1529 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN Revista Eletrônica Nutritime, Artigo 142 v. 8, n° 05 p.1558- 1578 – Setembro/Outubro 2011 Artigo Número 142 1 Pós-doutoranda – Departamento de Zootecnia-UFV – bolsista da CAPES/INCT Ciência Animal Professor do Departamento de Zootecnia – UFV- Membro do INCT de Ciência Animal 3 Professor do Departamento de Zootecnia – UFV – Coordenador do INCT de Ciência Animal * Autor para correspondência: [email protected], (31) 9118-1721 2 1530 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 Stefanie Alvarenga Santos1*, Edenio Detmann2, Sebastião de Campos Valadares Filho3 ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN ESTRUTURA E CONTROLE DA EXPRESSÃO DE FACILITADORES DE UREIA NO RÚMEN ABSTRACT Urea transporters are protein structures with the function of carry urea molecules between lipid bilayers bilaterally, between bloodstream and a variety of viscera as kidney and intestine. The study of these structures is recent in the literature and represents a new theme of study by researchers of ruminant nutrition, INTRODUÇÃO Desde alguns anos, o transporte de ureia vem sendo objeto de pesquisa em muitas publicações internacionais, com o objetivo de desvendar qual seria o real papel desta molécula nos mecanismos de conservação da água no corpo de humanos, a partir do processo de concentração urinária. Muito foi discutido a respeito de que forma ocorreria este transporte entre os diferentes tecidos dos órgãos corporais. Por muito tempo o transporte de ureia foi descrito como decorrente de difusão simples entre bicamadas lipídicas com alta taxa de fluxo de passagem bilateralmente. Entretanto, hoje em dia, já se sabe que o transporte de ureia ocorre a partir de carreadores proteicos de membrana, no entanto, sem que haja necessidade de utilização de ATP neste processo. Os transportadores de ureia foram localizados em muito tecidos corporais como rins, cérebro, pulmões, fígado, testículos, baço, epidídimo, intestino e músculos 1558 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 Os facilitadores ou transportadores de ureia são estruturas proteicas com a função de carrear moléculas de ureia bilateralmente entre as bicamadas lipídicas, entre a corrente sanguínea e uma variedade de víceras como rins e intestino. O estudo destas estruturas é bastante recente na literatura e vem sendo objeto de estudo de pesquisadores da nutrição de ruminantes, para melhor entender como se dá o mecanismo de passagem da uréia para o trato gastrointestinal. Acredita-se que os transportadores de ureia podem ser estruturas importantes nos mecanismos que envolvem a reciclagem de ureia pelo rúmen e alguns outros processos chave, envolvidos no metabolismo do nitrogênio. Acredita-se ainda, que os transportadores de ureia estão envolvidos em processos que atuam conjuntamente para preservação ou eliminação do nitrogênio circulante, como a ureagênese no fígado e o processo denominado “salvamento do nitrogênio ureico”. Assim, o objetivo deste trabalho foi recolher na literatura os principais trabalhos que investigaram a estrutura e função dos transportadores de ureia ruminais, bem como investigar quais os fatores que estão envolvidos na sua expressão e eficiência de atividade, trazendo estes conceitos para interação com outros a respeito do metabolismo do nitrogênio na fisiologia dos animais ruminantes. Palavras-Chave: nitrogênio ureico, reciclagem de nitrogênio, transportadores de membrana. in order to better understand the mechanism of passage of urea into the gastrointestinal tract. The urea transporters are possibly important structures involved in the mechanisms of urea recycling by the rumen and involved in other key-process of the nitrogen metabolism. It is believed that urea transporters act together in processes for preserve or remove the nitrogen stock, such as ureagenesis in the liver and in the process called “salvage of the urea nitrogen”. Thus, we collected the main papers in the international literature that investigated the structure and the function of rumen urea transporters, as well as the factor involved in its expression and activity efficiency. We aimed to bring these concepts to interact with other in relation to the nitrogen metabolism in the ruminant physiology. Keywords: membrane transporters, nitrogen recycling, urea nitrogen ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN RESUMO Desde a década de 60 existe o interesse em elucidar o funcionamento do fluxo de ureia através dos tecidos corporais. Vários trabalhos tiveram como principal objetivo avaliar o transporte de ureia através dos túbulos renais e seu papel no processo de concentração urinária (Grantham & Burg, 1966; Jaenike, 1961; Lassiter et al., 1966; Morgan & Berliner, 1968; Morgan et al., 1968; Ullrich et al., 1967). Entretanto, foi na década de 70 que surgiram as primeiras hipóteses sobre o mecanismo de transporte de ureia existente na medula renal. Estes autores acreditavam que existiam muitos mecanismos possíveis, pelos quais a ureia passa livremente através das membranas, via difusão pelas bicamadas lipídicas das células (Gallucci et al., 1971; Kokko & Rector Jr, 1972; Stephenson, 1972). Estes mecanismos foram propostos para ambasar o fenômeno da concentração urinária, em que grandes quantidades de ureia chegariam à medula renal, mediadas pelo hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina, com o objetivo de conservar o teor de água corporal (Kondo & Imai, 1987; Rocha & Kudo, 1982; Sands et al., 1987). Entretanto, na década de 80, alguns estudos trouxeram a convicção de que os ductos coletores da medula interna apresentam, particularmente, alta permeabilidade à ureia, e que de fato, a uma taxa muito alta para que seja decorrente da livre difusão pela bicamada lipídica (Stewart & Smith, 2005). Visto que, apesar do tamanho relativamente pequeno (60 Da), a ureia é uma molécula altamente polar e apresenta baixa taxa de permeabilidade através da bicamada lipídica (4 x 10-6 cm/s), muitos pesquisadores chegaram a conclusão de que o tempo de trânsito do fluido 1559 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 O SURGIMENTO DOS CONCEITOS SOBRE TRANSPORTE DE UREIA ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN esqueléticos, porém, foram os transportadores oriundos dos genes UT-A, detectados nos rins, que trouxeram maior impacto no entendimento real do funcionamento destas estruturas moleculares. Em animais ruminantes foram identificadas duas isoformas dos transportadores, originários da expressão do gene UT-B, que foram isolados em todo trato gastrointestinal destes animais, principalmente no rúmen. Sabe-se que os transportadores UT-B apresentam um mecanismo de ação diferentes dos UT-A renais, pois não são responsivos aos mecanismos de sinalização celular mediados pelo AMPc e proteína kinase. Foi relatado que estas estruturas apresentam elevação na sua eficiência em curto prazo, em resposta a interação do epitélio ruminal com alguns produtos do metabolismo microbiano. Especula-se ainda que a longo prazo, os transportadores de ureia podem aumentar sua expressão, tornando-se mais ativos, inclusive em camadas dérmicas ruminais onde estes não haviam sido encontrados anteriormente, como no estrato córneo. Porém, os mecanismos de ação destas estruturas no rúmen, fígado, rins e glândulas salivares ainda não foram muito bem estabelecidos, sendo que ainda existem algumas discordâncias entre a comunidade científica sobre como descrever o processo de transporte de ureia e os fatores que controlam sua eficiência e expressão gênica. Em virtude disso, o objetivo deste trabalho foi recolher na literatura os principais trabalhos que investigaram a estrutura e função dos transportadores de ureia ruminais, bem como, investigar quais os fatores que estão envolvidos na sua expressão e eficiência de atividade, trazendo estes conceitos para interação com outros a respeito do metabolismo do nitrogênio, na fisiologia dos animais ruminantes. A identificação de alguns compostos inibidores do transporte facilitado de ureia, como a floretina, favoreceu o estudo de evidências adicionais sobre a funcionalidade destas estruturas (Sands, 1999). Posteriormente, outra geração de reagentes, incluindo nucleotídeos específicos, alguns soros e outras técnicas imunológicas, conduziu a significantes avanços para o entendimento dos aspectos moleculares destas estruturas. Os transportadores de ureia são derivados de dois genes específicos UT-A (Slcl4a2) e UT-B (Slcl4a1) (Stewart et al., 2005). Os genes UT-A dão origem a seis diferentes isoformes UT-A1, UT-A2, UT-A3, UT-A4, UT-A5 e UT-A6, encontrados nos mais variados tecidos de diferentes órgãos como rins, cérebro, pulmões, fígado, testículos, baço, epidídimo, intestino e músculos esqueléticos (Smith & Rousselet, 2001). Porém, nos rins, especialmente os transportadores UTA1, UT-A2, UT-A3 e UT-A4 apresentam funções específicas muito bem estudas na condução dos mecanismos urinários. Entretanto não é um objetivo específico deste trabalho a descrição completa destes mecanismos. A fisiologia molecular e o papel dos transportadores de ureia na filtração dos fluidos corporais, bem como seus processos bioquímicos estão descritos em detalhes no trabalho de Smith & Rousselet (2001). De fato, as consequências deste processo tornam-se objetivo de interesse desta discussão, uma vez que através do mecanismo de concentração da urina é possível atingir a homeostase no metabolismo proteico, balanço de nitrogênio e conservação da água corporal. Evolutivamente, a molécula de ureia surgiu como alternativa à produção de moléculas tóxicas 1560 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 O PAPEL DOS TRANSPORTADORES DE UREIA EM ALGUNS MECANISMOS ADAPTATIVOS ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN tubular através dos ductos coletores era muito pequeno para que a ureia atingisse o equilíbrio por simples difusão ou mesmo por transporte paracelular e junções intercelulares (Sands, 1999). Alguns autores (Knepper, 1983; Sands et al., 1987) relataram aumentos de até 400% na permeabilidade à ureia nos ductos coletores da medula interna de ratos, após estimulação com vasopressina. Estes fatos conjuntamente sugeriram que a ureia poderia atravessar as membranas biológicas através de um mecanismo mediado por um carreador, pois mesmo na ausência de estímulos do hormônio antidiurético os ductos coletores apresentavam permeabilidade 85 vezes maior que aquela que poderia ser alcançada através da difusão simples. Sendo assim, na década de 90, You et al. (1993) identificou transportadores de ureia especializados, através do isolamento do cDNA do transportador UT-A2 na medula interna dos rins de coelhos, especificamente com elevada expressão na região do cólon, sendo possível explicar o comportamento do gradiente de concentração de ureia na medula interna, um ponto crítico no processo de concentração da urina. Foi a partir daí que muitos autores nesta década (Karakashian et al., 1999; Martial et al., 1996; Olivès et al., 1996; Promeneur et al., 1996; Shayakul et al., 1997; Smith et al., 1995) se concentraram em localizar os transportadores de ureia, bem como caracterizar o seu papel na fisiologia renal. Transportadores UTA2 em humanos e ratos foram clonados com 90% de homologia aos encontrados nos primeiros trabalhos em coelhos (Promeneur et al., 1996; Smith et al., 1995), dando início então, ao intenso processo de estudo para identificar os mecanismos de ação específicos dos transportadores e de que forma eles eram expressos. 1561 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 da ureia-ornitina, passa para a corrente sanguínea e é livremente filtrada pelos rins. Do total que é filtrado, uma parte é excretada pela urina e outra é reabsorvida pela corrente sanguínea. A ureia circulante pode entrar no TGI através de transportadores especializados, e pode ser clivada pela enzima urease secretada por microrganismos, até amônia e dióxido de carbono. A amônia pode ser novamente absorvida diretamente pela corrente sanguínea, ou mesmo utilizada pelos próprios microrganismos na produção de aminoácidos e peptídeos, que por sua vez, também podem ser reabsorvidos. Este retorno do nitrogênio ureico é o processo denominado de SNU. Para investigar a fundo este processo, Stewart et al. (2004b) relatou que alguns experimentos utilizaram a administração oral de ureia com nitrogênio marcado (N15) para ratos. Foi observado que o retorno de nitrogênio a partir do intestino foi maior para animais submetidos às dietas com baixo conteúdo de N. E a partir destes estudos acreditou-se que o processo de SNU seria importante em situações de alta demanda proteica como, por exemplo, para crianças em crescimento. Com isso Stewart et al. (2004a) teve como objetivo identificar quais seriam os transportadores envolvidos na passagem da ureia da corrente sanguínea para a região do cólon. Os resultados indicaram a presença de transportadores do grupo UT-A nas membranas das células do cólon, e que estes seriam os mediadores da passagem da ureia para esta parte do intestino grosso. Porém, os autores observaram que este movimento era mediado pela atividade urease dos microrganismos, sugerindo a existência de um gradiente direcionado à entrada de ureia no lúmen do cólon. Devido a estes fatos, surgiu o interesse em identificar quais seriam os transportadores que atuam na passagem da ureia circulante para dentro do TGI de animais ruminantes, ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN oriundas de fontes de nitrogênio dietético. O produto final imediato do catabolismo das proteínas é a amônia, que é uma molécula tóxica às células, caso haja o seu acúmulo. Os peixes, incluídos na menor escala evolutiva dentre os vertebrados, excretam a amônia corporal através da pele e a detoxificam pela simples diluição na água circulante, sem que haja gasto energético significativo nesta situação. Já para os organismos terrestres, outros processos estão envolvidos na detoxificação da amônia. Em mamíferos, os aminoácidos são clivados e então direcionados ao ciclo da ureia-ornitina no fígado, resultando na formação da ureia (Stewart & Smith, 2005). Um outro papel da ureia, que há muitos anos é objeto de estudo na nutrição de ruminantes, reacendeu o interesse da comunidade científica internacional. Vertebrados não expressam a enzima urease significativamente, sendo esta enzima responsável pela quebra da molécula de ureia até amônia e dióxido de carbono. Por outro lado, as bactérias que habitam o trato gastrointestinal (TGI) expressam ativamente esta enzima e são utilizadoras de ureia como fonte de N. A ureia no sangue do hospedeiro passa para o inteiro do TGI onde é clivada. O N liberado neste processo se torna novamente disponível ao hospedeiro e pode novamente entrar na circulação para ser utilizado como substrato em processos de síntese (Stewart & Smith, 2005). Este processo foi denominado pelos autores Fuller & Reeds (1998) como “salvamento do nitrogênio ureico” (SNU). Este fenômeno durante muito tempo foi erroneamente denominado de “reciclagem de ureia”, entretanto, apesar deste nitrogênio que retorna ao hospedeiro ser de origem ureica, não se trata do retorno de ureia propriamente dita como no caso da reciclagem. SNU se trata do nitrogênio ureico que retorna ao hospedeiro na forma de amônia. Como processo geral, a ureia que é sintetizada no fígado via ciclo Atualmente, acredita-se que os transportadores de ureia no TGI são mediadores do fluxo de ureia para o lúmen intestinal como parte do processo de reciclagem da ureia, que por sua vez é oriunda de nitrogênio amoniacal convertido pelo fígado à ureia. Este nitrogênio amoniacal pode estar intimamente associado ao mecanismo de SNU. Esta premissa se torna ainda mais relevante no caso dos animais ruminantes que são animais que sobrevivem com dietas de alto conteúdo de celulose e baixo conteúdo de proteína (Stewart et al., 2005). Ou seja, o aproveitamento 1562 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 IMPORTÂNCIA DOS TRANSPORTADORES DE UREIA RUMINAIS NO BALANÇO DE NITROGÊNIO E DESCRIÇÃO DA SUA ESTRUTURA BIOLÓGICA máximo do nitrogênio da dieta se torna um ponto vital para manter o balanço de nitrogênio em ruminantes. Por outro lado, a utilização de rações sem balanceamento adequado, traz consigo a suplementação excessiva com nitrogênio e consequentemente prejuízos ambientais, uma vez que o excesso de nitrogênio pode ser excretado nas fezes ou na urina na forma de ureia. Segundo Muscher et al. (2010), a utilização efetiva de ureia no rúmen como fonte de N para síntese proteica microbiana atua na redução das emissões potenciais de derivados nitrogenados no ambiente. Estes autores trabalharam com reduções progressivas nos níveis de proteína bruta na dieta de caprinos. Eles concluíram que estes animais podem adaptar seu metabolismo a uma reduzida quantidade de N dietético através da otimização da capacidade de transporte de ureia ruminal. Essa redução foi possível sem prejuízos à saúde e desempenho animal. Além disso, as emissões de N podem ser drasticamente diminuídas graças a um aumento nas taxas de transferência de ureia para o rúmen e maior eficiência no uso do nitrogênio ureico para síntese de proteica microbiana. Essa maior eficiência foi acompanhada de uma redução na excreção de nitrogênio ureico nas fezes e urina. Todos estes fatos são decorrentes de complexos mecanismos fisiológicos adaptativos dos ruminantes. Acredita-se que em animais ruminantes, existe um esforço metabólico conjunto de alguns órgãos, no sentido de preservar o nitrogênio corporal, como o TGI, fígado e sistema renal. Muito se conhece a respeito dos efeitos das dietas com baixo conteúdo de nitrogênio sobre o metabolismo renal. Em extensa revisão sobre regulação de transportadores de ureia nos rins, Sands (1999) afirma que dietas pobres em N provocam profundas modificações nas funções medulares como: redução na taxa fracional de excreção de ureia, redução na habilidade máxima de concentraçào ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN uma vez que estes animais apresentam um mecanismo mais complexo de conservação do N da dieta e apresentam uma flora microbiana bem desenvolvida e ativa dentro do rúmen-retículo. Sabe-se que a reciclagem de ureia também atua reduzindo a quantidade de ureia que é excretada via rins, e que essa habilidade, possivelmente auxilia os animais ruminantes habitantes de regiões áridas na conservação da água corporal. Como exemplo pode-se citar os camelos, que são animais pertencentes a mesma sub-ordem à qual pertence os ruminantes. Cerca de 94 a 97% do total de ureia sintetizada pelo fígado destes animais retorna ao TGI (Mousa et al., 1983), tornando ainda mais intrigantes os mecanismos que evolutivamente transformaram os animais ruminantes em animais muito adaptados à adversidades, como a falta de alimentos e água. 1563 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 situação de restrição proteica ou de nitrogênio, as mudanças regulatórias na função renal e gastrointestinal ajudam a manter o SNU em níveis considerados normais, apesar de redução na síntese de ureia. Isto sugere que as modulações; renal e gastrointestinal atuam conjuntamente no metabolismo proteico, como partes integrantes, em resposta à conservação de nitrogênio. A partir destes resultados concretos sobre a recuperação da ureia nos rins como resposta ao SNU, surge a necessidade do entendimento de qual seria o papel dos transportadores na reciclagem de ureia para o TGI dos ruminantes, especialmente para o rúmen. Sendo ainda de fundamental importância caracterizar quais seriam os fatores que atuam no controle da expressão destes transportadores. Sabe-se que a reciclagem de N no metabolismo de ruminantes representa um ponto chave, pois é estimado que 40 a 80% do N ureico que é sintetizado no fígado pode entrar no TGI (Harmeyer & Martens, 1980). De acordo com Lapierre & Lobley (2001) a ureia sintetizada no fígado pode contribuir substancialmente para o fluxo de N digestível para o intestino. Essa ureia que entra no TGI, principalmente através do rúmen, pode ser carreada também através da saliva, pois sabe-se que a quantidade de ureia que entra para o rúmen via saliva, em situações de baixos teores de proteína na dieta, aumenta bastante em resposta à restrição proteica (Lapierre & Lobley, 2001; Stewart & Smith, 2005). Entretanto, de toda a ureia que entra no TGI oriunda da síntese no fígado, a quantidade que é usada para propósitos anabólicos é dependente de inúmeros fatores, inclusive do sítio de transporte, uma vez que a ureia pode entrar em qualquer ponto do TGI (Lapierre & Lobley, 2001). Stewart et al. (2004b) sugeriu que os transportadores de ureia expressos no TGI mediam o fluxo de ureia para o lúmen intestinal. Stewart et al. (2005), utilizou uma série de ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN da urina e reversão no gradiente de concentração normal existente na medula interna. Ainda, segundo o autor, existem faixas de tempo em que algumas mudanças ocorrem. Em experimentos com ratos, alguns fenômenos somente foram observados a partir de duas semanas de restrição proteica, como se segue: aumento da permeabilidade à ureia nos ductos coletores da medual interna, estimulada pela vasopressina e aumento na abundância dos trasnportadores UT-A1 na medual interna. Três semanas de restrição proteica provocaram a reabsorção ativa de ureia por canais sódiodependentes na membrana apical dos ductos coletores. Estes fatos demonstraram que o tempo de restrição proteica na dieta pode representar vários níveis de respostas metabólicas pela conservação de ureia corporal. Tebot et al. (2002) avaliaram diferentes níveis de proteína bruta para ovinos e observaram que redução de 57% no conteúdo de proteína da dieta foi capaz de reduzir a excreção de ureia na urina em 84%, o que permitiu produção similar de N microbiano entre tratamentos. Os autores afirmam ainda que essa grande recuperação de ureia foi possível através de reduções no fluxo plasmático renal e na taxa de filtração glomerular, bem como aumento na reabsorção de ureia nos túbulos renais. Marini & Van Amburgh (2003), em trabalho semelhante, porém, utilizando novilhas leiteiras, obtiveram resultados semelhantes como: a depuração da ureia renal reduziu enquanto que a depuração ruminal aumentou; igualdade nos teores de produção microbiana ruminal e maior quantidade de ureia oriunda da corrente sanguínea. Marini et al. (2004), trabalhando com níveis de N na dieta de cordeiros, observaram constante depuração de creatinina na urina entre as diferentes dietas, porém, a depuração urinária de N ureico aumentou linearmente com a elevação de N na dieta. Stewart & Smith (2005) afirmaram que em DINÂMICA DA ELUCIDAÇÃO DO MECANISMO DE AÇÃO DOS TRANSPORTADORES DE UREIA RUMINAL Algumas teorias foram propostas para tentar desvendar qual seriam os reais fatores envolvidos no controle da expressão e atividade dos transportadores de ureia. A maioria delas partiu do pressuposto de que os fatores dietéticos seriam aqueles que diretamente atuariam nesse processo. Uma avaliação cronológica permitiu observar que estas teorias foram 1564 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 Tickle et al. (2009), fazendo uma investigação mais aprofundada dos transportadores UT-B2 no rúmen, através da técnica de cultura celular MDCK cell line, observaram que estes transportadores não sofrem ação do hormônio vasopressina, dos sinalizadores AMPc e da proteína quinase (PKA e PKC), nem mesmo do cálcio, que são fatores atuantes na mediação da expressão da família de transportadores UT-A. Este estudo comprovou que o mecanismo de sinalização celular das duas famílias de transportadores é diferente, e que ainda permanecem algumas dúvidas sobre mecanismo de regulação dos transportadores ruminais. Mesmo ainda com dúvidas remanescentes alguns pesquisadores comprovaram que além da teoria da difusão simples ter sido abandonada, também pode estar descartada a hipótese de que haveria algum tipo de transporte ativo na passagem da ureia para o rúmen. Abdoun et al. (2010) utilizando a técnica da câmara de Ussing não observaram mudanças na diferença de potencial transepitelial (±25 mV), que altera a diferença de potencial na membrana apical celular em ±15 mV. A adição de 1 ou 7mmol/L de ureia não provocou nenhum tipo de alteração elétrica no epitélio ruminal. ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN técnicas para caracterizar e localizar os transportadores de ureia nos tecidos de animais ruminantes. O sequenciamento direto do cDNA revelou a presença de transportadores do tipo UT-B, com 79% de identidade com o UT-B encontrado em humanos e apenas 69% de similaridade com UT-A. Não foi encontrada expressão de transportadores UT-A no rúmen bovino. Através de técnicas de reação em cadeia da polimerase (PCR) foram identificadas duas isoformas do mesmo gene. Isoformas diferentes do mesmo gene ocorrem através de um splicing alternativo do mRNA, apresentando funções em diferentes tecidos (Karp, 2005). Com isso, foram denominados as isoformas UT-B1 e UT-B2, sendo a ultima predominante nos tecidos ruminais. Por sua vez, a técnica Northern blot permitiu identificar com precisão a expressão de UT-B2 (3,7 kb) predominantemente no rúmen e UTB1 (3,5kb) nos rins. Não foi identificada nenhuma expressão de transportadores UT-A nos tecidos avaliados. Técnicas de imunolocalização permitiram identificar a presença de UT-B nas diferentes camadas dérmicas do rúmen, sendo localizados nas camadas mais superficiais, como nos estratos basal, espinhoso e granuloso. Não foram encontrados transportadores no estrato córneo, que é a camada mais externa e menos ativa da epiderme ruminal. Acredita-se que este último estrato não restringe o fluxo de ureia, uma vez que está sujeito à abrasão mecânica do conteúdo ruminal, sendo a proteção mecânica seu principal papel. Por último, através da técnica da câmara de Ussing, os autores demonstraram que o fluxo transepitelial de ureia existente é bidirecional. Porém, os autores acreditaram que o fluxo foi mediado pelo gradiente de concentração, que provavelmente seria do sangue para o rúmen. Mais adiante será discutido a respeito do gradiente de concentração e seu papel na modulação do transporte de ureia. 1565 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 excreção de N ureico e aumento na reabsorção de N pelos rins, os autores não puderam atribuir este fato a um aumento na expressão de transportadores na medula renal, pois isso não ocorreu. Além disso, embora o fígado dos cordeiros na dieta com alto teor de N apresentarem oito vezes maior síntese de ureia que aqueles da dieta com reduzido teor de N, os autores também não encontram diferenças na abundância de UT-A ou UT-B hepáticos entre dietas. Por fim, o aumento na depuração de N para o interior de TGI não foi acompanhado por mudanças na quantidade de UT no rúmen, duodeno, íleo ou ceco. No entanto, estes autores quantificaram apenas a expressão, e não mensuraram o nível de atividade destes transportadores, o que poderia apresentar diferença entre as dietas. A partir de 2005, os transportadores de ureia presentes no TGI de ruminantes se tornaram bem conhecidos através do trabalho de Stewart et al. (2005), sendo o transportador UT-B2 o mais abundante no epitélio ruminal. A partir disso, Ludden et al. (2009) lançaram uma hipótese de que a expressão de UT-B seria incrementada com a redução na frequência de suplementação proteica, especialmente com a utilização de suplementos com maior quantidade de PNDR. Porém, nenhum efeito significativo foi encontrado entre tratamentos para expressão dos UT-B em diferentes tecidos. Estes autores justificaram em sua discussão que a função dos transportadores pode estar ligada a um aumento na permeabilidade mediada pela atividade da enzima urease, o que trouxe assim a visão de que outros fatores poderiam atuar conjuntamente em curto prazo na alteração da eficiência do transporte. Estes autores ainda foram pioneiros em identificar transportadores do tipo UT-B na glândula salivar parótida, porém, sem detectar diferenças na sua expressão em função dos tratamentos. Estes autores encontraram ainda formas glicosiladas e não glicosiladas do ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN gradativamente complementadas e aprofundadas. Após muitos trabalhos de pesquisa publicados sobre a expressão transportadores de ureia nos tecidos de diferentes animais e humanos, Marini & Van Amburgh (2003) foram uns dos primeiros autores que aplicaram estes novos conceitos nos estudos de respostas produtivas com ruminantes, mais especificamente em novilhas leiteiras. Estes autores, empiricamente, assumiram sua hipótese a partir de dois fatos existentes. O primeiro foi reportado em trabalhos publicados nos anos 90, que comprovaram a elevação na expressão de transportadores de ureia para animais de laboratório consumindo dietas de baixo conteúdo de N. O segundo foi a descoberta dos transportadores de ureia no TGI de ruminantes (Ritzhaupt et al., 1997; Ritzhaupt et al., 1998). Sendo assim, Marini & Van Amburgh (2003) formularam a hipótese de que haveria aumento na expressão dos transportadores de ureia no rúmen quando fosse fornecida uma dieta com baixos teores de N, sendo estes os principais direcionadores do mecanismo de reciclagem de ureia. Entretanto, contrariando esta hipótese, a interpretação dos resultados apontou para um surpreendente aumento da expressão de transportadores de ureia no rúmen das novilhas que consumiram a dieta com maior teor de N. Sendo assim, os autores não descartaram a possibilidade de que houvesse difusão da ureia para o TGI via espaços paracelulares ou mesmo difusão simples, sendo então o retorno à corrente sanguínea através dos transportadores. No ano seguinte, alguns dos mesmos autores (Marini et al., 2004) propuseram outro trabalho com objetivo de melhor elucidar o papel dos transportadores de ureia nos tecidos do TGI, fígado e rins, e sua relação com a reciclagem de ureia em cordeiros alimentados com diferentes níveis de proteína na dieta. Apesar de os animais que consumiram menor teor de N apresentarem redução na 1566 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 razoável candidato a modulador da expressão dos transportadores UT-B2 em longo prazo. Posteriormente, Abdoun et al. (2010) colocam em dúvida a regulação dos transportadores de ureia através do butirato, em longo prazo. Segundo estes autores, no futuro será possível identificar se o butirato realmente promove aumento da densidade de transportadores no epitélio ruminal ou se o efeito da elevação na quantidade de transportadores é justificado pelo aumento na área superficial do rúmen. Contrariamente a esta hipótese, os autores alegam que regulações em longo prazo não são capazes de explicar as rápidas variações no transporte de ureia que ocorrem ao longo do dia, em resposta aos produtos da fermentação. Estes autores propõem então, uma teoria em que o aumento do transporte de ureia está baseado na elevação pósprandial dos teores de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e dióxido de carbono. Os autores acreditam que a resposta mediadora do transporte de ureia seja em grande parte funcional, ao invés de transcricional, ou seja, o controle do transporte de ureia se dá em curto espaço de tempo em resposta à dieta, sem que haja necessariamente modificações no nível de expressão genética para produção de maiores quantidades de transportadores de membrana, sendo a eficiência o fator preponderante na resposta mediadora. Os autores acreditam ainda que existam efeitos agudos do pH sobre a ativação dos transportadores UT-B, tornando os transportadores mais responsivos aos estímulos existentes para o transporte e às exigências de N da população microbiana em crescimento. Mais recentemente, Muscher et al. (2010) também se basearam na hipótese de que existe a necessidade de se mensurar a capacidade funcional dos transportadores de ureia ruminal em resposta a dietas com reduzidos conteúdos de N. Os autores, além de observarem expressão dos transportadores, ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN transportador UT-B. A glicosilação atua no aumento da estabilidde e vida útil das proteínas da membrana. A maior expressão da forma Nglicosilada na parte ventral do rúmen em resposta a suplementação diária com PDR, reforça a tese de Marini & Van Amburgh (2003) de que UT-B representaria um papel principal na função excretória de ureia para o exterior do rúmen. Recentemente, uma nova geração de hipóteses foi lançada, levando-se em consideração que não só as características proteicas da dieta deveriam ser levadas em consideração no estudo dos transportadores de ureia, uma vez que o rúmen é um sistema complexo e a interação de diversos fatores pode originar mudanças substanciais no metabolismo de um determinado nutriente, como o nitrogênio. Simmons et al. (2009) executaram um experimento com objetivo de avaliar os efeitos de duas diferentes dietas sobre a regulação dos transportadores UT-B: dieta com 80% de silagem de gramínea e 20% de concentrado e outra com 80% de concentrado e 20% de palha de cevada. Os resultados comprovaram que dietas ricas em concentrado promovem no epitélio ruminal, maior expressão generalizada de transportadores UT-B2, acompanhada por uma alteração da morfologia papilar, aumentando a superfície de contato para trocas epiteliais. Os autores justificaram seus dados através da observação de drástica redução da quantidade de acetato no conteúdo ruminal, que foi substituído pelos ácidos valérico e butírico. Norton et al. (1982) observaram que a exposição prolongada do epitélio ruminal (cerca de 2 semanas) ao butirado provocou aumento na entrada de ureia no rúmen de ovinos. Por outro lado, a exposição aguda (cerca de 1 hora) ao butirato não apresentou nenhum efeito estimulatório na transferência de ureia (Remond et al., 1993). Os autores do trabalho sugeriram que o butirado se apresentaria como um Como foi comentado anteriormente, existe uma série de fatores que podem atuar nos mecanismos regulatórios dos transportadores de ureia ruminais. Segundo Huntington & Archibeque (2000) o ponto crítico da pesquisa envolvendo o metabolismo da ureia está na relação da produção, excreção e reciclagem desta molécula em função da composição da dieta, consumo e prioridades produtivas do animal. Dependendo destes fatores, 19 a 96% da produção de ureia endógena pode ser reciclada no TGI, 15 a 94% da ureia reciclada pode chegar via saliva, 25 a 90% da ureia pode ser degradada no TGI na porção pós-ruminal e ainda 25 a 60% da ureia endógena pode ser excretada na urina. Tendo em vista esta complexidade de resultados que podem ser alcançados, serão PAPEL DO FÍGADO Segundo Lapierre & Lobley (2001) existem duas principais estratégias para se aumentar a eficiência de utilização de N. A primeira é reduzir a quantidade de N que é convertida até ureia no fígado, via redução de absorção de amônia ruminal ou redução no catabolismo de aminoácidos. A segunda seria aumentar a quantidade de ureia produzida pelo fígado que retorna ao rúmen para ser incorporada à proteína microbiana, ou seja, com finalidade anabólica. A ureagênese no fígado está intimamente ligada à degradabilidade do N dietético e subsequente absorção da amônia. Existe uma alta correlação entre o consumo de N e a produção de ureia pelo fígado (Huntington & Archibeque, 1999). Lapierre & Lobley (2001) afirmam que uma fonte de proteína menos degradável no rúmen promove aumento na proporção de N que é absorvido na forma de aminoácidos. Isso conduz a uma menor síntese de ureia pelo fígado e maior quantidade de aminoácidos disponíveis para produção animal. Esta alternativa parece ser representante da primeira estratégia de aumentar a eficiência de N, como descrita acima. No entanto estes processos são extremamente complexos e devem-se observar algumas questões fundamentais. Segundo Sunny et al. (2007) o processo de SNU está intimamente ligado ao processo de reciclagem de ureia pelo rúmen. Estes autores acreditam que o processo de SNU seja regulado pelo nível de ureia plasmatica mais significativamente do que o processo de reciclagem, que pouco sofre com a ação do nível de ureia plasmática, em função da presença dos transportadores de 1567 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 PRINCIPAIS MECANISMOS REGULATÓRIOS DA ATIVIDADE DOS TRANSPORTADORES DE UREIA EM RESPOSTA ÀS ALTERAÇÕES DA DIETA discutidos a seguir os fatores que atuam nos mecanismos regulatórios de UT-B ruminais, sem, no entanto, representá-los como fatores isolados, levando-se em consideração que os diferentes fatores apresentam interação. ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN estudaram a atividade urease e as concentrações de ureia plasmática como potenciais e efetivos fatores modulatórios na transferência de ureia através do epitélio ruminal. Note que novos enfoques passam a ser dados na investigação da atuação dos UT-B ruminais, partindo-se para níveis de investigação mais direcionados às respostas rapidamente mediadas, com elevação da capacidade de transporte, sem no entanto, abandonar a ideia de regulação a partir de fatores dietéticos e efeitos de regulação genéticas ou transcripcionais a longo prazo. FLUXO PLASMÁTICO DE UREIA, GRADIENTE DE CONCENTRAÇÃO E PERMEABILIDADE Harmeyer & Martens (1980) acreditavam que o consumo de dietas com reduzido teor de proteína seriam o fator principal no aumento da permeabilidade ruminal no TGI de ruminantes, em função de mudanças no gradiente de concentração. Segundo Stewart & Smith (2005), os transportadores de ureia permitiriam rápido movimento da ureia a favor do gradiente de concentração (plasmarúmen). Porém, os autores observaram que existia um limite pelo qual a entrada ruminal de ureia ocorria em função da diferença de concentração da ureia plasmática e líquido ruminal. Sunny et al. (2007) relataram que níveis de ureia no plasma acima de 5 mmol/L podem limitar a circulação da ureia a favor do gradiente de concentração. Porém, partindo-se do pressuposto que os transportadores de ureia são seletivos, e não se tornam saturados até um nível de 200 mmol/L (Smith & Rousselet, 2001), acreditam que os transportadores não são apenas regulados pelo gradiente de concentração a favor da reciclagem de 1568 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 da eficiência de síntese microbiana e retorno de ureia ao TGI através da reciclagem, parece ser o maior desafio para os nutricionistas, pois esta estratégia representa grande benefício na eficiência de incorporação de N microbiano, aumentando a quantidade de proteína microbiana que chega ao abomaso para propósito anabólico, no entanto, sem lançar mão da utilização de fontes proteicas de baixa degradabilidade. Para isso, é necessário conhecer qual o real mecanismo envolvido no aumento da eficiência de transporte de ureia para o interior do rúmen, uma vez que se conhece que a saída de ureia é bastante estimulada pela concentração plasmática. ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN ureia, fortemente regulados pelo ambiente ruminal e pelos processos de fermentação. Sendo assim, uma redução no teor de PDR na dieta promoverá redução na concentração de amônia ruminal, com consequente redução no processo de ureagênese pelo fígado. Essa redução na ureagênese reduz o nível N ureico no plasma, o que torna necessário o aumento no processo de SNU ou captação de N amoniacal pelo sistema porta-hepático e, consequentemente, reduzindo a depuração de ureia nos rins, uma vez que a redução de ureia plasmática pode ser sinalizador de um estado de privação proteica. Com o aumento de N recuperado pelo processo de SNU, e redução no N amoniacal necessário ao metabolismo microbiano, o fígado passa a aumentar sua taxa de ureagênese, podendo ainda se utilizar dos aminoácidos circulantes ou mesmo oriundos da PNDR da dieta para promover a reciclagem. Além do desperdício causado pela clivagem de aminoácidos, Lobley & Milano (1997), afirma que de todo oxigênio consumido pelo organismo, 2,5 a 5% pode ser consumido no processo de ureagênese no fígado, o que chega a representar 4 mol de ATP gastos para cada molécula de ureia produzida. Sunny et al. (2007), trabalhando com níveis crescentes de infusão com ureia intravenosa em ovinos, observou um decréscimo na excreção de N fecal em resposta ao aumento de ureia infundida, apesar de pequeno acréscimo na participação da ureia no total deste N. Para os autores, essa redução foi resultado do aumento na digestibilidade do N, em resposta a um aumento observado no uso anabólico do N ureico reciclado e no N retido no corpo. Segundo Lapierre & Lobley (2001) a produção de ureia pelo fígado representa um fonte contínua de ureia para suportar a fermentação microbiana no rúmen assim como em outras áreas do TGI, sendo ainda dependente do estado fisiológico do animal. Ou seja, a utilização da segunda estratégia, que é o aumento 1569 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 da secreção salivar. Segundo Huntington & Archibeque (1999), a concentração plasmática de ureia bem como a produção de saliva conjuntamente, determinarão a quantidade de ureia que entrará no rúmen através da saliva (Huntington & Archibeque, 1999). Partindo-se do princípio de que existe uma limitação funcional dos transportadores de ureia em aproveitar todo o pool de ureia plasmático, a saliva torna-se a via secundária de entrada de ureia no rúmen. Ludden et al. (2009) detectaram os transportadores de ureia UT-B no interior das glândulas parótidas de cordeiros. Os autores acreditam que as glândulas salivares desempenham importante papel na reciclagem de ureia para o interior do rúmen, sendo mais pronunciada em animais consumindo dietas com maior quantidade de volumoso, responsável pela maior atividade mastigatória. Segundo Muscher et al. (2010) a ureia salivar é fortemente correlacionada com a ureia plasmática, sendo que aproximadamente 73% do total pode ser transferido via saliva. Os autores afirmaram ainda que a expressão de UT-B nas glândulas parótidas parece não limitar a transferência de ureia para a saliva dentro de uma concentração de ureia fisiologicamente normal encontrada no plasma. Pode-se reforçar essa premissa pelo fato de que os transportadores podem transferir níveis muito altos de ureia, antes mesmo de uma possível saturação dos canais. Assim, foi possível atribuir essa maior capacidade de transporte à ausência de interação com produtos da fermentação, como ocorre no rúmen. Porém, não se conhece ainda qual seria o mecanismo regulatório real que atua nestes transportadores, sendo necessários estudos mais aprofundados para determinar se existe um faixa de limitação de transferência de ureia pelos UT-B salivares. Muscher et al. (2010) ressaltam que apesar da grande ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN N, como já foi discutido anteriormente, já que 5 mmol/L de ureia no plasma não é uma concentração capaz de promover saturação dos transportadores. Sunny et al. (2007), acreditam que o metabolismo dos microrganismos ruminais, com seus diferentes produtos, possa a influenciar o transporte de ureia para dentro do TGI. Lapierre & Lobley (2001), demonstraram baixa correlação (r2 = 0,20) entre a quantidade de ureia reciclada pelo rúmen e concentração plasmática, em estudos conduzidos com ovinos e bovinos com N oriundo de diferentes tipos de dieta. Sunny et al. (2007) utilizaram infusões de ureia intravenosas diretas, a fim de se evitar os efeitos da manipulação do ambiente ruminal sobre o transporte. Desta forma foi permitida aos autores a observação de alta correlação (r2 = 0,95) entre ureia plasmática e entrada de ureia no rúmen, o que permite inferir que os compostos gerados no rúmen interagem de alguma forma no transporte de ureia, permitindo maior ou menor entrada deste composto para o interior do rúmen. Abdoun et al. (2010) obtiveram aumento na atividade dos transportadores de ureia a partir de elevação nas concentrações de AGCC e CO2, que são produtos obtidos através da fermentação ruminal. Entretanto, o fluxo sanguíneo pelo epitélio ruminal se reduz quando há adição desses suplementos diretamente no epitélio, sendo possível atribuir o aumento na taxa de transporte à elevação na permeabilidade do transportador de membrana, sem que tenha ocorrido necessariamente maior concentração plasmática de ureia para suportar um maior gradiente de concentração a favor da entrada ruminal. Apesar de não exercer papel primordial sobre o transporte de ureia diretamente pela parede ruminal, a concentração plasmática é primordial na determinação da proporção de ureia que entrará no rúmen através Huntington & Archibeque (1999), em revisão sobre aspectos práticos do metabolismo de uréia em ruminantes, descreveram a respeito do efeito partidor do hormônio de crescimento sobre o metabolismo do nitrogênio. Os autores sumarizaram alguns dados e observaram que aumentando o suprimento de proteína pós-ruminal, ocorre aumento na ureagênese pelo fígado e reciclagem de ureia para o rúmen, sendo também maior a proporção de ureia que entrou no rúmen após sintese pelo fígado, indicando a prioridade do SNU durante situações de baixa concentração de amônia ruminal. Entretanto, quando animais foram tratados como somatotropina exógena ocorreu uma drástica redução na síntese de ureia pelo fígado, que foi responsável por um aumento na liberação de aminoácidos pelo sistema porta para utilização em fins anabólicos. Embora este hormônio não atue diretamente nos canais proteicos de ureia, pois foi comprovado que não existe mediação via sinalizadores celulares da ação hormonal como o AMPc e proteína kinase nos UT-B ruminais, é importante a descrição de alguns mecanismos de alteração do estado fisiológico normal em que os transportadores atuarão. Bruckental et al. (1997) utilizando somatotropina exógena em bovinos suplementados com caseína, como fonte intestinal de aminoácidos, 1570 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 HORMÔNIOS observaram que a captura do total de aminoácidos pelo fígado foi a mesma para animais suplementados com caseína ou não, sem adição de hormônio (58 e 59%), porém, estes foram maiores que para animais tratados com somatotropina (18%). Estes dados indicam que a administração deste hormônio direciona mais aminoácidos para os tecidos periféricos, sem que haja oxidação hepática destes aminoácidos, redirecionando as prioridades do organismo para preservação do N circulante, para suportar funções vitais no metabolismo microbiano ruminal. Outro hormônio atuante no metabolismo do N é a vasopressina (ADH). Ao contrário dos UT-B ruminais, os UT-A3 presente no rins são mediados por sinalizadores celulares como o AMPc, sendo bastante responsivos à ações hormonais (Stewart et al., 2004b). Assim, Stewart et al., (2008) demonstraram em seu trabalho que o ADH aumenta significativamente a expressão dos transportadores UT-A. O ADH, via receptores de membrana V2 e da adenilato ciclase, estimula um aumento nos níveis de AMPc. Dentro de 5 a 10 minutos, a proteína kinase ativa o transportador de ureia UT-A3 que já está presente na membrana basolateral. Provavelmente a fosforilação inicial já dá início ao processo de ativação. Após uma hora, através da proteína kinase II, ocorre intensificação da expressão dos transportadores na membrana basolateral, causando maior taxa de transferência de ureia, que agora será recuperada de possível excreção. Nota-se que o mecanismo de ação dos transportadores renais já está muito bem estabelecido, excetuando-se alguns detalhes que precisam ser investigados com maior profundidade, como por exemplo, os sítios de fosforilação. Porém, o fato de estes transportadores apresentaram forte regulação hormonal facilita a elucidação do mecanismo de ação. No caso dos UT-B ruminais já foi comprovado que seu mecanismo de ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN correlação da ureia na saliva com aquela no plasma, a qualidade do alimento, principalmente o conteúdo de fibra pode variar bastante, refletindo na quantidade de ureia que chega ao rúmen via saliva. Com todas estas informações, é possível destacar o papel da regulação do ambiente ruminal no transporte de ureia para o interior do rúmen, deixando a cargo do plasma sanguíneo a saída de N amoniacal pelo processo de SNU via gradiente de concentração. Houpt & Houpt (1968), utilizando substâncias para redução na atividade da enzima urease no epitélio ruminal, observaram um decréscimo na taxa de transferência de ureia do sangue para o conteúdo 1571 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 ENZIMA UREASE E NITROGÊNIO AMONIACAL ruminal. Remond et al. (1993) obtiveram resultado similar trabalhando com ovinos. Eles encontraram uma redução de 30% na transferência líquida de ureia quando utilizaram inibidores da enzima urease. Segundo os autores, o acúmulo de ureia no fluido ruminal induz a uma redução no gradiente de concentração entre sangue e rúmen. Essa redução na transferência de ureia por sua vez reduz a concentração de amônia no fluido ruminal, reduzindo assim a absorção de amônia pela parede ruminal. Estas observações suportaram a ideia de que a reciclagem de N se torna mais significativa quando a degradação da proteína alimentar é reduzida ou quando a síntese microbiana pode estar limitada pela disponibilidade de amônia, pois a pouca presença de amônia ruminal está associada às exigências dos microrganismos por N amoniacal para seus processos vitais. Assim, a amônia se torna um importante sinalizador para atividade urease e, consequentemente, para aumento ou redução na depuração da ureia pelo rúmen. Remmond et al. (1993) encontraram ainda a redução nos níveis de transporte de ureia à medida que fizeram infusões crescentes com amônia no rúmen, o que confirma o efeito negativo do N amoniacal sobre o transporte de ureia ruminal. Dadas estas informações pode-se associar o N amoniacal um dos como moduladores de transporte de ureia para o interior de rúmen. Apesar de muitos autores, anteriormente, atribuírem à atividade urease o status de modulador do transporte ruminal de ureia, recentemente Muscher et al. (2010), utilizando técnicas mais modernas, observaram que os carreadores de ureia no epitélio ruminal não são influenciados pela atividade da urease. Eles observaram que a atividade desta enzima não foi necessária como força direcionadora em experimentos in vitro, e que experimentos in vivo confirmaram que 40% de inibição da atividade urease não afetou o metabolismo da ureia. ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN ação não obedece àqueles mecanismos convencionais de sinalização celular (Tickle et al., 2009), sendo este o principal entrave na elucidação completa dos mecanismos de ação destes transportadores. Outro hormônio citado na literatura como modulador no metabolismo proteico é a pentagastrina, que atuaria no aumento do fluxo de ureia para o rúmen, através de estímulos na parede ruminal, uma vez que este hormônio inibiria a secreção da glândula parótida (Harrop & Phillipson, 1970). Remmond et al. (1993), para testar esta hipótese, utilizaram procedimento de infusão de pentagastrina, similar aos daqueles autores, e observaram aumento na transferência líquida de ureia pela parede ruminal. Entretanto, os autores não conseguiram dividir os efeitos da pentagastrina e do CO2, que também foi infundido no epitélio dos animais do experimento. Os autores acreditaram que a pentagastrina atuaria via aumento no fluxo sanguíneo pelo epitélio ruminal, mas não foi detectado nenhum tipo de aumento no fluxo sanguíneo em torno do epitélio ruminal durante o experimento. Assim, nenhum tipo de resultado conclusivo foi obtido sobre o envolvimento deste hormônio no transporte de ureia. É possível que os hormônios tenham deixado de despertar o interesse a respeito de seu papel na modulação nos transportadores de ureia, já que estes transportadores não apresentam receptores de sinalização celular via segundo mensageiro. Segundo Thorlacius et al. (1971) a aplicação de CO2 em partes isoladas do rúmen aumenta consideravelmente o fluxo de ureia através do epitélio (+100 para +300%). O efeito observado do CO2 sobre o transporte de ureia é restrito na região de aplicação e concomitantemente ocorre aumento na permeabilidade tanto à ureia quanto à acetamida. A acetamida apresenta estrutura similar a da ureia, porém, não é metabolizada pela urease, o que permitiu aos autores concluírem que o estímulo ao fluxo de ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA CURTA (AGCC) Rémond et al. (1993) trabalhando com ovinos não observaram efeito de injeções ruminais de butirato sobre a transferência líquida de ureia pelo epitélio ruminal, apesar da sua contribuição para aumento no fluxo sanguíneo ruminal. Segundo Galfi et al. (1991) os ácidos graxos voláteis são conhecidos por promover a proliferação das células epiteliais ruminais e modificação do tipo e extensão das papilas na parede ruminal. Rémond et al. (1993) afirmam que uma infusão ruminal de butirato, a longo prazo, como proposta por Norton et al. (1982) provavelmente afeta a estrutura da parede ruminal pelo aumento na área de trocas metabólicas e elevação da permeabilidade na camada epitelial queratinizada, elevando assim a transferência de ureia. Rémond et al. (1993) acreditam que a duração de suas infusões não foi suficiente para observar este efeito mesmo com elevação no fluxo sanguíneo ruminal devido as injeções de butirato. Através das infusões ruminais de butirato por duas semanas, Norton 1572 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 DIÓXIDO DE CARBONO ureia mediado pelo CO2 provavelmente ocorre independentemente da atividade urease, assim como considerado no tópico anterior. Abdoun et al. (2010) acreditam que o dióxido de carbono conduz a um rápido incremento no transporte de ureia para o rúmen e os efeitos podem ser notados num curto período de tempo, numa escala de minutos, sendo sua ação mais marcada a um pH em torno de 6,4. Os autores observaram que CO2 se dissocia na mucosa ruminal em função de uma ligeira acidificação. O ácido carbônico, formado rapidamente, dá origem a íons bicarbonato e prótons H+. Estes prótons, por sua vez atuariam de forma ainda desconhecida, na protonação dos canais proteicos para transporte de ureia bidirecionalmente. ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN Muscher et al. (2010) acreditam que para uma dieta com reduzido teor de N, a redução na atividade urease poderia estar baseada no reduzido metabolismo microbiano. A concentração ruminal de NH3 mostrou-se altamente correlacionada com a taxa de entrada de ureia através do rúmen, em que a taxa se reduz à medida que se elevam as concentrações de amônia. Assim, animais sob dieta com reduzido teor de N, provavelmente apresentam aumentos na taxa de entrada de ureia em função da reduzida produção de N amoniacal no ambiente ruminal. Desta forma, pode-se observar que existe um gradiente de concentração de ureia direcionado pelos níveis de metabólitos ruminais produzidos, o que mais uma vez reforça a ideia de que o plasma sanguíneo tem pouca influência na modulação dos transportadores de ureia. É notado que a modulação para entrada de ureia no rúmen ocorre internamente sob as exigências dos microrganismos, e que apesar do envolvimento da atividade urease no processo de transporte, essa enzima não está diretamente relacionada com a mediação do processo, e sim, indiretamente relacionada com a degradação da amônia ruminal, que efetivamente será uma sinalizadora do processo de entrada de ureia ruminal em situações de reduzido conteúdo de N dietético. 1573 Artigo 142 Volume 08 Número 05. p.1558-1578, Setembro/Outubro 2011 via estímulo dos carreadores de ureia para o interior do rúmen. Abdoun et al. (2010) introduziram um novo fator de interação que pode ser primordial na regulação da atividade dos transportadores de ureia. Os autores utilizaram AGCC e CO2 para estimular o fluxo de ureia por amostras de epitélio ruminal isolado de ovinos, em ambiente controlado pela câmara de Ussing. Foram observadas as mais altas taxas de transferência de ureia em situação pós-prandial, quando a fermentação ruminal conduziu a uma queda no pH. Segundo os autores, a utilização de AGCC e CO2 isoladamente, bem como a queda do pH unicamente, não foram suficientes para provocar efeitos significativos na transferência. Apenas após a simulação da situação fisiológica real, através da adição de CO2 em pH 6,4, houve grande efeito estimulatório no fluxo de ureia pelos transportadores de membrana. Abdoun et al. (2010) acreditam que a atividade estimulatória do pH obedece a uma faixa de valores com forma similar a uma parábola, em que o pH 6,2 seriam o ápice da curva, que representa a faixa de maior estimulação. As taxas de transporte foram inferiores em pH 7,4, atingindo ápice em 6,2, com uma nova queda até o pH 5,8. Os mesmo autores descrevem que o pH atua em um nível citosólico de forma aguda e propõe um modelo de abertura e fechamento dos transportadores de ureia atuando sobre a taxa de transferência desta molécula. A molécula de ureia cruza o epitélio ruminal, após passar pelas duas camadas da membrana, a apical e basolateral via canais proteicos do tipo UT-B sensíveis à floretina. A abertura destes canais é pouco ativa em pH elevado, mas com o aumento da acidificação, ocorre a protonação do resíduo de glutamina na parte interior dos poros do canal. Com uma maior queda do pH ocorre protonação do resíduo de histidina na parte extracelular do canal, promovendo seu fechamento. Esse processo ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN et al. (1982) observaram aumento nas quantidades e proporções de ureia sintetizada que foi degradada dentro do rúmen, a depuração de ureia pelo rúmen também foi significativamente maior. Dalmasso et al. (2008) relataram que o acúmulo de butirato representa papel importante nas respostas imunológicas dentro do intestino, mais especificamente no cólon, com atuação em transportadores epiteliais liberadores de peptídeos que atuam na resposta imune às inflamações crônicas. Embora estes transportadores sejam diferentes daqueles de ureia, nota-se que o butirado atua diretamente na permeabilidade dos transportadores de peptídeos. O fluxo de ureia é dependente da permeabilidade do epitélio. Uma vez ocorrido algum dano na estrutura do estrato córneo, que é a camada mais externa e queratinizada do epitélio ruminal, ocorre elevação do transporte da ureia, refletindo a reduzida permeabilidade desta camada epitelial superficial (Houpt & Houpt, 1968). Simmons et al. (2009) trabalhando com bovinos em crescimento, demonstraram que o aumento na concentração de butirato no rúmen durante o fornecimento de dieta rica em concentrado, a longo prazo é capaz de induzir a expressão de transportadores UT-B no estrato córneo, onde antes, não puderam ser detectados. Abdoun et al. (2006), em sua revisão, descreveram que o fluxo de ureia para o rúmen pode aumentar não somente pela presença do butirado. Eles acreditam que o fornecimento de fontes energéticas rapidamente fermentáveis atuam neste sentido através da modificação no epitélio ruminal em resposta aos níveis de ácidos graxos voláteis e CO2 , que por sua vez, em resposta aos altos níveis fermentativos, sinalizam a necessidade de amônia ruminal para maximar o crescimento microbiano. Estes mecanismos permitem ao animal a maximização dos carboidratos disponíveis através do suprimento de nitrogênio endógeno Apesar de não se conhecer com precisão quais os reais mecanismos que controlam os transportadores de ureia ruminais, sabe-se, no entanto, que a elevação da sua eficiência pode ser alcançada REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDOUN, K.; STUMPFF, F.; MARTENS, H. Ammonia and urea transport across the rumen epithelium: A review. Animal Health Research Reviews. v.7, p.43-59, 2006. ABDOUN, K.; STUMPFF, F.; RABBANI, I.; MARTENS, H. Modulation of urea transport across sheep rumen epithelium in vitro by scfa and co2. American Journal of Physiology- Gastrointestinal and Liver Physiology. v.298, G190-G202, 2010. BRUCKENTAL, I.; HUNTINGTON, G.B.; BAER, C.K.; ERDMAN, R.A. 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Ou seja, muito já se sabe e ainda existe um longo caminho a percorrer, inclusive no entendimento de quais fatores regulam a entrada de ureia ruminal, ainda não muito bem elucidada, uma vez que foi detectado que o gradiente de concentração não apresenta efeito algum sobre a taxa de entrada deste composto no rúmen. Assim, a partir dos dados publicados até o presente momento na literatura, muitos estudos podem surgir com o intuito de complementar o conhecimento já existente, determinando os fatores atuantes prioritários e o tempo necessário para aumento tanto na eficiência de passagem quando da utilização da ureia, como também aumento na expressão gênica dos canais protéicos. ESTRUTURA DE FACILITADORES DE URÉIA NO RUMÉN resulta numa curva bifásica de ativação-inativação em torno do pH fisiológico. Este mecanismo parece apto a sincronizar o crescimento da população microbiana ruminal com a disponibilidade de nutrientes e com as exigências na homeostase ruminal. Com uma queda elevada no pH ruminal, ocorre redução no fluxo de ureia, reduzindo a taxa de crescimento microbiano. Por outro lado, este mecanismo pode ser uma proteção para animais em jejum, uma vez que o fluxo de ureia para o rúmen e subsequente hidrólise pela enzima urease, conduz ao aumento na concentração de amônia. A amônia livre é rapidamente absorvida pelo sistema porta e novamente detoxificada pelo fígado. A redução da reciclagem de ureia em resposta a elevação do pH ruminal pode ser vista como resposta adaptativa benéfica para os animais em jejum (Abdoun et al., 2010). FULLER, M.; REEDS, P. Nitrogen cycling in the gut. Annual Review of Nutrition. v.18, p.385-411, 1998. GALFI, P.; NEOGRADY, S.; SAKATA, T. Effects of volatile fatty acids on the epithelial cell proliferation of the digestive tract and its hormonal mediation. In: Tsuda, T., Sasaki, Y., Kawashima, R. 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