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Realismo e anti-realismo na construção
do modelo da dupla-hélice (parte II)*
Marcos Rodrigues da Silva
Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]. Esta pesquisa
é financiada pela Fundação Araucária, no interior da Rede Paranaense de
Pesquisa em História e Filosofia da Ciência.
Resumo: Este artigo investiga, a partir de um estudo de caso (a construção do modelo da dupla-hélice),
abordagens realista e anti-realista
para a compreensão do significado
cognitivo da ciência.
Palavras-chave: realismo - adequação empírica - dupla-hélice.
Abstract: From a study case (the
building of double-helix model), I
will examine realist and anti-realist
approaches in order to understand
the cognitive meaning of science.
Key-words: realism - empirical
adequacy - double-helix.
SILVA, Marcos Rodrigues da
INTRODUÇÃO
Proposto em 1953 por James Watson e Francis Crick, o
modelo da dupla-hélice fornecia, entre outras coisas, uma
descrição1 da constituição molecular do ácido desoxirribonucleico
(DNA); de acordo com este modelo, a constituição da molécula de
DNA é a seguinte: duas fitas entrecruzadas - estas fitas são cadeias
de fosfato (ácido fosfórico) e de açúcar (desoxirribose); as fitas são
ligadas entre si por bases (adenina, timina, citosina e guanina)
nitrogenadas, as quais são ligadas entre si por pontes de hidrogênio;
quando um ácido fosfórico, uma desoxirribose e uma base se reúnem temos então um nucleotídio; e a molécula de DNA nada mais é
do que um conjunto de nucleotídios. Inegavelmente o modelo da
dupla-hélice foi uma ferramenta científica que se mostrou capaz de
orientar a pesquisa científica em vários campos da biologia e da bioquímica; então podemos afirmar, utilizando a terminologia familiar
da filosofia da ciência, que o modelo revelou-se bem sucedido; e isto
por sua vez significa, inicialmente, que o modelo foi bem sucedido
empiricamente (ou seja: forneceu instâncias experimentais que apontavam sua eficiência no trato com a experiência relevante) e em seguida bem sucedido teoricamente (ou seja: em função do modelo, vários conhecimentos dispersos foram reunidos de modo a se obter
uma ampla teoria que articulava estes conhecimentos).
Uma vez estabelecido e aceito o modelo de Watson e Crick,
podemos questionar por que tal modelo se disseminou pela comunidade científica de modo a se legitimar como a melhor alternativa
para a explicação de certos fenômenos. Na busca por um certo tipo
de respostas a essa questão, os filósofos da ciência dividem-se em
duas grandes tradições: realista e anti-realista; deste modo poderíamos perguntar: o modelo em espiral da dupla-hélice recebeu a
aceitação da comunidade científica pelo fato de que “corta o mundo em suas juntas” ou pelo fato de que é “empiricamente adequado”? Ou ainda: a molécula de DNA se comporta exatamente da
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forma como é descrita pela biologia molecular ou ela não passa de
uma boa compreensão das coisas? Por fim: a dupla-hélice é uma
descoberta (de um aspecto da natureza) ou é uma construção (que
explica admiravelmente bem o funcionamento de alguns aspectos
dos organismos)? Responder a essas três questões (que na verdade
são paráfrases de uma única questão) a partir dos primeiros
disjuntos é se comprometer com alguma forma de realismo científico; já respondê-las a partir dos segundos disjuntos remeteria a alguma forma de anti-realismo.
Inicialmente é preciso que se estabeleça o que mobiliza as perguntas acima; pois poderia alguém se perguntar: mas o que há de
tão misterioso na aceitação do sucesso da dupla-hélice? Afinal de
contas as evidências empíricas obtida através dos experimentos com
difração de raio-x realizados por Maurice Wilkins e sua assistente
Rosalind Franklin eram uma confirmação inequívoca de que o DNA
se comportava exatamente como propuseram Watson e Crick, confirmação esta inclusive chancelada pelos próprios Wilkins e Franklin
em seu envio simultâneo de artigos – para o mesmo número da
Nature no qual havia sido publicado o artigo de Watson e Crick –
que confirmavam a hipótese da dupla-hélice. Além disso, mesmo
que nos desloquemos do âmbito estrito da confirmação evidencial
da estrutura molecular do DNA para o ambiente mais amplo da
discussão acerca do papel do DNA para a hereditariedade, não
parece que estamos a lidar com uma discussão muito complexa,
uma vez que a dupla-hélice contém um mecanismo que aponta para
a duplicação do DNA, mecanismo este perfeitamente compreensível do ponto de vista empírico. Portanto, ao menos inicialmente,
não há boas razões para nos impressionarmos com as perguntas
filosóficas do parágrafo anterior.
O problema com esta forma de ver as coisas é que i) se está
tomando a representação da molécula de DNA como unidade de
investigação; e, ao procedermos deste modo, ignoramos alguns aspectos fundamentais da própria molécula, como por exemplo o
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indefectível fato científico de que ela se encontra em profunda relação funcional com outras moléculas associadas, como proteínas e
RNA; como se não bastasse, ii) ela acabou por se revelar fundamental para explicar a ocorrência de um processo absolutamente
decisivo para a genética: o processo de transmissão de caracteres
hereditários; e, para explicar este processo, a dupla-hélice era uma
hipótese que dependia menos de uma descrição de processos químico-físicos familiares do que dependia de ser aceita como tendo
aquela forma específica, a de ser uma escada contorcida com dois
corrimões e seus degraus etc – forma esta que sabemos que não era
dada diretamente pela experiência; portanto, a partir de (i) e (ii) as
perguntas pelas razões da aceitação do modelo da dupla-hélice –
perguntas estas cujas respostas separam realistas e anti-realistas –
podem agora ser estabelecidas com certa legitimidade. Mas, antes
de adentrarmos no campo específico da discussão acerca das razões da aceitação do modelo, farei uma rápida (e esquemática) apresentação do realismo e do anti-realismo.
Estabelecida uma teoria como bem sucedida, o realista deseja
conferir-lhe um significado epistemológico; para tanto ele atribui
às entidades inobserváveis uma dimensão ontológica: tais entidades realmente devem existir para que o mundo se comporte da forma como a teoria prevê que se comporta; assim, se o DNA é descrito como uma dupla-hélice, então se segue que na realidade ele deve
se comportar desta forma. Além disso, explicar certos fenômenos a
partir do modelo da dupla-hélice é fornecer um atestado de garantia epistemológica: os cientistas possuem todas as credenciais
epistêmicas para crer na verdade da explicação fornecida ao fenômeno em pauta, bem como todas as credenciais epistêmicas para
inferir a existência de entidades inobserváveis. Porém, para um antirealista, o sucesso instrumental de uma explicação científica não
nos autoriza a extrair desse sucesso alguma forma de dividendo
epistemológico; de fato o que obtivemos foi o que se costuma chamar de “adequação empírica” do modelo, o que significa que as
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evidências não foram violadas (ou contraditas). Em todo caso, o
que o anti-realista quer enfatizar é que desta adequação empírica
não se segue nenhuma garantia epistemológica e por isso não
estamos aptos a crer na verdade da teoria que abriga o modelo e
portanto não estamos igualmente aptos a inferir a existência de
entidades e aspectos inobserváveis do modelo.
Desta apresentação sumária das duas escolas podemos, num
primeiro momento, concluir que o problema parece girar em torno
da inferência de entidades e processos inobserváveis que estão presentes nas melhores teorias científicas disponíveis; e assim um esquema realista nos autoriza a inferir a existência de uma duplahélice, ao passo que um anti-realista não o faria. Na perspectiva
deste artigo, o problema todo com este modo de ver as coisas é que
a discussão acaba por se reduzir a uma pugna entre crentes e
agnósticos, pugna esta por vezes totalmente dissociada tanto i) das
próprias formulações realista e anti-realista quanto ii) das questões
originais que conduziram os cientistas à postulação de entidades
inobserváveis (tais como a dupla-hélice). No que segue deste artigo discutirei respectivamente os dois aspectos desta dissociação.
1. REALISMO, ANTI-REALISMO E A EXPLICAÇÃO DO
SUCESSO CIENTÍFICO2
Uma das acusações anti-realistas mais comumente dirigidas
ao realismo é a de que esta filosofia se compromete excessivamente
com exigências epistemológicas e ontológicas desnecessárias no que
dizem respeito à explicação do sucesso instrumental da ciência. Para
este artigo importa menos saber se este compromisso é excessivo
do que importa saber de que forma é articulado; para isso apresento resumidamente um argumento amiúde utilizado pelos realistas:
o argumento da inferência da melhor explicação (IBE – Inference to
The Best Explanation)3 . De acordo com IBE, os cientistas, diante de
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teorias rivais4 , possuem meios adequados para proceder a uma escolha da melhor dentre elas (em sendo a melhor delas good enough
para uma tal escolha, como lembra Lipton (1991, p. 58; 1993, p.
92)). Para um realista, nesta escolha, além de todos os critérios envolvidos (como poder explicativo, simplicidade, elegância, coerência etc), há ainda a crença na verdade da teoria eleita, e uma teoria
é aceita como verdadeira porque explica melhor (e suficientemente
bem) do que outras teorias rivais um determinado conjunto de fenômenos. Em seguida à escolha, obtém-se autorização para inferir
que as entidades descritas pela teoria eleita efetivamente existem;
e portanto o êxito do método científico suscita a crença na verdade
(cf. BOYD, 1990, p. 362).
Gostaria de enfatizar aqui o procedimento realista (baseado
em IBE, e apenas em IBE): i) detecção de um fenômeno; ii) construção de alternativas teóricas para a explicação do fenômeno detectado; iii) escolha de uma destas alternativas teóricas; iv) inferência
da existência das entidades descritas pela teoria eleita. Ou seja: torna-se claro que o realista não está assumindo uma duplicata
ontológica de forma gratuita; ao invés, sua inferência às entidades
é a conclusão de um complexo argumento cujas premissas não faziam referência à existência de entidades. Então tenha-se claro que
quando um realista científico enfatiza a importância da explicação
científica ele não o faz apelando em primeiro lugar à crença dos cientistas na existência de entidades (cf. PSILLOS, 1999, p. 57); ao invés
disso, o processo se inicia por meio da aceitação de uma teoria que,
pelo fato de explicar de forma notável diversos fenômenos, sugere em
grande medida que seus usuários tenham boas razões para crer em
sua verdade e, portanto, tenham também boas razões para inferir a
existência de entidades inobserváveis; em termos claros: a construção teórica (e a crença teórica) precede(m) a inferência a entidades
inobserváveis (cf. DEVITT, 1997, p. 67), com o que seria bastante
injusta uma crítica às teorias realistas da explicação científica que
não levasse em conta o itinerário acima.
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Por outro lado, o anti-realismo igualmente nem sempre é compreendido por seus rivais, pois se argumenta (argumento que procurarei mostrar que não parece ser definitivo) que suas considerações
acerca da ciência não nos autorizam a inferir, mesmo com o aval de
teorias bem sucedidas, aspectos inobserváveis presentes nestas teorias. Via de regra os anti-realistas são acusados de defender algo como
apenas a “adequação empírica”, como virtude máxima das teorias, com
o que estaríamos fadados a jamais conhecer aspectos inobserváveis
descritos pelas teorias científicas. O problema todo, para os anti-realistas, é que inegavelmente o conceito de “adequação empírica”, disseminado pela obra anti-realista de van Fraassen (1980), remete inicialmente a uma forma de compreensão da ciência que exclui quase que
automaticamente qualquer referência a inobserváveis: é observável
que o DNA seja constituído por grandes quantidades de fósforo, mas
e quanto à sua forma helicoidal sugerida pelo modelo da dupla-hélice? Assim, de início, somos tentados a considerar que “adequação
empírica” significa “correspondência com os fatos”. Ora, é exatamente isto que será negado por van Fraassen (cf. BUENO, 1999, p. 76).
Para van Fraassen a adequação empirica de uma teoria significa, em linhas gerais, que os fenômenos foram reunidos e explicados numa ampla estrutura teórica (1980, p. 56); deste modo, afirmar que o DNA é uma dupla-hélice é simultaneamente afirmar que
outros elementos importantes do problema em questão foram reunidos num ampla estrutura explicativa, a saber, no programa de
pesquisa em genética molecular; e esta ampla estrutura explicativa
contém observáveis (como DNA, RNA e cromossomo) e
inobserváveis (como dupla-hélice e gene)5 . Mesmo porque, para
van Fraassen, as teorias científicas possuem diversas virtudes desejáveis, e apenas uma destas virtudes é sua relação com o mundo
observável; uma outra é sua consistência e outra ainda (que nos
interessa aqui) é sua virtude pragmática; e, pragmaticamente, aceitamos uma teoria que contém dupla-hélice e genes, sejam estes
inobserváveis ou observáveis6 .
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Uma conclusão desta seção é que o estabelecimento das posições realista e anti-realista a partir de posições ingênuas acaba por
ser um obstáculo à compreensão do debate7 . Deste modo nem os
realistas são filósofos ingênuos nem os anti-realistas são intolerantes com os inobserváveis8 .
2. ENTIDADES CIENTÍFICAS E SUAASSIMILAÇÃO
CONCEITUAL
Já vimos que uma apresentação do realismo e do anti-realismo
adequada para uma compreensão do significado cognitivo da ciência deve levar em conta i) que o realismo não se compromete
com uma entidade inobservável sem que haja simultaneamente o
compromisso como uma teoria e ii) que o anti-realismo não é uma
filosofia da ciência que admite apenas a crença em aspectos
observáveis da realidade. Aqui, a princípio, parece haver uma concordância no que diz respeito ao deslocamento do problema da assimilação da entidade para o problema da aceitação da teoria9 ; e,
se o debate pode ser direcionado para o ângulo deste problema, então parece razoável explorarmos alguns momentos da construção
do modelo da dupla-hélice10 ; ou seja: tentarei focar alguns aspectos da construção do modelo que, de um modo ou de outro, se
fizeram presentes tanto no trabalho de Watson e Crick quanto nas
investigações de outros pesquisadores. Estes aspectos assumem aqui
a forma de conhecimentos prévios que foram aceitos por Watson e
Crick e que se revelaram fundamentais para o modelo.
2.1 As relações de Chargaff
A construção do modelo do DNA recolheu, das contribuições
de Erwin Chargaff, uma série de considerações decisivas para o
problema do emparelhamento das bases nitrogenadas que com-
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põem a cadeia dos ácidos nucléicos. De acordo com ele, para cada
adenina haveria uma timina, e para cada guanina haveria uma
citosina (AT=1, CG=1). Experimentalmente as relações de Chargaff
descreviam um estado de coisas; em outros termos: a relação era
verdadeira.
Numa abordagem realista, as relações de Chargaff expressam
um conhecimento de fundo verdadeiro para Watson e Crick; logo,
como este conhecimento foi aceito, estamos credenciados a crer na
verdade da explicação fornecida pelo modelo; assim, mesmo um
anti-realista deveria conceder que “poderíamos justificar a versão
[anti-realista]11 da hipótese Watson-Crick utilizando um conhecimento de fundo realista para justificar nossa regra de decisão” (cf.
GIERE, 1999, p. 195). Deste modo o conhecimento de fundo utilizado por Watson e Crick foi assumido (por meio daquilo que Giere
denomina “regra de decisão”) como verdadeiro, e por isso “AT=1,
CG=1” é uma fórmula que corresponde à realidade. Além disso,
considerando que o modelo da Watson e Crick dependia em grande parte da consistência empírica da fórmula, o realista parece ter
razão em sustentar que, não fosse esse conhecimento de fundo verdadeiro, o modelo sequer poderia funcionar; as relações entre (AT)
e (CG) não podem ser uma construção, mas sim um fato; e, se elas
estão na base do modelo da dupla-hélice, este também pode ser
considerado verdadeiro e passível de crença em sua verdade.
Por outro lado é possível encontrar pistas de uma interpretação anti-realista da construção do modelo tanto nas declarações do
próprio Watson quanto em alguns momentos da “construção” do
fato AT=1 / CG=1 por parte de Chargaff. Para Watson (1997, p.
102), no interior da construção do modelo da dupla hélice o fato de
esta relação expressar uma verdade tinha um significado bastante
reduzido pois o que importava ao modelo era o fato de a relação se
ajustar perfeitamente ao que ele e Crick estavam a preparar (cf.
Watson 1997, p. 102). Ainda de acordo com ele, a proporção de “umpara-um” entre (AT) e (CG) não era, no sentido mais forte do ter-
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mo, um fato empírico, pois os experimentos apenas revelavam uma
grande “similaridade”12 no número de adenina para timina e de
citosina para guanina; ou seja, a proporção não revelava uma ocorrência empírica exata, mas uma interpretação possível que, no interior do modelo de Watson e Crick, se mostrou empiricamente adequada. Contudo ela não se revelou empiricamente adequada por
espelhar a realidade, mas sim pelo fato de que foi inserida no modelo e não o comprometeu no momento de checar a proficuidade
empírica do próprio modelo. Além disso, como registra Olby, o próprio Chargaff, nas suas pesquisas, estava tentando mostrar que o
pareamento não era um fato, e que as regularidades descobertas (por
volta de 1948) revelavam-se mais um “embaraço do que algo agradável” (OLBY 1974, p. 214). Neste caso, claramente o significado das
descobertas empíricas de Chargaff revela, ao invés de uma contínua
escalada rumo à dupla-hélice, um caminho tortuoso marcado pela
descontinuidade entre o observável e a construção teórica.
2.2 As evidências empíricas para a forma helicoidal
do DNA
Conforme já vimos, antes da divulgação do modelo, Maurice
Wilkins e Rosalind Franklin produziram inúmeras fotografias em
raio-x da molécula de DNA; não obstante a posse destes registros
observacionais, estes pesquisadores não conseguiram interpretar o
que estava dado na experiência (cf. GIERE, 1999, p. 192). Ora, mas
o que exatamente Wilkins e Franklin não “enxergaram”? Será que
eles não enxergaram que o que viam na fotografia poderia ser retratado como uma hélice em espiral? A questão aqui é bastante complexa e merece consideração, pois creio que, neste caso, a questão
diz menos respeito a “enxergar algo” do que propriamente a “integrar algo” a respeito do que se pode perceber (enxergar) numa estrutura mais ampla, senão vejamos.
A sentença “o DNA é constituído por grandes quantidades de
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fósforo” é do tipo que se pode denominar “sentença de observação”
(cf. CARNAP, 1995, p. 226), uma vez que se refere a um aspecto
observável do DNA, aspecto este revelado por meio de técnicas
citológicas e bioquímicas desde as pesquisas pioneiras de Friedrich
Miescher por volta de 1860. Além desta sentença, podemos inferir
empiricamente uma série de outras que são reveladoras acerca da
constituição do DNA; contudo não é possível, empiricamente, inferirmos a forma helicoidal desta célebre molécula, uma vez que ela
é uma hipótese apresentada como explicação para certos fenômenos – e isto, conforme veremos a partir de agora, é um ponto extremamente relevante para o debate realismo/anti-realismo.
Acima afirmei que a forma helicoidal do DNA não é uma
constatação empírica obtida pelas chapas de raio-x de Wilkins e
Franklin; porém suponhamos que seja (e o quanto isto seria constrangedor para a reputação destes grandes físicos é um ônus que
deve ser arcado por aqueles que pensam que as chapas revelam
conclusivamente, do ponto de vista empírico, a forma helicoidal).
Por meio desta suposição, a sentença “o DNA possui a forma
molecular de uma dupla-hélice” deveria contar como uma sentença de observação; o problema é que, mesmo que se assuma como
verdadeira esta suposição, considerar a sentença “o DNA possui a
forma molecular de uma dupla-hélice” significa simultaneamente
ocultar o contexto científico a partir do qual emerge tal sentença,
senão vejamos.
Desde o século XIX o DNA era considerado uma entidade
observável; contudo, deslocado para o problema mais amplo da genética
(ou seja: deslocado para o contexto científico antes mencionado),
esta mesma entidade precisou ser formatada numa estrutura
molecular que, a despeito de possuir todos os seus elementos como
disponíveis à experimentação, não era em si mesma observável em
todos os seus aspectos. Naturalmente se poderia construir, a partir da
estrutura molecular da dupla-hélice, uma série de sentenças de
observação tais como: “o fosfato está ligado a um açúcar”; “o açú-
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car está ligado a uma timina”; “a timina, no DNA, aparece em quantidade quase igual à de adenina”. Porém a soma destas sentenças
ocultaria um aspecto fundamental da molécula: sua forma helicoidal, forma esta que é de absoluta importância para o problema geral
de transmissão da informação genética; ou seja: mesmo que alguém
pudesse traduzir o modelo da dupla-hélice numa série de sentenças de observação, tal tradução (mesmo que correta) não faria justiça ao contexto científico a partir do qual emergiu a dupla-hélice, o
que me conduz a uma consideração que considero fundamental
para o debate realismo/anti-realismo.
Ao menos por IBE, o realista, ao manter a verdade da sentença
“o DNA possui a forma molecular de uma dupla-hélice”, não o faz
em função de uma aposta ontológica, mas sim pela força explicativa
do modelo. O anti-realista, por sua vez, não gostaria de se comprometer com uma entidade inobservável como uma dupla-hélice; no
entanto, sua renitência em assumir o compromisso se deve menos
ao fato de que “o DNA possui a forma molecular de uma duplahélice” não possui verificação empírica direta do que se deve à sua
concepção de que entidades como o DNA, sem relação com outras
entidades associadas e portanto sem relação com o problema para o qual o
próprio DNA e estas outras entidades associadas estão a resolver, nada
significam isoladamente; portanto, seja por meio de IBE, seja por
meio da aposta numa detecção empírica direta, o anti-realista não
compreende a vantagem de estabelecer a existência, no caso, da
dupla-hélice. Para o anti-realista, afirmar que o DNA é representado (seja por meio de IBE, seja por meio de uma detecção empírica
direta) por uma dupla-hélice significa considerá-lo uma unidade
autônoma para a investigação científica – e é isto que deve ser contestado e não o fato que ela pode ser inferida por IBE.
Deste modo podemos entender por que seria insuficiente a
Wilkins e Franklin “enxergar” uma dupla-hélice e registrá-la em
seus protocolos de observação; pois de nada adiantaria propor uma
dupla-hélice como representação do DNA sem simultaneamente pro-
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por funções para outros componentes genéticos a ele associados, o que de
fato foi feito por Watson e Crick. Assim, mesmo que “o DNA é uma
dupla-hélice” seja uma sentença de observação, tratá-la deste modo
talvez não seja o melhor caminho para compreendermos como funcionam a construção e o desenvolvimento do conhecimento científico, pois,
para os envolvidos na construção do modelo, e também para Wilkins e
Franklin13 , esta sentença, no contexto da investigação científica, não
era uma sentença de observação. O termo “DNA” não se encontra
ilhado na pesquisa científica – ao invés, é parte integrante de uma
grande família de termos que mantêm uma vibrante relação entre
si14 . Após descobrir (para usar o vocabulário realista) ou construir
(para usar o vocabulário anti-realista) a dupla-hélice, há muito trabalho a ser feito e uma rede conceitual a ser tecida. Aquele que
“enxerga” ou “descobre” não terminou o trabalho.
2.3 O RNA e o modelo da dupla-hélice
Mesmo que em 1953 já houvesse uma boa quantidade de evidências de que o DNA seria o agente diretamente responsável pela
hereditariedade, seu modelo não poderia ser aplicado ao ácido associado RNA, pois não haveria como utilizar o conhecimento de
fundo verdadeiro oferecido por Chargaff, já que as bases
nitrogenadas do RNA eram diferentes (ao menos em um aspecto)
das bases do DNA. No caso do modelo de Watson e Crick havia
um “programa de pesquisa”15 em curso; neste programa o fundamental era a construção do modelo da dupla hélice; e, para este modelo (ou seja, neste contexto16 ), a apropriação do conhecimento prévio foi feita com base na suposição de que seria, nos termos dos
próprios cientistas, praticamente “impossível” construí-lo a partir
do RNA (cf. WATSON; CRICK, 1953, p. 737). Ou seja: não foi o caso
de se dizer que “a natureza é de um certo modo”, mas que, dado o
modelo pretendido, alguns conhecimentos prévios se ajustam a ele
ou não. Além disso não era totalmente descabido se pensar que o
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RNA fosse o agente hereditário mais importante, embora esta hipótese já estivesse em declínio desde 1944, com os resultados do
trabalho experimental de Avery e seus colaboradores17 . Em todo
caso, seria legítimo que algum bioquímico sugerisse uma possível
sentença de observação “o modelo da dupla-hélice de Watson e
Crick não é na verdade um modelo para o DNA, mas para o RNA”
e em seguida tentasse verificá-la? Bem, poderíamos pensar que tal
sentença fosse testável, porém de um modo não muito diferente do
enunciado “Júpiter estará presente na Praça da Sé às 15 horas do
dia 30 de novembro de 2006”; pois, assim como nenhum de nós se
dará ao trabalho, neste dia, de inventariar a Praça da Sé para atestar a presença de Júpiter, nenhum bioquímico – tendo como referência o modelo de Watson e Crick – proferiria tal sentença sobre o RNA,
dadas as diferenças das constituições moleculares do DNA e do
RNA18 .
CONCLUSÃO
É impossível sonegar ao leitor a informação de que o que foi
aqui argumentado tem lá sua cota de débito com a filosofia de Quine,
sobretudo com seu conceito de “simplicidade” (QUINE, 1960) – e
este significando uma virtude decisiva para a formulação de teorias. Para Quine, um cientista que resolvesse adotar uma postura
austera de restrição ontológica a inobserváveis, no máximo obteria
uma combinação de teorias “mal-conectadas” que estipulam termos de observação (cf. QUINE, 1960, p. 21); porém, quão restritos
são os termos de observação? Mesmo quando descrevemos um
observável – e portanto quando descrevemos um objeto familiar
aos sentidos – o fazemos numa linguagem pública (cf. QUINE, 1960,
p. 1); ou seja: quando postulamos uma dupla-hélice descrevemos
aquilo que não contradiz nossos sentidos (o que é bem diferente de
dizer que descrevemos exatamente aquilo que os nossos sentidos
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nos permitem perceber); porém, ao postular a dupla-hélice, estamos
nos referindo ao que denominamos de “molécula”, termo cujo uso
automaticamente nos fez adotar um vocabulário teórico e sofisticado, pois utilizamos um termo que não denota algo cuja analogia
com os objetos observáveis seja direta (cf. QUINE, 1976, p. 249). E
por que não nos restringimos aos sentidos? Porque é mais simples
conceitualizar toda a cadeia química presente na dupla-hélice como
uma molécula ao invés de caracterizá-la como uma soma infindável
de sensações. Assim o que experenciamos são nossas sensações,
mas discursamos sobre objetos; e portanto o próprio discurso sobre objetos observáveis já é uma extrapolação da evidência sensorial (cf. QUINE, 1960, p. 10). Deste modo, mesmo que considerássemos a dupla-hélice um observável, nos afastaríamos (pelas razões
de Quine) consideravelmente dos nossos sentidos, distância esta
decorrente da busca pela simplicidade; e, se a simplicidade é um
bom guia para a construção de teorias, então tanto o velho DNA
observável dos tempos de Miescher quanto a inobservável duplahélice - caso sejam (e foram) instrumentos adequados para que se
alcance uma boa teoria – são entidades assimiláveis a despeito de
suas diferenças no vocabulário metacientífico tradicional, bem como
a despeito de nossas “predileções” por objetos próximos de nossa
experiência (cf. QUINE, 1960, p. 233-234). Portanto o velho DNA
observável e sua dupla-hélice inobservável são aceitos – seja por
realistas (ao menos por meio de IBE), seja por anti-realistas - não
por imposição ontológica (aceitação esta que não é nem a de realistas nem a de anti-realistas), mas por imposição de teorias que necessitam destas entidades. Contudo, a despeito de considerar tanto
realistas (ao menos por meio de IBE) quanto anti-realistas como
descomprometidos com a aceitação ontológica prima facie, desconfio que os anti-realistas parecem mais preparados para explicar a
assimilação (seja de observáveis, seja de inobserváveis) a partir da
necessidade das teorias. Mas isto não passa de uma suposição.
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v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429.
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Recebido em: maio de 2006
Aprovado em: junho de 2006
Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria.
v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429.
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SILVA, Marcos Rodrigues da
NOTAS
* A primeira parte deste trabalho foi apresentada no 10° Seminário Nacional de História da
Ciência e da Tecnologia, na UFMG, Belo Horizonte, em 19 de Outubro de 2005. O texto pode
ser conferido em Silva (2005a). Este estudo de caso, aplicado em discussões acerca do ensino de ciências, pode ser conferido em Silva (2004a; 2004c; 2004e). Este artigo foi apresentado no IV Encontro da Rede Paranaense de Pesquisa em História e Filosofia da Ciência e II
Seminário de História e Filosofia da Ciência, ocorridos em Ilhéus, em abril de 2006. Agradeço a Vanessa Carvalho pelos comentários a este texto. Agradeço a colaboração decisiva de
Osvaldo Pessoa Jr. para a continuidade desta pesquisa, bem como sua leitura do artigo.
Agradeço, por fim, ao parecerista indicado pelos editores desta publicação, cujos comentários ao texto foram desafiadores e propulsores de uma alteração bastante significativa na
forma de exposição deste artigo.
1
Uma explicação interessante da hipótese de Watson e Crick pode ser conferida em Calladine
e Draw (1992).
2
As apresentações respectivas do realismo e do anti-realismo são evidentemente
esquemáticas, e foram extraídas de Silva (2003a, 2004b, 2005b).
3
Uma influente formulação (e até onde se saiba nunca abandonada) de IBE encontra-se em
Harman (1965, p. 89): “Ao se construir [a inferência da melhor explicação] se infere, do fato
de que uma certa hipótese explicaria a evidência, a verdade desta hipótese. Em geral, existem diversas hipóteses que poderiam explicar a evidência, de modo que deve-se ser capaz
de rejeitar tais hipóteses alternativas antes de se estar seguro em fazer a inferência. Assim
se infere, da premissa de que uma dada hipótese forneceria uma explicação “melhor” para
a evidência do que quaisquer outras hipóteses, a conclusão de que esta determinada hipótese é verdadeira”.
4
É importante registrar que a inferência da melhor explicação pressupõe a existência de
hipóteses que rivalizam entre si no oferecimento de uma explicação para um determinado
conjunto de fenômenos.
5
Que fique claro, pelos exemplos, que dna e a dupla-hélice do dna não podem ser completamente confundidos. O dna da citologia do século XIX será considerado uma entidade
observável, ao passo que sua representação molecular por meio do modelo da dupla-hélice será considerada inobservável. Os limites das conseqüências desta distinção serão expostos na seção 2 deste artigo, sobretudo em 2.2.
6
Uma versão historiográfica de uma posição pragmática como a de van Fraassen pode ser
conferida em Laudan (1977, cap. 3).
7
Este trabalho de tentativa de formatação do debate pode ser conferida em Silva (2003a).
8
Infelizmente os limites deste trabalho me impedem de desenvolver de modo mais profundo esta discussão.
9
Não quero, ao menos neste momento, adentrar ao domínio da discussão acerca da distinção entre realismo de entidades e realismo de teorias, tal como figura em Ian Hacking e
Nancy Cartwright. Esta discussão aparece em Silva (2003a; 2005b).
10
O enfoque, para este debate, no aspecto da construção das teorias é sugerido claramente
por Giere (1999) e.van Fraassen (1980).
11
No original ele utiliza, ao invés do termo “anti-realismo”, o termo “empirismo”. Contudo, considerando que o objetivo da discussão é exatamente o mesmo de meu artigo, e considerando
igualmente que por vezes os termos podem ser considerados intercambiáveis, então não
vejo maiores problemas nesta substituição. Para críticas à identificação entre empirismo e
anti-realismo (sem referência ao uso feito por Giere) recomendo a leitura de Chibeni (1997).
(A propósito, uma das razões pelas quais prefiro atualmente utilizar o termo “anti-realismo” ao
invés de “empirismo” se deve à interlocução com o professor Sílvio Chibeni).
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Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria.
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Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II)
12
Isto é percebido pelo exame de uma das tabelas publicadas pelo próprio Chargaff (1953).
Esta forma antropocêntrica e individualista de compreensão é sugerida por Quine (1995, p. 44).
14
Sobre este ponto é interessante a discussão acerca das interligações entre sentenças, como
aparece em Quine (1960).
15
Uso o termo entre aspas pelo fato de que, na verdade, Watson e Crick trabalharam a maior
parte do tempo na clandestinidade; esta clandestinidade foi o resultado de uma imposição
do diretor do Laboratório Cavendish (no qual trabalhavam), Sir Lawrence Bragg. Bragg ficara irritado com uma demonstração anterior fracassada de um modelo (uma tripla-hélice)
apresentado por Watson e Crick a Wilkins e Franklin.
16
O termo “contexto” está sendo usado em sentido realmente técnico, e aponta para a teoria
da explicação de van Fraassen (1980, cap.5). Uma outra elegante formulação anti-realista
que inegavelmente considera o contexto como fundamental para uma explicação científica se encontra em Berkeley, em seu De Motu. Para uma esquemática apresentação antifenomenalista do De Motu, ver Silva (2003c); já para uma discussão a respeito das relações
entre Berkeley e Hume – relações estas que de modo indireto dizem respeito a alguns problemas de recepção do empirismo no debate realismo/anti-realismo – ver Silva (2004d).
17
Apresentei algumas considerações a respeito destes experimentos em Silva (2003b).
18
O açúcar do dna é a desoxirribose, ao passo que o açúcar do rna é a ribose. Watson e Crick
afirmaram que, devido a esta razão, seu modelo não podia ser construído para o rna (Watson
e Crick 1953, p. 737).
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