos sobre a utilização das técnicas de Alexy (2008), quais sejam, a ponderação constitucional ou sopesamento pelo Poder Judiciário, cabe trazer ao estudo a decisão do STF no Habeas Corpus 82424/RS, considerado como um leading-case de direitos humanos e fundamentais em nosso país, o qual se coaduna com o tema proposto no presente artigo. (BRASIL, 2004). O paciente Siegfried Ellwanger foi condenado ao crime da prática de racismo, por publicar livros de caráter antissemita, e incitar a discriminação e o preconceito. Em análise sucinta, dar-se-á maior relevância à temática da colisão de direitos fundamentais entre a liberdade de expressão e o direito à igualdade e não discriminação. Os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello aplicaram o princípio da proporcionalidade de forma expressa nos autos. Ao analisar a conduta discriminatória do paciente voltada ao preconceito e o ódio racial por meio de publicações de livros antissemitas, ambos utilizaram o método da ponderação na interpretação de princípios constitucionais em conflito. No caso, estava em suposta colisão a liberdade de expressão, a livre expressão da atividade intelectual e de comunicação com o princípio da dignidade humana, igualdade e não discriminação da comunidade judaica. 4 Ao delimitar o âmbito de proteção constitucional da liberdade de expressão, Gilmar Mendes fundamenta seu posicionamento na tese de que há limites dentro do próprio texto constitucional não havendo primazia da liberdade de expressão quando do seu exercício, valores como os da igualdade e da dignidade humana são atingidos através de manifestações de conteúdo discriminatório no contexto de uma sociedade pluralista. Manteve a condenação do paciente por entendê-la adequada para se alcançar o fim de uma sociedade tolerante e necessária por não haver outro meio menos gravoso a atingir tal desiderato. Pela proibição do excesso entendeu que os livros publicados por Ellwanger não seriam uma mera discriminação, mas são textos que fazem de forma reiterada apologia ao ódio e violência contra judeus. Ainda pelo subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito concluiu que há inúmeros outros bens jurídicos constitucionais que estariam sacrificados se fosse dada à liberdade de expressão dimensão absoluta e inatingível no caso da discriminação racial que compromete a própria igualdade. Denegou, portanto, o pedido do habeas ao paciente, assim como os outros oito Ministros. Por outro lado, o voto vencido do Ministro Marco Aurélio de Mello chegou a um resultado totalmente distinto do anterior, ainda que tenha utilizado a mesma técnica da ponderação, por afirmar que a liberdade de manifestação do pensamento deve prevalecer, uma vez que não é crime tecer uma ideologia. Enfatizou que não se pode fazer uma apreciação entre a liberdade de expressão e a dignidade humana do povo judeu de forma abstrata, com meras suposições e conceitos genéricos. Segundo o Ministro, não haveria dados concretos de que a dignidade humana do povo judeu estaria em perigo ou com ameaça grave o suficiente para limitar a dimensão do âmbito de proteção constitucional da liberdade de expressão. Pelo subprincípio da adequação, entendeu que a condenação e proibição de novas publicações não são meios apropriados a se chegar ao fim desejado, qual seja, proteger a dignidade da comunidade judaica evitando que condutas discriminatórias venham a se repetir. A sua condenação não seria medida necessária, pois haveria meios mais suaves para resolver a questão, e uma medida cabível seria permitir a publicação de seus livros e sua absolvição, garantindo a livre manifestação do pensamento, visto que a restrição a tal direito não levaria à proteção da dignidade humana do povo judeu. Por fim, pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito entendeu que a condenação e proibição de novas publicações discriminatórias não seria um meio razoável no contexto de uma sociedade que preza pelo pluralismo de ideias e opiniões, pois os livros de Ellwanger, ainda que despropositados e preconceituosos, não causariam incitação à violência, além de que não haveria mínimos indícios de que seus textos causariam tal revolução na sociedade brasileira. 5 Diante do exposto, observa-se que ao aferir maior ou menor importância através de um juízo do “peso” que cada um dos princípios constitucionais teria no caso concreto, a técnica de interpretação proposta por Alexy (2008) abre margem para subjetivismos e trata dos direitos fundamentais de uma forma hierarquizada, desprezando o princípio da unidade da Constituição ensinado por Canotilho (1998), onde prevalece o entendimento de que não há hierarquia entre as normas de direitos fundamentais, uma vez que todas ocupam o mesmo patamar axiológico e têm o mesmo status jurídico de cláusulas pétreas. Verifica-se que o método hermenêutico aplicado permitiu dupla interpretação do caso, diante da divergência em sentidos totalmente opostos das decisões dos Ministros supracitados. Não há de se olvidar que é indispensável que uma técnica de interpretação constitucional possa oferecer pelo menos certa harmonia na apreciação do mesmo caso concreto, e apreciada por Ministros de um mesmo Tribunal. Esta temática adquire ainda mais relevância em face dos acontecimentos que envolvem as manifestações neonazistas no ciberespaço. Devido à realidade da Internet e das inúmeras variáveis inerentes a essa nova mídia, observa-se que a teoria proposta por Alexy (2008) não responde a uma possível solução de uma suposta colisão de direitos fundamentais. Esta técnica deve ser revista sob o prisma das características intrínsecas ao ciberespaço, como a rápida disseminação do conteúdo publicado, o fácil acesso à informação provinda de uma pluralidade de fontes, as quais facilitam um debate aberto, livre e interativo entre os usuários dessa nova tecnologia. 4. METODOLOGIA Para a realização desse trabalho utilizou-se técnica de pesquisa documental, consultando-se a bibliografia pertinente ao tema, o que resultou na identificação das formas de agir de autores antissemitas. A esse referencial foi agregado o cotejo das informações obtidas por meio de pesquisa em fontes primárias – culturais e da observação direta, crítica, e não participativa do exercício da liberdade de expressão no ambiente virtual, ocasião em que foi demonstrado o conteúdo disponível em sites e blogs neonazistas que demonstram de maneira muito clara a repercussão dos discursos de ódio no âmbito virtual. Para o enfrentamento do problema da pesquisa, utilizou-se o método dialético, enfatizando-se a colisão de direitos em busca de uma possível resposta por parte do ordenamento jurídico. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Da mesma forma que manifestações discriminatórias, com forte intolerância e desprezo pela diversidade ganham espaço e maior poder de proliferação no ambiente 6 virtual, comunidades e organizações judaicas, bem como associações civis contra o neonazismo também conseguem pulverizar seus pensamentos e pontos de vista e ainda incentivar o internauta a adotar uma postura ativista com o escopo de combater os discursos de ódio online. A Liga Anti-Difamação (ANTI-DEFAMATION..., 2012a), o Centro da Cultura Judaica (2012), o Arquivo histórico judaico brasileiro (2012), dentre outras, são apenas alguns exemplos de uma série de organizações que unem esforços para incentivar os internautas a combaterem o antissemitismo e qualquer forma de racismo e preconceito online. Disponibilizam meios para o combate a discursos neonazistas, ilustrando fatos ocorridos no holocausto por meio de filmes, depoimento de testemunhas, livros, textos, e ações políticas em favor da paz, tolerância e cooperação entre os povos. É interessante notar que as organizações judaicas que combatem a discriminação racial, possuem apoio de diversas organizações internacionais, órgãos governamentais e autoridades importantes no contexto da sociedade brasileira. Procuram preservar a sua cultura e costumes ao reservar um espaço para divulgação de festas e datas especiais do calendário judaico, construções de museus, hospitais, sinagogas, bem como dedicatórias, relatos de sobreviventes e fotos para defender a memória de famílias que foram exterminadas nos campos de concentração, de modo que os acontecimentos do passado não sejam esquecidos e jamais negados. Conforme foi apresentado, a Internet contribui para que essas organizações consigam controlar, monitorar e combater de forma mais eficaz a atuação de movimentos extremistas proporcionando a construção de uma espécie de “contra-discurso online”, o qual refuta as alegações de grupos neonazistas e promove o direito a um tratamento igualitário e respeito à dignidade humana de grupos discriminados historicamente com a valorização da diversidade étnico-social e de uma sociedade mais tolerante, onde seja devidamente respeitada a diversidade de etnias, crenças políticas e religiões. Segundo a Liga Anti-Difamação, a melhor forma de combater o discurso de ódio é “ampliando ainda mais a liberdade de expressão, em iguais condições, para aqueles que foram atingidos pelo comentário agressivo“ (ANTI-DEFAMATION..., 2012b). Como se observa, a Internet é um instrumento essencialmente democrático para a divulgação de distintas ideias, opiniões, conceitos divergentes e conflitantes que fomentam a opinião pública, o discurso social e político, contribuindo para o desenvolvimento do indivíduo e sua autonomia individual. Nesse sentido, é imperioso ressaltar que o internauta deve ser visto como um cidadão moralmente responsável, dotado de razão para fazer suas próprias escolhas, sendo capaz de avaliá-las e julgá-las segundo seu próprio entendimento, especialmente quando se depara com discursos discriminatórios e com ideais que não são aceitos pela posição majoritária da sociedade (DWORKIN, 2007). 7 Assim, antes de se sustentar que a dimensão do âmbito de proteção constitucional da liberdade de expressão não abrange os discursos de ódio na Internet, deve-se analisar se a divulgação destes não facilitam o rastreamento e a manifestação das comunidades judaicas na formação de um “contra-discurso”, de forma a gerar no íntimo do internauta uma impressão vigorosa da comunhão e paz social, disseminando um sentimento de cooperação, tolerância, e respeito entre as pessoas. Nessa esteira, sustenta Silva (2008, p. 115) que: [...] o sujeito se constrói pela linguagem e pela forma com que interage com os demais e a Internet não só permite que as pessoas se comuniquem e mantenham contatos, mas também oportuniza a formação de novas formas de comunitarismo, a partir das escolhas realizadas pelos atores, o que lhes confere maior protagonismo no processo de construção de sua história. Constata-se, portanto, que a Internet não é tão somente um meio facilitador para a violação de direitos humanos fundamentais como também é um instrumento para a promoção desses mesmos direitos (SILVA, 2008). Deste modo, vislumbra-se a possibilidade de uma harmonização e estímulo a novas redes de solidariedade assinaladas pela mobilização em prol de um debate livre e independente, movido pelo espírito crítico, vocação ao diálogo, pelo relativismo, aceitação ao outro e respeito às minorias, elementos essenciais para a formação de uma sociedade pluralista, tolerante, e sem preconceitos. 5. CONCLUSÃO A incursão no universo virtual possibilita o acesso a uma pluralidade de novas formas de interação social, diálogo, debates, contato com outras culturas, ideologias, filosofias e pontos de vista. O espaço virtual possibilita o fortalecimento do exercício da liberdade de expressão e revela-se como um terreno fértil para o desenvolvimento do indivíduo, a sua construção pela linguagem e de sua autonomia individual na formação do sujeito de direitos. Por outro lado, ainda que a Internet seja um ambiente essencialmente democrático e propício para a promoção da liberdade de expressão, constitui-se em um espaço que desvela uma série de riscos e ofensas a direitos fundamentais de minorias, conforme se demonstrou pelas manifestações em sites e blogs de discursos de ódio de caráter neonazista. Os valores constitucionais de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos são desprezados e, utilizando a expressão de Hannah Arendt, a pessoa humana enquanto “valor-fonte” desaparece da mente de muitos. Conforme foi defendido ao longo desta abordagem, características intrínsecas da Internet como a porosidade, o fácil acesso à informação provinda de uma pluralidade de 8 fontes e seu alcance global, promovem uma espécie de polifonia, o que confere à apreciação da colisão de direitos fundamentais uma complexidade que a técnica de ponderação ou sopesamento de princípios constitucionais não parecem aptas a responder, já que permitiu uma interpretação dupla e totalmente distinta entre julgadores de um mesmo tribunal ao mesmo caso concreto. Com efeito, é um método hermenêutico bastante criticado pela doutrina, ao permitir subjetivismos e hierarquização de princípios constitucionais, além de favorecer o protagonismo judicial e discricionariedades. Constatou-se, outrossim, que o universo virtual pode contribuir de forma vigorosa e positiva ao constituir-se uma ferramenta valiosa para a integração e comunitarismo através da construção de uma espécie de “contra-discurso online” por parte das organizações de grupos étnico-sociais discriminados, o que proporciona maior eficácia ao ativismo na luta contra os discursos de ódio, permitindo assim, a disseminação no ciberespaço de uma postura de cooperação e respeito entre pessoas, imprescindíveis para a formação de uma sociedade fraterna e pluralista que prima pela máxima proteção aos direitos humanos e fundamentais. O que se mostra inequívoco, no entanto, é que a Internet dá ensejo ao surgimento de novos fenômenos jurídicos que recriam e inovam a própria maneira de interpretar o direito. Temas que pareciam antigos surgem com uma nova conotação, nuances e com uma pluralidade de novas faces a serem consideradas e apreciadas pelos juristas, os quais ainda resistem em penetrar e investigar este novo universo. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. ANTI-DEFAMATION League. Disponível em: < http://www.adl.org/?s=topmenu > Acesso em: 25 mar. 2012 a. __________. Responding To Cyberhate: Toolkit for action. August 2010. Disponível em: < http://www.adl.org/main_internet> Acesso em 27 mar. 2012 b. ARQUIVO HISTÓRICO JUDAICO BRASILEIRO. Disponível em: <http://www.ahjb.org.br/index.php> Acesso em: 27 mar. 2012. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Crime de racismo e antissemitismo: um julgamento histórico no STF. Habeas Corpus n. 82424/RS. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. BRUGGER, Winfried. Proibição ou proteção do discurso de ódio?Algumas Observações sobre o Direito Alemão e o Americano. 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