A RELAÇÃO ENTRE EMPRESAS QUE PARTICIPAM DO ICO2 E O CUSTO DE CAPITAL PRÓPRIO RESUMO Contemporaneamente, a questão ambiental se intensificou, na medida em que considera a viabilização e manutenção do desenvolvimento sustentável como algo necessário para as futuras gerações. Este trabalho investigou se empresas que fazem parte do ICO2 (Índice Carbono Eficiente) da BM&FBOVESPA possuem custo de capital próprio menor em relação às demais, o que sinalizaria que mesmo segundo os pressupostos da Teoria da Maximização do Valor para os Acionistas, a preocupação ambiental deveria fazer parte das agendas das empresas. Para isso, utilizou-se um modelo que relaciona custo de capital próprio com o disclosure, levando em consideração se determinada empresa participa ou não do ICO2. Para tal modelo, foram adicionadas variáveis de controle para captar: efeito do tamanho da empresa, grau de endividamento, relação entre o preço da ação e o valor patrimonial, práticas de governança corporativa, internacionalização e se a empresa participa de setor regulado. Não foram encontradas evidências de que participar do ICO2 interfere no custo de capital próprio das empresas. Isso não nos permite concluir que acionistas necessariamente valorizam mais empresas com boas práticas ambientais em relação às demais. Palavras-chave: custo de capital próprio, responsabilidade ambiental, disclosure ABSTRACT Contemporaneously, the environmental issue has intensified, as it considers the development and maintenance of sustainable development necessary for future generations. This study investigated whether companies that are part of ICO2 (Carbon Efficient Index) of the BM&FBOVESPA have cost of equity smaller than the others, which would signal that even under the assumptions of the theory of maximization of shareholder value, environmental concerns should be part of company agendas. For this, we used a model that relates the cost of equity with the disclosure, taking into account whether a firm participates or not in ICO2. For this model, it were added control variables to capture: the effect of company size, debt level, the relationship between share price and book-value, corporate governance practices, internationalization and if the company participates in a regulated sector. No evidence were found that ICO2 interferes in the cost of equity of companies. This does not allow us to conclude that shareholder necessarily value more companies with good environmental practices in relation to others. Keywords: cost of equity, environmental issue, disclosure 1 1. Introdução Contemporaneamente, a questão ambiental se intensificou, na medida em que considera a viabilização e manutenção do desenvolvimento sustentável como algo necessário para as futuras gerações. Nesse âmbito, as empresas possuem papel primordial, dado que são responsáveis por grande parte dos processos de industrialização e abastecimento das necessidades individuais e coletivas dos entes sociais. Braga (2007) define que o desenvolvimento econômico sem um compromisso com o capital social torna-se desumano e provoca exclusão social e impactos ambientais que afetam a geração atual e as futuras. Por sua vez, Rover e Borba (2006) explicam que a necessidade de divulgação da variável ambiental é um tema atual e relevante e que a sociedade também vem exigindo que as empresas evidenciem os impactos que suas atividades produtivas causam ao meio ambiente. Já para Iudícibus (2006), a função da contabilidade permanece praticamente inalterada através dos tempos, em termos de prover informação útil para a tomada de decisões econômicas. Adicionalmente, existe um contínuo debate na literatura que busca responder a seguinte questão: qual é a função-objetivo das empresas? No núcleo desse debate, vislumbra-se duas teorias conflitantes que objetivam resolver esse impasse. De um lado, observa-se a Teoria da Maximização do Valor da Empresa. Esta, parte do pressuposto de que na ausência de monopólios e externalidades, o bem estar da sociedade é maximizado quando cada empresa maximiza seu valor de mercado (JENSEN, 2001). Isto implica que a empresa deveria estar unicamente direcionada a servir os interesses dos acionistas. Dessa maneira, a consequência de tal posição é que na presença de um conflito, os gestores estariam orientados a defender unicamente os interesses dos acionistas. Do outro lado, encontra-se a Teoria de Equilíbrio dos Interesses dos Stakeholders. Esta teoria se assenta na ideia de que os gestores devem tomar decisões levando em consideração os interesses de todos os stakeholders, isto é, todos os indivíduos ou grupos de indivíduos que possam afetar ou ser afetados pela empresa (JENSEN, 2001). Por exemplo, o gestor, ao tomar uma decisão deveria considerar não somente a maximização dos interesses dos acionistas, mas dos empregados, clientes, comunidade em geral, etc. Dessa forma, sem maiores aprofundamentos, é possível deduzir que a divulgação de informações ambientais estariam em conformidade com a Teoria de Equilíbrio dos Interesses dos Stakeholders, na medida que empresas ambientalmente responsáveis estariam lidando com interesses de toda a comunidade. Diante desse cenário, surge uma intrigante questão de pesquisa: empresas que fazem parte do ICO2 (Índice Carbono Eficiente) da BM&FBOVESPA possuem custo de capital próprio menor em relação às demais? Caso a resposta seja positiva, haveria indícios de que acionistas valorizam empresas ambientalmente responsáveis. Adicionalmente, poder-se-ia deduzir que a maximização de valor para o acionista também deve levar em consideração a preocupação com as práticas ambientais. Visando a obter indícios empíricos de tal fato, usou-se o modelo adaptado de Alencar e Lopes (2005), que busca relacionar o nível de disclosure com custo de capital. Para tanto, adicionou-se uma dummy que reflete se determinada empresa participa ou não do Índice Carbono 2 Eficiente (ICO2). Participar desse referido indicador foi a proxy utilizada para selecionar empresas que façam disclosure de informações ambientais. A justificativa para tal escolha se encontra no desenvolvimento do artigo. 2. Referencial Teórico 2.1. Teoria da Maximização do Valor da Empresa versus Teoria de Equilíbrio dos Interesses dos Stakeholders Conforme já explicitado, o debate aqui proposto traz visões diferentes sob o que deve ser a função-objetivo das empresas. Jensen (2001), defendendo a abordagem da Maximização do Valor da Empresa, explana que a mesma define claramente o posicionamento que um gestor deva tomar quando o mesmo se ver em um tradeoff (conflito), isto é, ele deve defender o interesse do dono, ou seja, do acionista. Isso conduziria à maximização do valor da empresa na ausência de monopólios e externalidades. Isto é colaborado por grande parte da literatura em finanças e economia evidenciada no decorrer do desenvolvimento da disciplina. Verhaeghe et al. (2010), ao discorrer sobre o pensamento clássico da economia, cita um dos postulados pelo qual a modelização da economia historicamente se fundamentou: “o individuo, ao procurar satisfazer seu interesse de modo egoísta, é mais apto que o Estado para criar riquezas e para realizar o bemestar de todos”. Esse postulado tipicamente liberalista foi o alicerce pelo qual grande parte da teoria de finanças se desenvolveu, incluindo a Teoria da Maximização do Valor da Empresa. Por sua vez, Jensen (2001) comenta que a Teoria de Equilíbrio dos Interesses dos Stakeholders tem suas origens na sociologia, no comportamento organizacional, nas políticas de interesses especiais e nos próprios interesses dos gestores. Donaldson e Preston (1995) explicam que desde a publicação do clássico Strategic Management: A Stakeholder Approach de Freeman (1984), vários livros e artigos foram desenvolvidos com ênfase primária no conceito de stakeholder. Os referidos autores mostram que tal teoria argumenta que todas as pessoas ou grupos com interesses legítimos participantes de um empreendimento fazem isso para obter benefícios e que não há prioridade de determinado grupo de interesses sobre outros. Uma das grandes desvantagens de tal visão é que na presença de conflitos de interesses, não haveria um direcionador que determinaria qual caminho seguir, trazendo subjetivismo às decisões tomadas (JENSEN, 2001). Para ilustrar um caso, suponhamos que determinada empresa esteja considerando diminuir o preço de um dos seus produtos, sob a justificativa da impreterível necessidade de socializá-lo perante uma comunidade. O preço mais baixo poderia satisfazer os clientes, mas não necessariamente convergiria ao interesse dos acionistas. Ainda não há consenso na literatura sobre a quem se destinam às informações ambientais. Apesar da divulgação das mesmas estarem intimamente relacionadas com a Teoria de Equilíbrio dos Interesses dos Stakeholders, não há evidências de que acionistas sejam contrários a empresas com práticas responsáveis de um ponto de vista ambiental, mesmo que isso possa acarretar em diminuição em seus lucros. 2.2. Disclosure de Informações Ambientais 3 Verrecchia (2001), em seu estudo, buscou levantar uma taxonomia de três categorias de pesquisa em contabilidade sobre disclosure. Nesse âmbito, o autor propôs as seguintes categorias de pesquisas: • Association-based disclosure (divulgação baseada em associação): estudam como o disclosure está associado ou relacionado com a mudança ou perturbação nas atividades dos investidores que competem no mercado de capitais como agentes individuais maximizadores de seu bem-estar; • Discretionary-based disclosure (divulgação baseada em julgamento): estudam como administradores e/ou firmas exercem julgamento no tocante ao disclosure da informação sob as quais eles podem ter conhecimento. Leva em consideração os incentivos que tais administradores ou firmas possam ter em divulgar informações conhecidas por eles; • Efficiency-based disclosure (divulgação baseada em eficiência): estudam quais combinações e modos de disclosure são preferidos na ausência de conhecimento prévio da informação; De acordo com Murcia et al. (2008), os artigos desenvolvidos que tratam do disclosure ambiental são divididos em 4 subgrupos. O primeiro deles busca elucidar se as informações de caráter ambiental são relevantes, enquanto o segundo discorre sobre quais são as características da informação ambiental. Por sua vez, o terceiro subgrupo de artigos se esforçaria na tentativa de explicar o que impulsiona o disclosure ambiental voluntário, enquanto o quarto trataria sobre quais são os benefícios da divulgação voluntária de informações ambientais. Apenas elucidar os modelos de disclosure ambiental não proporciona uma validação empírica se tais informações estão sendo utilizadas ou que tipo de stakeholder é mais afetado (ou o que mais atribui importância). Convém detalhar alguns aspectos inerentes a divulgação de informações ambientais. Para Salotti e Braga (2008), o termo disclosure ambiental pode ser entendido como a divulgação voluntária de informações ambientais feita por empresas com o possível objetivo de atender a demanda informacional de algum usuário. Analogamente, os mesmos autores ressaltam que as empresas tem motivos próprios para divulgar as informações ambientais. Isso ocorre porque elas não assumiriam os custos de produção dessa informação caso os benefícios provocados pela divulgação não fossem superiores aos referidos custos ou caso os sacrifícios pela não divulgação fossem superiores. Nesse sentido, Salotti e Braga (2008) partem da ideia de que a informação ambiental tenha a capacidade de alterar a percepção de algum possível usuário em relação à empresa que promove a divulgação. Concomitantemente, Salotti e Braga (2008) detalham que as informações ambientais divulgadas são essencialmente positivas, com mínima divulgação de informações negativas. Ao passo que isso nos indica que possivelmente há uma relação positiva entre um bom desempenho ambiental e o desempenho econômico-financeiro, também podemos passar a duvidar da credibilidade das informações, partindo-se do pressuposto que todas as informações divulgadas seriam good news. 4 2.3. Alguns Estudos Anteriores Dentre alguns estudos anteriores correlatos à proposta desse artigo, convém citar inicialmente o de Silva e Quelhas (2006). Os autores buscaram relacionar o impacto no custo de capital próprio para as empresas brasileiras de capital aberto face à adoção dos princípios de sustentabilidade em estudo que abordou dois períodos de três anos: o primeiro período de 2000 a 2002 e o segundo período de 2003 a 2005. O resultado do trabalho deles confirmou “a expectativa de que ao aderir aos padrões de sustentabilidade a empresa reduz o risco corporativo medido pelo risco sistemático, determinando a redução do custo de capital e aumento do valor econômico”. Teixeira e Nossa (2010) estudaram a relação entre o índice de sustentabilidade empresarial (ISE) e a estrutura de capital das empresas. Para tanto, o período escolhido para o estudo compreendeu os anos de 2003 a 2008, com o intuito de realizar uma comparação entre os grupos de tratamento e de controle, isto é, três anos antes da primeira carteira (2003-2005) e os três anos com a carteira ISE (2006-2008). Os resultados encontrados pelos autores indicam que empresas que sinalizaram responsabilidade social corporativa (RSC) tiveram uma relação negativa com o endividamento e risco quando comparadas com aquelas que não sinalizaram. Em dissertação defendida, Canela (2010) também estudou o impacto da responsabilidade social empresarial no custo de capital próprio das empresas brasileiras. Para tanto, “foi estimado o custo de capital próprio das empresas do Índice da Bolsa de Valores de São Paulo – Ibovespa, representativa da responsabilidade social corporativa, para o período de 2005 a 2009”. A autora concluiu que não foi significativa a queda no custo de capital próprio das empresas que fazem parte do ISE. Adicionalmente, ela apontou para o fato de o investimento em responsabilidade social empresarial não afetar indicadores financeiros como o custo de capital próprio. 3. Metodologia 3.1. Índice Carbono Eficiente Segundo a homepage da BM&FBOVESPA, o Índice Carbono Eficiente (ICO2) foi criado considerando as preocupações do mundo com o aquecimento global em uma iniciativa conjunta da BM&FBOVESPA com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). De acordo com a referida homepage tal indicador é [...] composto pelas ações das companhias participantes do índice IbrX-50 que aceitaram participar dessa iniciativa, adotando práticas transparentes com relação a suas emissões de gases efeito estufa (GEE), leva em consideração, para ponderação das ações das empresas componentes, seu grau de eficiência de emissões de GEE, além do free float (total de ações em circulação) de cada uma delas. A própria homepage salienta que a BM&FBOVESPA e o BNDES tem “como principal objetivo incentivar as empresas emissoras das ações mais negociadas a aferir, divulgar e monitorar suas emissões de GEE” de modo a prepará-las para uma economia de baixo carbono. Assim sendo, percebe-se que um dos objetivos é incentivar empresas a divulgarem informações 5 no que tange a suas emissões de GEE. Como isso está intimamente relacionado com o disclosure de informações ambientais, esse trabalho buscou investigar se a divulgação dessa informação afetou o custo de capital próprio das empresas participantes do índice, isto é, empresas que fazem parte do ICO2 (Índice Carbono Eficiente) da BM&FBOVESPA possuem custo de capital próprio menor em relação às demais? É importante ressaltar que participar do ICO2 foi utilizado como proxy para encontrar empresas que fazem divulgações ambientais relevantes, como a emissão de GEE, e averiguar se isso influencia no custo de capital próprio. Logicamente, pode haver empresas que divulguem o quanto de GEE emitem e que não estejam contidas no ICO2. Entretanto, isso é uma limitação do estudo. Outra limitação diz respeito ao fato das empresas participantes do ICO2 estarem necessariamente contidas no IbrX-50 que segundo a homepage da BM&FBOVESPA [...] é um índice que mede o retorno total de uma carteira teórica composta por 50 ações selecionadas entre as mais negociadas na BM&FBOVESPA em termos de liquidez, ponderadas na carteira pelo valor de mercado das ações disponíveis à negociação. Segundo Alencar e Lopes (2005), a teoria que embasa a esperada relação inversa entre custo de capital e nível de disclosure propõe que um maior nível de disclosure aumenta a liquidez do mercado de ações, reduzindo custo de capital através da redução dos custos de transação ou demanda aumentada pelos títulos da firma. Logo, se tais empresas já estão entre as mais líquidas, é de se supor que possuam um maior nível de disclosure e consequentemente um menor custo de capital. Isso poderia enviesar a amostra. Assim sendo, verifica-se que o uso do índice é uma proxy e tem limitações como qualquer variável. Mesmo assim, a utilização do mesmo se justifica na medida que é uma estimativa das empresas que divulgam informações ambientais relevantes. 3.2. Algumas Considerações sobre o Modelo Utilizado 3.2.1. Sobre o construto para mensurar o disclosure Visando a utilizar um construto que representasse adequadamente o nível de disclosure de uma empresa, optou-se por utilizar o proposto por Alencar e Lopes (2005). Para tanto, a medida adotada para refletir a qualidade da divulgação foi obtida por meio do prêmio de transparência concedido pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (ANEFAC), Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeira (FIPECAFI) e Serasa Experian. Segundo a homepage do referido prêmio, “criado em 1997, o Prêmio ANEFAC – FIPECAFI – Serasa Experian incentiva a transparência corporativa no mercado”. Adicionalmente, “a comissão julgadora avalia rigorosamente as práticas de transparência nas informações contábeis, no que diz respeito à qualidade do relatório da administração e consistência com os dados divulgados, dentre outros fatores”. Assim sendo, como proxy para a variável disclosure, adotou-se o percentual de vezes em que a empresa foi indicada para premiação no prêmio ANEFAC – FIPECAFI – Serasa Experian durante as 15 edições do evento. 6 Tal variável foi adicionada no modelo utilizada, pois a teoria “estabelece que um maior nível de disclosure, ao reduzir a assimetria informacional, reduz o custo de capital” (ALENCAR e LOPES, 2005). Logo, adicionar unicamente a variável que diz respeito se a empresa participa ou não do ICO2 sem levar em consideração o nível de disclosure seria inadequado. 3.2.2. Sobre o construto para mensurar o custo de capital Citando Pratt (1998), Alencar e Lopes (2005) explicam que o custo de capital é a taxa de retorno esperada que o mercado requer para carrear recursos para um investimento qualquer. Nesse âmbito, os autores demonstram que “como custo de oportunidade, ele é resultado dos benefícios esperados, ponderados pelo risco específico do ativo em que se está investindo e das taxas dos demais ativos em um determinado momento”. Segundo Martins et al. (2006), o Capital Asset Pricing Model (CAPM) pode ser utilizado para a mensuração do retorno esperado (custo de capital) de um ativo individualmente e para a mensuração do retorno esperado de uma carteira de ativos. Os autores realçam que em ambos os casos, o CAPM tem como hipótese fundamental que o prêmio para o investidor seja determinado pelo risco sistêmico. Assim sendo, a equação do CAPM é representada pela seguinte fórmula (MARTINS et al., 2006): rpt = rft + βpδ1 Onde: rpt = é o retorno esperado (custo de capital) da carteira p (ou do ativo), ao longo do período t; rft = é o retorno do ativo livre de risco, ao longo do período t; βp = é o risco sistemático da carteira p (ou do ativo em relação ao risco de mercado), sendo dado por Cov(rpt,rmt)/Var(rmt), onde rmt é o retorno de mercado (ou da classe apropriada de ativos) ao longo do período t; δ1 = (rmt – rft); Este presente artigo, assim como o de Alencar e Lopes (2005) optou por utilizar o beta (β) como proxy para refletir o custo de capital próprio. Tal fato ocorre, pois o entendimento é que “o beta representa o risco específico da empresa, decorrente de uma série de fatores, inclusive nível de disclosure” (ALENCAR e LOPES, 2005). 3.2.3. Sobre as variáveis de controle do modelo utilizado 7 Além das variáveis representativas do disclosure e do custo de capital próprio (representado pelo beta do CAPM), o modelo proposto por Alencar e Lopes (2005) utilizou algumas variáveis de controle que foram adaptadas para a execução dessa pesquisa. As mesmas encontram-se detalhadas abaixo: • Efeito do tamanho da empresa: segundo Alencar e Lopes (2005), a literatura determina que empresas maiores tendem a ter menor custo de captação. Com isso, em estudos conduzidos no exterior, a medida tradicionalmente utilizada para captar o size effect é o valor de mercado. Entretanto, os autores explanam que em razão do baixo nível de negociação de ações das empresas no mercado brasileiro, eles preferiram utilizar o logaritmo neperiano da receita bruta para refletir o efeito de tamanho das empresas. Contudo, este trabalho optou por utilizar o logaritmo neperiano da receita líquida das empresas no período analisado. A justificativa para esse fato reside no seguinte posicionamento: tendo em vista o advento das IFRS, não é mais aceitável apresentar na demonstração de resultados a receita bruta, sendo que a receita a ser apresentada deve seguir os ditames do IAS 18, cujo CPC 30 é o correlato brasileiro da norma internacional. Assim sendo, as empresas estão apresentando diretamente a antiga “receita líquida de vendas”. Logo, ciente de que o valor total de ativo poderia trazer problemas (empresas de grande porte podem apresentar valores relativamente baixos de ativo em virtude de seu negócio), esse artigo optou por utilizar o logaritmo neperiano da receita líquida para estimar o size effect. • Grau de endividamento: demonstrado por meio do logaritmo neperiano da relação entre exigível total e patrimônio líquido (ALENCAR e LOPES, 2005); • Relação entre o preço da ação e o valor patrimonial: indica o grau de conservadorismo dos números contábeis em relação à avaliação de mercado (ALENCAR e LOPES, 2005). Definido pelo preço da ação dividido pelo valor patrimonial da mesma; • Governança Corporativa: dummy utilizada para indicar se a empresa participa ou não do novo mercado da BM&FBOVESPA. Alencar e Lopes (2005) explicam que é esperado que as empresas que sinalizam para o mercado a existência de boas práticas de governança corporativa consigam atribuir maior credibilidade às suas publicações, o que potencializaria o efeito do disclosure; • Internacionalização: dummy utilizada para indicar a existência de American Depositary Receipts (ADR) emitido durante ou antes do período considerado. Alencar e Lopes (2005) explicitam que “o risco associado à posse das ações das empresas globalizadas reduz-se como resposta às mudanças provocadas pelo próprio processo que demanda melhores controles e maior transparência, tornando menor o custo de capital”. Este trabalho também adicionou uma dummy para lidar com as empresas que atuam em dois setores que possuem organismos reguladores específicos: • Setor de Energia Elétrica; • Setor de Telecomunicações; 8 A justificativa para tal pressuposto está na ideia de que tais companhias apresentam características próprias e que desconsiderar esse pressuposto poderia distorcer os dados. 3.3. Modelo Utilizado Conforme já mencionado, o modelo utilizado é uma adaptação do utilizado por Alencar e Lopes (2005). O mesmo encontra-se abaixo reproduzido: β = γ0 + γ1DISCL + γ2PRVP + γ3LNEND + γ4LNRL + γ5GOVERN + γ6ADR + γ7REG + + γ8ICO2 Onde: β = beta/CAPM; DISCL = corresponde ao percentual de vezes em que a empresa foi indicada para premiação no prêmio ANEFAC – FIPECAFI – Serasa Experian; PRVP = preço/valor patrimonial da ação; LNEND = logaritmo neperiano da relação entre exigível total e patrimônio líquido; LNRL = logaritmo neperiano da receita líquida das empresas no período analisado; GOVERN = dummy indicativa de adesão da empresa ao novo mercado da BM&FBOVESPA; ADR = dummy indicativa de existência de ADR emitido durante ou antes do período considerado; REG = dummy indicativa de existência de empresa atuante em setor de energia elétrica ou telecomunicações; ICO2 = dummy indicativa se a empresa participava ou não do ICO2 no último dia do período considerado; 3.5 Hipóteses Testadas De modo estritamente sinótico, as seguintes hipóteses foram testadas: H0: Participar do ICO2 afeta o custo de capital; H1: Participar do ICO2 não afeta o custo de capital. 9 3.4. Coleta de Dados Os dados referentes às variáveis β, PRVP, LNEND, LNRL, ADR e REG foram coletados através do banco de dados Economatica. Por sua vez, as informações que tangem as variáveis GOVERN e ICO2 foram obtidas através da homepage da BM&FBOVESPA. Foram utilizadas as empresas participantes da BM&FBOVESPA que continham todos os dados requeridos para realizar a regressão. Adicionalmente, foram usadas as demonstrações contábeis encerradas em 31 de dezembro de 2010, sendo que o beta utilizado foi o da posição de 31 de dezembro de 2010, calculado para o período de 60 meses. Vale observar que o preço de fechamento utilizado para o cálculo do índice PRVP foi o de 30 de dezembro de 2010, último dia do ano que continha preços de fechamento. Para a variável DISCL, os dados foram obtidos com a ajuda da FIPECAFI e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Foram retiradas empresas financeiras e seguradoras da amostra, devido ao fato das mesmas possuírem características peculiares quando comparadas às demais. A pressuposição que embasou tal ato foi a de que o acréscimo delas distorceria os dados. A amostra totalizou 126 empresas nas quais todos os dados estavam disponíveis. Foi utilizado o papel com maior liquidez (obtido pelo banco de dados Economatica) de cada empresa para compor a referida amostra. 3.5 Análise dos Resultados Para possibilitar a realização da parte empírica da pesquisa, utilizou-se o software Eviews. O modelo de regressão foi gerado através do método dos mínimos quadrados ordinários. Assim sendo, tal método requer que alguns pressupostos sejam obedecidos (FÁVERO et al., 2009): • Os resíduos devem ser distribuídos normalmente; • Os resíduos não devem ser heterocedásticos; • Os resíduos não devem estar autocorrelacionados serialmente. Em relação à normalidade dos resíduos, foi realizado o teste de Jarque-Bera. Tal teste alcançou uma estatística de 3,62 o que implica em uma probabilidade de 0,163 e conduz a não rejeição da hipótese de normalidade dos resíduos, a um nível de significância alfa de 5%. Por sua vez, foi utilizado o teste de Breusch-Pagan-Godfrey com vistas a detectar uma possível presença de heterocedasticidade dos resíduos. O teste realizado resultou em uma estatística de 7,94 e uma probabilidade de 0,439, o que garante que os resíduos sejam homocedásticos a um nível de significância alfa de 5%. No que concerne à autocorrelação serial dos resíduos, foi realizado o teste de LM Breusch-Godfrey. A estatística do teste foi de 4,66, o que conduziu a uma probabilidade 0,097. Isto implica que há ausência de autocorrelação serial dos resíduos a um nível de significância alfa de 5%. 10 Adicionalmente, foi realizado o teste RESET de Ramsey, visando a averiguar problemas de especificação do modelo. O mesmo resultou em uma estatística de 0,52, o que culminou numa probabilidade de 0,474. Isso nos leva a concluir que não há erros de especificação no modelo utilizado a um nível de significância alfa de 5%. No quadro a seguir, é apresentado o resultado da regressão: Dependent Variable: BETA Method: Least Squares Date: 12/14/11 Time: 17:55 Sample: 1 126 Included observations: 126 Variable Coefficient Std. Error t-Statistic Prob. C DISCL PRVP LNEND LNRL GOVERN ADR REG ICO2 0.582138 0.001812 -0.010697 0.054654 0.019196 0.089742 -0.121550 -0.348951 0.028808 0.257897 0.001986 0.010828 0.035502 0.019156 0.067760 0.112210 0.077227 0.096806 2.257248 0.912393 -0.987925 1.539477 1.002081 1.324408 -1.083233 -4.518539 0.297584 0.0258 0.3634 0.3252 0.1264 0.3184 0.1879 0.2809 0.0000 0.7665 R-squared Adjusted R-squared S.E. of regression Sum squared resid Log likelihood F-statistic Prob(F-statistic) 0.203576 0.149120 0.334220 13.06925 -36.02700 3.738344 0.000628 Mean dependent var S.D. dependent var Akaike info criterion Schwarz criterion Hannan-Quinn criter. Durbin-Watson stat 0.800794 0.362325 0.714714 0.917306 0.797021 1.981438 Quadro 1: Modelo de Regressão Realizado Por meio deste quadro, verifica-se que a estatística F foi de 3,74, o que conduz a uma probabilidade de 0,000628. Isto rejeita a hipótese que nenhum estimador seja significante estatisticamente para o modelo. Entretanto, o poder explicativo do modelo é relativamente baixo, sendo o R² ajustado de 15% aproximadamente. Vale complementar que somente a constante e a variável dummy para as empresas de setores regulados demonstraram ser estatisticamente significantes a um nível de 5%, o que implica que somente essa variável foi significativa para explicar as variações ocorridas nos betas das empresas. O fato do coeficiente estimado ser negativo implicaria na relação de que as empresas sob a regulação específica teriam um custo de capital próprio menor. Percebe-se que a variável ICO2 não foi estatisticamente relevante. Isso conduz à possível interpretação de que se a empresa pertencer a tal índice, não há interferência no custo de capital próprio. Isso está mais em acordo com os achados de Canela (2010) que concluiu que não foi significativa a queda no custo de capital próprio das empresas que fazem parte do ISE. Apesar desse trabalho ter utilizado o ICO2, ao invés do ISE como proxy, pode-se dizer que os resultados 11 mantem similaridades, dado que ambos os índices buscam captar empresas que são ambientalmente responsáveis. A explicação para as demais variáveis não terem sido estatisticamente relevantes pode ser explicado pelo fato do mercado de capitais brasileiro ser extremamente concentrado. Nesse cenário, o papel da contabilidade como redutora da assimetria de informações entre administradores e investidores é reduzido, uma vez que os proprietários tem acesso privilegiado às informações das empresas. (ALENCAR e LOPES, 2005). 4. Conclusão Este trabalho teve por objetivo investigar se empresas que participavam do ICO2 possuíam custo de capital próprio menor em relação às demais. Uma sinalização positiva para tal situação demonstraria que mesmo segundo os pressupostos da Teoria da Maximização do Valor para os Acionistas (JENSEN, 2001), a preocupação ambiental deveria fazer parte das agendas das empresas. Para a consecução desse objetivo, utilizou-se o modelo regressivo adaptado de Alencar e Lopes (2005). Não foram encontradas evidências de que participar do ICO2 interfere no custo de capital próprio das empresas. Isso não nos permite concluir que acionistas necessariamente valorizam mais empresas com boas práticas ambientais em relação às demais. Entretanto, o trabalho também apresenta limitações. Dentre elas, podemos citar que só foram utilizadas as empresas que continham todos os dados disponíveis. O uso do papel mais líquido também poderia conduzir a custos de capital próprio menores, como já discorrido anteriormente. Finalmente, os dados se referem unicamente ao ano de 2010, o que pode sugerir a aplicação da pesquisa levando em consideração a variável temporal. É importante ressaltar que o próprio construto do disclosure utilizado apresenta subjetividade e pode ter influenciado nos resultados finais. Adicionalmente, o custo de capital próprio pode ser estimado sob diferentes metodologias, o que poderia implicar em mudanças nos achados. 5. Referências ALENCAR, Roberta Carvalho de; LOPES, Alexsandro Broedel. Custo de Capital Próprio e Nível de Disclosure nas Empresas Brasileiras. In: CONGRESSO USP DE CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 5., 2005, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2005. BM&FBOVESPA. Disponível em: < http://www.bmfbovespa.com.br/home.aspx?idioma=pt-br>. Acesso em: 15/12/2011. BRAGA, Célia (Org.). Contabilidade Ambiental, Ferramenta para a Gestão da Sustentabilidade. 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