10 Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II)* Marcos Rodrigues da Silva Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]. Esta pesquisa é financiada pela Fundação Araucária, no interior da Rede Paranaense de Pesquisa em História e Filosofia da Ciência. Resumo: Este artigo investiga, a partir de um estudo de caso (a construção do modelo da dupla-hélice), abordagens realista e anti-realista para a compreensão do significado cognitivo da ciência. Palavras-chave: realismo - adequação empírica - dupla-hélice. Abstract: From a study case (the building of double-helix model), I will examine realist and anti-realist approaches in order to understand the cognitive meaning of science. Key-words: realism - empirical adequacy - double-helix. SILVA, Marcos Rodrigues da INTRODUÇÃO Proposto em 1953 por James Watson e Francis Crick, o modelo da dupla-hélice fornecia, entre outras coisas, uma descrição1 da constituição molecular do ácido desoxirribonucleico (DNA); de acordo com este modelo, a constituição da molécula de DNA é a seguinte: duas fitas entrecruzadas - estas fitas são cadeias de fosfato (ácido fosfórico) e de açúcar (desoxirribose); as fitas são ligadas entre si por bases (adenina, timina, citosina e guanina) nitrogenadas, as quais são ligadas entre si por pontes de hidrogênio; quando um ácido fosfórico, uma desoxirribose e uma base se reúnem temos então um nucleotídio; e a molécula de DNA nada mais é do que um conjunto de nucleotídios. Inegavelmente o modelo da dupla-hélice foi uma ferramenta científica que se mostrou capaz de orientar a pesquisa científica em vários campos da biologia e da bioquímica; então podemos afirmar, utilizando a terminologia familiar da filosofia da ciência, que o modelo revelou-se bem sucedido; e isto por sua vez significa, inicialmente, que o modelo foi bem sucedido empiricamente (ou seja: forneceu instâncias experimentais que apontavam sua eficiência no trato com a experiência relevante) e em seguida bem sucedido teoricamente (ou seja: em função do modelo, vários conhecimentos dispersos foram reunidos de modo a se obter uma ampla teoria que articulava estes conhecimentos). Uma vez estabelecido e aceito o modelo de Watson e Crick, podemos questionar por que tal modelo se disseminou pela comunidade científica de modo a se legitimar como a melhor alternativa para a explicação de certos fenômenos. Na busca por um certo tipo de respostas a essa questão, os filósofos da ciência dividem-se em duas grandes tradições: realista e anti-realista; deste modo poderíamos perguntar: o modelo em espiral da dupla-hélice recebeu a aceitação da comunidade científica pelo fato de que “corta o mundo em suas juntas” ou pelo fato de que é “empiricamente adequado”? Ou ainda: a molécula de DNA se comporta exatamente da 412 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II) forma como é descrita pela biologia molecular ou ela não passa de uma boa compreensão das coisas? Por fim: a dupla-hélice é uma descoberta (de um aspecto da natureza) ou é uma construção (que explica admiravelmente bem o funcionamento de alguns aspectos dos organismos)? Responder a essas três questões (que na verdade são paráfrases de uma única questão) a partir dos primeiros disjuntos é se comprometer com alguma forma de realismo científico; já respondê-las a partir dos segundos disjuntos remeteria a alguma forma de anti-realismo. Inicialmente é preciso que se estabeleça o que mobiliza as perguntas acima; pois poderia alguém se perguntar: mas o que há de tão misterioso na aceitação do sucesso da dupla-hélice? Afinal de contas as evidências empíricas obtida através dos experimentos com difração de raio-x realizados por Maurice Wilkins e sua assistente Rosalind Franklin eram uma confirmação inequívoca de que o DNA se comportava exatamente como propuseram Watson e Crick, confirmação esta inclusive chancelada pelos próprios Wilkins e Franklin em seu envio simultâneo de artigos – para o mesmo número da Nature no qual havia sido publicado o artigo de Watson e Crick – que confirmavam a hipótese da dupla-hélice. Além disso, mesmo que nos desloquemos do âmbito estrito da confirmação evidencial da estrutura molecular do DNA para o ambiente mais amplo da discussão acerca do papel do DNA para a hereditariedade, não parece que estamos a lidar com uma discussão muito complexa, uma vez que a dupla-hélice contém um mecanismo que aponta para a duplicação do DNA, mecanismo este perfeitamente compreensível do ponto de vista empírico. Portanto, ao menos inicialmente, não há boas razões para nos impressionarmos com as perguntas filosóficas do parágrafo anterior. O problema com esta forma de ver as coisas é que i) se está tomando a representação da molécula de DNA como unidade de investigação; e, ao procedermos deste modo, ignoramos alguns aspectos fundamentais da própria molécula, como por exemplo o Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 413 SILVA, Marcos Rodrigues da indefectível fato científico de que ela se encontra em profunda relação funcional com outras moléculas associadas, como proteínas e RNA; como se não bastasse, ii) ela acabou por se revelar fundamental para explicar a ocorrência de um processo absolutamente decisivo para a genética: o processo de transmissão de caracteres hereditários; e, para explicar este processo, a dupla-hélice era uma hipótese que dependia menos de uma descrição de processos químico-físicos familiares do que dependia de ser aceita como tendo aquela forma específica, a de ser uma escada contorcida com dois corrimões e seus degraus etc – forma esta que sabemos que não era dada diretamente pela experiência; portanto, a partir de (i) e (ii) as perguntas pelas razões da aceitação do modelo da dupla-hélice – perguntas estas cujas respostas separam realistas e anti-realistas – podem agora ser estabelecidas com certa legitimidade. Mas, antes de adentrarmos no campo específico da discussão acerca das razões da aceitação do modelo, farei uma rápida (e esquemática) apresentação do realismo e do anti-realismo. Estabelecida uma teoria como bem sucedida, o realista deseja conferir-lhe um significado epistemológico; para tanto ele atribui às entidades inobserváveis uma dimensão ontológica: tais entidades realmente devem existir para que o mundo se comporte da forma como a teoria prevê que se comporta; assim, se o DNA é descrito como uma dupla-hélice, então se segue que na realidade ele deve se comportar desta forma. Além disso, explicar certos fenômenos a partir do modelo da dupla-hélice é fornecer um atestado de garantia epistemológica: os cientistas possuem todas as credenciais epistêmicas para crer na verdade da explicação fornecida ao fenômeno em pauta, bem como todas as credenciais epistêmicas para inferir a existência de entidades inobserváveis. Porém, para um antirealista, o sucesso instrumental de uma explicação científica não nos autoriza a extrair desse sucesso alguma forma de dividendo epistemológico; de fato o que obtivemos foi o que se costuma chamar de “adequação empírica” do modelo, o que significa que as 414 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II) evidências não foram violadas (ou contraditas). Em todo caso, o que o anti-realista quer enfatizar é que desta adequação empírica não se segue nenhuma garantia epistemológica e por isso não estamos aptos a crer na verdade da teoria que abriga o modelo e portanto não estamos igualmente aptos a inferir a existência de entidades e aspectos inobserváveis do modelo. Desta apresentação sumária das duas escolas podemos, num primeiro momento, concluir que o problema parece girar em torno da inferência de entidades e processos inobserváveis que estão presentes nas melhores teorias científicas disponíveis; e assim um esquema realista nos autoriza a inferir a existência de uma duplahélice, ao passo que um anti-realista não o faria. Na perspectiva deste artigo, o problema todo com este modo de ver as coisas é que a discussão acaba por se reduzir a uma pugna entre crentes e agnósticos, pugna esta por vezes totalmente dissociada tanto i) das próprias formulações realista e anti-realista quanto ii) das questões originais que conduziram os cientistas à postulação de entidades inobserváveis (tais como a dupla-hélice). No que segue deste artigo discutirei respectivamente os dois aspectos desta dissociação. 1. REALISMO, ANTI-REALISMO E A EXPLICAÇÃO DO SUCESSO CIENTÍFICO2 Uma das acusações anti-realistas mais comumente dirigidas ao realismo é a de que esta filosofia se compromete excessivamente com exigências epistemológicas e ontológicas desnecessárias no que dizem respeito à explicação do sucesso instrumental da ciência. Para este artigo importa menos saber se este compromisso é excessivo do que importa saber de que forma é articulado; para isso apresento resumidamente um argumento amiúde utilizado pelos realistas: o argumento da inferência da melhor explicação (IBE – Inference to The Best Explanation)3 . De acordo com IBE, os cientistas, diante de Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 415 SILVA, Marcos Rodrigues da teorias rivais4 , possuem meios adequados para proceder a uma escolha da melhor dentre elas (em sendo a melhor delas good enough para uma tal escolha, como lembra Lipton (1991, p. 58; 1993, p. 92)). Para um realista, nesta escolha, além de todos os critérios envolvidos (como poder explicativo, simplicidade, elegância, coerência etc), há ainda a crença na verdade da teoria eleita, e uma teoria é aceita como verdadeira porque explica melhor (e suficientemente bem) do que outras teorias rivais um determinado conjunto de fenômenos. Em seguida à escolha, obtém-se autorização para inferir que as entidades descritas pela teoria eleita efetivamente existem; e portanto o êxito do método científico suscita a crença na verdade (cf. BOYD, 1990, p. 362). Gostaria de enfatizar aqui o procedimento realista (baseado em IBE, e apenas em IBE): i) detecção de um fenômeno; ii) construção de alternativas teóricas para a explicação do fenômeno detectado; iii) escolha de uma destas alternativas teóricas; iv) inferência da existência das entidades descritas pela teoria eleita. Ou seja: torna-se claro que o realista não está assumindo uma duplicata ontológica de forma gratuita; ao invés, sua inferência às entidades é a conclusão de um complexo argumento cujas premissas não faziam referência à existência de entidades. Então tenha-se claro que quando um realista científico enfatiza a importância da explicação científica ele não o faz apelando em primeiro lugar à crença dos cientistas na existência de entidades (cf. PSILLOS, 1999, p. 57); ao invés disso, o processo se inicia por meio da aceitação de uma teoria que, pelo fato de explicar de forma notável diversos fenômenos, sugere em grande medida que seus usuários tenham boas razões para crer em sua verdade e, portanto, tenham também boas razões para inferir a existência de entidades inobserváveis; em termos claros: a construção teórica (e a crença teórica) precede(m) a inferência a entidades inobserváveis (cf. DEVITT, 1997, p. 67), com o que seria bastante injusta uma crítica às teorias realistas da explicação científica que não levasse em conta o itinerário acima. 416 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II) Por outro lado, o anti-realismo igualmente nem sempre é compreendido por seus rivais, pois se argumenta (argumento que procurarei mostrar que não parece ser definitivo) que suas considerações acerca da ciência não nos autorizam a inferir, mesmo com o aval de teorias bem sucedidas, aspectos inobserváveis presentes nestas teorias. Via de regra os anti-realistas são acusados de defender algo como apenas a “adequação empírica”, como virtude máxima das teorias, com o que estaríamos fadados a jamais conhecer aspectos inobserváveis descritos pelas teorias científicas. O problema todo, para os anti-realistas, é que inegavelmente o conceito de “adequação empírica”, disseminado pela obra anti-realista de van Fraassen (1980), remete inicialmente a uma forma de compreensão da ciência que exclui quase que automaticamente qualquer referência a inobserváveis: é observável que o DNA seja constituído por grandes quantidades de fósforo, mas e quanto à sua forma helicoidal sugerida pelo modelo da dupla-hélice? Assim, de início, somos tentados a considerar que “adequação empírica” significa “correspondência com os fatos”. Ora, é exatamente isto que será negado por van Fraassen (cf. BUENO, 1999, p. 76). Para van Fraassen a adequação empirica de uma teoria significa, em linhas gerais, que os fenômenos foram reunidos e explicados numa ampla estrutura teórica (1980, p. 56); deste modo, afirmar que o DNA é uma dupla-hélice é simultaneamente afirmar que outros elementos importantes do problema em questão foram reunidos num ampla estrutura explicativa, a saber, no programa de pesquisa em genética molecular; e esta ampla estrutura explicativa contém observáveis (como DNA, RNA e cromossomo) e inobserváveis (como dupla-hélice e gene)5 . Mesmo porque, para van Fraassen, as teorias científicas possuem diversas virtudes desejáveis, e apenas uma destas virtudes é sua relação com o mundo observável; uma outra é sua consistência e outra ainda (que nos interessa aqui) é sua virtude pragmática; e, pragmaticamente, aceitamos uma teoria que contém dupla-hélice e genes, sejam estes inobserváveis ou observáveis6 . Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 417 SILVA, Marcos Rodrigues da Uma conclusão desta seção é que o estabelecimento das posições realista e anti-realista a partir de posições ingênuas acaba por ser um obstáculo à compreensão do debate7 . Deste modo nem os realistas são filósofos ingênuos nem os anti-realistas são intolerantes com os inobserváveis8 . 2. ENTIDADES CIENTÍFICAS E SUAASSIMILAÇÃO CONCEITUAL Já vimos que uma apresentação do realismo e do anti-realismo adequada para uma compreensão do significado cognitivo da ciência deve levar em conta i) que o realismo não se compromete com uma entidade inobservável sem que haja simultaneamente o compromisso como uma teoria e ii) que o anti-realismo não é uma filosofia da ciência que admite apenas a crença em aspectos observáveis da realidade. Aqui, a princípio, parece haver uma concordância no que diz respeito ao deslocamento do problema da assimilação da entidade para o problema da aceitação da teoria9 ; e, se o debate pode ser direcionado para o ângulo deste problema, então parece razoável explorarmos alguns momentos da construção do modelo da dupla-hélice10 ; ou seja: tentarei focar alguns aspectos da construção do modelo que, de um modo ou de outro, se fizeram presentes tanto no trabalho de Watson e Crick quanto nas investigações de outros pesquisadores. Estes aspectos assumem aqui a forma de conhecimentos prévios que foram aceitos por Watson e Crick e que se revelaram fundamentais para o modelo. 2.1 As relações de Chargaff A construção do modelo do DNA recolheu, das contribuições de Erwin Chargaff, uma série de considerações decisivas para o problema do emparelhamento das bases nitrogenadas que com- 418 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II) põem a cadeia dos ácidos nucléicos. De acordo com ele, para cada adenina haveria uma timina, e para cada guanina haveria uma citosina (AT=1, CG=1). Experimentalmente as relações de Chargaff descreviam um estado de coisas; em outros termos: a relação era verdadeira. Numa abordagem realista, as relações de Chargaff expressam um conhecimento de fundo verdadeiro para Watson e Crick; logo, como este conhecimento foi aceito, estamos credenciados a crer na verdade da explicação fornecida pelo modelo; assim, mesmo um anti-realista deveria conceder que “poderíamos justificar a versão [anti-realista]11 da hipótese Watson-Crick utilizando um conhecimento de fundo realista para justificar nossa regra de decisão” (cf. GIERE, 1999, p. 195). Deste modo o conhecimento de fundo utilizado por Watson e Crick foi assumido (por meio daquilo que Giere denomina “regra de decisão”) como verdadeiro, e por isso “AT=1, CG=1” é uma fórmula que corresponde à realidade. Além disso, considerando que o modelo da Watson e Crick dependia em grande parte da consistência empírica da fórmula, o realista parece ter razão em sustentar que, não fosse esse conhecimento de fundo verdadeiro, o modelo sequer poderia funcionar; as relações entre (AT) e (CG) não podem ser uma construção, mas sim um fato; e, se elas estão na base do modelo da dupla-hélice, este também pode ser considerado verdadeiro e passível de crença em sua verdade. Por outro lado é possível encontrar pistas de uma interpretação anti-realista da construção do modelo tanto nas declarações do próprio Watson quanto em alguns momentos da “construção” do fato AT=1 / CG=1 por parte de Chargaff. Para Watson (1997, p. 102), no interior da construção do modelo da dupla hélice o fato de esta relação expressar uma verdade tinha um significado bastante reduzido pois o que importava ao modelo era o fato de a relação se ajustar perfeitamente ao que ele e Crick estavam a preparar (cf. Watson 1997, p. 102). Ainda de acordo com ele, a proporção de “umpara-um” entre (AT) e (CG) não era, no sentido mais forte do ter- Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 419 SILVA, Marcos Rodrigues da mo, um fato empírico, pois os experimentos apenas revelavam uma grande “similaridade”12 no número de adenina para timina e de citosina para guanina; ou seja, a proporção não revelava uma ocorrência empírica exata, mas uma interpretação possível que, no interior do modelo de Watson e Crick, se mostrou empiricamente adequada. Contudo ela não se revelou empiricamente adequada por espelhar a realidade, mas sim pelo fato de que foi inserida no modelo e não o comprometeu no momento de checar a proficuidade empírica do próprio modelo. Além disso, como registra Olby, o próprio Chargaff, nas suas pesquisas, estava tentando mostrar que o pareamento não era um fato, e que as regularidades descobertas (por volta de 1948) revelavam-se mais um “embaraço do que algo agradável” (OLBY 1974, p. 214). Neste caso, claramente o significado das descobertas empíricas de Chargaff revela, ao invés de uma contínua escalada rumo à dupla-hélice, um caminho tortuoso marcado pela descontinuidade entre o observável e a construção teórica. 2.2 As evidências empíricas para a forma helicoidal do DNA Conforme já vimos, antes da divulgação do modelo, Maurice Wilkins e Rosalind Franklin produziram inúmeras fotografias em raio-x da molécula de DNA; não obstante a posse destes registros observacionais, estes pesquisadores não conseguiram interpretar o que estava dado na experiência (cf. GIERE, 1999, p. 192). Ora, mas o que exatamente Wilkins e Franklin não “enxergaram”? Será que eles não enxergaram que o que viam na fotografia poderia ser retratado como uma hélice em espiral? A questão aqui é bastante complexa e merece consideração, pois creio que, neste caso, a questão diz menos respeito a “enxergar algo” do que propriamente a “integrar algo” a respeito do que se pode perceber (enxergar) numa estrutura mais ampla, senão vejamos. A sentença “o DNA é constituído por grandes quantidades de 420 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II) fósforo” é do tipo que se pode denominar “sentença de observação” (cf. CARNAP, 1995, p. 226), uma vez que se refere a um aspecto observável do DNA, aspecto este revelado por meio de técnicas citológicas e bioquímicas desde as pesquisas pioneiras de Friedrich Miescher por volta de 1860. Além desta sentença, podemos inferir empiricamente uma série de outras que são reveladoras acerca da constituição do DNA; contudo não é possível, empiricamente, inferirmos a forma helicoidal desta célebre molécula, uma vez que ela é uma hipótese apresentada como explicação para certos fenômenos – e isto, conforme veremos a partir de agora, é um ponto extremamente relevante para o debate realismo/anti-realismo. Acima afirmei que a forma helicoidal do DNA não é uma constatação empírica obtida pelas chapas de raio-x de Wilkins e Franklin; porém suponhamos que seja (e o quanto isto seria constrangedor para a reputação destes grandes físicos é um ônus que deve ser arcado por aqueles que pensam que as chapas revelam conclusivamente, do ponto de vista empírico, a forma helicoidal). Por meio desta suposição, a sentença “o DNA possui a forma molecular de uma dupla-hélice” deveria contar como uma sentença de observação; o problema é que, mesmo que se assuma como verdadeira esta suposição, considerar a sentença “o DNA possui a forma molecular de uma dupla-hélice” significa simultaneamente ocultar o contexto científico a partir do qual emerge tal sentença, senão vejamos. Desde o século XIX o DNA era considerado uma entidade observável; contudo, deslocado para o problema mais amplo da genética (ou seja: deslocado para o contexto científico antes mencionado), esta mesma entidade precisou ser formatada numa estrutura molecular que, a despeito de possuir todos os seus elementos como disponíveis à experimentação, não era em si mesma observável em todos os seus aspectos. Naturalmente se poderia construir, a partir da estrutura molecular da dupla-hélice, uma série de sentenças de observação tais como: “o fosfato está ligado a um açúcar”; “o açú- Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 421 SILVA, Marcos Rodrigues da car está ligado a uma timina”; “a timina, no DNA, aparece em quantidade quase igual à de adenina”. Porém a soma destas sentenças ocultaria um aspecto fundamental da molécula: sua forma helicoidal, forma esta que é de absoluta importância para o problema geral de transmissão da informação genética; ou seja: mesmo que alguém pudesse traduzir o modelo da dupla-hélice numa série de sentenças de observação, tal tradução (mesmo que correta) não faria justiça ao contexto científico a partir do qual emergiu a dupla-hélice, o que me conduz a uma consideração que considero fundamental para o debate realismo/anti-realismo. Ao menos por IBE, o realista, ao manter a verdade da sentença “o DNA possui a forma molecular de uma dupla-hélice”, não o faz em função de uma aposta ontológica, mas sim pela força explicativa do modelo. O anti-realista, por sua vez, não gostaria de se comprometer com uma entidade inobservável como uma dupla-hélice; no entanto, sua renitência em assumir o compromisso se deve menos ao fato de que “o DNA possui a forma molecular de uma duplahélice” não possui verificação empírica direta do que se deve à sua concepção de que entidades como o DNA, sem relação com outras entidades associadas e portanto sem relação com o problema para o qual o próprio DNA e estas outras entidades associadas estão a resolver, nada significam isoladamente; portanto, seja por meio de IBE, seja por meio da aposta numa detecção empírica direta, o anti-realista não compreende a vantagem de estabelecer a existência, no caso, da dupla-hélice. Para o anti-realista, afirmar que o DNA é representado (seja por meio de IBE, seja por meio de uma detecção empírica direta) por uma dupla-hélice significa considerá-lo uma unidade autônoma para a investigação científica – e é isto que deve ser contestado e não o fato que ela pode ser inferida por IBE. Deste modo podemos entender por que seria insuficiente a Wilkins e Franklin “enxergar” uma dupla-hélice e registrá-la em seus protocolos de observação; pois de nada adiantaria propor uma dupla-hélice como representação do DNA sem simultaneamente pro- 422 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II) por funções para outros componentes genéticos a ele associados, o que de fato foi feito por Watson e Crick. Assim, mesmo que “o DNA é uma dupla-hélice” seja uma sentença de observação, tratá-la deste modo talvez não seja o melhor caminho para compreendermos como funcionam a construção e o desenvolvimento do conhecimento científico, pois, para os envolvidos na construção do modelo, e também para Wilkins e Franklin13 , esta sentença, no contexto da investigação científica, não era uma sentença de observação. O termo “DNA” não se encontra ilhado na pesquisa científica – ao invés, é parte integrante de uma grande família de termos que mantêm uma vibrante relação entre si14 . Após descobrir (para usar o vocabulário realista) ou construir (para usar o vocabulário anti-realista) a dupla-hélice, há muito trabalho a ser feito e uma rede conceitual a ser tecida. Aquele que “enxerga” ou “descobre” não terminou o trabalho. 2.3 O RNA e o modelo da dupla-hélice Mesmo que em 1953 já houvesse uma boa quantidade de evidências de que o DNA seria o agente diretamente responsável pela hereditariedade, seu modelo não poderia ser aplicado ao ácido associado RNA, pois não haveria como utilizar o conhecimento de fundo verdadeiro oferecido por Chargaff, já que as bases nitrogenadas do RNA eram diferentes (ao menos em um aspecto) das bases do DNA. No caso do modelo de Watson e Crick havia um “programa de pesquisa”15 em curso; neste programa o fundamental era a construção do modelo da dupla hélice; e, para este modelo (ou seja, neste contexto16 ), a apropriação do conhecimento prévio foi feita com base na suposição de que seria, nos termos dos próprios cientistas, praticamente “impossível” construí-lo a partir do RNA (cf. WATSON; CRICK, 1953, p. 737). Ou seja: não foi o caso de se dizer que “a natureza é de um certo modo”, mas que, dado o modelo pretendido, alguns conhecimentos prévios se ajustam a ele ou não. Além disso não era totalmente descabido se pensar que o Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 423 SILVA, Marcos Rodrigues da RNA fosse o agente hereditário mais importante, embora esta hipótese já estivesse em declínio desde 1944, com os resultados do trabalho experimental de Avery e seus colaboradores17 . Em todo caso, seria legítimo que algum bioquímico sugerisse uma possível sentença de observação “o modelo da dupla-hélice de Watson e Crick não é na verdade um modelo para o DNA, mas para o RNA” e em seguida tentasse verificá-la? Bem, poderíamos pensar que tal sentença fosse testável, porém de um modo não muito diferente do enunciado “Júpiter estará presente na Praça da Sé às 15 horas do dia 30 de novembro de 2006”; pois, assim como nenhum de nós se dará ao trabalho, neste dia, de inventariar a Praça da Sé para atestar a presença de Júpiter, nenhum bioquímico – tendo como referência o modelo de Watson e Crick – proferiria tal sentença sobre o RNA, dadas as diferenças das constituições moleculares do DNA e do RNA18 . CONCLUSÃO É impossível sonegar ao leitor a informação de que o que foi aqui argumentado tem lá sua cota de débito com a filosofia de Quine, sobretudo com seu conceito de “simplicidade” (QUINE, 1960) – e este significando uma virtude decisiva para a formulação de teorias. Para Quine, um cientista que resolvesse adotar uma postura austera de restrição ontológica a inobserváveis, no máximo obteria uma combinação de teorias “mal-conectadas” que estipulam termos de observação (cf. QUINE, 1960, p. 21); porém, quão restritos são os termos de observação? Mesmo quando descrevemos um observável – e portanto quando descrevemos um objeto familiar aos sentidos – o fazemos numa linguagem pública (cf. QUINE, 1960, p. 1); ou seja: quando postulamos uma dupla-hélice descrevemos aquilo que não contradiz nossos sentidos (o que é bem diferente de dizer que descrevemos exatamente aquilo que os nossos sentidos 424 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II) nos permitem perceber); porém, ao postular a dupla-hélice, estamos nos referindo ao que denominamos de “molécula”, termo cujo uso automaticamente nos fez adotar um vocabulário teórico e sofisticado, pois utilizamos um termo que não denota algo cuja analogia com os objetos observáveis seja direta (cf. QUINE, 1976, p. 249). E por que não nos restringimos aos sentidos? Porque é mais simples conceitualizar toda a cadeia química presente na dupla-hélice como uma molécula ao invés de caracterizá-la como uma soma infindável de sensações. Assim o que experenciamos são nossas sensações, mas discursamos sobre objetos; e portanto o próprio discurso sobre objetos observáveis já é uma extrapolação da evidência sensorial (cf. QUINE, 1960, p. 10). Deste modo, mesmo que considerássemos a dupla-hélice um observável, nos afastaríamos (pelas razões de Quine) consideravelmente dos nossos sentidos, distância esta decorrente da busca pela simplicidade; e, se a simplicidade é um bom guia para a construção de teorias, então tanto o velho DNA observável dos tempos de Miescher quanto a inobservável duplahélice - caso sejam (e foram) instrumentos adequados para que se alcance uma boa teoria – são entidades assimiláveis a despeito de suas diferenças no vocabulário metacientífico tradicional, bem como a despeito de nossas “predileções” por objetos próximos de nossa experiência (cf. QUINE, 1960, p. 233-234). Portanto o velho DNA observável e sua dupla-hélice inobservável são aceitos – seja por realistas (ao menos por meio de IBE), seja por anti-realistas - não por imposição ontológica (aceitação esta que não é nem a de realistas nem a de anti-realistas), mas por imposição de teorias que necessitam destas entidades. Contudo, a despeito de considerar tanto realistas (ao menos por meio de IBE) quanto anti-realistas como descomprometidos com a aceitação ontológica prima facie, desconfio que os anti-realistas parecem mais preparados para explicar a assimilação (seja de observáveis, seja de inobserváveis) a partir da necessidade das teorias. Mas isto não passa de uma suposição. Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 425 SILVA, Marcos Rodrigues da REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOYD, R. Realism, Approximate Truth, and Method. Minnesota Studies in the Philosophy of Science v. XIV (ed Savage, C. W.). Minneapolis: University of Minnesota Press, 1990. BUENO, Otávio O Empirismo Construtivo: uma reformulação e defesa. Campinas: Unicamp, 1999. (Coleção CLE). CALLADINE, C.; DREW, H. Understanding DNA: The Molecule and how it Works. London: Academic Press, 1992. CARNAP, R. An Introduction to the Philosophy of Science (ed. Gardner, M.). New York: Dover, 1995. CHARGAFF, E. 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Recebido em: maio de 2006 Aprovado em: junho de 2006 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 427 SILVA, Marcos Rodrigues da NOTAS * A primeira parte deste trabalho foi apresentada no 10° Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, na UFMG, Belo Horizonte, em 19 de Outubro de 2005. O texto pode ser conferido em Silva (2005a). Este estudo de caso, aplicado em discussões acerca do ensino de ciências, pode ser conferido em Silva (2004a; 2004c; 2004e). Este artigo foi apresentado no IV Encontro da Rede Paranaense de Pesquisa em História e Filosofia da Ciência e II Seminário de História e Filosofia da Ciência, ocorridos em Ilhéus, em abril de 2006. Agradeço a Vanessa Carvalho pelos comentários a este texto. Agradeço a colaboração decisiva de Osvaldo Pessoa Jr. para a continuidade desta pesquisa, bem como sua leitura do artigo. Agradeço, por fim, ao parecerista indicado pelos editores desta publicação, cujos comentários ao texto foram desafiadores e propulsores de uma alteração bastante significativa na forma de exposição deste artigo. 1 Uma explicação interessante da hipótese de Watson e Crick pode ser conferida em Calladine e Draw (1992). 2 As apresentações respectivas do realismo e do anti-realismo são evidentemente esquemáticas, e foram extraídas de Silva (2003a, 2004b, 2005b). 3 Uma influente formulação (e até onde se saiba nunca abandonada) de IBE encontra-se em Harman (1965, p. 89): “Ao se construir [a inferência da melhor explicação] se infere, do fato de que uma certa hipótese explicaria a evidência, a verdade desta hipótese. Em geral, existem diversas hipóteses que poderiam explicar a evidência, de modo que deve-se ser capaz de rejeitar tais hipóteses alternativas antes de se estar seguro em fazer a inferência. Assim se infere, da premissa de que uma dada hipótese forneceria uma explicação “melhor” para a evidência do que quaisquer outras hipóteses, a conclusão de que esta determinada hipótese é verdadeira”. 4 É importante registrar que a inferência da melhor explicação pressupõe a existência de hipóteses que rivalizam entre si no oferecimento de uma explicação para um determinado conjunto de fenômenos. 5 Que fique claro, pelos exemplos, que dna e a dupla-hélice do dna não podem ser completamente confundidos. O dna da citologia do século XIX será considerado uma entidade observável, ao passo que sua representação molecular por meio do modelo da dupla-hélice será considerada inobservável. Os limites das conseqüências desta distinção serão expostos na seção 2 deste artigo, sobretudo em 2.2. 6 Uma versão historiográfica de uma posição pragmática como a de van Fraassen pode ser conferida em Laudan (1977, cap. 3). 7 Este trabalho de tentativa de formatação do debate pode ser conferida em Silva (2003a). 8 Infelizmente os limites deste trabalho me impedem de desenvolver de modo mais profundo esta discussão. 9 Não quero, ao menos neste momento, adentrar ao domínio da discussão acerca da distinção entre realismo de entidades e realismo de teorias, tal como figura em Ian Hacking e Nancy Cartwright. Esta discussão aparece em Silva (2003a; 2005b). 10 O enfoque, para este debate, no aspecto da construção das teorias é sugerido claramente por Giere (1999) e.van Fraassen (1980). 11 No original ele utiliza, ao invés do termo “anti-realismo”, o termo “empirismo”. Contudo, considerando que o objetivo da discussão é exatamente o mesmo de meu artigo, e considerando igualmente que por vezes os termos podem ser considerados intercambiáveis, então não vejo maiores problemas nesta substituição. Para críticas à identificação entre empirismo e anti-realismo (sem referência ao uso feito por Giere) recomendo a leitura de Chibeni (1997). (A propósito, uma das razões pelas quais prefiro atualmente utilizar o termo “anti-realismo” ao invés de “empirismo” se deve à interlocução com o professor Sílvio Chibeni). 428 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. Realismo e anti-realismo na construção do modelo da dupla-hélice (parte II) 12 Isto é percebido pelo exame de uma das tabelas publicadas pelo próprio Chargaff (1953). Esta forma antropocêntrica e individualista de compreensão é sugerida por Quine (1995, p. 44). 14 Sobre este ponto é interessante a discussão acerca das interligações entre sentenças, como aparece em Quine (1960). 15 Uso o termo entre aspas pelo fato de que, na verdade, Watson e Crick trabalharam a maior parte do tempo na clandestinidade; esta clandestinidade foi o resultado de uma imposição do diretor do Laboratório Cavendish (no qual trabalhavam), Sir Lawrence Bragg. Bragg ficara irritado com uma demonstração anterior fracassada de um modelo (uma tripla-hélice) apresentado por Watson e Crick a Wilkins e Franklin. 16 O termo “contexto” está sendo usado em sentido realmente técnico, e aponta para a teoria da explicação de van Fraassen (1980, cap.5). Uma outra elegante formulação anti-realista que inegavelmente considera o contexto como fundamental para uma explicação científica se encontra em Berkeley, em seu De Motu. Para uma esquemática apresentação antifenomenalista do De Motu, ver Silva (2003c); já para uma discussão a respeito das relações entre Berkeley e Hume – relações estas que de modo indireto dizem respeito a alguns problemas de recepção do empirismo no debate realismo/anti-realismo – ver Silva (2004d). 17 Apresentei algumas considerações a respeito destes experimentos em Silva (2003b). 18 O açúcar do dna é a desoxirribose, ao passo que o açúcar do rna é a ribose. Watson e Crick afirmaram que, devido a esta razão, seu modelo não podia ser construído para o rna (Watson e Crick 1953, p. 737). 13 Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 9, n.16, jul./dez., 2006, p. 411-429. 429