A REZA E O REZADOR: O SABER E O FAZER
Rachel Dourado da Silva
Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia
GEPCULTURA-UNIR
[email protected]
Patricia de Andrade Marchi
Mestranda em Geografia Universidade Federal de Rondônia
GEPCULTURA-UNIR
[email protected]
Josué da Costa Silva
Doutor em Geografia
Coordenador do Grupo de Pesquisa - GEPCULTURA-UNIR
[email protected]
Resumo
A reza é uma manifestação representada no cotidiano das famílias religiosas,
que em suas diversas representações vivem a reza no sentido de receber
graças divinas, esta serve como instrumento de alcance, solicitação e
agradecimento de cura, realização entre outros que a dádiva é alcançada por
ordem divina. A figura do rezador, tratamos aqui, o seu fazer como oficio, este
independente da forma de cura seja por meio de plantas e rezas, da reza, do
banho e reza, este sujeito atua com intuito de curar ou aliviar o mal causado ao
sujeitos. O oficio do rezado na sociedade contemporânea vem pouco a pouco
sendo esquecido, porém é possível encontrar personagens de fé que somam o
saber tradicional com símbolos do catolicismo, dos terreiros e pajelança entre
outras formas de expressão do saber da reza, resistindo as pressões do
desenvolvimento praticando seu oficio nas áreas urbanas e rurais. O método
de pesquisa utilizado foi o fenomenológico, com procedimento metodológico
com entrevistas exploratórias, abertas com intuito de coletar informações
seguindo a orientação dos sujeitos que as vivem, utilizamos referências
bibliográficas para basear a pesquisar no campo do conhecimento cientifico.
No desenvolver da pesquisa observamos que sincretismo religioso é tema
complexo e de ampla discussão que abrange toda as dimensões de relações
humanas. Todas as religiões são frutos de contatos culturais múltiplos e o
rezador é fruto das múltiplas relações e estes sujeitos e seus fazeres são
caracterizados pelas relações sociais e carências locais, bem como
hibridização cultural.
Palavras-chave: Reza; rezador; tradição; símbolos.
Introdução
Nas diferentes práticas existenciais a religiosidade é representada, os
aspectos culturais são tão diversos e híbridos que torna os estudos complexos
e ricos. Perceber no oficio do rezador o vínculo com as diferentes
representações religiosas é o papel em questão do presente artigo. Aborda os
espaços sagrados e a iniciação à reza, as necessidades dos sujeitos e o
cenário vivido nos diferentes locus estudados, zona urbana do município de Rio
Branco no Acre e zona rural no município de Assis Brasil no Acre.
O homem, partindo do construto de Cassirer em suas relações culturais,
linguagem, religião, mito, participa de atividades que não foram construídas
aleatoriamente, nem isoladas, por isso para o autor, medir em processo
científico, devemos sair das meras análises descritivas, partindo para o
histórico das localidades, o movimento social, estudo da situação histórica e o
reflexo na atualidade. Esse homem que vive linguagem, religião, mitos em uma
análise cientifica esse “construto” social denominado cultura passa a suprimir e
contradizer o pensamento mítico.
O mito, a religião, a arte, a linguagem e até a ciência são
hoje vistos como diversas variações de um tema comum
– e a tarefa da filosofia é tornar esse tema audível e
compreensível (CASSIRER, 2012, p. 16).
O oficio do rezador na sociedade contemporânea vem pouco a pouco
sendo esquecido, são diversas as manifestações de cunho tradicional que
estão sendo esquecidas em função do rápido acelerar que mantém os sujeitos
mais distantes das relações humanas, em função das necessidades
capitalistas, em que os sujeitos estão inseridos, não permitindo tempo para as
práticas, anteriormente, cotidianas nos aglomerados humanos.
O fazer e o saber
Os símbolos do catolicismo são representações que estão expressas
nas diferentes manifestações de cunho religioso, influenciando diretamente os
fazeres e saberes dos rezadores. Os caminhos da religiosidade nas
aglomerações humanas tem o culto ao sagrado representado simbolicamente
como fontes de “alimentação” as questões não respondidas pelos sujeitos.
Diante do que simboliza, a fé é o que renova os fenômenos chamados pelos
fiéis de causas impossíveis. São constantes os movimentos provocados pela
religiosidade no Brasil tais como: festas, romarias, procissões, rezas, benza,
entre outros, que ocorrem nas diferentes partes. Festividades marcadas pela
simbologia do catolicismo sem a participação da igreja instituída, católica.
Os espaços estudados para a presente pesquisa são caracterizados: o
primeiro, centro urbano, Rio Branco, capital do estado do Acre. Como os
diversos núcleos urbanos, por suas relações sociais dispersas, pouco a pouco
está sendo perdido o contato com o outro. Em núcleos urbanos os sujeitos
estão cada vez mais isolados em seus modos de produção e criando mais
zonas de isolamento com intuito de garantir segurança. Diante do fazer dos
dois rezadores que passamos a acompanhar no núcleo urbano, percebemos
que o oficio dos sujeitos, na localidade em que vivem, área periféricas da
capital do Acre, Rio Branco, o oficio dos rezadores são valorizados pela
comunidade do entorno e a reza vai além da cura espiritual, a reza é marcada
pela violência, serve para coibir o roubo, o envolvimento com drogas, a inveja,
entre outros. O segundo locus, Assis Brasil, município do Estado, área rural,
pertencente à Reserva Extrativista Chico Mendes, Seringal São Francisco,
espaço marcado pelas relações humanas, estratégia de sobrevivência para
garantir a produção e escoamento da produção, a reza é marcada pela saúde,
como cólica de criança, popularmente conhecida como espremedeira de
menino, cólicas menstruais, popular dor de mulher, entre outras como: peito
aberto, espinhela caída, gripe, parto, recuperação de cortes ocorridos no
campo produtivo.
Nos dois núcleos pesquisados as mulheres com seus filhos são os
sujeitos que mais buscam a reza, porém a presença masculina também é
significativa. Os rezadores não cobram nada pela reza, apesar de ser seu
ofício, esta não pode ser cobrada. Ao estudar o ofício destes sujeitos
percebemos que todos são tradicionais, ou seja aprenderam com alguém por
alguma necessidade, associada às crenças advindas,
Já que a realização concreta da história não separa o
natural e o artificial, o natural e o político, devemos propor
um outro modo de ver a realidade, oposto a esse trabalho
secular de purificação, fundado em dois pólos distintos.
No mundo de hoje, é frequentemente impossível ao
homem comum distinguir claramente as obras da
natureza e as obras dos homens e indicar onde termina o
puramente técnico e onde começa o puramente social
(SANTOS, 2001, p. 65).
Nas situações estudadas buscamos destacar o marco da reza para os
sujeitos, com o intuito de categorizar o espaço de representação, seguindo o
esquema de Gil Filho (1999), espaço de representação - prática social, fato
religioso, poder – mito, símbolo, identidade, discurso – política, ethos, sagrado.
O saber e o fazer estão marcados na vida dos sujeitos, esses no esquema de
Gil Filho, conseguimos visualizar no espaço de representação, as práticas
sociais, as representações religiosas, o poder.
Os rezadores que estudamos são sujeitos que receberam o oficio da
reza de formas diversas. O primeiro rezador vivenciou a enfermidade quando
criança em zona rural, a enfermidade na localidade só foi curada por meio da
reza, pois tratava-se de um malefício, como em sua infância buscava a cura,
passou a ter contato com diferentes sujeitos que rezavam, homens, mulheres e
desenvolveu pouco a pouco a prática de rezar, em especial, com ajuda de um
pajé. Para o segundo rezador, a reza surgiu diante da necessidade, o oficio da
reza foi introduzido no núcleo urbano por obrigação, este sujeito com
mediunidade ostensiva foi levado a estudar em um terreiro aos 18 anos e lá
aprendeu a rezar com entidades, em especial, a entidade espiritual caboclo 7
Flechas. O terceiro rezador, do núcleo rural, desenvolveu a reza por
necessidade, diante das mazelas vividas na localidade e as dificuldades
encontradas pelo isolamento, pediu para aprender com intuito de ajudar a
mulher que rezava sozinha na localidade e com isso passou a receber rezas de
cura.
Na buscar por respostas, encontramos no campo da geografia, após as
divergentes manifestações, um consenso de caráter especifico da geografia,
Consiste em sua preocupação com as combinações
integradas
de
fenômenos
inter-relacionados
especialmente no mesmo lugar e inter-relacionados
através do espaço com os fenômenos de outras áreas
(HARTSHONE, 1978, p. 40).
O saber e o fazer nas localidades são marcados pela necessidade, fruto
de ausências do Estado, em serviços de saúde, segurança entre outros, porém
são representações simbólicas que marcam a trajetória de reza na herança do
rezador, alguns elementos do catolicismo, dos terreiros e da pajelança formam
o construto do ofício do rezador, um construto tão híbrido.
A reza para os rezadores
Seringal São Francisco – Reserva Extrativista Chico Mendes – Assis Brasil –
Acre
Rezador Eloy – Colocação Cumaru
A reza, eu não me esqueço nunca, eu vivia andando nesses varadouros, e uma vez eu
topei uma mulher que ia viajando para reza numa criança com duas horas, que tava
com quebranto ou era vento caído, e ia pra rezar, ela seguiu o caminho dela e eu o
meu e fiquei pensando a se eu soubesse reza porque aquela mulher não ia fazer essa
viagem, ai eu segui e apareceu uma rezinha por ai, e pouquinho fui aprendendo, as
orações foram chegando, peguei oração com um e com outro e tinha um cara que
tinha muita oração, ai eu pedi as orações dele – para que eu pedi? Ai eu comecei a
rezar, a rezar – e encontrava outros rezadores e perguntava pra essa doença tu reza o
que? E fui aprendendo que a reza era fé, e eu comecei a rezar e a aparecer coisa, ai
ficou fácil, eu já evitei muitas coisas em muita gente de viver em viagem, porque
mesmo em Assis Brasil era uma agonia, ai eu comecei a aprender para dismitidura,
peito aberto, espinhela caída, dor de cabeça, fui me pegar por causa dos santos. Eu
rezo com tanta tranquilidade e fé, eu rezo e entro pra ele, graças a Deus tem dado
certo até agora, rezo pra dor de mulher, espremedeira de criança, que é a mesma dor
da mulher, vermelha, vermelha é quando a pessoa fica toda vermelha, inflamada.
Tenho 86 anos, vivo aqui desde que nasci, casei com 20 anos e minha mulher tinha
18, produzimos 20 filhos, uns não nasceram, um morreu depois de nascido, criaram
14, minha mulher morreu num parto, quando ela morreu a gente voltou pra cá, umas
coisas vem pro bem, aqui é melhor que Xapuri e hoje eles tão aqui tranquilos, se
tivesse lá como será que não tavam? Fora da família, longe da família. Eu tomo muito
chá e passo chá, tem chá para curar tudo, casca de pau, chá de tudo.
Bairro Valdemar Maciel, Rio Branco/Acre
Rezador João, nascido em 1939.
A reza,
É o seguinte é um dom que Deus dá pra gente, pela inteligência que você tem pra
fazer o bem, ai Deus te dá aquela oportunidade de você fazer aquela, como se diz,
aquela missão que vai fazer o bem e não o mal, também sem escolher a quem. Por
que se chegar uma pessoa na minha casa, se ele é um rico eu não vou atender por
que ele é rico, não é da minha classe, se é um pobre também não vou atender por que
é muito pobre. Não! aqui todo mundo é igual, pra Deus não tem diferença, o espírito
da gente é uma luz né?, então esta luz que vai levar a gente pra claridade, é que
ilumina seu pensamento, ilumina seus olhos pra enxergar, onde tem poço de lama,
onde tem qualquer tipo de impureza pra gente se defender, então o cego onde for
andar sozinho ele tropeça e cai, não tem como ele andar então, por isso é que nós
agradecemos a Deus pela vida que ele nos deu e também pelos irmãos que procura a
semente pra compartilhar com a gente né?, e por isso que eu quero.
Eu rezo
Rapaz, faz tempo já. Eu era solteiro ainda, tinha mais ou menos uns vinte e poucos
anos quando comecei a rezar em criança, ai depois apareceu os adultos que vem
procurando uma cura, ai a gente faz aquela cura, faz aquele pedido a Deus porque a
gente mesmo não cura não, eu não tenho poder de fazer isso, Deus é quem faz. A
gente faz um pedido a Deus, então Deus, se você tive que recebe aquela cura você
recebe, se não tive ele vai cumprir a missão, até chegar a fica bom ou as vezes nem
fica bom, as vezes morre com aquela doença, dependendo da gravidade da doença
por isso.
O oficio da reza
Eu de pequeno, tinha um dom de fazer cura. Assim, porque, quando eu via aquelas
crianças doentes eu tinha aquela vontade de fazer aquela cura. Então por intermédio
de um curador, que eu me tratei com ele, que eu passei, me botaram um malefício.
Você sabe o que é um malefício? Feitiço. Então tinha um curador que foi com que eu
fiquei bom porque o médico não resolveu, eu procurava os melhores médicos que
tinha, médico boliviano, médico peruano, médico brasileiro, nunca conseguiram
resolver o caso da doença. Ai foi um curador que tinha, ai eu fui lá na casa dele né, ai
disse que tinha um feitiço “butado” meu, maleficio, ai né, demoro um pouco, mais eu
fiquei bom graças a Deus. Eu tinha assombração. Tudo que eu via, não podia andar
sozinho, só andava acompanhado, não conseguia dormir, não conseguia pregar o
olho, passei 16 noites sem dormir, sem pregar o olho, não conseguia dormir, ai tudo
isso passei na minha vida. Aquele sofrimento, aquele carecer, aquele tal de feitiço,
mas graças a Deus, procurei Deus como ele é muito poderoso achei um curador que
conseguiu combater a doença, mas graças a Deus ouviu, mais se não teria morrido,
porque médico não achou doença nem tinha como curar porque o remédio que
tomava não me servia muito é mesmo que tomar água.
A cura e a Reza
Ai sim. Como eu via ele fazer aquele tratamento, aquelas preces. Veio aquela na
memória, eu prestava bem atenção que ele fazia aquele tipo de cura, ai pela
inteligência eu fui e aprendi um pouco do que ele sabia né, ai graças a Deus hoje eu
rezo.
A reza é assim
Primeiro você pede pra Deus pra que Deus faça cura, por que eu não tenho
capacidade de fazer a cura é só pedindo a Deus pra que se aquela pessoa tiver
mesmo doente que receba aquela cura, se for criança ou se for uma pessoa idosa pra
que ele faça aquela cura que diz que nos meus pedido se a pessoa tiver o
merecimento de ser curado, ele sai curado, já sai se sentindo bem outros vai demora
um dia, dois, três, mais assim graças a Deus não apareceu ninguém que dissesse
assim: eu não fiquei bom não. Mas só não fica quem já tem a sentença, já tiver a
sentença da doença, não fica bom, aquele ali só Deus quem faz a cura dele por que
eu não tenho capacidade pra isto.
Considerações
A religião constitui historicamente um verdadeiro paradoxo, um enigma,
repleto de antinomias teóricas e contradições éticas. Cassirer traz a proposta
de Bergson, sobre a existência de uma ‘religião estática’ e ‘religião dinâmica’. A
religiosidade em suas diferentes representações caracteriza os espaços com
estruturas de poder, e a ausência das representações constituídas faz nos
sujeitos em lugares distantes constituírem o seu modo religioso com intuito de
suprir ausências e marcar seu espaço na localidade.
O mito é não teórico, dotado de imagens e símbolos, ‘ele desafia e
enfrenta as nossas categorias fundamentais de pensamento’, não pode ser
medida por concepções empíricas ou cientificas. O sincretismo religioso é tema
complexo e de ampla discussão que abrange toda a cultura. Todas as religiões
são fruto de contatos culturais múltiplos e o rezador é um construto híbrido, o
fazer é fruto das relações com os terreiros com o catolicismo e as pajelanças
indígenas.
A religiosidade na Amazônia, sob influência do catolicismo, ritos
praticados por indígenas, religiões praticadas pelos negros africanos, este
convívio deu origem ao sincretismo religioso que permite observar que ao
mesmo tempo em que são antagônicas são afins.
A figura do pajé, curandeiro da tribo, é encenada nas danças folclóricas,
no auto o pajé ressuscita o boi, guia espiritual dos indígenas, que através das
danças serve como meio de interlocução com os deuses para adquirir poderes
para cura e libertação de entidade maligna, onde se vê destacar habilidades
como feiticeiro, xamã, curandeiro.
No desenvolver da pesquisa observamos que o sincretismo religioso é
tema complexo e de ampla discussão que abrange toda a cultura. Todas as
religiões são fruto de contatos culturais múltiplos e o rezador é fruto das
múltiplas relações, estes sujeitos e seus fazeres são caracterizados pelas
relações sociais e carências locais, bem como pela hibridização cultural.
Referências
CASSIRER, Ernst, Ensaio sobre o homem – Introdução a uma filosofia da
cultura humana. 2. ed. São Paulo/SP, 2012.
CRUZ, Rita. Geografia do turismo de lugares a pseudo-lugares. São Paulo:
Roca, 2007.
GIL FILHO, Sylvio Fausto. Espaço sagrado: estudos em geografia da religião.
Curitiba: Ibpex, 2008.
HARTSHORNE, Richard. Propósitos e natureza da Geografia, 2. ed. São
Paulo, 1978.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2008.
ANEXOS
Seu Zé – Rezador utilizando oração e planta, pião roxo para limpar
Foto: Rachel Dourado, 2013
Seu João – Rezador utilizando reza para tirar mal olhado
Foto: Renata Freitas, 2013
Seu Eloy – Narrando seu rezar
Foto: Cliciane Araújo, 2013
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A REZA E O REZADOR: O SABER E O FAZER Rachel Dourado da