IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil Caracterização térmica do polimorfismo da bromoprida recristalizada em diferentes solventes e condições de temperatura H. Carrer • J. Cortez • L. M. Frare • M. B. Costa • P. R. Stival Bittencourt Resumo: Polimorfismo é a tendência de uma substância em se cristalizar em diferentes estados cristalinos. Polimorfos diferentes variam quanto às suas propriedades físicas e químicas, assim sendo a presença de diferentes formas cristalinas de um fármaco pode alterar algumas propriedades físico-químicas de alguns medicamentos. O objetivo deste trabalho foi detectar formas polimórficas de um composto empregado como fármaco, a bromoprida. Para este estudo foram realizadas recristalizações em diferentes solventes e em diferentes temperaturas visando obtenção de diferentes formas cristalinas, os quais foram caracterizados por calorimetria exploratória diferencial (DSC) e difração de raios-X (DRX). As amostras obtidas por recristalização nas diferentes condições de temperaturas e solventes apresentaram diferentes termogramas e difratogramas, indicando a presença de formas cristalinas distintas entre elas. Palavras-chave: Calorimetria exploratória diferencial • Difração de raios-X • Farmacologia • Biodisponibilidade. Introdução Segundo Giron[1], o polimorfismo é definido como a tendência de uma substância em se cristalizar em diferentes estados cristalinos. Esta propriedade é também comum em algumas classes de fármacos. Essas diferentes formas polimórficas de um fármaco podem apresentar, quando no estado sólido, diferentes propriedades tal como ponto de fusão, densidade, difração de raio-X e espectro molecular, estabilidade, a solubilidade, higroscopicidade H. Carrer Curso Técnico em Química, Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, Av. Brasil 4232, Medianeira-PR 85884000, Brasil J. Cortez • L. M. Frare • M. B. Costa • P. R. Stival Bittencourt () Programa de Mestrado em Tecnologias Ambientais, Paraná UTFPR, Av. Brasil 4232, Medianeira-PR 85884000, Brasil e-mail: [email protected] perfil de dissolução, etc [1,2]. A presença de formas cristalinas diferentes para um mesmo fármaco pode alterar algumas das propriedades físico-químicas da substância, dentre as quais a sua solubilidade, o que pode afetar diretamente o seu perfil de dissolução. Neste contexto, o polimorfismo tem se tornado um problema para a indústria farmacêutica, pois esta mudança acarreta muitas vezes na perda da eficiência terapêutica do medicamento [3]. Nos últimos anos, a necessidade por informações sobre o polimorfismo e sua influência sobre o comportamento dos fármacos tem incentivado pesquisas nesta área. Até o momento, não se conhece a incidência do polimorfismo nos fármacos comercializados pelos diversos fornecedores de matérias prima para a indústria farmacêutica no Brasil. Com isso, o estudo e a comprovação desta ocorrência poderão auxiliar na qualidade de medicamentos similares e genéricos [4]. O processo para a síntese de um fármaco passa por algumas etapas, tal como a purificação, cristalização, secagem e estocagem. Dentre estas etapas, há a possibilidade de ocorrência de transformações polimórficas [5-7]. A recristalização é um processo extensamente utilizado pela indústria farmoquímica para obtenção de fármacos. Esta etapa define o grau de pureza e as propriedades físicas da substância, tal como tamanho, forma, estrutura cristalina [8-11]. Diversas estratégias são aplicadas pela indústria farmoquímica para que, durante o processo de recristalização, se obtenha um produto com as características e propriedades requeridas. Quando diferentes polimorfos podem ser obtidos em um mesmo sistema de solventes, normalmente o que for menos solúvel no solvente irá se recristalizar [6,11,12]. Além da recristalização, durante o processo de fabricação do medicamento, outras etapas de procedimento podem levar a alterações polimórficas, tais como, processo de micronização; granulação via úmida, secagem, compressão, etc. Desta forma, além da caracterização inicial do fármaco ao chegar à fábrica, é importante avaliar se o processo produtivo também pode alterar a forma polimorfa. Durante o decorrer do prazo de validade de um IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil medicamento, pode ocorrer a reversão entre as formas menos estáveis para as formas mais estáveis [13]. Deste modo, para controlar este problema torna-se fundamental conhecer as formas polimórficas possíveis de cada fármaco e entender a sua formação. Para isso é necessário realizar a caracterização destas formas a partir de diferentes técnicas para construir um banco de dados completo. Os métodos empregados para determinação de polimorfismo são principalmente a difração de raios-X, infravermelho, microscopia de Raman, calorimetria diferencial, termogravimetria e microcalorimetria. A partir desta caracterização de fármacos é possível conhecer a estrutura cristalina, identificar e quantificar os eventos de perdas de massas, e identificar os processos de troca de calor em transições de estado[14-18]. O composto 4-amino-5-bromo-N-[2-(dietilamino)etil]-2metoxibenzamida, Fórmula Molecular: C14H22BrN3O2 e massa molar 344,26 gramas também conhecido como Bromoprida (Fig. 1) é empregado como fármaco antiemético, sendo utilizado em distúrbios digestivos [19,20]. Apesar de ser um fármaco que exibe polimorfismo, poucos estudos têm sido relatados. Experimental Materiais e métodos A amostra de bromoprida comercial utilizada foi da marca FAGRON, lote 8009.48, com 99,6% de pureza, para a recristalização foram utilizados 0,5 g de bromoprida e solvente em quantidade suficiente para se obter uma solução saturada. Soluções utilizando o mesmo solvente sofreram recristalização por dois métodos, um delas foi deixada resfriar até temperatura ambiente (25 ºC) e outra teve resfriamento acelerado ao ser arrefecida em banho de gelo (0 ºC). Com o aparecimento dos cristais de bromoprida as amostras foram filtradas, secas e armazenadas. Os solventes utilizados foram acetona, metanol, etanol, clorofórmio, éter e diclorometano, todos P.A. da marca Vetec. Na tabela 1 estão listadas as amostras e suas condições de solubilização e recristalização. Tabela 1. Códigos e condições as quais a bromoprida foi solubilizada e recristalizada. Solvente Temperatura (ºC) Código - - BP 0 B1 25 B2 0 B3 25 B4 Metanol Acetona Clorofórmio Fig. 1. Estrutura química da Bromoprida Diclorometano A qualidade, a segurança e a eficácia dos produtos farmacêuticos são uma preocupação econômico-social dos órgãos sanitários. O setor público é responsável pela definição dos parâmetros de qualidade dos medicamentos, bem como pela fiscalização do seu cumprimento. É obrigação da indústria farmacêutica o cuidado rigoroso com a qualidade e segurança dos seus processos e produtos. O fornecimento de especificações mínimas de qualidade para os produtos farmacêuticos e para todos os insumos utilizados na sua fabricação é de competência legal e exclusiva das farmacopeias [21]. Este trabalho foi desenvolvido no intuito de obter formas polimórficas do fármaco bromoprida utilizando-se diferentes solventes em diferentes condições de temperatura, as análises realizadas para as amostras obtidas foram a calorimetria exploratória diferencial (DSC) e difração de raios-X (DRX), cujos resultados e caracterizações podem fornecer subsídios para o controle de qualidade das indústrias e laboratórios, melhorando a qualidade dos produtos, podendo também estabelecer padrões para assegurar a segurança e eficácia do medicamento, contribuindo desta forma para uma melhor qualidade de vida para a população. Etanol 0 B5 25 B6 0 B7 25 B8 0 B9 25 B10 Análises Calorimetria exploratória diferencial (DSC) Para as análises de calorimetria exploratória diferencial – DSC - foram utilizados aproximadamente 6 mg de amostra, a razão de aquecimento () foi de 10 ºC min-1 e fluxo de gás Nitrogênio de 20 mL min-1, foi usado porta amostra de platina aberto. O equipamento utilizado foi um analisador térmico simultâneo da marca PerkinElmer, modelo STA6000. Difração de raios-X (DRX) Os difratogramas de raios-X foram obtidos utilizando-se as amostras pulverizadas. Os parâmetros para a leitura da difração foram de 30 mA, 40 kV e radiação de CuK ( IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil =1,542 Å). A leitura 2 foi feita de 2º a 80º, com taxa de 2º min-1. As análises foram realizadas em um difratômetro de Raios-X, marca Shimadzu, modelo LABX XRD-6000. Microscopia óptica As fotomicrografias dos cristais das amostras de bromoprida foram obtidas em um microscópio óptico Marca Olympus Modelo BX51 acoplado a câmera filmadora Olympus DP25, com ampliação de 20 vezes. temperatura de 80 a 120 ºC, aparecendo nestes gráficos sob forma de picos distintos ou ombros. Não foi possível observar o evento de pré-cristalização nas amostras recristalizadas. Nota-se ainda pelos termogramas da figura 3 que o solvente tem influência significativa na formação de cristais com diferentes estabilidades térmicas [23]. Este fenômeno pode ser conferido comparando as amostras B2, B4, B6, B8 e B10, que foram resfriadas até 25 ºC, e entre B1, B3, B5, B7 e B9, que foram arrefecidas até 0 ºC. Notase neste caso que solventes polares favorecem a formação de cristais cuja faixa de temperatura são relativamente maiores que a recristalização com solventes apolares. Resultados e discussão É possível observar no termograma DSC da bromoprida comercial (BP) da figura 2, que a amostra possui dois sinais endotérmicos, um em aproximadamente 103 ºC, evento esse atribuído a fusão de pelo menos uma forma estrutural cristalina com menor estabilidade (T´f), e o outro em 152 ºC, esse ultimo valor atribuído ao ponto de fusão principal (Tf) desta substância. O valor encontra-se dentro da faixa de fusão especificada pela literatura [19,20], que esta entre 151 a 155 ºC. Nota-se também neste termograma a presença de um pico exotérmico, referente ao evento exotérmico de pré-cristalização da amostra, logo após a T´f, ou seja, ocorre um processo de reorganização para formas cristalinas termodinamicamente mais estáveis [22]. Os valores de Tf das outras amostras - B1 a B10 também estão nesta faixa de temperatura. Fig. 3. Termograma DSC das amostras de bromoprida tratadas em diferentes solventes e condições de temperatura. Fig. 2. Termograma DSC da bromoprida comercial – BP É observado na figura 3 os termogramas das amostras tratadas em diferentes condições, tanto de solvente quanto da condição de recristalização, na maioria das amostras é observada a presença de pelo menos três formas cristalinas, sendo mais instáveis que a encontrada em aproximadamente 152º C (pico omitido nestes termogramas), pois estes se fundem em faixa de É importante observar o formato dos picos de fusão destes termogramas, T´f, e T´´f , referentes a pelo menos, duas formas cristalinas com estabilidades termodinâmicas diferentes, pois por estes pode-se notar a diversidade da distribuição dimensional dos cristais formados, os picos mais estreitos denotam a formação de cristais menores e dimensionalmente semelhantes, como é o caso de T´f de BP, B3, e B5, e de T´´f de B1, B7, B9 e B10, este fato ocorre devido a razão de resfriamento mais rápida. Recristalizações que ocorrem lentamente geram cristais maiores e, muitas vezes, com uma heterogeneidade de tamanhos. Assim, o tamanho e o teor de cristais formados possuem dependência da taxa de velocidade de resfriamento usado no processo de recristalização [24]. Nos difratogramas DRX, apresentados na figura 4, são observados não somente a modificação na intensidade e IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil inversão dos picos como também o aparecimento de picos entre algumas amostras, sendo estes indicados com setas, as setas escuras indicam, nos difratogramas, a influência da recristalização com diferentes solventes, e as claras, a influência da temperatura e taxa de velocidade de recristalização das amostras nas respectivas análises. As setas escuras indicando os difratogramas B1 e B3 corroboram com os resultados dos termogramas, mostrando que existe a modificação nas proporções entre os arranjos cristalinos entre essas duas amostras quando usados solventes diferentes na recristalização. Também é possível notar que existe diferença na intensidade dos picos nos difratogamas das amostras arrefecidas até 0 ºC com relação às de 25 ºC, sendo que na maioria dos casos, as intensidades são maiores nas primeiras. quando se utiliza diferentes solventes nas mesmas taxas de arrefecimento. Fig. 5. Imagens dos cristais recristalizados de bromoprida, obtidas por microscopia óptica, em diferentes solventes e condições de arrefecimento. Conclusões Fig. 4. Difratograma DRX das amostras de bromoprida tratadas em diferentes solventes condições de temperatura, as linhas pontilhada entre os difratogramas mostram a influência do gradiente de temperatura em um mesmo solvente. Neste trabalho foi possível obter amostras realizando a recristalização do fármaco bromoprida em diferentes solventes em duas taxas de resfriamento e temperaturas finais diferentes. As análises DSC nas amostras mostraram que a temperatura fusão da forma cristalina mais estável encontra-se dentro da faixa citada na literatura, entretanto houve mudanças nas formas dos picos de fusão encontradas em temperaturas mais baixa, indicando modificações nos arranjos cristalinos entre as amostras. Este fato também é observado nos difratogramas DRX destas amostras, indicando que na bromoprida ocorre polimorfismo dependendo do tratamento aplicado em sua recristalização. Esse fenômeno pode ser conferido qualitativamente pelas imagens obtidas pela análise microscópica. Referências Apesar da análise de microscopia não dar informações quantitativas com relação à forma cristalina, é interessante comparar visualmente as estruturas obtidas como resultado dos processos de recristalização da bromoprida. Na figura 5 é possível observar as imagens dos cristais formados pela bromoprida nos respectivos solventes em resfriamento até (a) 0 ºC e (b) 25 ºC. Com relação a morfologia formada devido a diferença das taxas velocidade de resfriamento, pode-se notar que existem diferença visualmente significativas dos cristais formados pelo mesmo solvente. O mesmo fenômeno é observado 1. Giron D. Thermal analysis and calorimetric methods in the characterization of polymorphs and solvates. Thermochim Acta. 1995;248:1–59. 2. Bottom R. The role of modulated temperature differential scanning calorimetry in the characterisation of a drug molecule exhibiting polymorphic and glass forming tendencies. International Journal of Pharmaceutics. 1999; 192:47-53. 3. Galvão WG. Carbamazepina no estado sólido e sua susceptibilidade polimórfica. 2009. Dissertação. 2009. 4. Giron D. Goldbronn C. Use of DSC and TG for identification and qualification of the dosage form. J. Therm. An. 1997;49:907-912. 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