Desembargadora Avelirdes Almeida Pinheiro de Lemos
(HC 69432-32)
HABEAS CORPUS Nº 69432-32.2013.8.09.0000 (201390694321)
COMARCA DE GOIÂNIA
IMPETRANTE
: EMERSON DA SILVA PAIVA
PACIENTE
: JÉSSICA DA MATA SILVA
RELATORA
: Desa. AVELIRDES ALMEIDA P. DE LEMOS
RELATÓRIO E VOTO
Trata-se de ordem preventiva de Habeas Corpus, com
pedido de liminar, impetrada por EMERSON DA SILVA PAIVA, advogado,
inscrito na OAB/GO sob o nº 11.219, em favor da paciente JÉSSICA DA
MATA SILVA, já qualificada, indicando o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara
Criminal desta Comarca de Goiânia, Dr. Lourival Machado da Costa, como
autoridade coatora.
Desembargadora Avelirdes Almeida Pinheiro de Lemos
(HC 69432-32)
Relata o impetrante que a paciente é portadora de
Sarcoma Alveolar de Alto Grau (câncer) e, em 1º de novembro de 2012,
submeteu-se a uma cirurgia de retirada do tumor, sendo-lhe indicado o início
imediato de tratamento complementar de radioterapia e quimioterapia, devido à
alta chance de recidiva da doença.
Aduz que, no entanto, a paciente encontra-se em
gestação de, aproximadamente, 06 (seis) semanas, e que tais procedimentos são
contraindicados para gestantes, uma vez que podem causar aborto ou alterações
congênitas graves no feto.
Esclarece que, de outro lado, caso a gestação seja levada
a diante, a paciente, sem o tratamento devido, poderá vir a óbito, não se
garantindo, também, a sobrevida do nascituro.
Ao final, pede a concessão da ordem, para que seja
autorizada a interrupção da gravidez da paciente, expedindo-se, em favor dela,
o competente salvo conduto, o qual deverá ter os efeitos estendidos para toda a
equipe médica, de enfermagem e para quaisquer outros que, porventura, atuem
nos procedimentos necessários ao feito, e, ainda, que se determine a realização
da cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O pedido encontra-se instruído com a documentação de
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fls. 12/53, dos autos.
Em razão da urgência do caso, o pedido de liminar
deixou de ser analisado.
A autoridade nominada de coatora prestou as
informações solicitadas às fls. 56/67.
É O RELATÓRIO.
PASSA-SE AO VOTO.
Inicialmente, tem-se como cabível o habeas corpus, na
forma preventiva, para a finalidade pretendida pelo impetrante, o qual busca
autorização judicial para a interrupção da gravidez da paciente Jéssica da
Mata Silva.
Com efeito, considerando que a eventual prática do
aborto fora das hipóteses previstas no Código Penal (art. 128, incisos I e II)
implica na instauração de ação penal pública incondicionada, por agredir bem
de maior relevância jurídica, a vida, impondo aos seus agentes a aplicação de
pena privativa de liberdade, nota-se a propriedade da via eleita pelo impetrante,
uma vez que existe uma ameaça real de constrição à liberdade ambulatorial,
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caso a gestante venha a interromper a gravidez sem autorização judicial.
Pois bem.
Em se tratando de aborto, verifica-se que em duas
situações especiais a nossa legislação o autoriza, caso em que ocorre a exclusão
de ilicitude, quais sejam: 1) o aborto terapêutico ou necessário, previsto no
artigo 128, inciso I, do Código Penal, para a hipótese em que há perigo
concreto para a vida da própria gestante; e 2) o aborto sentimental ou
humanitário, no caso de gravidez resultante de crime de estupro ou atentado
violento ao pudor (artigo 128, inciso II).
Infere-se dos autos que a pretensão do impetrante
encaixa-se em uma das hipóteses respaldadas pela lei, uma vez que almeja a
autorização judicial para a realização de aborto necessário ou terapêutico,
alegando ser este o único meio de preservar a vida e saúde psicológica da
gestante, ora paciente.
Na espécie, foram acostados os Relatórios Oncológicos
(fls. 21 e 34) e exames que atestam a gravidez (fls. 35 e 36).
Conforme Relatório Oncológico elaborado pelo Médico
Radioterapeuta, do Hospital Araújo Jorge, Dr. Allison Bruno Barcelos Borges,
CRM nº 13229:
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“A paciente Jéssica da Mata Silva, 21 anos, é portadora de
Sarcoma Alveolar de Alto Grau (CID-10: C49.9), com status pós
cirúrgico (Ressecção com margem exígua -<0,1 cm). Devido ao
grau histológico e a margem, paciente com alta chance de
recidiva. Portanto, paciente com clara indicação de Radioterapia
e Quimioterapia adjuvantes.
Porém a paciente evoluiu com gestação (Bhc +, > 1000 ml),
atualmente +- 6 semanas. Devido à gestação, o tratamento
apresenta uma alta chance de provocar ABORTO ou, mais
frequentemente, MAL-FORMAÇÕES GRAVES (neurológicas,
cardiológicas e de membros), tornando-se, por isso, a gestação
uma
contraindicação
absoluta
de
qualquer
tratamento
radioterápico.
Portanto, a paciente necessita iniciar o tratamento o mais breve
possível, devido à alta chance de recidiva do tumor, pois a
paciente realizou a cirurgia de ressecção do tumor em
01/11/2012. O ideal é iniciar o tratamento complementar
(radioterapia e quimioterapia) em até 3 meses” (fl. 34).
(Negritado)
Como visto, com a retirada do tumor, a paciente
necessita urgentemente de se submeter a tratamento radioterápico e
quimioterápico para evitar sua provável recidiva ou metástases principalmente
pulmonares, e, com os procedimentos indicados, o feto será prejudicado, dadas
as altas chances de aborto ou de más-formações graves.
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Ora, é sabido que o direito à vida, abrangendo a vida
uterina, assegurado pelo caput do artigo 5º, do Texto Constitucional, é
inviolável.
Todavia, também é certo que nenhum direito é absoluto,
nem mesmo o direito à vida do nascituro, quando de outro lado encontra-se a
própria vida da gestante, a sua sanidade psicológica e a dignidade humana,
mormente em casos como este, para o qual existe amparo na legislação penal.
A esse propósito, pronunciou-se o Superior Tribunal de
Justiça, mutatis mutandis:
“PENAL
E
PROCESSUAL
SUBSTITUTIVO
DE
PENAL.
HABEAS
RECURSO
CORPUS
ORDINÁRIO.
INDEFERIMENTO DE LIMINAR NO WRIT ORIGINÁRIO.
MANIFESTA ILEGALIDADE. CABIMENTO DE HABEAS
CORPUS PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
INTERRUPÇÃO
DE
GRAVIDEZ.
PATOLOGIA
CONSIDERADA INCOMPATÍVEL COM A VIDA EXTRAUTERINA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. GESTAÇÃO NO
TERMO FINAL PARA A REALIZAÇÃO DO PARTO. ORDEM
PREJUDICADA. 1 e 2. Omissis. 3. Não há como desconsiderar a
preocupação do legislador ordinário com a proteção e a
preservação da vida e da saúde psicológica da mulher ao tratar
do aborto no Código Penal, mesmo que em detrimento da vida de
um feto saudável, potencialmente capaz de transformar-se numa
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pessoa (CP, art. 128, incs. I e II), o que impõe reflexões com os
olhos voltados para a Constituição Federal, em especial ao
princípio da dignidade da pessoa humana. 4. Havendo
diagnóstico médico definitivo atestando a inviabilidade de vida
após o período normal de gestação, a indução antecipada do
parto não tipifica o crime de aborto, uma vez que a morte do
feto é inevitável, em decorrência da própria patologia. 5.
Contudo, considerando que a gestação da paciente se encontra
em estágio avançado, tendo atingido o termo final para a
realização do parto, deve ser reconhecida a perda de objeto da
presente impetração. 6. Ordem prejudicada” (HC 56.572/SP,
Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA,
julgado em 25/04/2006, DJ 15/05/2006, p. 273). Negritado.
Ressalto que, independentemente de minhas convicções
religiosas e morais, mas atenta a princípios fundamentais expressos na
Constituição Federal e ao fato de que a manutenção da gravidez implica em
risco de morte ou de sérias complicações tanto para a gestante quanto para a
criança, a autorização do aborto é medida imperiosa, máxime por ser a única
chance de conservação da vida e saúde da paciente.
Ao teor do exposto, acolhendo o parecer oral da
Procuradoria de Justiça, conheço da presente impetração e concedo-a, para
autorizar a interrupção da gravidez de Jéssica da Mata Silva.
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Expeça-se autorização judicial para que o procedimento
seja concretizado pelo Sistema Único de Saúde, conforme requerido, em local
que disponha de condições adequadas e com profissional médico especializado
para acompanhar a paciente.
É como voto.
Goiânia, 06 de março de 2013.
Desembargadora AVELIRDES ALMEIDA P. DE LEMOS
RELATORA
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COMARCA DE GOIÂNIA
IMPETRANTE
: EMERSON DA SILVA PAIVA
PACIENTE
: JÉSSICA DA MATA SILVA
RELATORA
: Desa. AVELIRDES ALMEIDA P. DE LEMOS
EMENTA:
HABEAS
CORPUS
PREVENTIVO.
INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. NECESSIDADE
DE
SUBMISSÃO
A
TRATAMENTO
INCOMPATÍVEL COM A GESTAÇÃO. RISCO
DE MORTE PARA A PACIENTE. É sabido que o
direito à vida, abrangendo a vida uterina, assegurado
pelo caput do artigo 5º, do Texto Constitucional, é
inviolável. Todavia, também é certo que nenhum direito
é absoluto, nem mesmo o direito à vida do nascituro,
quando de outro lado encontra-se a própria vida da
gestante, a sua sanidade psicológica e a dignidade da
pessoa humana, sendo a autorização do aborto
terapêutico medida impositiva, por ser a única chance de
conservação da vida e saúde da paciente. ORDEM
CONCEDIDA.
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