Dinâmica demográfica dos povos indígenas no Brasil Marta Azevedo Nepo – Núcleo de Estudos de População Unicamp • Demografia: estudo das populações, estatística das populações • Início com os censos nacionais – descrição estatística da dinâmica das populações no tempo e no espaço • Métodos criados a partir do advento dos estados nacionais • Interface com economia, história, antropologia, sociologia, ciência política, biologia etc – disciplina ‘hifenizada’ • Quando falamos de DINÂMICA DA POPULAÇÃO estamos falando de mudanças no decorrer do tempo. • Muitas vezes temos apenas informações populacionais para um só período de tempo, um retrato de uma determinada população em um determinado espaço geográfico. • Os censos demográficos tiveram início com os estados nacionais, por causa da falta de informações constantes. • São retratos da população em um determinado período de tempo. • Censos são levantamentos complexos, com muitas variáveis, que permitem análises amplas da população e projeções futuras. • • • • • Principais variáveis demográficas: Natalidade Mortalidade Migração Nupcialidade, fecundidade etc… são variáveis consequentes e secundárias • Conceitos básicos: TMI – taxa de mortalidade infantil TBN e TBM – taxas brutas RS – razão de sexo Pirâmide etária • Dados necessários para qualquer cálculo demográfico (não contagem da população) • População por sexo e idade em um determinado momento do tempo, se possível, para um período de tempo largo. • Residência atual e anterior, local de nascimento. • Fontes de informações: • Censos nacionais, registros vitais, registros outros, contagens populacionais, registros de saúde. • Demografia histórica: • Censos paroquiais, listagens, registros de batismos e casamentos, documentos sobre os escravos, sobre os aldeamentos etc… • Elaboração dos arquivos brutos com a informação da população: a cozinha demográfica • Arquivos secundários: potencialidades das análises. • No Brasil de hoje vivem aproximadamente 225 povos indígenas. • São 700 mil auto-declarados indígenas – censo do IBGE. • Nas TIs são dois tipos de situação: a) Povos indígenas vivendo na amazônia legal, cerca de 48% da população em 99% do território demarcado, considerando os dados dos povos indígenas e não dos autodeclarados. b) Povos indígenas vivendo nas outras regiões, cerca de 52% da população em 1% do território demarcado. Fonte: FUNAI – Museu do Índio Como estudar as características demográficas dos povos indígenas no Brasil? • Censos demográficos nacionais a partir do ano de 1872; • Povos indígenas e indivíduos descendentes (mas já não mais residindo em ‘aldeias’) contabilizados como caboclos ou pardos até o censo de 1991; • Levantamentos especiais realizados pelo SPI (Darcy Ribeiro) e FUNAI, além daqueles realizados por Ongs (CIMI, ISA e outros parciais); • Em 1991 (após a Constituição de 1988) introduz-se a categoria “indígena” na variável cor da pele do questionário da amostra; • As categorias dessa variável são: branco, preto, amarelo, pardo e indígena; • Luta política por melhor definição das categorias étnico-raciais nos censos e outras pesquisas demográficas oficiais brasileiras. • Os resultados do censo de 1991 já apontavam para a captação de informações populacionais sobre duas categorias sociais distintas: a) povos indígenas: são totalidades sociológicas, que já se encontravam neste território antes da chegada dos colonizadores europeus; e índios são aqueles indivíduos que se reconhecem como pertencendo a um determinado povo/etnia, o qual por sua vez o reconhece como membro de suas comunidades. b) indivíduos que se auto-classificam como “indígenas” nos censos, provavelmente pessoas que se reconhecem como descendentes de povos indígenas, mas sem definição de pertencimento étnico específico; • Crescimento da população indígena: a) Crescimento vegetativo: alta fecundidade, população dobra de 15 em 15 anos, crescimento de 3.5% ao ano b) Crescimento no número de pessoas que se reconhecem publicamente como pertencendo a povos já conhecidos como Pataxó, Xakriabá etc… c) Crescimento do número de povos que passam a reivindicar o reconhecimento público de sua existência e seus direitos; d) Crescimento de pessoas que se autodeclaram indígenas, que possivelmente se declaravam pardos. Os resultados do censo de 1991: • Por exemplo: no estado do Rio de Janeiro em 1991 foram contadas 8.953 pessoas “indígenas”, enquanto a Funai, Funasa e Isa nesse ano estimavam em 400 pessoas os índios vivendo em duas Terras Indígenas; • No estado de São Paulo em 1991 foram contadas 13.167 pessoas “indígenas”, enquanto a Funai, Funasa e Isa nesse ano estimavam em 2.000 a população de índios vivendo em Terras Indígenas, e 800 vivendo nas áreas urbanas no estado. • Com os resultados do censo 2000 se confirma esta hipótese – a captação de informações populacionais relativas a categorias sociológicas distintas. População Indígena - 1991 - 2000 regiões e UF 1991 2000* ISA Brasil Norte Rondônia Acre 294.128 124.616 4.134 4.745 701.462 200.934 15.859 10.205 327.155 154.952 4.696 10.261 Amazonas Roraima Pará 67.881 23.427 16.131 119.927 20.912 19.029 78.314 39.201 11.839 Amapá Tocantins 3.244 5.054 2.996 12.007 4.943 5.698 População Indígena - 1991 - 2000 regiões e UF 1991 Nordeste 55.851 Maranhão 15.672 2000* 166.500 46.494 ISA 64.245 16.065 Piauí Ceará Rio Grande do Norte 316 2.692 394 2.106 3.469 598 0 5.093 0 Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe 3.784 10.575 5.692 705 4.353 32.812 6.101 10.238 4.575 19.745 7.351 250 Bahia 16.021 60.329 11.166 População Indígena - 1991 - 2000 regiões e UF 1991 Sudeste 30.586 Minas Gerais 6.114 Espírito Santo 2.352 Rio de Janeiro 8.953 São Paulo 13.167 Sul 30.332 Paraná 10.974 Santa Catarina 4.883 Rio Grande do Sul 14.475 2000* 156.134 50.381 ISA 10.335 6.045 10.345 33.389 62.019 50.891 1.786 335 2.169 27.934 19.636 9.718 1.515 29.739 6.440 11.776 População Indígena - 1991 - 2000 regiões e UF 1991 2000* ISA Centro-Oeste 52.743 127.003 Mato Grosso do Sul 32.759 60.533 69.689 39.838 Mato Grosso 16.550 46.027 29.600 Goiás 2.087 10.916 251 Distrito Federal 1.347 9.527 0 Como captar informações sobre os povos indígenas de um país? • No Brasil: valorização da identidade étnica nos últimos anos, desvalorização da mestiçagem; • Nos Estados Unidos o censo 2000 introduz uma nova categoria: mixed-race; • Os censos dos outros países: a) Línguas faladas: México b) Auto-classificação na variável raça: Brasil, Cuba, República Dominicana, Chile c) Localização geográfica (com outros critérios como língua falada e pertencimento étnico) : Colômbia, Ecuador - censos nacionais, Paraguai e Venezuela – censos especiais d) Guatemala: definição de índio ou indígena, e etnias específicas com línguas faladas (na Guatemala se usou já o traje indígena ou calçado como critério de definição de índio nos censos nacionais); e) Censos especiais: Paraguai (1981, 1992, 2002), Argentina (2002), Venezuela (a partir de 1950). Constatações sobre fontes de dados para estudar as características demográficas dos povos indígenas dos diferentes países das Américas: • Pouca comparabilidade entre os diferentes censos demográficos nacionais, devido à disparidade de critérios de definição da categoria “índio”, apesar disso existem alguns avanços metodológicos nos censos indígenas específicos; • os métodos antropológicos, diferentemente dos censos, permitem analisar com profundidade as condições de vida e as relações das comunidades e grupos que explicam comportamentos e características culturais e demográficas. • O uso de métodos combinados (censo demográfico, pesquisas por amostragem, estudos de caso) já demonstrou que apresenta potencialidades para uma maior compreensão da realidade indígena, pois permite determinar o contexto geral em que vivem as populações indígenas e explicar aspectos qualitativos específicos. • Kamaiurá: 1970: 134 1999: 341 Growth rate: 3.1% p year NR: 41.2 MR: 8.5 por mil RS:0.99 (Pagliaro et al, 2004) • Kaiabi: 1970: 195 1999: 579 Growth rate : 4,47 NR: 53.1 por mil RS: 1970: 1.34 1999: 0.9 MR: 1970 a 1989: 9.3 a 14.6 por mil 1989 a 1999: 3.5 por mil IMR: medium for the period 32.8 por mil TFR: 1970-79: 5.7 1980-89: 8.4 1990-99: 9.5 (Pagliaro, 2002) • Xavante:(de Pimentel Barbosa) 1977: 249 1990: 461 NR: 51.4 por mil MR: 10.2 TFR: 8.5 IMR: 70.1 por mil • Sateré-Mawé: 2002: 91 villages from two TIs, urban areas from 4 countys 8,500 individuals, 998 in urbans aereas, 7,502 in TIs NR: 51.38 (TIs) e 28.2 (urbans) TFR: 8.1 • Alto Rio Negro area: • 22 different peoples, belonging to three great linguistic families – Aruak, Maku and Tukano • 5 Tls demarcated and homologated in 1997 • Autonomous Indian census of the Rio Negro area in 1992, partnership between FOIRN and experts (advisors) • Indian teachers were the personnel in charge of the census, two anthropologists accompanied the process in the field, two anthropologists were the experts (advisors). • Data bank with information on 362 settlements and 16,588 persons. População total do Alto Rio Negro por sexo e etnia - 1992 etnia AR BA BN BR BS CA CO DE JU KO MA MI MK PI TA TU TY UA U E total CIARN/1992 masc. 160 20 1653 1428 2 21 173 783 4 101 650 60 19 448 846 1516 236 272 228 8620 fem. 160 7 1579 1271 11 27 210 666 8 98 553 60 14 453 782 1360 250 233 226 7968 total 320 27 3232 2699 13 48 383 1449 12 199 1203 120 33 901 1628 2876 486 505 454 16588 Tiquié/Uaupés Iauareté 70 e+ 70 e+ 65 a 69 65 a 69 60 a 64 60 a 64 55 a 59 55 a 59 50 a 54 50 a 54 homens 45 a 49 mulheres 45 a 49 40 a 44 40 a 44 35 a 39 35 a 39 30 a 34 30 a 34 25 a 29 25 a 29 20 a 24 20 a 24 15 a 19 15 a 19 10 a 14 10 a 14 5a9 homens mulheres 5a9 0a4 0a4 10,00 8,00 AR TU BN TY 6,00 BS UA 4,00 BR 2,00 CA CO 0,00 DE 2,00 JU KO 4,00 MA 6,00 MI 8,00 N 10,00 PI 10,00 TA AR 8,00 BA BN 6,00 BR BS 4,00 CA CO 2,00 N 0,00 DE KO 2,00 MA 4,00 MK 6,00 MI PI TA 8,00 TU 10,00 TY UA Negro Acima Içana 70 e+ 70 e+ 65 a 69 65 a 69 60 a 64 60 a 64 55 a 59 55 a 59 50 a 54 50 a 54 homens 45 a 49 45 a 49 mulheres mulheres homens 40 a 44 40 a 44 35 a 39 35 a 39 30 a 34 30 a 34 25 a 29 25 a 29 20 a 24 20 a 24 15 a 19 15 a 19 10 a 14 10 a 14 5a9 5a9 0a4 0a4 10,00 10,00 AR 8,00 BA 6,00 BN BR 4,00 CA 2,00 CO d 0,00 DE KO 2,00 MI 4,00 N PI 6,00 TA 8,00 TU TY 8,00 10,00 UA 6,00 AR 4,00 BN BR UE Negro Abaixo 70 e+ 65 a 69 60 a 64 55 a 59 50 a 54 mulheres homens 45 a 49 40 a 44 35 a 39 30 a 34 25 a 29 20 a 24 15 a 19 10 a 14 5a9 0a4 10,00 AR TU 8,00 BN TY 6,00 BR UA 4,00 CA UE CO 2,00 DE 0,00 JU 2,00 KO MA 4,00 MI 6,00 N 8,00 PI 10,00 TA 2,00 CO DE 0,00 N 2,00 PI TA 4,00 TU TY 6,00 UA 8,00 UE 10,00 Baré, Baniwa, Tukano e Maku – perfil etário Baré 70 e+ H Baniwa 70 e+ M 60 a 64 60 a 64 50 a 54 50 a 54 40 a 44 40 a 44 30 a 34 30 a 34 20 a 24 20 a 24 10 a 14 10 a 14 0a4 0a4 10,00 5,00 0,00 5,00 10,00 10,00 5,00 Tukano 5,00 10,00 Maku 70 e+ 70 a 74 60 a 64 60 a 64 50 a 54 50 a 54 40 a 44 40 a 44 30 a 34 30 a 34 20 a 24 20 a 24 10 a 14 10 a 14 0a4 10,00 0,00 0a4 5,00 0,00 5,00 10,00 12,0 8,0 4,0 0,0 4,0 8,0 12,0 Baré, Baniwa, Tukano e Maku – Taxas específicas de fecundidade por idade e taxa de fecundidade total, no período de 1990 a 1992 idade 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 Baré f/x 0,03 0,21 0,24 0,18 0,16 0,10 0,04 Baniwa f/x 0,13 0,19 0,20 0,21 0,14 0,11 0,03 Tukano f/x 0,06 0,21 0,26 0,26 0,21 0,09 0,04 Maku f/x 0,17 0,25 0,26 0,32 0,07 0,17 0,03 TFT 4,83 5,11 5,68 6,35 CIARN/1992 Baré, Baniwa, Tukano e Maku, distribuição relativa das taxas específicas de fecundidade no período de 1990 – 92 30,00 25,00 20,00 Baré Baniw a 15,00 Tukano Maku 10,00 5,00 0,00 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 Baré, Baniwa, Tukano e Maku, distribuição relativa da população por grandes grupos etários faixa etária 0 a 14 15 a 49 50 e + total CIARN/1992 Baré 40,72 48,98 10,30 100,00 Baniwa 41,96 46,58 11,46 100,00 Tukano 39,29 47,74 12,97 100,00 Maku 42,89 46,55 10,56 100,00 Qualitative research and relations with fertility: a) Virilocality b) Age of marriage c) Traditional conceptions of family – children belong to the father d) School e) Sexuality of the young women before the marriage Recomendações: • Necessidade de repensar o critério operativo de identificar os povos indígenas nos censos nacionais, levar em conta a especificidade dos mesmos e não somente o índio genérico; levar em conta a multi-localidade e a presença nas áreas urbanas; • Que se realizem censos especiais indígenas, e • Que toda investigação relacionada com povos indígenas se realize com a participação das comunidades; • Que se pense novos indicadores como o IDH levando-se em conta preservação dos recursos naturais, por exemplo.