4 TERÇA-FEIRA ESPORTES Recife, 23 de outubro de 2012 FOLHA DE PERNAMBUCO Enfrentar o problema É A MELHOR Causos SAÍDA “Não tenha medo de falar, mesmo que você gagueje. Quanto mais medo a gente tem, mais a situação se agrava”, aconselha o ex-jogador Elivelton Cortesia “N EX-ATLETA temia conceder entrevistas por ser gago. Atualmente, quando convidado, faz pregações no rádio MAURÍCIO JÚNIOR ão tinha como disfarçar. Todo mundo sabia que eu era gago”. Ídolo do São Paulo, Corinthians, Palmeiras e Cruzeiro na década de 1990, o ex-atacante Elivelton até que tentou fugir dos holofotes. Mas, diante da brilhante carreira, mesmo sendo gago, sempre era solicitado após as partidas para dar entrevista. “Apesar da dificuldade na fala, a Imprensa sempre me procurava. Quando acabavam os jogos, eu já ficava pensando no que responder. Era sufoco”, relembra o ex-craque, autor do gol que garantiu a conquista do título da Copa Libertadores da América para o Cruzeiro, em 1997. Como já havia se esgotado todas as possibilidades de esconder a gagueira, e a cada jogo seu desempenho dentro de campo crescia, a saída de Elivelton foi encarar o problema com naturalidade e encontrar algumas artimanhas. “A resposta tinha que ser simples e objetiva. Sim sim, não não. Se saísse do que tinha planejado, a coisa ficava feia. Precisava ser curto e grosso, e quando queria inventar, a situação fugia do controle. Aí não tinha mais o que fazer, só restava terminar a entrevista e aguentar as gozações dos amigos”, relembra o jogador, que, atualmente, vive com a mulher e os três filhos na cidade de Alfenas (MG) e administra a empresa que leva o seu nome, a Elivelton Esporte Center - escolinha de futebol e aluguel de campos society. Na infância, ele relembra que jamais imaginaria que seria um jogador de futebol e que precisaria utilizar tanto a fala para se dar bem. O futebol só veio entrar na vida de Elivelton depois que ele já havia tido experiências como servente, cortador de cana de açúcar e gari. “Quando criança, eu já tinha muita dificuldade para falar. Era muito acanhado e tímido. Nos primeiros anos da minha carreira, ainda nos juniores do Esportivo, de Passos (MG), eu tinha medo de falar, de colocar minha opinião, aquilo que eu sentia e realmente queria falar. Não conseguia”, comenta o ex-atacante. “Graças a Deus, nunca houve discriminação por ser gago. Sempre existiram brincadeiras, gozações. A gente chorava de dar risadas da minha gagueira”, complementa Elivelton. Evangélico praticante, ele encontrou nas leituras bíblicas o caminho para “amenizar” o alto grau de disfluência. “Ler bastante é o ponto principal para quem tem dificuldade na fala. Isso me ajudou demais. Se não fosse isso, estaria pior. Hoje, não estudo, mas ainda leio bastante”, explica. Aos 41 anos e feliz da vida, Elivelton garante que o segredo para lidar com a gagueira é enfrentar o problema de frente. “Não tenha medo de falar, mesmo que você gagueje. O mais importante, no meu caso, foi não querer esconder o problema. Quanto mais medo a gente tem, mais a situação se agrava. Nunca tente esconder os seus defeitos. Seja o mais transparente possível”, ensina o ex-atacante. Já aposentado, Elivelton viveu outro grande desafio na vida. Convidado pelo pastor da Igreja Sara, aceitou o convite para apresentar, ao lado da esposa, entre 2007 e 2009, o programa diário e ao vivo “Um Novo Começo”, numa rádio gospel em Alfenas. “O gago é desafiado o tempo todo. Mesmo sem experiência, não tive medo e encarei o desafio. Apresentei tudo ao vivo. O mais difícil foram os primeiros programas, o primeiro contato com o microfone. Foi uma situação bem interessante que valeu muito a pena”, finalizou o jogador, que continua fazendo pregação e um dia sonha em se tornar pastor. “Às vezes, eu ainda gaguejo, mas encaro de forma normal”. RÁDIO PEU E A COLHER DE PAU! A simpatia da colher de pau era uma das crendices populares mais conhecidas e utilizadas para “curar” a gagueira. Os familiares ficavam com uma colher de pau virgem na mão só esperando um tropeço do gago para tacar-lhe uma colherada na cabeça. A superstição, além de traumatizar ainda mais o sujeito gago, não surtia efeito algum na fluência da fala. “Naquela época, década de 1960 e 1970, não existia fono para tratar a gagueira. A solução, muitas vezes, era utilizar receita caseira. Durante boa parte da minha infância, todas as vezes que eu gaguejava, minha mãe batia com a colher de pau na minha cabeça. Era muito dor, ficava cheio de galo. Levei tanta colherada na cabeça que não melhorei e até hoje continuo gago”, relembra sorrindo o técnico Peu Santos. O “PONTO FACULTATIVO” DE ELIVELTON “Todas as vezes que nós gagos tentamos falar além do necessário, terminamos complicando ainda mais a situação”. Após os jogos, Elivélton sempre terminava virando atração para a Imprensa. Na época em que defendia o Corinthians, o ex-ponta esquerda concedeu uma entrevista ao jornalista Milton Neves, que terminou virando uma grande piada. “Milton me perguntou como era a cidade onde eu morava, Alfenas (MG). Eu quis falar que era uma cidade repleta de faculdades, mas na hora H travei e terminei respondendo ‘que Alfenas era um grande ponto facultativo’. Esse fato foi bem engraçado e, até hoje, as pessoas lembram isso”, conta Elivelton, que também aguentou muita gozação dos amigos de clubes. “Enquanto era entrevistado pelos jornalistas, eles ficavam fazendo gracinha atrás das câmeras, esperando eu gaguejar para tirar onda da minha cara. Hoje, quando falo com Cafu, Rivaldo, eles se espantam e perguntam: “Como assim? Você não gageja mais, Elivelton?”, complementa o ex-jogador. Superação à beira do gramado D urante os jogos, à beira do gramado, Peu Santos gesticula, grita, reclama e esbraveja. Quem não o conhece, não imagina que o ex-jogador do Flamengo/RJ e do Santa Cruz, hoje treinador de futebol, tem gagueira. Se para um jogador conviver com essa situação já é algo traumático, que dirá para um treinador, cuja função requer antes de tudo uma boa comunicação. O sonho de se tornar técnico foi maior do que o medo de lidar com os holofotes da Imprensa diariamente. “Sempre tive determinação para comandar um time de futebol, passar tudo que aprendi enquanto jogador”, relembra. Mesmo convivendo com a gagueira desde cedo, Peu garante que o pior já passou. “Dei mais entrevistas como jogador do que como treinador. Naquela época, procurava sempre falar palavras que não enganchavam, com determinação, pensamento positivo. Falava pouco para não complicar”, explica sorrindo, lembrando de uma situação ainda como atleta do Flamengo, quando o então radialista Kleber Leite, da “Rádio Globo”, perguntou ao final da partida como tinha sido o jogo. “Quando eu comecei a responder ‘que que que que que’, ele não esperou e acabou terminando a entrevista dizendo ‘Já falou Peu Santos. E falou muito’”, disse. A experiência como jogador terminou ajudando Peu a ganhar mais confiança ao encarar os microfones. Apesar de ter uma disfluência alta para a função que exerce, hoje o maior problema segundo o próprio técnico afirma é com as entrevistas. “A minha gagueira é maior quando a Imprensa chega. Quando estou apenas com os jogadores, consigo controlar melhor. É claro que, algumas vezes, na preleção, eu ‘quebro’ as palavras, mas nada que me impeça de passar as instruções”, explica. O atacante do Santa Cruz, Dênis Marques, foi jogador de Peu Santos quando ainda iniciava a carreira no Dínamo/AL. O atleta conta que percebeu a gagueira do técnico desde o início, mas que o problema na fala não chegava a atrapalhar ao ponto dos atletas não entenderem as orientações durante os treinos e nas preleções. “Tinha hora que batia uma ‘crise’ e ele começava a gaguejar, mas depois se concentrava e falava de boa, tranquilo. Na preleção, por mais concentrado que a gente tivesse, a gagueira chamava a atenção, mas mesmo com dificuldades, conseguíamos entender tudo. Com o passar do tempo, a gente acabava se acostumando e, às vezes, nem lembrando que ele era gago”, detalha o jogador tricolor. “As minhas passagens pelo CSA, Dínamo e Corinthians, de Alagoas; além de Itacuruba, Serrano, Vera Cruz, Vitória e Porto, todos de Pernambuco, mostram que eu convivo bem com esse problema na fala”, avalia o treinador. Paralelo à vida esportiva, em 2012 Peu Santos deu uma pausa no futebol para se dedicar à política. No último dia 7 de outubro, concorreu a uma vaga na Câmara de Vereadores de Maceió, pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). “Mais uma vez, precisei usar muito a fala. Durante a gravação do guia eleitoral, tinha apenas 30 segundos e fiz questão de não esconder a gagueira. Queria que as pessoas me vissem como realmente sou”, disse. Para se tornar um vereador, Peu precisava de mais ou menos 3,2 mil votos, teve 374. “Agora, estou aberto às propostas dos clubes de futebol”, finalizou. POLÍTICA