Encontro Internacional Participação, Democracia Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP) A República sob os descaminhos do municipalismo. Autor: Francisco José Araujo Universidade Estadual do Maranhão - UEMA ARARAQUARA (SP) – 2013 e A República sob os descaminhos do municipalismo. Por Francisco José Araujo1 RESUMO Com a Constituição de 1988 o Brasil passou a considerar os municípios como entes federados. Após esse marco constitucional inúmeras medidas foram tomadas e efetivadas visando garantir a autonomia dos municípios. Para tanto, abriu-se diversos mecanismos de repasse de verbas federais aos municípios, e junto a isso, diversos serviços foram transferidos para a responsabilidade do Executivo Municipal. No entanto, o crescente volume de verbas repassadas e os programas em parceria intensificaram as potencialidades de práticas danosas ao interesse público e aos princípios republicanos, tais como os desvios de recursos e corrupção. Este trabalho faz uma discussão sobre a dimensão republicana do Estado brasileiro sob esse modelo federativo, vendo o grau de efetivação de benefícios para os cidadãos e afirmação dos princípios republicanos. Tem como referência empírica o Programa de Fiscalização a Partir de Sorteios Públicos aplicados e desenvolvidos pela Controladoria Geral da União (CGU), no que compreende os últimos dez anos. Possui como objetivo mostrar, através dados, as consequência dessa política de Estado e o funcionamento da nossa forma de governo sob a égide desse municipalismo. Palavras Chave: Desvio de recurso público, municipalismo, Sorteio Público, CGU. Introdução Há pouca qualidade participativa em uma comunidade que consome instrumentalmente a democracia, em vez de trata-la como um valor não-negociável, como uma forma de vida e de organização das relações entre os membros da sociedade . (Marco Aurélio Nogueira) 2 Após a Constituição Federal de 1988, os municípios brasileiros passaram a ser reconhecidos como entes federados. Após esse marco legal, processou-se, no 1 Professor Adjunto. Doutor e Mestre em Sociologia, bacharel em Ciências Sociais e Direito. 2 NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil. São Paulo: Cortez, 2005. p. 152. âmbito do Estado brasileiro, inúmeras medidas visando garantir e efetivar a autonomia dos municípios. Para tanto, abriu-se diversos mecanismos de repasse de verbas federais aos municípios, e junto a isso vários serviços foram transferidos para a responsabilidade do Executivo Municipal, ao poder local. Ocorre que o aumento de verbas repassadas e os programas em parceria potencializaram as práticas desfavoráveis ao interesse público e aos princípios republicanos, dentre elas encontra-se os desvios de recursos e ações corruptas. A partir dessa nova realidade, o Governo Federal, em 2003, criou o Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos com o objetivo de fiscalizar o uso dos recursos públicos federais repassados para os municípios. Regularmente cada sorteio são listados 60 municípios para serem auditados. O Sorteio já atingiu sua 36ª edição, contabilizando um montante de 1.965 municípios fiscalizados desde sua primeira edição em abril de 20033. Este trabalho faz uma discussão sobre a ótica republicana do Estado brasileiro sob esse modelo federativo, observando o grau de efetivação de benefícios para os cidadãos e afirmação dos princípios republicanos. finalidade mostrar, através Possui como de dados, as consequências dessa política de Estado e o funcionamento da nossa modelo de governo sob a égide desse municipalismo. Para concretização desse trabalho adotou-se como procedimento a coleta de dados junto aos documentos produzidos pelo Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos aplicados e desenvolvidos pela Controladoria Geral da União (CGU, seguindo de análise e síntese dos dados coletados, bem como a utilização dos recursos de interpretação. Tomou-se como referência de delimitação da investigação o período que compreende os últimos dez anos, tendo como ponto limite a 36ª edição do Sorteio Público. Esse marco corresponde 1.965 municípios fiscalizados, equivalendo a 35,32% do total de municípios brasileiros. 3 http://www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2005/noticia013005.asp Constituição de 1988, Federalismo, Globalização e Reformas do Estado. Após um recesso democrático de vinte e um anos, iniciado com o a ruptura democrática de 1964, o Brasil inaugurou em 1985, uma nova fase política de sua história, impactando os processos de deliberação e participação política e organização do poder. Portanto, o primeiro Governo Civil, iniciado em 1985, a Constituição de 1988 e a primeira eleição direta para Presidente da República em 1990, (pós 1964), celebram o início desse novo período. No entanto, esse processo interno não aconteceu isolado das pressões e impactos externos, pelo contrário, responde a inúmeros acontecimentos de escala global, tais como o fim da Guerra Fria, a Crise Econômica Global e a Globalização. A Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 1º afirma: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito (...)”. Nessa nova carta constitucional, o Brasil reafirmou sua forma anterior de governo e de tipo de Estado, respectivamente República e Federação, estabelecido desde a Proclamação da República, em 1889. No entanto, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no Art. 2º, estava previsto realização de plebiscito para definir a Forma de governo (República ou Monarquia Constitucional) e o Sistema de Governo (Presidencialismo ou Parlamentarismo), com data para 07 de setembro de 1993. Porém, a Emenda Constitucional número 2/92 modificou a data de realização do plebiscito, antecipando para 21 de abril de 19934. Portanto, somente em 1993 a forma Republicana e o sistema Presidencialista foram ratificados. A favor da República 66,26% e 55,58% a favor do Presidencialismo5. Embora a concepção de tipo de Estado permanecesse a mesma dos textos constitucionais posteriores ao advento da República, na Constituição de 1988, e sem nenhuma pendência plebiscitária, ela sofreu alterações quanto a sua composição, incluindo textualmente os municípios como entes federados, medida esta que passou a figurar como inovação diante da tradição do 4 Constituição Federal de 1988. 5 Fonte: TSE. http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/plebiscito-de-1993 federalismo. Esse marco cria uma condição particular ao Estado brasileiro, principalmente no que tange a distribuição de competências nos três níveis do poder: Federal, Estadual e Municipal. A partir da nova carta ocorreu uma descentralização fiscal, o que promoveu significativo aumento da receita dos municípios. O governo federal e os estados ficaram obrigados a repassar aos municípios uma quantia maior do montante arrecado por eles6. Com a nova estrutura política constitucional, todos os governos que sucederam o governo José Sarney, 1985-1990, foram obrigados a enfrentar a crise da dívida externa e alta inflação sob esse novo marco legal. Assim, os sucessivos planos surgiam entre a estrutura política constituída na Constituição e os processos decisórios decorrentes desse mesmo marco regulatório. As políticas desencadeadas pela dimensão de governo estavam submetidas a um novo espaço de processos políticos decisórios. Refletiam assim as dimensões estruturais e conjunturais. Desta forma, entra em cena o discurso da governabilidade como recurso de composição de consenso, que na prática implicava a constituição de uma ampla base de apoio parlamentar, mas que acaba minando o espaço democrático no que tange o contraditório. A oposição passa ser concebida, então, com elemento indesejado da política enquanto processo decisório e ações de governo. Isso funda um modo de governar pautado na inflação do processo decisório. O custo decisório passa a ser cada vez maior, e reduzindo o espaço democrático do debate e a negociação entre as partes, alargando o caráter autoritário e conservador da cultura política brasileira. Esse alargamento autoritário se deve ao fato da governabilidade ter perdido seu sentido mais estrito de “capacidade para a produção de policies e não para a mudança da polity.”(COUTO, 2001, p.36 )7 6 MENDES, Marco. Reforma constitucional, descentralização fiscal e rente seeking behaviour. São Paulo: IFBEM, s/d. Disponível em: http://info.worldbank.org/etools/docs/library/229975/Mendes%20Reforma%20Constitucional.pdf Acesso em: 27/03/2013. 7 COUTO, Cláudio Gonçalves. O avesso do avesso: conjuntura e estrutura na recente agenda política brasileira. São Paulo em Perspectiva. out/dez. 2001. Vol. 15, n.4, p. 37. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n4/10370.pdf Acesso em: 27/03/2013. É buscando responder à crise da dívida externa e ao avanço interno da inflação que o Brasil, assim como diversos países latino-americanos, passa a adotar as Medidas de Primeira Onda definidas e recomendadas pelo BID, Banco Mundial, FMI etc., cujo marco inicial foi o encontro promovido pelo Institute for International Economics e teve como tema “Ajustamento latino-americano: quanto tem acontecido”, o que passou a ser denominadas de Consenso de Washington8. Ao passo que essas medidas foram tomando concretude, os principais críticos desses ideais passaram a nominá-los de avanço do neoliberalismo. Entre outras coisas o receituário previa o equilíbrio das contas públicas, redução do tamanho do Estado e estabilidade econômica. Após significativos impactos causados com as Medidas de Primeira Onda, o Banco Mundial esboça preocupação e começa a sugerir medidas de combate a pobreza, na verdade como uma condição para liberar ajuda aos países pobres. O World Economic Report de 1990 é todo dedicado à pobreza no Terceiro Mundo9. Esse documento surge como uma forma de “autocrítica”, o que vai dar origem às Medidas de Segunda Onda. Portanto, essas últimas medidas tendem a minorar os efeitos do neoliberalismo em termos de custo social, buscando estabelecer medidas de compensação social através de transferência de renda e incorporando a inventividade social, momento que é batizado como pós-neoliberalismo. Essas medidas tiveram espaço de efetivação não só no Brasil, mas todos os países emergentes, em desenvolvimentos ou, como era mais comum nominá-los, do Terceiro Mundo. É no bojo dessas medidas que surgem as Reformas do Estado, cujo momento de maior exaltação ocorreu no governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo como principal responsável e formulador o ministro da Administração Federal e Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser-Pereira. Nesse momento, em nome da eficiência, agilidade, modernização dos serviços públicos, contraposição aos “maus serviços”, firmou-se a Administração postos em Gerencial 8 ARAUJO, Francisco José. Mandonismo e Cultura Política Pós-1985. 2006. 196 f. Tese de doutoramento. Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP. Araraquara-SP. 2006. 9 BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington, 1994. Disponível em: http://www.fau.usp.br/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueira94/nog 94-cons-washn.pdf como resposta e novo paradigma para a Administração Pública. Pretendia-se também com isso afirmar a esfera pública para além do estatal, abrindo-se a satisfação e o atendimento das demandas sociais ao setor privado. Nesse processo não só ocorreu privatização, mas também a terceirização e a publicização, principal mote do ministro Bresser-Perreira. Segundo o próprio Bresser: “Como há o programa de privatização eu inventei a palavra ‘publicização’, que seria a transformação de órgãos da área social do Estado em órgãos públicos, sem fins lucrativos, mas não estatais.” (p. 10)10 Essas reformas surgem no horizonte político brasileiro como forma de possibilitar a efetivação das medidas exigidas pelos principais organismos financeiros internacionais (FMI, BID, Banco Mundial). A estrutura política montada pela Constituição de 1998 “constitucionalizou questões da ordem econômica, da administração pública e do funcionamento previdenciário contrariamente aos planos do novo presidente e à tendência mundial hegemônica nessas áreas de políticas.” Couto (2001)11 . Anos após a efetivação dessas medidas, Bresser-Pereira tenta situar a Reforma do Estado não estritamente ligada ao neoliberalismo, mas como parte de um processo político mais amplo de democratização, onde é sinalizado a emergência de uma democracia de sociedade civil 12. Nessa formulação pósfato, as reformas abriram condições para que a sociedade civil estabeleça a ordem e prioridade das reformas de fora para dentro do Estado. O certo é que o Brasil redefiniu os marcos constitucionais através de Emendas Constitucionais visando atender e atingir as metas estabelecidas a partir das medidas firmadas junto aos organismo financeiros internacionais. Enfim, observa-se que os elementos da governabilidade operaram sobre os processos políticos conjunturais. Mesmo que tenha ocorrido diversas emendas na 10 Disponível em: http://bresserpereira.org.br/papers/interviews/95-RAE-Light.pdf 11 COUTO. Cláudio Gonçalves. O avesso do avesso: conjuntura e estrutura na recente agenda política brasileira. São Paulo em Perspectiva. out/dez. 2001. Vol. 15, n.4, p. 37. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n4/10370.pdf Acesso em: 27/03/2013. 12 Disponível: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/97politicadeelites.pdf ; http://www.bresserpereira.org.br/Papers/1998/93-Sociedade-Civil-SuaDemocratiza%C3%A7%C3%A3o.pdf Constituição tentando redefinir a estrutura, isso não logrou a criação de uma nova ideia institucional do Estado. A estrutura alterada pontualmente não significou o estabelecimento de uma nova estrutura política completa. Ficou, apenas, nos limites do alcance das medidas conjunturais. Federalismo Fiscal, Descentralização Financeira e Administrativa As novas disposições constitucionais visando à descentralização dos recursos propiciou aumento significativo nas receitas municipais, que também passam a gozar de maior competência tributária. A ideia de municipalização como processo de descentralização administrativas e fiscal teve na teoria de finança fiscal uma justificação sistematizada, cujos argumentos pró-municipalização afirmavam “que os governos locais estão mais próximos da população e que, por isso, melhor conhecem as preferências de seus cidadãos. Também é dito que os cidadãos têm poder de influir sobre as decisões dos governos locais, definindo as prioridades de gastos”. Mendes (s/d p. 02)13. Essa concepção de descentralização também reivindicava a possibilidade de crescimento da eficiência dos governos locais e a melhoria da qualidade dos serviços públicos. Destoando dessa visão favorável a esse processo de municipalização, Vito Tanzi (Apud Mendes14) defende que os efeitos podem gerar mais ineficiências e desperdícios de recursos públicos, o que produziria uma situação que não geraria maior satisfação nos cidadão. Tanzi afirmou isso apoiado em survey sobre o problema de descentralização. Os principais pontos desfavoráveis, destacados pelo autor, são: qualificação do funcionalismo municipal ruim, limites na capacidade de arrecadação tributária e a tomada e a constante de órgãos governamentais por grupos de interesses locais. 13 MENDES, Marco. Reforma constitucional, descentralização fiscal e rente seeking behaviour. São Paulo: IFBEM, s/d. Disponível em: http://info.worldbank.org/etools/docs/library/229975/Mendes%20Reforma%20Constitucional.pdf Acesso em: 27/03/2013. 14 Idem. Essa deficiência na capacidade de arrecadação tributária dos municípios é ilustrada por Santos (2010, p. 297)15 da seguinte maneira: “de uma amostra de 4.629 municípios instalados em 1996 e para os quais havia disponibilidade de dados, mais da metade (2.440) só arrecadava tributos num valor inferior a R$ 10 per capita. Dos 2.143 que contavam com receita tributária superior a R$ 10 per capita, 1.792 localizavam-se nas regiões Sudeste e Sul.” Os pontos acima destacados são importantes para se refletir sobre a descentralização financeira e administrativa em curso no Brasil, tendo em vista vários aspectos da nossa realidade, onde existe uma longa tradição patrimonialista, oligarca, autoritária e mandonista. Cujo espaço público da municipalidade é submetido à ordem dos interesses dos grupos familiares que acabam compondo, a partir da parentela, os grupos políticos locais. Não raro, constatam-se inúmeros casos de práticas disseminadas de nepotismo. A abertura democrática também possibilitou a criação de novos municípios de forma facilitada, tornando o mar de possibilidades de empreendimentos privados custeados pelos recursos públicos. Na década de 90 é desencadeado um processo acelerado de criação de municípios. Entre 1980 e 1991 foram criados 500 municípios, já entre 1991 e 2000 foram criados 1.016 municípios 16. Em boa parte, essas criações de novos municípios virou empreendimento de vários grupos locais, transformando a descentralização política em um mercado de rendimentos, em uma modalidade aberta de caça renda, ou busca ao tesouro, uma vez que os projetos foram montados para atender interesses de grupos locais que visavam o controle dos recursos públicos contabilizados a partir dos repasses e transferências, tanto do Governo Federal como Estadual. 15 SANTOS, Angela Moulin Simões Penalva; COSTA, Laís Silveira; ANDRADE, Thompson Almeida. Federalismo no Brasil: análise da descentralização financeira da perspectiva das cidades médias. In:ANDRADE, Thompson Almeida; SERRA Rodrigo Valente. (orgs.). Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5397 . Acesso em: 24/03/2013 16 Fonte: IBGE. Controladoria-Geral da União – CGU, Transparência e Controle. A preocupação com o desvio de recursos públicos há tempos alcançou os fóruns e organismos internacionais, particularmente a ONU (Organização das Nações Unidas). Em 2003, de 09 a 11 de dezembro, na cidade Mérida (México), foi realizada a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção (entre os dias 09 e 11), sendo adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31/10/2003. Esse documento teve como marco inicial a Resolução 55/61, em dezembro de 2000, momento em que a Assembleia Geral das Nações Unidas deliberou pela criação de um comitê especial aberto a todos os Estados com a finalidade de redigir um instrumento legal que pudesse ser eficaz no combate à corrupção. O texto produzido elencou um conjunto de medidas visando conter a corrupção e garantir aplicação correta dos recursos públicos. Desta forma sugere a imediata aplicação de medidas legais contra delitos de ordem penal, civil, administrativa abrangendo todos os agentes estatais, posto na condição de funcionários públicos. Os objetivos dessa convenção ficaram firmados como: Promover e intensificar as medidas destinadas a prevenir e combater a corrupção de forma mais eficiente e efetiva; 2. Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica; 3. Promover a integridade, responsabilidade e gestão adequada dos assuntos públicos e da propriedade pública17. 1. Esse documento foi assinado pelo Brasil em 09/12/2003. No entanto, o texto somente foi aprovado posteriormente pelo Congresso Nacional, em 18 de maio de 2005, através do Decreto Legislativo nº 348, sendo promulgado por meio do Decreto 5687, de 31 de janeiro de 2006, momento que passa a vigorar com força de lei. Cabe ressaltar que a Convenção Interamericana contra a Corrupção no Brasil está em vigor desde 2002, onde estão previstos diversos dispositivos similares aos da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. 17 Disponível: http://www.unodc.org/pdf/brazil/ConvONUcorrup_port.pdf Observa-se que a preocupação com o avanço da corrupção que afeta os órgãos e recursos públicos tem preocupado as organizações internacionais. Considerando essas medidas internacionais, fica visível que a criação de mecanismo de controle e fiscalização, bem como as mudanças na legislação, estão sendo efetivadas sob influências de mecanismos internacionais. Assim como as medidas econômicas sofreram influências externas, o combate à corrupção tem também seus componentes exógenos. A Controladoria-Geral da União – CGU foi criada em 2001 e ao longo do tempo teve sua forma original reformulada. Segue histórico oferecido pela CGU18 pontuando os atos e medidas que resultaram em mudança na sua estrutura e organização: “A Controladoria-Geral da União (CGU) foi criada no dia 2 de abril de 2001, pela Medida Provisória n° 2.143-31 . Inicialmente denominada Corregedoria-Geral da União (CGU/PR), o órgão é vinculado diretamente à Presidência da República. A CGU teve, originalmente, como propósito declarado o de combater, no âmbito do Poder Executivo Federal, a fraude e a corrupção e promover a defesa do patrimônio público. Quase um ano depois, o Decreto n° 4.177 , de 28 de março de 2002, integrou a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) e a Comissão de Coordenação de Controle Interno (CCCI) à estrutura da então Corregedoria-Geral da União. O mesmo Decreto n° 4.177 transferiu para a Corregedoria-Geral da União as competências de Ouvidoria-geral, até então vinculadas ao Ministério da Justiça. A Medida Provisória n° 103, de 1° de janeiro de 2003, convertida na Lei n° 10.683 , de 28 de maio de 2003, alterou a denominação do órgão para Controladoria-Geral da União, assim como atribuiu ao seu titular a denominação de Ministro de Estado do Controle e da Transparência. Mais recentemente, o Decreto n° 5.683 , de 24 de janeiro de 2006, alterou a estrutura da CGU, conferindo maior organicidade e eficácia ao trabalho realizado pela instituição e criando a Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI), responsável por desenvolver mecanismos de prevenção à corrupção. Assim, a CGU passou a ter a competência não só de detectar casos de corrupção, mas de antecipar-se a eles, desenvolvendo meios para prevenir a sua ocorrência. Desta forma, o agrupamento das principais funções exercidas pela CGU – controle, correição, prevenção da corrupção e ouvidoria – foi efetivado, consolidando-as em uma única estrutura funcional.” O Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos foi instituído pela Portaria nº 247, de 20 de junho de 2003, tornando-se um mecanismo de caráter permanente. O Sorteio Público, depois de institucionalizado foi sofrendo ajustes visando seu aperfeiçoamento. Segue a descrição dos procedimentos e um 18 Disponível: http://www.cgu.gov.br/CGU/Historico/index.asp pequeno histórico sobre a forma de efetivação dos sorteios, conforme publicação no site da CGU19: “A cada sorteio são definidos 60 municípios e 12 Estados. Em cada uma dessas unidades, os auditores examinam contas e documentos e fazem inspeção pessoal e física das obras e serviços em realização, mas privilegiam, sobretudo, o contato com a população, diretamente ou através dos conselhos comunitários e outras entidades organizadas, como forma de estimular os cidadãos a participarem do controle da aplicação dos recursos oriundos dos tributos que lhes são cobrados. O primeiro sorteio foi realizado em abril de 2003, definindo apenas cinco áreas municipais (uma para cada região do país). O segundo, realizado em maio de 2003, definiu 26 municípios (um para cada Estado brasileiro). Do terceiro ao nono sorteio, o número de municípios sorteados passou a ser de 50. A partir do 10º sorteio, a CGU aumentou para 60 as áreas municipais definidas em cada sorteio, o que permitiu ampliar a capacidade de fiscalização. Em novembro de 2004, o Programa foi ampliado para os Estados, para fiscalizar a execução de programas custeados com verbas federais, mas sob a responsabilidade dos governos estaduais. No primeiro sorteio de Estados foram definidas cinco unidades da Federação. A partir do segundo sorteio, o número de Estados sorteados foi definido em doze.” O 36º Sorteio Público da CGU atinge a marca de 2001 municípios fiscalizados desde 2003, equivalente a 35,32% do total de municípios brasileiros, completando R$ 18,4 bilhões já fiscalizados, referentes a recursos transferidos pelo Governo Federal. Em 2006 a CGU constatou que do total de municípios fiscalizados, 77% deles apresentavam algum tipo de irregularidade. Tal constatação revela a vulnerabilidade dos recursos públicos diante de ações criminosas, deixando também visível capacidade de controle e transparência no Estado Brasileiro ainda é baixo. Por outro lado, faz emergir a questão sobre o grau de virtude cívica dos cidadãos e seus empenhos em defesa da coisa pública. Ao longo desses anos, a CGU vem produzindo relatórios sobre as fiscalizações realizadas e os números apresentados impressionam pelo montante e recorrência de irregularidades na utilização dos recursos públicos. Segundo levantamento da CGU, compreendendo o período de 2003 a 2007 20, os 19 http://www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2005/noticia013005.asp 20 Disponível em: http://www.cgu.gov.br/AreaAuditoriaFiscalizacao/ExecucaoProgramasGoverno/Sorteios/index .asp recursos desviados da Saúde e da Educação totalizam R$ 1.084 bilhões, sendo R$ 613 milhões da Saúde e R$ 471 milhões da Educação. A saúde fica com média de R$ 153 milhões desviados por ano. Trata-se de uma quantidade elevada de recursos que não chegam a ser aplicados devidamente, privando a melhoria da qualidade de vida de milhões de brasileiros. Essas continuadas irregularidades ocorrem nos setores com maior deficiência de qualidade de atendimento e serviços. Além dos Sorteios Públicos, a CGU21 tem desenvolvidos fiscalizações na forma de Operações Especiais. Em 2012 foram realizadas 25 operações especiais, sendo que 44% das operações ocorreram no Nordeste e 32% na região Norte. Os estados onde ocorreu a maior quantidade de operações foram: Paraíba com 05 operações e Pará com 04 operações. A saber: Operação Amaltéia [sic.] (PB), Operação Gabarito (PB), Operação LogOff (PB), Operação Pão e Circo (PB), Operação Pão e Circo II (PB),Operação A Ordem dos Pegadores (PA), Operação Liceu - IFPA (PA), Operação Boca de Lobo (PA), Operação Fonte Seca (PA). Em termos de resultados, o que compreende o período de 2003 a 2010, 2,5 mil funcionários expulsos por corrupção. Assim discriminados: a) uso indevido do cargo = 1.471; b) improbidade administrativa = 817; c) recebimento de propina = 257. Sendo que 2,4 mil sofreram demissão (funcionário efetivo de carreira), 117 sofreram cassação (funcionário aposentado), 223 receberam destituição (funcionário não de carreira ocupando cargo em comissão ou função comissionada). Os Ministérios que registraram maior número de casos de servidores punidos são: Ministério da Previdência Social com 720 servidores; Ministério da Educação com 456; Ministério da Justiça com 370 servidores; Ministério da Fazenda com 340 servidores22. 21 Disponível em: http://www.cgu.gov.br/auditoriaeFiscalizacao/AuditoriasEspeciais/2012.asp 22 Disponível em: http://www.portaldatransparencia.gov.br/expulsoes/entrada Sem dúvidas, os resultados alcançados e os esforços mobilizados no combate à corrupção são de significativa valia, mas a própria CGU constatou, através de levantamento, que o índice de impunidade é alto. O levantamento constatou que a probabilidade do funcionário corrupto ser condenado é menor que 5% e de chegar a cumprir pena na prisão é menor que 01%. Além disso, o problema se agrava com a falta de capacidade do Estado brasileiro de recuperar os recursos desviados, ficando a recuperação apenas com a marca de 8% 23. Roubar os cofres públicos ainda é fácil e sem graves punições no Brasil. Considerações finais A descentralização política e administrativa possibilitada pela nova carta constitucional em 1988 produziu novos dilemas quanto à condição federativa do Estado e originou novos desafios à Administração Pública. Já a descentralização fiscal e financeira vem sendo efetivada e acompanhada de uma crescente transferência de encargos dos governos Federal e Estadual para os municipais. O processo de transferência de encargos se deu de forma linear, abrangendo todos os municípios brasileiros, sem que fossem aferidas as condições administrativas e qualidade técnica dos funcionários. Mesmo tendo ocorrido um crescimento dos recursos municipais e os repasses terem se mantido em crescimento, em média, aumentou a demanda pelos serviços na esfera municipal. Isso gerou pressões sobre a gestão pública municipal que, em sua grande totalidade, são carentes de pessoal treinado e um corpo de funcionários de carreira capacitados. O que deveria ser a saída para a celeridade no atendimento ao cidadão e a garantia da cidadania, tem se revelado de pouca eficiência em termos de qualidade de atendimento e serviços e tem também produzido um sistema avolumado de desvio de recursos públicos. 23 Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/ Nota-se, a partir dos estudos realizados dos dados contidos nos relatórios da CGU, que os mecanismos de controle social têm tido pouca eficiência. Particularmente, os Conselhos Municipais que, pensados para serem mecanismos de controle social, foram sendo compostos a partir das filiações ao grupo no poder, perdendo sua autonomia e desviando de sua finalidade. Na maioria dos casos o conselheiro atua como um mero burocrata ou servidor do prefeito. A maioria dos Conselhos foi criada apenas para atender o requisito legal, existindo tão somente formalmente, não resultando em efeitos efetivos de controle. A responsabilidade diante da coisa pública e o próprio sentido do que é público não tem muita força enquanto componente da nossa cultura política, nem goza de enraizamento profundo no povo, que até hoje não sabe o sentido e os valores de República. A dimensão cívica ficou diluída e deturpada como um nacionalismo dos militares, vistos sempre como elementos do autoritarismo. Outro ponto preocupante que aparece constantemente nas análises é o controle recíproco, na maioria das vezes atenuado pela omissão cúmplice, praticada por agentes estatais, posicionados em nos diferentes órgãos Administração Pública. Corrobora nesse processo a corrupção, a ineficácia da legislação e funcionamento deficiente do ordenamento jurídico, quanto a sua competência de aplicar a lei e fazer justiça. Isso acarreta uma situação generalizada de impunidade, como bem constatou a CGU. Nesse particular sofremos fortemente uma fraqueza na accountability horizontal. No plano da accountability vertical, constata-se um elevado grau de efetividade jornalística quanto a investigação e denúncias de irregularidades e crimes contra o patrimônio público, soma-se a isso à continuidade da normalidade democrática, com realizações de eleições periódicas e regulares. Apesar disso, a capacidade da sociedade civil de participar mais diretamente nos processos de controle, fiscalização e prestação é praticamente nula. Se por um lado as eleições não têm servido para selecionar um corpo representativo de maior densidade moral e compromisso público, as denúncias, apesar de amplamente difundidas e partilhadas nas redes socais (que estão cada vez mais ocupadas como espaço de protesto e socialização política), a opinião pública ainda não constrange suficientemente os indivíduos delituosos e viciosos, particularmente os governantes e agentes estatais. Enfim, apesar dos avanços democráticos no que tange à liberdade de expressão, no Brasil não vigora com força mínima um governo de opinião, isto é, um governo “sensível e responsável perante a opinião pública”. Diante da pouca efetividade desses instrumentos, é de se pensar em outras formas que signifiquem empoderamento da sociedade civil, mecanismo de controle social legal, com força de lei, podendo ser acionado por qualquer cidadão a qualquer momento. A corrupção atualmente constitui-se no maior desafio Político brasileiro, no que se refere à gestão pública. Os dados apontam para uma crescente corrupção da coisa pública e à naturalização dos esquemas de propina, desvios de verbas e corrupção, suplantando a moralidade pública, retirando dos cidadãos os benefícios da redistribuição de benefícios e afirmação da cidadania, lesando as garantias mínimas que cada cidadão deve possuir e esvaziando a República de um sentido real. Qualquer enfrentamento efetivo à corrupção vai demandar de ampla mobilização social, visando constituir um pacto anticorrupção. No entanto, esse ato não pode estar desvinculado e acompanhado de uma Reforma Política profunda, isto é, uma reforma do Estado, da sua ideia institucional, sua constituição, sua estrutura enquanto Policy, visando garantir condições de maior efetividade democrática e republicana nas arenas da Policies e da Polity. Só assim poderemos firmar condições políticas e institucionais que garantam, em maior grau de segurança, o uso adequado dos recursos públicos e sua eficaz aplicação em prol da cidadania e da qualidade de vida, ao mesmo tempo, contrariando a sistêmica cadeia de crimes contra a coisa pública atualmente existente.