Radiografia
Há centros de saúde onde todos os médicos pediram
reforma
por ANA MAIAHoje
Região de Lisboa é das que mais sofrem com a falta de clínicos gerais. Em Penela, todos os
médicos querem sair. Situação parecida com a que se vive no Bombarral
Há centros de saúde no País onde todos os médicos de família pediram a reforma. É o
caso do de Penela, na zona de Coimbra, que pode ficar vazio. No do Bombarral, em oito
clínicos, seis fizeram o mesmo pedido. A situação na zona de Lisboa e Vale do Tejo é
das mais preocupantes. A falta de médicos já deixou milhares de utentes sem resposta.
Em seis anos, esta região devia ter ganho 50 clínicos, mas acabou por ficar sem cerca de
200. E a situação vai piorar. Em todo o País, vão ser mais três mil médicos a deixar a
profissão.
"Entre 2002 e 2007 a região de Lisboa perdeu 10% dos médicos. São cerca de menos
200. É uma perda muito significativa, ainda mais porque a população aumentou no
mesmo período. São mais 85 mil pessoas. Só isso exigia mais 50 médicos", afirma ao
DN Rui Nogueira, vice-presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica
Geral (APMCG).
Contas feitas, faltam cerca de 250 médicos de família para responder às necessidades da
população. No centro de saúde de S. João, em Lisboa, já se fala em mais reformas. "Há
dias, ouviu-se dizer que vamos ficar sem mais médicos porque alguns vão para a
reforma. Às vezes são dois meses à espera de consulta e já cheguei a vir às seis da
manhã para marcar uma consulta", conta ao DN Maria Fernandes, de 75 anos.
Filipe Forte, 35 anos, saiu do mesmo centro de saúde sem resposta para o seu problema.
Um problema nas costas levou-o a um hospital. Precisava de uma baixa para ficar de
repouso, a recomendação do médico que o viu, mas ainda nem uma consulta de recurso
conseguiu. "A minha médica de família está de férias e não consegui apanhar mais
nenhum médico. Existem quatro consultas de recurso por dia e não consegui vaga",
lamenta.
"Há muita gente sem médicos de família. No ano passado fizeram uma remodelação e
só ficaram dois médicos", acrescentou Filipe. Não é por isso de estranhar que, quando
foi pedir informações para uma amiga, Maria de Jesus tenha deixado o centro logo com
um aviso: "60% da população daqui está sem médico de família", explica Maria ao DN.
Este não é um problema exclusivo da capital. "Há muitas unidades a sofrer. Em Penela,
todos os médicos pediram a reforma. No Bombarral, em oito clínicos, seis também
fizeram o mesmo pedido. Na Baixa da Banheira e na Amora, se houver médicos a pedir
reforma, o problema vai agudizar- -se. É muito grave", alerta o vice- -presidente da
APMCG .
"Isto vai arruinar e destruir a génese dos cuidados primários. Um dos atributos é a
acessibilida- de. Temos de garantir resposta rápida a quem nos procura e a
personalização do atendimento. É péssimo trabalhar nestas condições", reforça Rui
Nogueira, lembrando que a situação vai piorar.
"Temos cerca de 400 colegas que pediram agora a reforma antecipada. Mas em 2012
vamos ter um outro problema, que é a entrada no regime geral de aposentações. Até lá,
prevê-se que sejam três mil os médicos de família a sair. E não temos a possibilidade de
formar médicos para substituir os que saem. No futuro, a situação vai ser muito pior",
assegura o especialista em medicina geral.
Neste momento, estão a entrar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) cerca de 300
médicos de família por ano. Mesmo mantendo o ritmo, não será possível preencher os
lugares que vão vagar.
"Em três anos conseguiremos formar 900 médicos de família. Mil, com esforço. E é
preciso ver que saem três mil", destaca. As contas apontam para 400 mil a 600 mil
habitantes sem médico de família.
"Os médicos estão a trabalhar, mas não onde fazem mais falta. A Assembleia fez muito
bem em recomendar a agilização do processo de colocação de médicos de família.
Temos médicos de família sem utentes e utentes sem médico de família", lamenta Rui
Nogueira.
Os seis profissionais vão reformar-se
Hoje
penela Seis médicos, seis reformas a caminho. O diagnóstico foi feito ao DN pela
Associação de Clínicos Gerais: todos os médicos do Centro de Saúde de Penela, no
distrito de Coimbra, já pediram a reforma.
Mas a maioria dos utentes ainda não sabe que está prestes a ficar sem médico. "Não
venho à consulta há muito tempo, não sei de nada", conta Alice Paulino. Depois de
reflectir, apercebe-se de que a médica de família, que a acompanha há 20 anos, "já não é
nova". Não é a única: a maioria dos médicos que ali trabalham segue há décadas os
mesmos pacientes. "Acho bem que se reformem, é um direito", admite um utente mais
optimista.
Ainda assim, há quem comece a mostrar alguma inquietação. "Não sei como é que se
vai arranjar médicos para tanta gente, porque eles não vão querer vir para cá", alerta
Maria Conceição Luís. Penela fica a cerca de 30 quilómetros de Coimbra, mas começa a
sofrer o estigma da interiorização.
Maria Conceição Mendes e o marido temem um futuro caótico: um médico para
acompanhar toda a população de Penela. "Como é que uma pessoa sozinha pode seguir
tanto doente, se já agora passamos uma manhã à espera de uma consulta?", questiona.
Susana Silva e Rui Santos também são críticos quanto ao serviço prestado. "Ainda na
semana passada saímos daqui às 15.30", mas, embalados pela alegria do pequeno
Miguel, nascido há pouco mais de um mês, estão mais confiantes. "Hão-de resolver o
problema", acredita Susana. Quem prefere não falar sobre o assunto são os médicos. Os
responsáveis do Centro de Saúde de Penela e a directora executiva do Agrupamento de
Centros de Saúde Pinhal Interior Norte II recusaram-se a prestar declarações ao DN.
Situação insustentável para dois mil
Hoje
santa comba dão Mais de 2000 utentes de Santa Comba Dão, Viseu, estão sem médico
de família. No concelho, onde já foram encerradas três extensões de saúde, quatro
médicos estão à beira da reforma. A autarquia e o PCP ameaçam com formas de luta se
o problema dos doentes não for resolvido. O responsável do centro de saúde reconhece
as carências, mas promete resolver o problema até ao final do mês.
"A situação que se vive no Centro de Saúde de Santa Comba Dão é insustentável",
assegura o comunista Carlos Andrade, que teme que "a situação piore e se aproxime do
caos, com a reforma, até ao fim do ano, de mais quatro médios dos quadros".
Em Fevereiro e de uma só assentada fecharam no concelho três extensões de saúde.
Posteriormente, o Serviço de Atendimento Permanente deixou de funcionar no período
nocturno. Medidas que "foram justificadas com a falta de médicos".
Mas desde então "nada foi feito e as populações sentem na pele a desorganização e
incompetência reinante no centro de saúde", adianta o responsável. E promete levar a
questão ao Parlamento para questionar o Ministério da Saúde ao mesmo tempo que
avança com um abaixo-assinado a pedir a colocação de médicos. Se não houver
resolução do problema, o PCP assegura "apoio a todas as acções de protesto para
reclamar o direito a médico de família e a cuidados de saúde".
Uma promessa partilhada pela autarquia que deu dois dias ao Ministério da Saúde para
dar soluções. Se isso não acontecer, o presidente da câmara, João Lourenço, promete
"uma tomada de posição incluindo formas de luta". O autarca lamenta que o município
"tenha sido esquecido" e lembra que "nem quando Correia de Campos foi ministro isto
sucedeu".
O responsável pelo Agrupamento de Centros de Saúde Dão Lafões III, que inclui o de
Santa Comba Dão, admite que sejam "mais de dois mil utentes sem médico de família"
e garante uma "reorganização para que todos os utentes da sede do concelho e de S.
João de Areias, a extensão que ainda não fechou, tenham cobertura médica".
José Craveiro lembra que o centro de saúde tem "sete médicos e 13 mil utentes" e
promete uma solução, "até ao final do mês", que passa por atribuir "1550 utentes a cada
médico".
Turistas empurrados de uma unidade para outra
Hoje
ALgarve A situação torna-se mais grave em período de férias, com o aumento da
procura dos serviços de saúde. "Os médicos são poucos e nesta altura a população
triplica. São horas e horas de espera. No ano passado, o INEM não conseguia responder
aos pedidos, porque as macas estavam ocupadas no hospital que não tinha camas
disponíveis", diz ao DN Gisela Palma, do PCP/Algarve.
Para este Verão, não houve reforço das equipas médicas. "Estamos impossibilitados de
contratar médicos através de empresas. O problema é falta de médicos no SNS, pois não
há clínicos para contratar", explica ao DN Rui Lourenço, presidente da Administração
Regional de Saúde do Algarve.
Aqui há cerca de 50 mil pessoas sem médico de família. E, nesta altura do ano, os
centros de saúde têm de responder aos turistas.
"As pessoas são mal atendidas e empurradas de um local para outro. Em muitos centros
de saúde perguntam onde a pessoa está a passar férias e dizem para ir ao centro de saúde
da zona. Mas nem todos têm serviço de urgência básica", denuncia Gisela Palma.
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