PENSO, LOGO INSISTO. UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO INFANTIL NOS DIAS DE HOJE. Raquel da Silva Trindade Lima Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil Resumo Este artigo aborda a autonomia do pensamento infantil, mostrando como a criança pode ter um olhar mais filosófico do seu entorno, a partir do pensamento transcendental de Kant, e do existencialismo de Heidegger. Observados como um meio, tal atitude a tornaria mais reflexiva e questionadora. O conflito do pensamento infantil é levantado e exemplificado através de algumas obras do cinema. É também sugerida uma proposta de trabalho que possa levar a criança a uma vida mais reflexiva, por meio da investigação dialógica proposta por Juarez Sofiste. Palavras-chave: criança, Kant, Heidegger, pensamento filosófico, cinema, Sofiste. Abstract This paper broaches children´s autonomy thought, showing how they may have a more philosophical look of their surroundings, through Kant´s transcedental thought, so as Heidegger´s existencialism. Observed as a mean, this would turn her/him into a more reflexive and inquisitive child. Child´s thought conflict is raised in this article and exemplified through some cinema works. A working proposal which will enable children to take a more reflexive life, throughout Juarez Sofiste´s dialogical investigation is also suggested. Key words: child, Kant, Heidegger, philosophical thought, Sofiste. PENSO, LOGO INSISTO. UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO INFANTIL NOS DIAS DE HOJE. 1. Introdução Observando o cenário socioeconômico das duas últimas décadas, pode-se perceber que cada vez mais ele se volta aos apelos e supostas necessidades infantis, no intuito de criar um ‘adulto completo’, adaptado a um mercado em contínua expansão e à salvo dos problemas que possam se apresentar nesse trajeto. Desde então, várias teorias têm sido criadas para justificar o acesso ao consumo desses futuros adultos. O que não se tem levado em conta é o fluxo de informação que chega a essas jovens mentes. Informação tendenciosa, dando mais ênfase nos direitos e prazeres advindos dos mesmos, do que propriamente na responsabilidade e consequências embutidas em cada escolha feita. É nesse momento que o pensamento filosófico se faz necessário. Levar a criança a pensar sobre suas escolhas, colocando-a mais próxima II SIFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015 de um estado contemplativo (HEIDEGGER), sem descaracterizar sua essência infantil, seria o equilíbrio perfeito nessa equação. Desta maneira, uma breve análise do comportamento infantil, a partir do momento que a criança é notada como parte da sociedade (ARIÈS), faz-se necessária para entendermos em qual momento este elemento passa a ter um papel social relevante na sociedade de consumo. A abordagem do pensamento mais existencialista é analisado a partir de algumas obras do cinema, as quais representam a criança não como protagonista, mas coadjuvante da própria história. A falta de espaço para exprimir suas vontades e desejos chega a levar a criança a atitudes extremas, em alguns dos casos. Dessa maneira, o lado educacional é trazido em pauta, questionando como a escola pode trabalhar esse pensamento filosófico, a partir de atividades de investigação dialógica, prática abordada pelo professor Juarez Sofiste. A ideia de trabalhar o olhar filosófico vai além do ensino da matéria, mas cria possibilidades interdisciplinares, levando o aluno a um novo olhar do seu entorno, deixando-o mais crítico e reflexivo. 2. A criança no império dos desejos. Até alguns séculos atrás, uma criança ser ouvida e, principalmente, ter seus desejos levados em consideração era algo inimaginável. Vistas como pequenos adultos, sem características próprias no período da Idade Média (Aranha apud Ariès, p.99), as crianças ganharam notoriedade mais acentuada apenas a partir do século XVII, onde a institucionalização das escolas por parte das ordens religiosas, passaram a se preocupar com a não corrupção da inocência infantil. Essa mudança de comportamento deu-se no campo das Artes, através da representação de crianças com traços mais gentis nas cenas cotidianas; da Economia, onde a criança passou a ser vista como futura mão de obra aos novos burgueses das cidades em expansão; e principalmente da Pedagogia, onde os primeiros estudos sobre uma nova didática, com João Comenius, passou a ser proclamada. Contudo, no campo da educação, a verdadeira revolução veio com Jean-Jacques Rousseau, o qual partindo do princípio de que o homem é bom por natureza, crê que a criança deve ser ensinada longe da sociedade, estando esta última já corrompida. A relação do educador com essa criança será de condutor, adaptando-se ao seu conhecimento, levando-a a novas experiências e consequente aprendizado. Seu 2 PENSO, LOGO INSISTO. UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO INFANTIL NOS DIAS DE HOJE. pensamento de que a mudança na sociedade dar-se-á pela educação, levando-a à liberdade, é ainda hoje um pensamento extremamente revolucionário. A estas ideias, juntou-se a necessidade de criar um novo modelo de núcleo familiar, pelo advento da Revolução Industrial. O século XVIII impôs ao homem moderno uma nova forma de se relacionar em sociedade, já que relações trabalhistas, ainda primitivas, deram lugar à antiga relação vassalo e senhor, traços típicos da cultura feudal (ARANHA, p. 99). Sendo assim, a implantação do capitalismo traz consigo a separação do que seria público e privado, criando um novo conceito de indivíduo, o qual precisa de novos meios para se tornar cada vez mais único. Juntamente com a necessidade de expansão da indústria, novas necessidades passaram a ser oferecidas a esse novo homem que precisava se diferenciar dos demais. Com a evolução das relações sociais, a família foi também reinventada. Núcleos mais concentrados dispunham naquele momento de um tempo inventado, e disponível às ofertas de consumo e de lazer (CAMPBELL). Antes porém, esse lazer era direcionado mais ao provedor da família, sendo as crianças ainda categoria secundária no alvo industrial. Essa ideia se expandiria apenas quase cem anos depois quando as fábricas voltam um olhar mais atento às crianças. Estas, apesar da imaturidade, recebem uma profusão de informações que as levam a fazer escolhas. No entanto, a informação chega de maneira superficial, e as escolhas, nesse momento, acontecem sempre por impulso. De acordo com Pasolini (Gondra apud Pasolini, p.131) estas escolhas vão se corporificar, e de certo modo moldar a criança por toda sua vida. Daí a necessidade de levá-la a um estado de reflexão desde tenra idade. 3. Pensar, um meio à liberdade. Partindo do pressuposto de que toda relação humana advém de uma troca mútua de interesses, torna-se fácil entender as relações entre consumidor e mercado. A saciedade pela aquisição de um novo bem, apesar de passageira, traz felicidade. E o que mais busca o homem, senão a felicidade? Nesse ponto vários aspectos devem ser levados em conta, dentre eles a questão do que nortearia este consumo, pois de acordo com Luckács (Campbell apud Luckács, p. 57) “no mundo moderno, a produção de consumo se torna mais importante que o consumo da produção”. Desta forma, a busca constante por novas relações, seja com o outro ou com o mercado, passa a ser 3 II SIFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015 encarada como uma constante busca de algo que possa preencher um hiato existencial. Este comportamento deve nos levar a pensar qual seria o nosso papel como educadores, já que notadamente a criança é um reflexo do mundo que a cerca. Somos eternos espelhos que vão refletir na criança nosso próprio comportamento, muito mais do que o conhecimento que desejamos que elas adquiram. E nesse processo é importante salientar que independente do lhes for passado, esta criança também está desenvolvendo sua própria forma de pensar, ou segundo Jean Piaget, sua segunda moral. A questão moral, levantada por Kant, está diretamente ligada à capacidade do ser humano de pensar por si mesmo, a qual o tornará livre para fazer suas próprias escolhas, avaliando o que seria bom ou ruim, de acordo com os conceitos morais delineados pela própria sociedade. Tendo em mente que quanto mais livre somos, mais responsáveis nos tornamos, sem que para tanto haja uma idade pré-determinada, o educador deve conduzir o educando a pensar por si mesmo. “Sapere Aude!”, diz Kant em resposta à própria pergunta (O que é esclarecimento?, 1784). No entanto, como levar o aluno a pensar de maneira autônoma em um mundo acharcado de informações truncadas e de fácil acesso? Na Crítica da Razão Pura de Kant, há a argumentação de que nos é necessário tanto o racionalismo, ou razão, quanto o conhecimento empírico, a experiência, para que conheçamos o mundo de maneira mais completa, ou transcendental. Este conhecimento na práxis educacional é percebido pela interação de ambas. É o que delineia Aranha (p.164, grifos do autor). “Essa abordagem também se diz interacionista porque o conhecimento é concebido como resultado da ação entre o sujeito e o objeto. O conhecimento não está, então, no sujeito, como como queriam os aprioristas, nem no objeto, como diziam os empiristas, mas resulta na interação entre ambos. Portanto, o ato de conhecer é dinâmico, já que o ser humano passa por estágios progressivos de autoorganização nos quais as estruturas se sucedem, alternando mobilidade e estabilidade”. Esse pensamento interacionista, também denominado construtivista, pode ser elevado a uma condição mais ontológica. Segundo Heidegger, este levaria o homem a pensar não somente na própria existência (o que eu sou?), mas também no significado de sua existência em si (para que eu sou?). Dessa maneira, ele discorre sobre o sentido 4 PENSO, LOGO INSISTO. UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO INFANTIL NOS DIAS DE HOJE. que damos à nossa vida em seu decorrer, por meio de projetos, os quais estando terminados ou não, serão cessados pelo advento da morte. Esta seria “o limite extremo de todos os nossos projetos (...) A morte, disse Heidegger, é o horizonte mais afastado do nosso ser: tudo o que podemos fazer, ver ou pensar tem lugar dentro desse horizonte” (Kim, p.254). A busca por uma vida plena de projetos, no entanto, não deixa espaço para o momento contemplativo, onde cada um pode deixar a linguagem verdadeiramente falar ao íntimo, e segundo Heidegger o homem deixa de ser pragmático e passa a viver como um “pastor do ser”, usando seu tempo contemplativo para pensar de maneira mais profunda e poética, envolvendo-se num mundo que vai além da simples troca de informação. Esse pensamento também poderia ser aplicado à escola e à formação da criança. A criança que é levada a pensar mais profundamente sobre questões do cotidiano, a partir de um pensamento de deslumbramento (desde expressões faciais que lhe são enigmáticas, a elementos que estão ao seu redor, sendo estes em casa ou na vizinhança), torna-se capaz de se tornar um “pastor do ser”. Será nesse momento que a criança vai buscar seu saber através de perguntas que não são nem científicas, e tampouco simbólicas. Estas podem vir com um caráter metafísico (perguntas mais existenciais, como: o que é espaço, o que é mente, etc), lógico (aquelas que tem como base o raciocínio acerca da questão), ou ético (perguntas relativas a questões morais – geralmente essas últimas estão diretamente ligadas ao comportamento do adulto, o qual ela tem como “espelho”). Independente do caráter da pergunta, cabe ao adulto levar a criança a um posicionamento questionador, respondendo de forma que satisfaça a criança, sem exageros ou brincadeiras que possam vir a deturpar o entendimento, e até mesmo desestimulá-la a perguntar novamente. Esse exercício de investigação dialógica, vai contribuir substancialmente para o desenvolvimento de um senso crítico nessa criança. Não necessariamente contestador, já que nem sempre um pensamento filosófico vem para derrubar o pensamento anterior, mas questionador do ambiente que a cerca, e determinante para a construção de um adulto crítico, que vai além dos projetos pré-determinados socialmente. Observando a criança contemporânea em sua vida diária, nota-se que esta é exposta aos mais variados estímulos, seja pelos aparatos eletrônicos, incluindo televisão, computador, consoles de jogos; seja pelas tarefas impostas pelos pais, para 5 II SIFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015 que esta se torne um adulto mais competitivo no mercado de trabalho; ou até mesmo pelas obrigações sociais, como idas à cultos/missas, festas de aniversário, idas ao cinema/teatro. Enfim, mesmo nos momentos em que a criança deveria estar desfrutando de algo que lhe traria prazer, sua mente se mantem ocupada apenas recebendo estímulos dos mais variados lugares. Não há momento para um verdadeiro descanso mental. É nesse ponto que se faz necessário o ato de admirar, ou espantar-se com as coisas. Este transcende o mundo do trabalho, e apesar de não ter uma utilidade prática, confere a quem o faz capacidade de afastar-se da realidade cotidiana, e atribuir um novo olhar sobre o que está a sua volta. Esta percepção incomum e nãodiário no que é comum e no diário, é o mirandum, ou o princípio do filosofar. Conforme S. Tomás de Aquino e Aristóteles, tal ato se aproxima do ato poético. Este pode vir das mais variadas, e simples, maneiras: uma volta no quarteirão, uma conversa com os amigos ou irmãos, brincar com o animal de estimação, além de brincar com brinquedos comuns (carrinhos e bonecas sem qualquer tecnologia, brinquedos de montar, etc.). É nesse momento, que a criança vai criar conexões e intercessões de todo conhecimento adquirido, pois justamente quando se acha que ela não está fazendo nada de proveitoso, é onde essas informações vão fundamentar ideias e conceitos, outrora no campo da “absorção”, e propiciar um feedback na criança de tudo aquilo que lhe foi ensinado – direta ou indiretamente. 4. A criança existencialista Desde a criação da sétima arte, vários filmes já retrataram o universo infantil explorando ora seu lado mais lúdico, ora a fórmula dos dramas hollywoodianos, os quais infalivelmente terminam em um final feliz. No entanto, são poucas as obras cinematográficas que mostram a criança na sua essência mais existencialista. Tais filmes geralmente são classificados como dramas, porém vão além, pois levam o telespectador a também questionar suas próprias atitudes acerca do que se tem feito para tornar a vida da criança que vive próxima a si menos conflitante. O ponto dissonante nesses filmes é que normalmente o adulto pensa que a criança não consegue criar pensamentos mais aprofundados, em outras palavras, filosóficos. Pensa-se de maneira bastante arrogante que “criança não faz nada, só estuda”, “que criança pensar, só se for na próxima brincadeira”. Frases pejorativas 6 PENSO, LOGO INSISTO. UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO INFANTIL NOS DIAS DE HOJE. que levam o ato de filosofar, desde tenra idade, ao descrédito, criando barreiras inclusive para o trabalho dentro de sala de aula, nas mais variadas disciplinas, já que todas necessitam de um mínimo de reflexão para apreensão dos conceitos. O fato é que a criança que não é levada a refletir mais poeticamente, tampouco o fará na idade adulta, ou o fará após um difícil exercício. Dentre estes filmes pode-se citar: “Alemanha, ano zero” (Germannia anno zero), produção italiana de 1948, com direção de Roberto Rosselini. Esse filme conta a história de um menino, Edmund Koeler, que vive entre os escombros de uma arrasada Alemanha pós-guerra. Tendo a maioria de seus familiares inaptos ao trabalho ou obtenção de renda, este passa a ser o provedor da família. No entanto, algumas situações, como a tentativa de trabalho frustrada com seu ex-professor e sua união a um grupo de delinquentes, o leva a praticar pequenos furtos para tentar ganhar a vida. Aqui, a influência ideológica fascista ainda tenta um último suspiro através dos discursos do professor e do próprio Hitler em um disco de vinil, no entanto sucumbem à falta de oportunidades observadas ao longo do filme. Esse mesmo discurso “onde os mais fracos devem ser eliminados pelos mais fortes”, leva o menino Edmund a matar pai moribundo, e depois do arrependimento pelo ato cometido, vê como última alternativa o suicídio. O suicídio infantil é algo difícil de ser concebido na mente do adulto, tendo em vista que tal ato significaria uma falha da sociedade na manutenção da vida daquela criança. Contudo, parte desse problema se dá justamente pelo descrédito do adulto no pensamento infantil. Apesar desse filme mostrar uma situação limítrofe, este ato é mais comum do que se possa imaginar. No último ano foi registrado um aumento de 40% na taxa de suicídios entre crianças e adolescentes no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde. Os motivos são os mais diversos, desde bulling até dificuldade financeira familiar. Apesar dos fatos acima, pode-se pensar que um ensinamento no campo filosófico trará outra perspectiva a essa criança. Ao tomar distância de uma situação, interrogando porque esta acontece, quais suas consequências e qual importância este fato teria realmente, numa atitude investigativa, ampliará as possibilidades de resposta desse indivíduo, pois o mesmo estará começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica. Outro filme que chama atenção pela abordagem é “Os incompreendidos” (Les quatre cinq coups), produção francesa de 1959, dirigido por François Truffaut, o qual 7 II SIFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015 também mostra uma infância marginalizada, vivida pelo personagem Antoine Doinel. Este é negligenciado pela mãe e por seu padrasto. Sem muita perspectiva, vagueia pelas ruas parisienses e acaba praticando pequenos furtos. O que chama atenção nessa obra é a total incapacidade de culpabilização da mãe pelos atos do menino. Em certo momento ela chega a desistir do filho, entregando-o aos cuidados do Estado. Após uma fuga do internato onde se encontrava, o filme termina com o menino encarando o espectador, como se o entregasse o dever de culpá-lo ou absolvê-lo dos delitos cometidos ao longo da película. Por fim é colocado nessa lista o recente “Boyhood. Da infância à juventude” (Boyhood), produção americana de 2014, do diretor Richard Linklater. O primeiro fato a ser levantado foi o tempo de filmagem desse filme: 12 anos. Por querer manter os mesmos atores principais na trama, o diretor manteve a filmagem por todos esses anos. O que chama atenção neste filme é a reflexão silenciosa que o menino faz ao longo dos acontecimentos de sua vida. Muito se diz pelas expessões do menino Mason e suas desventuras. Estes dois últimos filmes mostram a criança como protagonista, mas também coadjuvante silenciosa da própria história. Apesar de destinos diferentes em épocas e costumes quase opostos, elas são ainda assim altamente reflexivas, não tendo espaço para um diálogo pleno, seja dentro do ambiente familiar, ou na escola. Em ambos os filmes, elas são em algum momento estereotipadas por aqueles que deveriam lhes oferecer segurança – emocional ou física. Esta observação se faz presente no nosso dia a dia, e suscita a seguinte questão: em qual ambiente essa discussão poderia ter um espaço mais ampliado? De fato, o ambiente escolar deveria ser o espaço da skolé, do tempo livre, do pensar. Levando-se em conta que a mente da criança e do jovem é altamente educável, o incentivo à reflexão pode levá-lo uma nova atitude, onde o ato de falar e ouvir será mais consciente, respeitando o outro, sem necessariamente concordando com ele, e ao mesmo tempo reconstruindo sua fala, seu modo de pensar, de maneira que haja fluidez no diálogo. 5. Investigação dialógica: um meio ao pensamento filosófico. É justamente de uma atitude filosófica e um pensamento transcendental que se fala para chegarmos ao cidadão pleno. Aquele que consegue refletir plenamente sobre 8 PENSO, LOGO INSISTO. UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO INFANTIL NOS DIAS DE HOJE. seus atos, acaba se tornando senhor de si, gozando de uma verdadeira liberdade. Liberdade consciente já que ao se deparar com um problema, terá condições de problematizá-lo e talvez chegar a uma solução. Neste sentido, as pesquisas de Juarez Sofiste acerca da investigação dialógica confluem para um ensino que vai além da simples transmissão de conhecimentos e memorização mecânica. Esta propõe que a criança e o adolescente sejam levados à construção do conhecimento por meio do desenvolvimento de habilidades e competências, onde ambos aluno e professor construirão o conhecimento em conjunto, por meio de um ambiente adequadamente preparado. Essa afirmativa cria ressonâncias com o pensamento transcendental kantiano, assim como com o existencialismo de Heidegger, no que diz respeito à criação de meios em que o indivíduo, nesse caso a criança, vai buscar no ato contemplativo meios de desenvolver o seu senso crítico. Questionar o sentido das coisas e seus devires incita naturalmente o exercício do pensar. Aplicado às crianças, o ‘fazer pensar’ possibilita não só um aprendizado mais elaborado, mas promove a criação de um senso crítico que vai crescer com elas, fazendo com que se tornem adultos oniscientes. Concluindo, levar a criança a uma posição questionadora é até fácil, no entanto manter esse estímulo, e principalmente ensiná-la a organizar esses pensamentos, é algo que requer pratica e desprendimento, além de uma boa dose de humildade por parte do tutor, para admitir seu erro ou seu não saber, e se deixar levar pela curiosidade daquele que, a princípio, seria o seu discípulo. E nesse caminho o pensamento filosófico é o mais indicado, pois sem ditar regras específicas de certo e errado, a criança é levada a analisar de forma coerente suas próprias atitudes e consequências; criando uma “condição básica de integridade moral”, de maneira que ao se deparar com uma situação limítrofe, esta saberá exatamente porque estará quebrando as regras de certa forma auto impostas. 6. Conclusão. O pensamento filosófico usado na educação está diretamente ligado à construção do raciocínio. É por meio dele que a aquisição de conhecimentos práticos, aliados à capacidade imaginativa, vai colaborar para o desenvolvimento mais pleno do ser humano, tornando-o mais consciente e preparado para a vida em comunidade. 9 II SIFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015 Portanto, aprender a fazer filosofia, é buscar meios de abrir novos horizontes através de uma proposta onde a educação dar-se-á por meios dialógicos. Neles, a criança através do raciocínio e da capacidade imaginativa, vai vislumbrar respostas a questões que fazem parte do seu dia a dia, criando novos significados por meio do diálogo e da experiência com o outro. Encaminhar a criança a uma vida adulta plena é papel da sociedade, mas nos cabe questionar que tipo de plenitude queremos para essas mesmas crianças, já que cada vez mais, pelo medo da violência urbana, as impomos atividades que não lhes deixa tempo para serem simplesmente crianças, com suas dúvidas próprias da idade. O que é esquecido é que justamente este tempo livre pode ser usado positivamente no desenvolvimento emocional e psicológico dessa criança. Levá-la a pensar e discorrer sobre seus pensamentos, dando a elas voz, é o que de certa forma norteará conceitos que as acompanharão por toda sua vida. Finalizando, abrir espaço para este tipo de questionamento é apenas a mola propulsora para que futuras propostas no campo tanto da filosofia, como da educação venham complementar o desenvolvimento da criança. Pensar e levar o outro consigo faz parte do caminho que o educador deve buscar. Sem necessariamente apontar soluções definitivas, mas mostrando um caminho possível de ser experimentado. Referências ARANHA. Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 3ª ed. revisada e atualizada. São Paulo: Moderna. 2006. GONDRA, José Gonçalves. História, infância e escolarização. Rio de Janeiro: 7 Letras. 2002. KIM, Douglas. O livro da filosofia. São Paulo: Globo. 2011. KEMP, Philip. Tudo sobre o cinema. Rio de Janeiro: Sextante. 2011. SOFISTE, Juarez Gomes. Sócrates e o ensino da filosofia. Investigação dialógica: uma pedagogia para a docência de filosofia. Rio de Janeiro: Vozes. 2007. CAMPBELL, Colin. O enigma do consumismo moderno. In:______. 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