Expressões de ódio na internet
Ana Luiza Mano - Psicóloga do NPPI PUC-SP
A mídia, personalidades públicas e alguns profissionais da saúde têm discutido as
implicações dos atos agressivos que vêm ocorrendo no universo virtual, na forma de
expressões de ódio na internet. Dentro da própria internet, os agentes desses
comportamentos já recebem até algumas denominações, como ‘haters’ (cuja natureza é de
odiar, difamar e ‘ser contra’); os ‘trolls’ (os ‘baderneiros’ com pouco ou nenhum senso de
responsabilidade por seus atos), entre outros. Na realidade esses personagens nada mais
são do que pessoas que agem no universo virtual ofendendo e/ou agredindo ao próximo,
supondo-se protegidos pelo anonimato supostamente característico desse ambiente. Este
tipo de comportamento pode se manifestar em várias dimensões: desde uma campanha de
difamação contra uma pessoa comum (adulto, ou até mesmo jovem adolescente ou criança)
ou contra alguma pessoa pública; podem também se manifestar como demonstrações de
preconceito generalizado, muitas vezes extrapolando o ambiente virtual.
Podemos citar dois exemplos recentes desse tipo de ação. O primeiro, o caso do
Deputado Federal Marco Feliciano, cujas posições políticas e declarações controversas
geraram uma intensa reação na internet. A princípio essa reação poderia ser entendida como
uma ação democrática ‘saudável’. No entanto, terminou por extrapolar o limite do preconceito
e generalizou a questão a todo um grupo religioso, que passou a ser injuriado com
frequência na internet. Outro caso é o da menina Isadora Faber, criadora da página “Diário
de Classe” no Facebook. Após postar denuncias sobre as más condições da escola onde
estuda, Isadora já sofreu bullying e foi ameaçada de morte, mas não abandonou seu projeto
e continua tratando desse tema em suas publicações virtuais.
Mas de que adianta saber o tipo de ofensor ou de ofensa, se a questão principal
questão deveria ser, antes de tudo, compreendermos o processo que gera essas ofensas? O
anonimato pode ser um grande facilitador para a expressão violenta do ser humano em
qualquer situação social, pois essa condição pode gerar em algumas pessoas a falsa
sensação de impunidade, ao mesmo tempo em que aumenta sua desinibição, pela sensação
de que ninguém a está observando. Supondo então que ninguém sabe quem ele é, essa
pessoa acredita que pode falar e fazer coisas que talvez não fizesse quando se soubesse
observado ou reconhecido pelos demais.
Na internet, essa condição de suposto anonimato é criada justamente pelo tipo de
ambiente onde ocorrem essas ações: atrás de uma tela, em uma condição onde
supostamente não há como identificar quem está agindo. Nessa condição, ao navegar na
internet podemos ensaiar uma vasta gama de nova possibilidade dos nossos ‘eus’. Podemos
manifestar aspectos da nossa personalidade que na vida presencial se mantém ocultos, seja
pela necessidade de sermos aceitos socialmente, seja por uma dificuldade de nos abrirmos e
expressarmos o que sentimos e/ou acreditamos.
É ainda interessante perceber que algumas pessoas aproveitam essa oportunidade
para explorar aspectos criativos e construtivos do seu eu, até então não expressos ou
reconhecidos até por si mesmas. Porém, outras, seguem os caminhos opostos aqui
descritos. Além disso, essas pessoas, ao mesmo tempo em que prezam o anonimato,
parecem desejar ser notadas, ainda que seja como uma espécie de ‘fantasma’ que emite
uma ofensa, pois quando procuram ofender a pessoa do outro lado da tela, esperam, de fato,
que haja alguém lá, lendo o que foi escrito e que esse alguém se deixe atingir pelas palavras
de ódio postadas.
Muitas vezes evitamos o "olho no olho" e o "face a face", porque um simples tom de
voz diferente ou um olhar mais duro podem nos machucar. É lamentável que as
oportunidades geradas pela virtualidade sirvam para algumas pessoas expressarem o que
há de pior em si mesmas. A educação para o uso da internet é uma questão séria e muito
relevante atualmente, pois a ampliação da consciência dos internautas a respeito das
repercussões dos seus atos pode ajudá-los a compreender como os eventos do mundo
online podem afetar diretamente suas vidas offline. A dica "pense antes de postar" serve
para a atitude de postar comentários de ódio, bem como para todas as demais ações que
realizamos no mundo online.
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