Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248
Universidade Estadual de Londrina, 24 e 25 de junho de 2010
GT 5. Gênero e Violência – Coord. Sandra Lourenço
Juventude e criminalidade: análise
psicossocial dos contextos de
vulnerabilidades de adolescentes do sexo
masculino de classes populares infratores
Alexsandro Muniz Freitas Rebeque1
Amanda Lorraine Garcia
Auriciene Araújo Lidório
Isaíra Bernardelli
Flávia Fernandes de Carvalhaes2
Estamos vivenciando uma época de crescimento da violência e do
crime, sendo que grande parte dos atos ilícitos são cometidos por
adolescentes, o que nos remete a refletir sobre as origens e produção desse
fenômeno, contudo, para tanto, é necessário entender quais os contextos
individuais, sociais e programáticos que produzem a criminalidade.
(ARBLASTER, 1996).
Nesse sentido, a presente proposta de pesquisa qualitativa busca
compreender quais os contextos de vulnerabilidades no mundo
contemporâneo, que contribuem para a inserção e manutenção de
adolescentes do sexo masculino no cometimento de atos ilícitos. A
perspectiva teórica-metodológica utilizada será a abordagem psicossocial,
sendo que os dados coletados serão analisados através dos conceitos de
1 Os quatro primeiros autores são discentes do curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras de Londrina.
Seus respectivos endereços eletrônicos são: [email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
2 Docente e Mestre em Psicologia - Faculdade Pitágoras de Londrina.
Email: [email protected]
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“vulnerabilidade” e “representação social”. Será utilizados como
instrumento de coleta de dados, entrevistas semi-estruturadas, que serão
realizadas com adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa de
internação provisória no Centro de Sócio Educação 1 de Londrina.
Observando as rápidas mudanças que se passam em nossa civilização
nas últimas décadas, podemos perceber que muitas características da
modernidade estão sendo ressignificadas e estão passando por fortes
mudanças no contexto pós-moderno, tais como a ênfase na razão e no
conhecimento científico, visão de mundo a partir de uma constituição
familiar centrada na família “burguesa”, a invenção da infância, o conceito
de ordem e estabilidade, e também como afirma Negri (1998) "(...) a rapidez
das transformações globais torna obsoletos os costumes, a política e a
ciência".
A atualidade é um período marcado por grandes rupturas e quebra de
paradigmas, onde os modelos tradicionais são fortemente contestados,
modificados e muitas vezes substituídos. Portanto, podemos perceber que o
cotidiano do adolescente de hoje é atravessado por momentos de
instabilidade, incertezas e mudanças bruscas às quais, como coloca Outeiral
(2000), tais momentos são metaforicamente exemplificados como
terremotos que abalam as estruturas promovendo mudanças catastróficas.
Tais mudanças atravessam as subjetividades em todos os sentidos,
revelando uma estética marcada pela valorização do visual, transformando o
homem-sujeito em homem-objeto pela forte ênfase na materialidade, no
consumo exacerbado e na normativa do prazer imediato. O processo de
"adolescer" se realiza num momento em que a sociedade valoriza a
aparência e se preocupa com a superficialidade, um simulacro de beleza sem
revelar os conteúdos, onde uma pessoa é a sua imagem visual e não
simbólica.
Este momento, também é marcado por uma ética inusitada, onde os
adolescentes têm que lidar com modelos identificatórios inadequados, que
na cultura do mundo adulto da sociedade contemporânea é oferecido
através da mídia, da política, da cultura “do jeitinho brasileiro” e,
principalmente, com um prolongamento da adolescência, onde muitos
adultos não conseguem aceitar o fato de não serem mais jovens. Portanto,
tais adolescentes se tornam autores e atores de suas próprias trajetórias,
quando têm que inovar em seus comportamentos não tendo referência
anterior de seus progenitores, e quando eles mesmos têm que representar os
papéis que a sociedade atual lhes impõe.
Olhar para a vida do jovem de hoje e buscar semelhanças com a
juventude vivida há uma geração atrás, é um verdadeiro equívoco. A
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velocidade e abrangência da comunicação e o conceito de cyberespaço,
dentre outros aspectos, marcam o predomínio de uma nova era, a era da
geoeconomia¹ e da globalização.
Essa nova era não busca ficar a serviço do social em termos de
avanço da civilização, mas está estritamente a serviço do capital, a maior
certeza é perceber o fim de toda certeza, onde o sujeito se auto-determina
como “metamorfose ambulante” e onde é nítida a percepção das mudanças
na estruturação da família, a dês-infantilização e a dês-historicização, a
banalização da violência e da sexualidade, produzindo assim uma nova
erótica numa cultura voltada para o descartável, fragmentada e desterritorializada (OUTEIRAL, 2000).
Assim, a adolescência tem sido historicamente interpretada
na modernidade como uma fase de rebelião e de crises, que nos remete a
uma idéia de que esse fenômeno seria expressão de uma etapa natural do
desenvolvimento humano, o que contraria a visão da abordagem
psicossocial. Segundo Bock (2001), a adolescência não é uma fase natural,
mas sim uma produção histórica discursiva, que deriva de toda nossa
estrutura socioeconômica, cultura e organização social.
Segundo Outerial (2000), a adolescência é caracterizada como um
processo de transição entre a infância e a vida adulta, e que afeta os aspectos
físicos, sexuais, cognitivos e emocionais da pessoa. Essas marcas constituem
também a adolescência como fenômeno social, pois, mesmo
que existam mudanças corporais, a interpretações dessas como uma fase do
desenvolvimento é recente nas práticas discursivas. As marcas corporais são
significadas socialmente, não sendo tomadas no conceito de adolescência
em si, como características do corpo e, portanto, naturais. Exemplo disso
são os seios na menina e a força muscular nos meninos. Sabemos que os
seios e o desenvolvimento da massa muscular acontecem na mesma fase da
adolescência, mas a menina que tem seus seios se desenvolvendo não os vê,
sente e significa como possibilidade de amamentar seus filhos no futuro, o
que seria vê-los como naturais. Com certeza, em algum tempo ou cultura,
isso já foi assim, contudo, atualmente os seios tornam as meninas sedutoras
e sensuais, e adquire o significado atribuído em nosso tempo histórico. A
força muscular dos meninos já foi interpretada como possibilidade de
trabalhar, guerrear e caçar, sendo que hoje é reflexo de beleza e
masculinidade.
Essa concepção que temos de adolescência, portanto, é
extremamente recente, surge a partir do século XX. Becker (1989, p. 10
apud Bock, 2004) propõe que olhemos a adolescência como "a passagem de
uma atitude de simples espectador para uma outra ativa, questionadora. Que
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inclusive vai gerar revisão, autocrítica, transformação". Esta etapa da vida,
assim como outras, são parte do processo de constituição do sujeito, que
podem envolver conflitos e dúvidas e que Aberastury e Knobel (1992)
concebem como a fase da reorganização emocional, de turbulência e
instabilidade.
No mundo contemporâneo, o jovem fica desautorizado a participar
do “mundo adulto”, mesmo tendo condições cognitivas para isso, suas
atitudes são, na maior parte das vezes, prejulgadas e vistas como imaturas,
contudo, não há nada de patológico e natural nesse fenômeno. A
perspectiva moderna de compreensão da adolescência, produz desafios e
transformações psicossociais nos jovens, pois as configurações da pósmodernidade solicita que criemos novos olhares para a juventude, pois
muitos deles estão imersos em contextos de vulnerabilidades, tais como a
inserção no cometimento de violência e no mundo do crime.
O termo vulnerabilidade surgiu, inicialmente, no contexto da
epidemia de AIDS, com o intuito de defesa dos direitos de cidadania de
grupos ou indivíduos HIV+, fragilizados jurídica ou politicamente. Este
conceito se tornou fundamental nas abordagens analíticas, teóricas, práticas
e políticas que subsidiam ações de prevenção e controle da epidemia.
De acordo com Yunes e Szymanski (2001, pg. 28 apud PAULLILO,
2002, pg. 1), ao citar o pesquisador Murphy e colaboradores, define que a
vulnerabilidade seria a “suscetibilidade à deterioração de funcionamento
diante de stress”. Sendo assim, a vulnerabilidade se associa às diferenças
individuais e às formas de lidar com elas, associadas às vulnerabilidades
sociais/culturais e programáticas, e reconhece a complexa interação entre a
singularidade, o ambiente vivenciado e a presença/ausência de estrutura
social.
Na presente proposta de pesquisa, o conceito de vulnerabilidade é
importante e central, pois é através deste que os dados coletados serão
analisando, buscando compreender quais as características da pósmodernidade e seus efeitos dessa nas relações sociais e construção da
subjetividades de adolescentes infratores na cidade de Londrina. Autores
como Vignole e Figueira (2001) contribuem no debate sobre o conceito:
Vulnerabilidade social é entendida como o resultado negativo da relação
entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores,
sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades
sociais, econômica, culturais que provêem do Estado, do mercado e da
sociedade. Esse resultado se traduz em debilidade ou desvantagens para o
desempenho e mobilidade social dos atores (apud ABRAMOVAY, 2002,
p.21).
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São complexas as condições individuais/sociais que tornam
adolescentes vulneráveis à inserção na criminalidade, tais como: falta de
referências e significados nessa sociedade do fast, do descartável, das
incertezas, do individualismo exacerbado, do ser humano-objeto-gadget, do
fragmentado, da valorização absurda da aparência ; desigualdade social
extrema onde muitas vezes o jovem não tem condições nem mesmo de
satisfazer suas necessidades mais básicas ; banalização da violência e da
sexualidade que nos torna seres letárgicos, anestesiados e consequentemente
frustrados; necessidade de encontrar um lugar de pertencimento, de
identificação, de inserção em qualquer coisa que lhe dê uma identidade
social; necessidade de satisfação imediata de desejos produzidos por uma
sociedade capitalista totalmente voltada ao consumismo ; falta de políticas
publicas e privadas de inserção deles no mercado de trabalho, dentre outros
aspectos.
Nesse sentido, esta proposta de pesquisa busca contribuir para
ampliação e aprofundamento dos estudos sobre o a criminalidade na
juventude, buscando desconstruir ideologias naturalizantes e psiquiatrizantes
desses adolescentes, bem como contribuir na construção de alternativas de
enfrentamento dessa realidade.
Bibliografia
ABERASTURY, A. & KNOBEL, M. Adolescência normal. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1992.
ARBLASTER, A. Violência. In: OUTHWAITE, W; BOTTOMORE, T.
Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
BOCK, A. M. B. Psicologia: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo:
Saraiva, 2002.
_____________. A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à
naturalização da formação do ser humano: a adolescência em questão.
Cad. CEDES, Campinas, v. 24, n. 62, Apr. 2004 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010132622004000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 14/06/ 2010.
OUTEIRAL, J. Adolescer. São Paulo: REVINTER, 2008.
PAULILO, M. A. S.; BELLO, M.G.D. Jovens no Contexto contemporâneo:
vulnerabilidade, risco e violência. Serviço Social em Revista (Online),
Londrina, v. 4, n. 2, 2002
NEGRI, ANTONIO, A desmedida do mundo, Caderno Mais. Folha de São
Paulo. 20 de setembro de 1998.
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