Teoria da Prescrição das Contribuições Sociais da Decisão Judicial Trabalhista 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 1 20/8/2015 10:48:05 1a edição — Junho, 2013 edição — Setembro, 2015 2a 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 2 20/8/2015 10:48:07 Océlio de Jesús C. Morais Juiz Federal do Trabalho, titular da 3a Vara de Ananindeua-PA (TRT 8a Região); Pós-doutorando em democracia e direitos humanos pela Universidade de Coimbra (PORT); Doutor em Relações Sociais na área de Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Especialista em Direito Público pela Universidade da Amazônia (Belém/PA); Especialista em economia do trabalho pelo CESIT/ Unicamp (SP) em convênio com o TRT da 8a Região; Bacharel em jornalismo pela Universidade Federal do Pará; Formação superior incompleta em Teologia e Filosofia pelo Instituto de Teologia da CNBB Norte II; autor dos livros Linhas de um destino (Belém: Ed. S. Laredo, 2006); Dos Dilemas e da Arte de Julgar (São Paulo: LTr, 2008); Execução Previdenciária Trabalhista — Competência da Justiça Federal do Trabalho e Procedimentos Práticos (São Paulo: LTr, 2010); Vencedor do Prêmio Nacional de Jornalismo Impresso da FENAJ/1993; Professor titular da cadeira de direito previdenciário da Universidade da Amazônia e professor pesquisador do Instituto de Ciências Jurídicas do Curso de Mestrado em Direitos Fundamentais da mesma Universidade e vice-diretor Escola Judicial da Justiça do Trabalho da 8a Região. Teoria da Prescrição das Contribuições Sociais da Decisão Judicial Trabalhista 2a edição (Atualizada a partir da decisão com repercussão geral no Agravo ARE n. 709.212, do STF) 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 3 20/8/2015 10:48:07 R EDITORA LTDA. © Todos os direitos reservados Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP – Brasil Fone: (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Setembro, 2015 Versão impressa: LTr 5330.4 – ISBN 978-85-361-8593-4 Versão digital: LTr 8808.2 – ISBN 978-85-361-8611-5 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Morais, Océlio de Jesús C. Teoria da prescrição das contribuições sociais da decisão judicial trabalhista / Océlio de Jesús C. Morais. — 2. ed. — São Paulo : LTr, 2015. Bibliografia. 1. Contribuições previdenciárias 2. Contribuições sociais 3. Decisão judicial 4. Direiro do trabalho — Brasil 5. Direito previdenciário 6. Prescrição (Direito) I. Título. 15-06478 CDU-347.143:368(81) Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Prescrição previdenciária trabalhista : Decisão judicial da Justiça do Trabalho : Direito processual 347.143:368(81) 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 4 20/8/2015 10:48:07 À minha mãe, Josefina Carneiro de Morais (in memoriam), pela vida, por graça de Deus. 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 5 20/8/2015 10:48:07 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 6 20/8/2015 10:48:07 Sumário Prefácio à Primeira Edição .......................................................................................... 9 Prefácio à Segunda Edição ........................................................................................... 13 Notas do Autor à Primeira Edição.............................................................................. 15 Notas do Autor à Segunda Edição .............................................................................. 19 Capítulo I — Teoria como Clarificadora das Conexões Jurídicas ........................ 1.1. Especificação metodológica .............................................................................. 1.2. Teoria científica e teoria jurídica...................................................................... 1.3. Conclusões preliminares ................................................................................... 21 21 26 33 Capítulo II — Teoria da Criação Legislativa e da Criação Jurisprudencial ........ 2.1. Breve comentário acerca das diversas acepções da jurisprudência ............. 2.2. Função criadora da jurisprudência como decisões judiciais sumuladas .... 2.3. Modos de criação legislativa e jurisprudencial relativos à prescrição......... 2.4. Conclusões preliminares ................................................................................... 35 35 42 46 50 Capítulo III — Questões Teóricas Relativas à Prescrição como Regulação Normativa e como Regulação Consuetudinária........................................................................... 3.1. Fundamentos teóricos da prescrição como norma-princípio e como norma consuetudinária .................................................................................................. 3.2. Sistema prescricional brasileiro de normas positivadas e de normas consuetudinárias....................................................................................................... 3.2.1. Ocorrência e aplicação da prescrição tributária (previdenciária) .... 3.2.2. Ocorrência e aplicação da prescrição penal em conexão com causas trabalhistas-previdenciárias ................................................................... 3.2.3. Ocorrência e aplicação da prescrição civil em conexão com causas trabalhistas-previdenciárias ................................................................... 3.2.4. Ocorrência e aplicação da prescrição trabalhista em conexão com a repercussão previdenciária ................................................................. Capítulo IV — Fundamentos para uma Teoria da Imprescritibilidade das Contribuições Sociais da Decisão Judicial Trabalhista .................................................. 4.1 Sustentação sob o critério teórico ................................................................... 53 53 61 66 73 77 80 83 84 —7— 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 7 20/8/2015 10:48:07 4.2. 4.3. 4.4. 4.5. Sustentação sob o critério normativo .............................................................. Sustentação sob o critério jurisprudencial...................................................... Sustentação sob o critério teleológico ............................................................. Utilidade jurídica da teoria da imprescritibilidade das contribuições previdenciárias da decisão judicial trabalhista .................................................... 4.6. Utilidade social da teoria da imprescritibilidade das contribuições previdenciárias da decisão judicial trabalhista............................................................... 4.7. Utilidade prática da teoria da imprescritibilidade das contribuições previdenciárias da decisão judicial trabalhista .................................................... 4.7.1. A imprescritibilidade da contribuição previdenciária e a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição....................................................... 4.7.2. A imprescritibilidade da contribuição previdenciária e a aposentadoria por idade................................................................................................... 4.7.3. A imprescritibilidade da contribuição previdenciária e a aposentadoria por invalidez ............................................................................................ 4.7.4. A imprescritibilidade da contribuição previdenciária e a aposentadoria especial...................................................................................................... Capítulo V — Prescrição Quinquenal do FGTS e a Repercussão na Prescrição Previdenciária ................................................................................................................ 5.1. A prescrição quinquenal do FGTS e a revogação tácita da Súmula n. 362 do TST ................................................................................................................. 5.2. Efeitos da decisão do STF sobre o FGTS nas contribuições previdenciárias do contrato de trabalho ..................................................................................... 5.3. Contribuições sociais do período contratual nas normas constitucionais e na jurisprudência ............................................................................................ 95 103 109 120 122 124 124 126 127 127 129 129 133 135 Considerações Finais .................................................................................................... 141 Referências Bibliográficas e Sitográficas ................................................................... 145 —8— 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 8 20/8/2015 10:48:07 Prefácio à Primeira Edição As modernas tecnologias da informação fazem com que deixemos de encontrar as pessoas, conversar com elas, vê-las e ouvi-las. Acabam-se as visitas e vão desaparecendo os sorrisos e as alegrias de rever amigos. Praticamente tudo passou a ser virtual ou a se resolver pela rede, e começamos a guardar nossas coisas nas nuvens. Mudou a linguagem. Alteraram-se os costumes. As pessoas estão, às vezes, próximas, porém se falando via teclado. E, em alguns casos, os próprios destinos, independentemente da evolução da tecnologia, colocam-nos distantes. Foi o que ocorreu comigo e com Océlio de Jesús Carneiro Morais, que nasceu em Monte Alegre, cidade do interior do Pará, às margens do Amazonas. O seu plano inicial era ser sacerdote, tanto que foi seminarista no Seminário São Pio X, em Santarém, mas Deus teve para ele outros planos. Océlio Morais e eu nos conhecemos há bastante tempo, provavelmente nos idos dos anos 1980. Ele, jornalista atuante em um dos jornais de maior circulação no Norte do Brasil, O Liberal, tendo, inclusive, se diplomado em jornalismo pela Federal do Pará e sido professor daquela Universidade. Eu, então, Juiz Substituto do Trabalho. Continuei minha carreira na magistratura e Océlio Morais formou-se em Direito e continuou jornalista — e com diploma, o que, sem dúvida, valorizava mais seu trabalho na imprensa de nossa terra comum. Um dia, por volta de 1996, eu, examinador em concurso para ingresso na magistratura trabalhista, vejo, no resultado de prova eliminatória, vejo ser proclamado e constato que o primeiro lugar dos aprovados era Océlio Morais. Daí, a posse e a carreira, nada árdua, e o sacerdócio que Deus lhe planejara, o de Juiz no interior da Amazônia. Foi crescendo o Juiz Océlio Morais, hoje titular da 3a Vara do Trabalho de Ananindeua, na Grande Belém, que também se transformou no Professor Océlio Morais, da Universidade da Amazônia (Unama). Um dia, meu amigo Professor José Cláudio Monteiro de Brito Filho, um dos grandes nomes das letras jurídicas do Pará, telefonou-me, convidando-me a integrar a banca examinadora da defesa de dissertação que resultou no Mestre Océlio Morais, título brilhantemente conquistado. Em seguida, foi para São Paulo, a fim de prosseguir em seus estudos acadêmicos, agora no Doutorado da Pontifícia Universidade Católica (PUC) daquela grande, querida e sempre amada cidade, sob a orientação competente e lúcida do meu dileto amigo Professor Pedro Paulo Teixeira Manus. —9— 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 9 20/8/2015 10:48:07 As distâncias físicas nos afastaram e raramente nos encontramos, embora o acompanhe pela atividade judicante e pela produção intelectual. Agora, graças aos recursos da informática, a que me referi anteriormente, recebi um e-mail, esse moderno meio de trocar correspondências praticamente em tempo real, do Juiz, Professor, Mestre e Doutor em Direito Previdenciário pela PUC/SP, Océlio Morais. No bilhete virtual, solicitava-me que fosse o prefaciador deste seu novo livro. Como recusar um convite feito por alguém a quem admiramos? Como negar atenção a um pedido desvanecedor de quem acompanho boa parte da trajetória profissional e acadêmica? Ao contrário, corri na aceitação, não fosse por menos, pela oportunidade que me é conferida de tornar público meu apreço por Océlio Morais, como estou tentando externar nestas linhas inaugurais de mais este livro de sua pena privilegiada. Vamos à obra que em momento oportuno chega ao público leitor. Teoria da Prescrição das Contribuições Sociais da Decisão Judicial Trabalhista é um livro elaborado com rigoroso cuidado metodológico, e, ao longo de quatro capítulos, objetiva criar uma teoria própria à prescrição previdenciária trabalhista, quando a matéria é decorrente da decisão judicial da Justiça do Trabalho, transitada em julgado, condenatória ao pagamento de verbas salariais sobre as quais incidam as contribuições sociais, a partir de que considera que a elas (contribuições sociais com esse fato gerador) não se aplicam a prescrição trabalhista, nem a tributária e nem mesmo a civil. Ora, a regra geral é de que toda ação é prescritível, embora não seja absoluta, porquanto a prescrição não extingue os direitos da personalidade (vida, honra, nome, liberdade, nacionalidade etc.) nem as ações decorrentes de estado ou de família (separação judicial, investigação de paternidade/maternidade, dentre outras), que são irrenunciáveis e indisponíveis. Ou seja, a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade, a exceção. Existe para dar equilíbrio às relações sociais, pacificando-as. Océlio Morais, neste livro, conclui que não existe na ordem jurídica brasileira uma prescrição própria e específica para as contribuições sociais previdenciárias que derivam das decisões declaratórias-condenatórias, ou simplesmente condenatórias, ou ainda dos acordos homologados da Justiça do Trabalho, arrematando, ao final, a imprescritibilidade das contribuições previdenciárias do período laboral superior a cinco anos garante aos trabalhadores brasileiros o exercício efetivo ao direito social fundamental previdenciário. Certamente, as suas intenções são de polemizar um tema que carecia de abordagem mais profunda, o que pretende com este livro. Conquanto, pessoalmente, entenda que a prescrição é uma garantia para toda a sociedade, e, não compartilhando da mesma convicção do ilustre jurista, identifico na teoria que suscita uma excelente oportunidade para que os estudiosos do tema se debrucem na pesquisa e apontem soluções ideais e justas para atender aos anseios de todos, especialmente dos possíveis beneficiários da previdência social. Afinal, é do debate das ideias que se busca encontrar mecanismos para resolver os graves problemas da humanidade. — 10 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 10 20/8/2015 10:48:08 Almejo que este seja mais um título no já respeitável elenco de contribuições doutrinárias que Océlio de Jesús Carneiro Morais tem emprestado à ciência do Direito e ao Direito do Trabalho, de modo especial. Belém, abril de 2012. Georgenor de Sousa Franco Filho Desembargador Federal do Trabalho de carreira do TRT da 8a Região. Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor de Direito Internacional e do Trabalho da Universidade da Amazônia, e Presidente Honorário da Academia Nacional de Direito do Trabalho. — 11 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 11 20/8/2015 10:48:08 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 12 20/8/2015 10:48:08 Prefácio à Segunda Edição Ao contrário do que habitualmente tenho feito quando prefacio uma obra, penso que, neste caso, devo iniciar falando de seu autor e da importância desta 2a edição, pois há relação direta entre os dois temas. Conheço Océlio de Jesús C. Morais desde antes de seu ingresso na magistratura trabalhista, em que hoje é Juiz Titular na 3a Vara do Trabalho de Ananindeua-PA, e dele sempre tive as melhores impressões. Bem antes de obter, com inegáveis méritos, o mais alto título acadêmico, de doutor, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, coincidência que nos une, pois lá também fiz meu doutoramento. É pessoa justa e séria, qualidades essenciais para aqueles que enveredam tanto pela árdua tarefa de solucionar conflitos de interesse como para os que buscam explicar o significado das normas, em qualquer ambiente. É, ainda, profissional que construiu seus caminhos com esforço e dedicação, além de, não obstante sua elevada estatura moral e intelectual — talvez exatamente por isso —, conservar a humildade dos que, ao mesmo tempo que nos ensinam, sabem que estão em constante aprendizado. Convivo com o autor semanalmente na Universidade da Amazônia, onde ambos lecionamos no Curso de Graduação em Direito e, principalmente, lecionamos, orientamos e pesquisamos no Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais, e tenho a oportunidade de presenciar o efeito positivo das qualidades que acima enunciei, nos professores, seus colegas de trabalho, e nos alunos. Lá tenho observado o rigor técnico que empresta ao seu trabalho e aos seus escritos. Tudo isso torna natural a publicação da 2a edição da Teoria da Prescrição das Contribuições Sociais da Decisão Judicial Trabalhista, livro que teve a primeira edição testada e aprovada, o que autoriza sua continuidade, agora com o acréscimo de novas e importantes informações e discussões, como a travada pelo Supremo Tribunal Federal no Agravo (ARE) n. 709.212. A respeito da obra, embora o título possa indicar um texto todo voltado para tema bem específico, é bem mais ampla, pois os dois primeiros capítulos são apresentados com complexidade que autorizaria até sua leitura em apartado, não obstante estejam perfeitamente integrados à discussão central. De igual modo, o terceiro capítulo, que abre propriamente a análise da prescrição, recupera ensinamentos de caráter mais geral, constituindo valiosa fonte de ensinamentos em relação a essa temática. Tudo isso, entretanto, sem perder de vista o problema que sustenta e dá sentido à pesquisa desenvolvida pelo autor que, em suas palavras, é “a incompatibilidade dos tipos — 13 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 13 20/8/2015 10:48:08 de prescrição civil, trabalhista e tributária, com a inescusabilidade e compulsoriedade ao recolhimento das contribuições previdenciárias sobre salários ou remunerações pagos no período contratual reconhecido pela Justiça Federal especializada do Trabalho”. Disso o quarto capítulo dá conta, trazendo uma tese arrojada, que é baseada em diversos fundamentos, e conclui pela imprescritibilidade das contribuições sociais da decisão judicial trabalhista. Há ainda um novo capítulo nesta 2a edição, em que o autor discute a decisão do Supremo Tribunal Federal mais ao norte mencionada. Por tudo que foi dito, é obra para ser lida e aproveitada não somente por aqueles que buscam o conhecimento teórico, mas ainda para os que necessitam de bons subsídios para a aplicação prática da questão, sendo uma pesquisa importante, pelo que finalizo agradecendo ao autor o convite para sua apresentação. Belém, maio de 2015. José Claudio Monteiro de Brito Filho Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Coordenador Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e Professor Titular da Universidade da Amazônia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. Titular da Cadeira n. 26 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. — 14 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 14 20/8/2015 10:48:08 Notas do Autor à Primeira Edição Uma ideia para uma teoria própria da prescrição das contribuições previdenciárias derivadas da decisão declaratória-condenatória, ou puramente declaratória ou ainda homologatória, de acordo da Justiça Federal do Trabalho, não se reduz à mera concepção cerebrina ou acadêmica. A realidade processual em casos judiciais que envolvem o recolhimento e a execução dessas contribuições sociais denuncia a inexistência de (e exige) um critério prescricional específico para essa matéria. Estamos tratando de uma coisa real, séria e muito importante não apenas para âmbito do processo judiciário trabalhista, mas especialmente para evitar a paralisia, o engessamento, a desconstrução da eficácia do princípio da proteção social, que é relativo à vida de milhões de trabalhadores segurados brasileiros. A nossa abordagem, que refoge ao paradigma liberal do positivismo puro, não se destina a polemizar a matéria — o que é, aliás, natural quando uma ideia nova questiona o normativismo da modernidade liberal —, mas quer contribuir à construção de um novo critério prescricional que precisa neutralizar a lógica da exclusão da liberal voltada ao contratualismo individualista em detrimento do solidarismo social inerente ao princípio da proteção social previdenciária. O positivismo jurídico liberal sempre apresenta o argumento da “estabilidade das relações jurídicas” para justificar e impor um critério prescricional restritivo à interpretação teleológica do princípio da inclusão social previdenciária decorrente das decisões trabalhistas. Nosso estudo não fomenta instabilidade sistêmica, antes quer adequação prescricional para essa matéria. Trata-se, de um lado, do problema jurídico que envolve o recolhimento das contribuições previdenciárias em atraso por mais de cinco anos, por força da decisão judicial dos Juízes e dos Tribunais do Trabalho, que envolve a questão prescricional. De outro, cuida-se do problema social causado pelos critérios prescricionais que, porventura, são adotados judicialmente à referida matéria. Atualmente, do ordenamento jurídico brasileiro, quem sabe dizer com precisão qual a regra prescricional adequada ao caso exclusivo das contribuições previdenciárias derivadas das decisões trabalhistas? Sem dúvida, enorme é a dificuldade em identificá-la porque, de forma não consensual, ora invoca-se a prescrição tributária, ora aplica-se a prescrição trabalhista e até mesmo a prescrição civil relacionadas à teoria da actio litis. A meu sentir, nenhuma delas corresponde satisfatoriamente à finalidade de garantir a inclusão social previdenciária que está imbricada nas contribuições sociais do contrato de trabalho, função que lhe reservou a ordem jurídico-constitucional brasileira. Isso porque o ordenamento brasileiro, quando se trata do recolhimento das — 15 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 15 20/8/2015 10:48:08 contribuições sociais decorrentes da decisão judicial trabalhista, não possui um critério prescricional específico a elas. No ordenamento brasileiro, a prescrição genuinamente trabalhista e a prescrição tributária são diferentes quanto à natureza da matéria que as atrai, como distintos são os pressupostos que, juridicamente, sustentam suas ocorrências às suas respectivas matérias típicas. Por isso, dada a característica sui generis da contribuição previdenciária apurada na decisão trabalhista — chave à inclusão previdenciária —, seu recolhimento integral sempre será exigível, independentemente da prescrição trabalhista ou da prescrição tributária. Esta é a minha construção teórica: prescrições trabalhista e tributária não são aplicáveis às específicas e exclusivas contribuições previdenciárias oriundas da decisão condenatória ou homologatória de acordo da Justiça Federal do Trabalho, sendo, portanto, imprescritíveis. Não serão nosso objeto de estudo, por conseguinte, as contribuições sociais gerais, de que trata o Código Tributário Nacional. O problema teórico é, portanto, a incompatibilidade dos tipos de prescrição civil, trabalhista e tributário, com a inescusabilidade e compulsoriedade ao recolhimento das contribuições previdenciárias sobre salários ou remunerações pagos no período contratual reconhecido pela Justiça Federal especializada do Trabalho. Na realidade, são tipos diferentes na gênese e no procedimento, muito embora sejam juridicamente iguais quanto aos efeitos que produzem em face dos lapsos temporais que alcançam. No direito brasileiro, e isso é regra jurídica inescusável, a prescrição tributária é condicionada à existência do tributo formalizado pelo lançamento definitivo. A prescrição trabalhista é específica aos créditos genuinamente trabalhistas — regra constitucional vinculante que torna incompatível sua incidência às contribuições previdenciárias, cuja natureza tributária atrairia a incidência da prescrição tributária, não fosse a exigibilidade do lançamento. Por isso, só é possível recorrer à prescrição tributária se, e quando, as contribuições previdenciárias da decisão trabalhista forem consolidadas pelo lançamento definitivo. Mas isso é pouco provável que ocorra porque, no âmbito do processo trabalhista, a execução — inclusive das contribuições sociais — é promovida ex officio. É este detalhe processual (a execução ex officio) que, juridicamente, torna impertinente a incidência da prescrição tributária às contribuições previdenciárias no seio de um processo judicial trabalhista. Por isso também esse tipo de contribuição previdenciária constitui caso especial que exige uma disciplina especializada e própria à questão da prescrição. A imprescritibilidade dessas contribuições previdenciárias — dada a sua finalidade imediata (o custeio da Seguridade Social) e considerado o seu objetivo geral permanente (a inclusão social previdenciária do trabalhador) —, por conseguinte, é revertida de um caráter jurídico e de um caráter social atuais no ordenamento brasileiro. — 16 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 16 20/8/2015 10:48:08 Do caráter jurídico, já nos referimos parcialmente nestas primeiras notas, demonstrando-se a insegurança jurídica gerada aos trabalhadores pela aplicação das duas prescrições, ora uma, ora outra, às referidas contribuições. Em relação ao caráter social, nosso intento teórico objetiva resolver o problema social causado pelos critérios prescricionais diferenciados que, porventura, são adotados judicialmente à referida matéria. A abordagem deste viés passa pela concepção do fato gerador das contribuições previdenciárias, que é a época da real prestação de serviços — circunstância fática que vincula juridicamente a obrigação dos recolhimentos de todo o período laboral —, e não apenas dos últimos cinco anos, como têm sido as decisões judiciais em face dos casos singulares nessa matéria. Decisões judiciais que aderem à prescrição quinquenal ao recolhimento das contribuições sociais oriundas do contrato de trabalho, no meu sentir, restringem o direito à inclusão social previdenciária do trabalhador, além de ocultar a realidade fática, tal como ocorre com o dito “legislador imaginário”(1) da acepção jurídica de Norberto Bobbio, “que oculta uma realidade complicada”(2) ao elaborar leis antissociais. Então, reconhecidamente, esse é um tema importante e inquietante do ponto de vista jurídico e do ponto de vista social. Tão somente esses dois aspectos já demonstram o grande desafio que temos pela frente para sustentar uma teoria própria à prescrição das contribuições sociais previdenciárias derivadas da decisão transitada em julgado da Justiça do Trabalho. Por isso, quero desde logo dizer o seguinte: neste livro, é meu objetivo gestar reflexões acerca de uma teoria própria à prescrição previdenciária trabalhista, quando a matéria é decorrente da decisão judicial da Justiça Federal do Trabalho, que condena o empregador ao pagamento de verbas salariais que sirvam como base de incidências às contribuições sociais. O que pretendo, com isso, é demonstrar e comprovar que, para os casos especiais de averbação do tempo de serviço, são impróprias e inaplicáveis: a) a prescrição trabalhista (específica à cobrança de créditos genuinamente trabalhistas) às contribuições previdenciárias havidas na decisão trabalhista; b) a prescrição tributária dos arts. 173 e 174 do Código Tributário Nacional para a União cobrar créditos tributários; c) a prescrição civil, estranha à matéria previdenciária das decisões trabalhistas. Também aproveito para dizer que as ideias que vamos apresentar aqui — para uma teoria da prescrição previdenciária-trabalhista — não têm a pretensão exaustiva da matéria, antes são iniciáticas, nesse longo caminho de construção teórica, sendo, portanto, sujeitas à sabatina doutrinária e jurisprudencial. (1) Constituição Federal. BOBBIO. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Edipro, 2011. p. 52. (2) Idem. — 17 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 17 20/8/2015 10:48:08 Nossa teoria, por certo, estará sujeita a sofrer restrições e críticas do adepto do positivismo clássico-ortodoxo restrito à literalidade da norma pura. Será compreensível porque seu critério analítico exclui valores e princípios. Contudo, nosso critério teórico é centrado, desenvolvido, construído e sedimentado num sistema jurídico dinâmico não só em normas, mas também nos valores e princípios da ordem jurídica votada à efetividade dos direitos e garantias fundamentais, e não à sua segregação ilegal(3). Mas, apenas pelo desafio da construção de um pensamento jurídico que provoque o debate acerca da matéria, já é estimulante, considerando que atualmente na ordem jurídico-constitucional brasileira é comum adotar-se a tese da prescritibilidade, quando as contribuições sociais decorrem das decisões da Justiça do Trabalho. Construo a tese da imprescritibilidade quanto ao recolhimento das contribuições previdenciárias do período contratual reconhecido em decisão declaratória-condenatória, ou simplesmente condenatória, ou ainda decisão homologatória, de acordo da Justiça Federal do Trabalho, muito embora prescritível seja o direito da União cobrar o crédito tributário, quando a obrigação de ajuizar a ação para esse fim ocorre a partir da constituição definitiva do crédito pelo lançamento. Então é importante reiterar que a teoria da imprescritibilidade que sustentamos não se refere às contribuições sociais gerais, incidentes, por exemplo, sobre “a receita de concursos de prognósticos” (CRFB/88, art. 195, III) e “do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar” (CRFB/88, art. 195, IV), mas, sim, àquelas derivadas das decisões judiciais trabalhistas transitadas em julgado, das quais tratam os incisos I, a e II, do art. 195 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O estudo é composto de quatro capítulos. A distribuição de temas em cada um é propositadamente pensado para o embasamento de nosso intento teórico. No Capítulo I, trataremos da importância da teoria jurídica à conexão normativa do sistema. Já no segundo, cuidaremos da teoria da criação legislativa e da criação judicial, para mostrarmos a função criativa legislativa e a função criativa jurisprudencial. O Capítulo III trata de questões teóricas relativas à prescrição como regulação normativa e como regulação consuetudinária no ordenamento brasileiro. E o Capítulo IV é reservado à sustentação da nossa proposta teórica quanto à imprescritibilidade das contribuições previdenciárias derivadas das decisões judiciais da Justiça do Trabalho, ambiente em que também apresentaremos, como arremate, cinco utilidades jurídicas e cinco utilidades sociais dessa nossa teoria. (3) Expressão usada originalmente por Ronald Dworkin quando trata das “formulações concretas” e das “formulações abstratas” acerca dos interesses fundamentais e como a decisão do Tribunal é formulada em casos dessa natureza. Cf. Uma questão de Princípios. 2005, p. 64-68. — 18 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 18 20/8/2015 10:48:08 Notas do Autor à Segunda Edição Numa de suas memoráveis obras sobre a efetivação de direitos humanos, Bobbio escreveu que Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem-direitos”. Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados nas instituições internacionais e nos congressos, enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria da humanidade não possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente proclamados).(4) Quando existe a dicotomia entre uma apologia formal de direitos na literatura jurídica, ou a mera declaração nos tratados, nas convenções, nas Constituições nacionais e o exercício real dos direitos humanos básicos, o resultado indesejado (porém, não surpreendente) produz a exclusão social, gerando a “massa dos ‘sem-direito’”. Mas, ao mesmo tempo, essa contradição corrosiva dos direitos é posta como desafio permanente a todos (dos governos aos mais humildes cidadãos) no sentido de promover o sentir e o viver em plenitude normativa dos direitos fundamentais, na expressão dos atos cotidianos da vida. Esta segunda edição de minha obra (Teoria da Prescrição das Contribuições Sociais da Decisão Judicial Trabalhista) ocorre num momento de ruptura da consolidada jurisprudência de cunho mais social da Suprema corte constitucional brasileira, no que tange ao direito social dos trabalhadores ao FGTS (corolário do direito social fundamental ao trabalho), para um caminho jurisprudencial mais restritivo pela via mais reduzida da prescrição quinquenal do inciso XXIX, art. 7o, da CF/1988. Isso ocorre quando a nossa Justiça constitucional — no julgamento do recurso extraordinário Agravo (ARE) n. 709.212 — modificou sua jurisprudência construída há décadas em bases de índole mais social e de mais ampla garantia de prazo ao acesso formal à Justiça (quanto à consistência normativa aos direitos fundamentais), para passar a adotar, com força de repercussão geral reconhecida em caráter prospectivo, a prescrição quinquenal para reclamar judicialmente os depósitos do FGTS não recolhidos na época própria pelo empregador. Portanto, esta segunda edição é atualizada a partir da decisão no Agravo (ARE) n. 709.212 e investiga se os efeitos desta repercutem no prazo do direito de ação do trabalhador de recorrer à Justiça do Trabalho para ter garantida a integralidade dos recolhimentos das contribuições sociais do contrato de trabalho ou da relação de trabalho. (4) BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier Editora e Campus (edição conjunta), 2004. p. 11. Do original L’età dei Diritti. Tradução autorizada do idioma italiano da edição publicada Giulio Einaudi Editore. — 19 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 19 20/8/2015 10:48:08 E a conclusão hermenêutica, guiada pelo farol dos direitos sociais fundamentais de índole pós-positivista ou de natureza neoconstitucional, pelos próprios termos da decisão da Corte suprema, é que a prescrição quinquenal do FGTS não é aplicável às contribuições sociais do período laboral. No que se refere ao prazo para reclamar as contribuições sociais do tempo de serviço, isso é bom e bem positivo, pois “Nenhum sistema de direitos socais fundamentais pode avançar”, como já advertia Bobbio, “sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos do homem, acima de cada Estado”.(5) Por conseguinte, esta nova edição preserva o seu conteúdo teórico relativo à não prescrição do direito de postular judicialmente na Justiça do Trabalho a integralidade das contribuições sociais do período contratual, para a estabilidade social dos trabalhadores e de suas famílias, traduzindo-se na garantia jurídica para a efetivação do direito fundamental e do princípio à inclusão social previdenciária. (5) Op. cit., 2004, p. 7. — 20 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 20 20/8/2015 10:48:08 Capítulo I — Teoria como Clarificadora das Conexões Jurídicas O que é teoria? A teoria possui função específica no sistema jurídico? Se possui, qual seria essa função? Adotam-se as questões como ponto de partida às reflexões acerca de uma teoria da prescrição das contribuições sociais do contrato de trabalho, contributo à efetividade do direito fundamental à previdência social decorrente do contrato de trabalho. Neste capítulo, objetiva-se relacionar a funcionalidade da teoria com o nosso tema central. Mas também consiste em mostrar que, na base motivadora das decisões judiciais, a teoria científica ou a teoria jurídica é (ou deve ser) a ferramenta para sustentar com coerência a tarefa interpretativa e aplicativa das normas, dos valores e dos princípios componentes de uma ordem jurídica dinâmica e complexa. É, pois, para a explicação e compreensão das conexões jurídicas desse ordenamento jurídico dinâmico que consideramos ser importante à edificação de uma teoria específica a prescrição previdenciária-trabalhista, no âmbito das relações jurídicas de trabalho ou das relações empregatícias. Uma teoria que explique e torne adequadamente claras as conexões jurídicas específicas da prescrição das contribuições sociais previdenciárias exige como pressuposto o contrato de trabalho ou a existência de uma relação empregatícia, bem como uma decisão judicial declaratória-condenatória da Justiça Federal do Trabalho. Declaratória de vínculo empregatício e condenatória em parcelas salariais trabalhistas que gerem contribuições sociais previdenciárias. Portanto, esta premissa será trabalhada no decorrer deste estudo. Para isso, como substrato teórico à sua sustentação e comprovação, deveremos fazer breve comentário acerca da teoria científica e teoria jurídica, no sentido de bem especificar a função da teoria na prática judicial. Entre as duas, serão estabelecidas as diferenças, bem como a especificação do papel ou função de cada qual no âmbito do ordenamento jurídico. 1.1. Especificação metodológica Quando o operador do direito está diante de um problema jurídico, ele procura definir um critério interpretativo e solucionador ao problema, mas que atenda aos fins sociais da lei. Essa tarefa, que demanda um método hermenêutico adequado ao propósito social da lei, tem sempre na sua retaguarda uma teoria para sustentar o seu critério argumentativo, bem como a decisão judicial. — 21 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 21 20/8/2015 10:48:08 Da coerência (ou inocorrência) entre o critério escolhido e a decisão final dependerá a conformação (ou negação) teórica do critério utilizado. Essa questão (da utilização teórica) na operação judicial é substancial para o sentido de coesão e unidade do sistema jurídico, pois a teoria — seja compreendida em geral como conjunto de conhecimento que explica determinada ordem fática, seja na sua acepção jurídica de clarear as conexões jurídicas — busca sistematizar as relações entre um fato geral e os fatos particulares que dependem dele(6). Mas como tal se aplica ao nosso estudo? Antes, qual o objeto do nosso estudo? E qual a finalidade deste estudo? O objeto do nosso estudo teórico é a prescrição previdenciária-trabalhista, sob o ponto de vista do sistema normativo dinâmico brasileiro. Adota-se este critério porque o sistema normativo dinâmico, como frisa Norberto Bobbio, compreende o “direito como um conjunto orgânico de normas”(7), isto é, o Direito como “um caráter de certos ordenamentos normativos mais que certas normas”(8), pois “o termo direito, na acepção mais comum de direito objetivo, indica um tipo de sistema normativo, não um tipo de norma”(9). Então, convém pontuar que, ao adotarmos o sistema normativo dinâmico, estamos refutando qualquer pensamento jurídico exclusivamente positivista. Convém destacar que “a concepção normativista, ao explicar a realidade do Direito pela norma, deu-lhe prevalência, entendendo que é o Direito que cria a ordem existente na sociedade”(10). Nesse sentido, nosso estudo não tomará a prescrição — embora na norma jurídica a sua previsão — sob o argumento meramente positivista kelseniano(11), o qual tem a pretensão de neutralidade ideológica do Direito(12), pois tal concepção exclui a prática social do âmbito da própria ciência jurídica. Por outro modo de dizer, o positivismo (6) CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário compacto de Direito. São Paulo: Saraiva, 2010, e HOUAISS. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: 2010. (7) BOBBIO, Norberto. Teoria geral do Direito. Trad. Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 193. (8) Ibidem, p. 193 (9) Op. cit., p. 196. (10) COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991. p. 106. (11) Para KELSEN, “Uma ordem é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é uma norma fundamental da qual se retira a validade de todas as normas pertencentes a essa ordem. Uma norma jurídica singular é uma norma jurídica enquanto pertence a uma determinada ordem jurídica e pertence a uma determinada ordem jurídica quando sua validade se funda na norma fundamental dessa ordem”. (Teoria pura do direito, 1962: 57). Ainda conforme esse autor, “todas as normas cuja validade pode ser reconhecida a uma e mesma norma fundamental forma um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a forma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas, enquanto representa o fundamento de validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa”. Teoria pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado, 1962. p. 269 e 317. (12) KELSEN. Teoria pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 100. — 22 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 22 20/8/2015 10:48:08 jurídico, atrelado à literalidade da lei, emprega a racionalidade legalista como ferramenta de interpretação e aplicação da decisão judicial — instrumental que, para a nossa construção teórica, não corresponde adequadamente. Mas, considerando que o nosso estudo pretende municiar a tarefa criativa da decisão judicial com um critério que reúna os instrumentais sistemático e teleológico, quanto à aplicação da prescrição às contribuições sociais decorrentes das decisões judiciais trabalhistas-previdenciárias, resta evidente que o critério exclusivamente positivista não alcançará o nosso propósito último, que é a adequação da prescrição à natureza especial das contribuições previdenciárias, à teleologia da lei. Ou seja, a adequação da prescrição aos fins sociais da lei — fins sociais que, no caso, dizem respeito ao cômputo das contribuições ao tempo de serviço do trabalhador. A finalidade está bem definida no art. 5o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que assim dispõe: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”(13). Tércio Sampaio Ferraz Jr. interpreta que: As expressões fins sociais e bem comum são entendidas como síntese ética da vida em comunidade. Sua menção pressupõe uma unidade de objetivos de comportamento social do homem. Os “fins sociais” são ditos de direito. Postula-se que a ordem jurídica, em sua totalidade, seja sempre um conjunto de preceitos para a realização da sociabilidade humana. Faz-se mister assim encontrar nas leis, nas constituições, jamais ser antissocial. Já o “bem comum” postula uma exigência que se faz à própria sociabilidade. Isto é, não se trata de fim de direito, mas da própria vida social.(14) Isso significa que a lei sempre tem uma finalidade social, sempre tem um propósito de interesse geral e público, ou seja, não se restringe à mera enunciação formal. Assim também a prescrição previdenciária-trabalhista como instituto processual-normativo-teleológico. Portanto, a compreensão do alcance social da lei não será possível pela via exclusivamente positivista, mas pela interpretação sistemática-teleológica da norma, porque — vamos desde logo deixar bem claro — o positivismo jurídico compreende o Direito apenas como norma racional. E, nesse contexto, o instituto da prescrição previdenciária-trabalhista não pode ser visto nem tido como norma absolutamente racional-positivista, daí a importância de uma teoria que esclareça as conexões normativas-teleológicas da prescrição relativa às contribuições previdenciárias oriundas das decisões judiciais trabalhistas. (13) Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Redação dada pela Lei n. 12.376, de 2010. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 abr. 2012. (14) FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. Técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008. p. 265. — 23 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 23 20/8/2015 10:48:08 Mas, se tomada na perspectiva das conexões normativas-teleológicas, a racionalidade formal da lei transcende para a racionalidade material, que é relativa aos seus fins sociais, pois, como escreve Larenz: A “racionalidade” da lei é entendida [...] não apenas em sentido formal, como um nexo lógico entre os conceitos, mas também em sentido material, como racionalidade dos fins, ou seja, como teleologia imanente(15). Afinal, como bem observa Coelho: O direito não é somente norma racional, ele é um sistema normativo, eis que a ordem jurídica é objetivamente racional nas articulações entre os elementos que a compõem; ou seja, como sistema, o direito forma um conjunto, cujo critério é a coesão de seus elementos(16). Quando se tratam de elementos que compõem a ordem jurídica dinâmica, a ela são imanentes as normas, os valores e os princípios. Isso significa que a subsunção de qualquer caso jurídico exige a compreensão e aplicação da decisão orientada aos fins sociais da lei, sob o farol sistemático-teleológico. Adotemos a concepção de Ferraz Jr. para explicar melhor os elementos que compõem a ordem jurídica e, então, situaremos a questão da prescrição enquanto instituto processual-normativo-teleológico. Para este autor, um ordenamento, enquanto sistema jurídico, contém um repertório e uma estrutura. O repertório é composto de elementos normativos e não normativos “que guardam relação entre si”(17). Pela descrição deste autor, na estrutura encontram-se as leis e os princípios em relação de hierarquia. Compreendamos hierarquia como “um conjunto de relações, estabelecidas conforme regras de subordinação e de coordenação”(18), isto é, como “uma relação hierárquica é uma relação de superioridade e inferioridade”(19). Os princípios compõem a estrutura do sistema porque, conforme Ferraz Jr., eles são “regras de coesão que constituem as relações entre as normas como um todo”(20). É por isso que, conforme ainda o mesmo autor, “as regras estruturais são, nesse sentido global, responsáveis pela imperatividade total do sistema”(21). (15) LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenklan, 2009. p. 42 (16) COELHO, p. 314-215. (17) FERRAZ JR., p. 146. (18) Ibidem, p. 146. (19) Op. cit., p. 155. (20) Op. cit., p. 146. (21) Op. cit., p. 145 e 156. — 24 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 24 20/8/2015 10:48:08 Como isso, apresenta-se o sistema jurídico como uma ordenação e como unidade(22) valorativa, à medida que são os princípios que dão a coesão às relações entre as normas em sua totalidade. Assim é que, na visão de Claus W. Canaris — com a qual comungamos —, o sistema jurídico apresenta como características “a ordem e a unidade”(23), com “correspondência jurídica nas ideias de adequação valorativa e da unidade interior do Direito”(24), as quais o definem como “ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos gerais”(25). Este estudo está ambientado nas relações jurídicas de trabalho ou nas relações empregatícias, quando de qualquer uma destas nasce a obrigação relativa ao recolhimento das contribuições sociais incidentes sobre o salário ou sobre a remuneração do período laboral reconhecido na sentença trabalhista de natureza declaratória-condenatória. Isso significa que o problema da prescrição previdenciária-trabalhista é atinente ao sistema normativo dinâmico e somente nele deve ser interpretado e solucionado. Situa-se, pois, o problema de estudo, no repertório do sistema jurídico, que é axiológico e teleológico, enquanto ordenamento jurídico dinâmico e aberto, sendo por isso que pode ser interpretado e explicado orgânica e conjuntamente pelas normas, pelos valores e pelos princípios. O problema jurídico da incidência da prescrição das contribuições sociais da relação de emprego, quando submetido ao critério interpretativo positivista, tem suscitado divergências na jurisprudência trabalhista. Não raro tem ocorrido que o beneficiário desse modelo de interpretação e decisão tem sido o empregador que, na origem da relação empregatícia, não recolhe as contribuições previdenciárias do período laboral. E, na relação processual, lança mão do aspecto formal da lei, no que tange à prescrição, para se desonerar da obrigação de recolher. De seu lado, a doutrina ainda não dedicou a atenção que esta questão (tão cara ao princípio da proteção social) merece. Cremos que uma teoria sistematizadora e clarificadora — acerca desse conjunto de regras, valores e princípios referente à prescrição das contribuições sociais — será bastante útil ao operador do direito para, na prática judiciária, eleger o critério hermenêutico mais adequado à concreção dos fins sociais da lei, o qual acreditamos ser o sistemático-teleológico. O método sistemático, por aglutinar todas as modalidades interpretativas, apresenta-se adequado à compreensão da relação existente entre o repertório e a estrutura (22) Segundo KOHLER (v. 13, p. 1 e seguintes, citado na f. 42 por Larenz): “a unidade interna da ordem jurídica repousa na validade dos princípios jurídicos gerais, princípios que ele entende como máximas coordenadoras, e não somente como sínteses conceptuais abstratas”. (23) CANARIS, W. Claus. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Tradução de A. Menezes Cordeiro. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenllan, 2002. p. 280. (24) Op. cit., p. 280. (25) Ibidem, p. 281. — 25 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 25 20/8/2015 10:48:08 do sistema jurídico dinâmico e, no âmbito do repertório, como se encaixa a prescrição dos tributos sociais para o sentido que o ordenamento jurídico a prevê — questão que também é fundamental para a coesão e à unidade do regime de prescrição das contribuições previdenciárias destinadas ao cômputo do tempo de serviço do obreiro. Nessa perspectiva, o método sistemático apresenta grande utilidade ao nosso estudo porque, como realça Wagner Balera: A interpretação sistemática permitirá a identificação clara dos princípios, focos de resistência que, certamente, se oporão à superação da questão social [...].(26) A interpretação sistemática do método possibilita a adequada análise das conexões internas do sistema, porque leva em consideração o relacionamento e a organicidade das regras, dos valores e dos princípios. Já por sua natureza, o método teleológico — o qual indaga e procura respostas sobre os propósitos sociais das leis — também possui função basilar na interpretação e na aplicação da prescrição, pois dirá com clareza a finalidade social da norma que a rege. Será, por conseguinte, o critério sistemático-teleológico o nosso guia na tarefa teórica a que ora nos propomos. É para a explicação e clarificação das conexões jurídicas do ordenamento jurídico dinâmico brasileiro que compreendemos ser importante a edificação de uma teoria específica à prescrição previdenciária-trabalhista, no âmbito das relações jurídicas de trabalho ou das relações empregatícias. Portanto, uma teoria que explique e torne adequadamente claras as conexões jurídicas específicas da prescrição das contribuições sociais previdenciárias requer, como pressuposto, a existência de uma relação de trabalho ou de uma relação empregatícia, bem como uma decisão judicial declaratória-condenatória da Justiça Federal do Trabalho. Esta premissa será trabalhada no decorrer desse estudo. Como substrato teórico à sustentação e comprovação, precisamos, como critério metodológico, fazer breves considerações sobre teoria científica e teoria jurídica, no sentido de bem especificar a função da teoria na prática judicial. 1.2. Teoria científica e teoria jurídica A tarefa interpretativa na aplicação judicial da lei implica, como vimos, um método hermenêutico coerente aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, visto que a interpretação da lei é tarefa criativa que leva à realização do Direito, conforme assinala José Antônio Savaris: A lei é o sentido da norma após o ato de interpretação. A norma não diz, senão depois da interpretação. A interpretação que determina a norma é alcançada por meio (26) BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. São Paulo: LTr, 2009. p. 172. — 26 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 26 20/8/2015 10:48:08 da concreta resolução dos problemas jurídicos nela fundamentada. O ato judicial decisório não corresponde, portanto, à aplicação da lei, mas à realização do Direito.(27) Sendo a “decisão judicial realizadora do Direito”(28), para o adequado desempenho desta tarefa, a teoria cumpre função importante que é, em sentido geral, descrever, sistematizar e explicar o conjunto de princípios, de regras e de leis. Desse modo, a teoria vai explicar, ao final, as conexões deste sistema e para qual finalidade social ele é ordenado. A tarefa interpretativa é, com efeito, fundada na teoria para o sentido maior da realização judicial — costurada por princípios gerais do Direito — que é a concreção ou “realização da sociabilidade humana”, como frisa o magistério de Ferraz Júnior. Observemos que, ao que Ferraz Jr. interpreta como “realização da sociabilidade humana” como fins sociais da lei, Larenz denomina de teoricamente de critérios objetivos-teleológicos dos fins objetivos do Direito, a manutenção da paz e da justa solução dos litígios: Os fins que o legislador intenta realizar por meio da lei são em muitos casos, ainda que não em todos, fins objetivos do Direito, como a manutenção da paz e a justa resolução dos litígios, o “equilíbrio” de uma regulação no sentido da consideração dos bens jurídicos e um procedimento judicial justo. Além disso, todos aspiramos a uma regulação que seja materialmente adequada.(29) Eis a razão pela qual Kohler recomenda que a tarefa interpretativa deve “trabalhar” teoricamente a lei à luz dos princípios: A interpretação tem de “trabalhar” de tal modo a lei, que traga à luz dos princípios nela contidos, oferecendo-se cada determinação legal como a “ramificação de um princípio”, “com a qualificação e a posição funcional que lhe competem de acordo com esses princípios”.(30) Daí que a aplicação da decisão judicial, para a realização concreta e eficaz dos fins sociais do Direito (em sentido geral) e da lei (em sentido restrito), não prescinde de uma teoria que a explique e que a sustente com coerência dentro do ordenamento jurídico. Ora, a operação judicial, como tarefa criativa, no fundo implica uma escolha ou uma opção teórica do operador do Direito. Será desta opção, por determinada teoria, que poderá ou não resultar o efeito social que a lei almeja e que o bem comum exige. Por outra forma de dizer: a correta compreensão teórica do sistema jurídico dinâmico exige que, na explicação teórica de suas conexões jurídicas, a operação judicial também adote um modelo teórico com ele compatível. (27) SAVARIS, José Antônio. Uma teoria da decisão judicial da previdência social: contribuição para superação da prática utilitarista. São Paulo: Conceito, 2011. p. 27. (28) Op. cit., p. 28. (29) LARENZ, op. cit., p. 439-470. (30) KOHLER (vol. 13, p. 1 e ss.), citado na f. 42 por Larenz, p. 7 e 42. — 27 — 5330.4 - Teoria da Prescrição das Contribuições - 2 ed.indd 27 20/8/2015 10:48:08