Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 1 Mídia Educadores e Movimentos Sociais: Elementos de Ressignificação¹ Fabíola da Silva Cunha ² Resumo Este projeto de iniciação científica estabeleceu as seguintes atividades: estudar os processos comunicativos em sociedade, tendo como base teórica os especialistas latinoamericanos e o estudo da recepção; compreender como ocorre a passagem da emissão e da recepção de mensagens nos meios de comunicação e como o sentido dessas mensagens é reconstruído dentro do âmbito sócio-cultural de um educador vinculado ao movimento sindical; qual é o contexto em que o indivíduo está inserido, sua relação com a mídia e o contraste entre a visão que possui dos meios de comunicação e o discurso exposto em sua liderança sindical; promover a ligação entre as teorias da comunicação e da educação, delineando as diferenças na fala do indivíduo como “educador”, do “espectador” e “sindicalista”. Palavras-chave Processos Mediáticos Culturais; Mídia e cultura; sindicato; mídia e linguagens Corpo do trabalho 1 - Introdução Os primeiros seis meses do projeto de pesquisa “Mídia, educadores e movimentos sociais: elementos de ressignificação” foram voltados para a realização de estudos dirigidos com o objetivo de compreender e analisar os conceitos básicos relacionados aos paradigmas teóricos que procuram refletir sobre as possibilidades de visões da realidade. Esta etapa foi iniciada com a revisão bibliográfica sobre a Teoria da Recepção e Estudos Culturais (Escola de Birmigham). As teorias cujas construções se baseiam em visões maniqueístas da realidade, ou estão presas a conceitos descontextualizados, têm sua inadequação ressaltada por diversos autores que se dedicam aos “estudos da recepção”. Ao observar o painel histórico-cultural da América Latina, esses autores destacam a inadequação do pensamento eurocêntrico aplicado aqui e suas conseqüências. 1 Trabalho apresentado ao Intercom Junior ² Aluna do 7º semestre do curso de Jornalismo da Unimep Bolsista de iniciação científica sob orientação do Professor Dennis de Oliveira 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 2 - Revisão Bibliográfica 2.1 – Da Teoria Crítica para a Teoria da Recepção A teoria sobre cultura elaborada pelos pesquisadores da Escola de Frankfurt parece desprezar qualquer manifestação cultural que não esteja ligada aos padrões da época (primeira metade do século 20). A Escola de Frankfurt possui, segundo Barbero, uma postura radical que deriva da experiência com o nazismo vivida por seus membros: apresenta uma “tendência à totalização” (MARTIN-BARBERO, 1985, p. 63). “E em parte a reflexão dos frankfurtianos retira a crítica cultural dos jornais e a situa no centro do debate filosófico do seu tempo: no debate do marxismo com o positivismo norte-americano e com o existencialismo europeu” (MARTIN-BARBERO, 1985, p. 63) O termo indústria cultural, cunhado por Adorno e Horkheimer, define-se como o sistema em que bens culturais são produzidos em série e perdem seu caráter de obra inimitável. “Ali se busca pensar a dialética histórica que, partindo da razão ilustrada, desemboca na irracionalidade que articula totalitarismo político e massificação cultural como as duas faces de uma dinâmica” (MARTINBARBERO, 1985, p. 65) A idéia de totalização é questionada por Barbero porque ela colocava lado a lado produtos culturais de qualidades distintas, mas métodos de produção semelhantes. Como exemplo, Barbero cita os filmes de Orson Welles e a produção cinematográfica de baixo nível: para os frankfurtianos, eles têm a mesma qualidade por terem a mesma origem dentro do sistema. “A materialização da unidade se realiza no esquematismo, assimilando toda a obra ao esquema, e na atrofia da atividade do espectador” (MARTINBARBERO, 1985, p. 66). O espectador como um ser atrofiado pelos produtos culturais constitui uma das mais polêmicas afirmações frankfurtianas, contestada por Barbero, que recusa a idéia da dominação vinda de fora. Ele sugere a aceitação da existência de uma trama social, de inter-relação, onde o “positivismo tecnologista” (que focaliza somente os meios) e o “etnocentrismo culturalista“ (afirmação da cultura degradada) não ajudam a compreender essa trama. “Sabemos que a crítica ao prazer tem razões não só estéticas. Os populismos, fascistas ou não, tem predicado sempre as excelê ncias do realismo e têm exigido dos artistas obras que transpareçam os significados e que se conectem diretamente com a sensibilidade popular. Mas a crítica de Adorno, 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 falando nisso, aponta contudo para outro lugar. Cheira demais a um aristocratismo cultural que se nega a aceitar a existência de uma pluralidade de experiências estéticas, uma pluralidade dos modos de fazer e usar socialmente a arte.” (MARTIN-BARBERO, 1985, p. 70). A compreensão do processo de recepção, ressignificação das mensagens enviadas pela mídia e sua redefinição na imaginação popular está vinculada ao papel da televisão, central a partir dos anos 50 “(...) abolindo a distância entre a representação e o real, a simulação nos meios – em especial a televisão - chega a produzir ‘um real mais verdadeiro que o real’” (MARTIN-BARBERO, 1985, p. 86). A influência televisiva promove transformações e comoções massivas, como no episódio da morte do presidente brasileiro Tancredo Neves, em 1985. “Ignorando o trabalhoso esforço dos jornalistas para restituir a verdade ‘objetiva’ aos fatos da doença e da morte do presidente, o povo assume os códigos da ficção e do imaginário para desentranhar o sentido daquela morte. A ‘lição’ para quem quiser e puder ouvi-la, vê-la : melodrama e televisão permitindo a um povo em massa reconhecer-se como ator de sua história, proporcionando linguagem às ‘formas populares de esperança’”. (MARTIN-BARBERO, 1985, p.321-322). Na era moderna, a velha idéia sobre identidade desaparece: o indivíduo se fragmenta e sofre um descentramento, perdendo a noção do eu como algo sólido, unificado. Para os iluministas, o sujeito possui um núcleo interior, centrado e individual; para MARTIN-BARBERO (1985, p. 6) a articulação dos elementos sociais possibilita a permanência de uma sociedade e a renovação contínua da identidade, que “permanece sempre incompleta, está sempre ‘em processo’, sempre ‘sendo formada’”. (HALL, 2001, p.38). Stuart Hall (2001), um dos expoentes da corrente conhecida como “Estudos Culturais” ou Escola de Birmigham, cujos pressupostos teóricos têm aproximações com a teoria latino-americana de Recepção, é um dos autores que propõem o questionamento da idéia de nações unificadas e da identidade nacional como parte da nossa natureza. Obviamente, não nascemos com essa identidade nacional já formada, ela se desenvolve e transforma subjetivamente o sujeito devido ao modo como a cultura é representada pelo sistema. “Ernest Gellner, a partir de uma posição mais liberal, também acredita que sem um sentimento de identificação nacional o sujeito moderno experimentaria um profundo sentimento de perda subjetiva” (HALL, 2001, p.48). O caráter de organização ideológica está presente na cultura nacional e funciona como discurso que coloca nossa noção sobre sociedade e sobre nós mesmos em um lugar. A nação é construída e solidificada pelas histórias e representações que surgem e conectam o presente ao passado. 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 “As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da idéia de nação tal como representada em sua cultura nacional” (HALL, 2001, p.49). Porém, a existência da unidade nacional pode ser contestada com o seguinte argumento: a unificação não ocorreu de forma natural e pacífica (muito menos é inerente à sociedade), mas, muitas vezes, deveu-se às guerras que sobrepuseram idiomas, crenças religiosas, entre outros elementos, de forma desigual. Há também as diferenças de classes, etnias e gêneros que sofreram uma tentativa de nivelamento; a comparação entre os elementos culturais das nações imperiais com as colônias definiu muitas características dessas últimas. Desmistificado o racismo biológico, sobrevém o racismo cultural. “Elas (as nações) são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo ‘unificadas’ apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural” (HALL, 2001, p. 62). A identidade nacional se enfraquece perto da globalização de comportamentos, mas mantém-se presente nas questões legais e na cidadania. Para Hall, nossa identidade nacional é construída e apoiada em uma “narrativa” - não em hábitos ou costumes – que cria a noção de quem somos, onde estamos e o que fazemos. “Uma cultura nacional é um discurso – um modo de constituir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção de nós mesmos.” (HALL, 2001, p.52). O rompimento de elementos culturais e suas multiplicidades decorrentes trazem a tendência à efemeridade e instabilidade culturais. As pessoas começam a compartilhar as mesmas preferências de consumo, o jovem possui uma imagem padronizada em todo o mundo, por exemplo. O comportamento das pessoas é influenciado por aspectos culturais que não estão presentes no seu local de ação, adotamos posturas que condizem com culturas exteriores a nossa: não pertencemos mais ao lugar em que estamos geograficamente localizados. “Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem ‘flutuar livremente’”. (HALL, 2001, p. 75). Hall (2003) expõe seu questionamento ao marxismo mais ortodoxo - para o qual a cultura e a linguagem encontravam-se em segundo plano, dependentes de fatores sócio-econômicos. “Produção, consumo, realização, reprodução – um circuito em expansão fundado na noção de um circuito de produção. Marx, é claro, privilegia o momento da produção. Mas o que eu não escuto é aquilo que se tornou um 4 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 tipo de versão fetichizada de marxismo: a produção determina toda e qualquer coisa.” (HALL, 2003, p. 356). Outra controversa questão refere-se à inconsciência das massas, que nas teorias marxistas e frankfurtianas são vistas, em geral, como amorfas e facilmente controláveis. “Nunca fui muito atraído pela noção de falsa consciência em toda a sua plenitude. Sempre pensei que existe algo profundamente inquietante e errado nela, inclusive pelo fato de que ninguém se confessa em falsa consciência: é sempre o outro”. (HALL, 2003, p. 358). Hall possui uma linha de pensamento sobre estudos da comunicação que inclui o prazer da leitura como item que influencia a compreensão do texto lido, a linguagem utilizada e a repercussão no indivíduo. “O artigo foi escrito no limiar da mudança barthesiana que partiu para da interpretação dos códigos dos códigos para a noção de textualidade e, depois, para a noção de desejo e de prazer do texto. Portanto, é o momento em que os estudos culturais transitaram dos estudos de comunicação para a teoria literária, para o texto cinematográfico, para o feminismo e para o início do pós-estruturalismo.” (HALL, 2003, p. 380-81) 2.3 – Fundamentos Metodológicos da Teoria da Recepção A revisão bibliográfica sobre metodologia da Pesquisa de Recepção foi feita com Ondina Fachel Leal (1986), que analisa a novela ”Sol de Verão”, veiculada pela Rede Globo entre novembro de 1982 e março de 1983. Compara a visão que indivíduos e famílias de classes sociais distintas têm sobre a história apresentada, em relação ao comportamento dos personagens ou à influência da trama nas vidas dos entrevistados. As teorias sobre meios de comunicação de massa foram utilizadas para analisar os receptores – e não o conteúdo – da mensagem contida na novela. A compreensão da mesma é diferente para membros de classes sociais diferentes (embora o capital financeiro não determine o capital cultural). Isso torna o entendimento das relações sociais mais amplo do que as relações de produção e dominação levam a crer. “Perceber como este bem cultural, produzido pela indústria cultural, é assistido, escutado, incorporado, vivenciado, enfim, reelaborado a partir do cotidiano das pessoas é a intenção de nossa pesquisa” (FACHEL LEAL, 1986, p.13). A relevância da pesquisa é justificada pela presença não só da novela, mas da programação televisiva completa na cotidianidade, seja da classe popular (onde é a única forma de lazer familiar) ou da classe alta (uma das “opções” de entretenimento para a família). “Este estudo trata de imagens: imagens de televisão e, sobretudo, das imagens de pessoas a respeito daquelas imagens e das minhas imagens sobre este imaginário” (FACHEL LEAL, 1986, p.15). 5 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 Os critérios utilizados por Fachel Leal para sua pesquisa - dividir o público em classe popular e classe dominante, com dez “casos” (famílias) em cada classe para serem analisados; conhecer a história da novela, acompanhar os entrevistados durante as exibições e interrogá-los sobre a trama e seu desenvolvimento – serviram para familiarizá-la e inseri-la no contexto em que seus entrevistados viviam e interagiam com a novela. As vinte unidades familiares foram escolhidas depois de estabelecer-se um contato satisfatório, quando a entrada da pesquisadora nas casas foi aceita. Um número reduzido de indivíduos dinamiza a pesquisa – são necessárias longas entrevistas em que as histórias particulares, os hábitos e opiniões de cada um são expostos e combinados. “A preocupação desse trabalho foi situar diversas reelaborações possíveis para uma mesma mensagem de um bem cultural produzido massivamente para diferentes públicos” (FACHEL LEAL, 1986, p.84). 3 – Materiais e Métodos As dificuldades encontradas durante a revisão bibliográfica foram sanadas em reuniões semanais com o orientador, precedidas de leituras da bibliografia indicada composta pelas obras de Jesus Martin Barbero (“Dos meios às mediações”), Stuart Hall (“A identidade cultural na pós modernidade” e “Da Diáspora”) e Ondina Fachel Leal (“A leitura social da novela das oito”), que se ateve principalmente às questões relacionadas com os aspectos da cultura e mídia latino-americanas no atual contexto da globalização, e a necessidade de formulação de novas estratégias teóricas e metodológicas para se compreender o impacto dos discursos midiáticos junto à sociedade, levando-se em conta as suas particularidades e diversidades, em especial no caso do contexto latino-americano. Leituras feitas diariamente foram acompanhadas por discussões com o orientador e registradas em um diário de leitura, composto por anotações em forma de tópicos que apontavam o entendimento ou dúvida em relação à bibliografia. Com o diário foi possível conduzir as discussões com orientador e formular o relatório. Após a revisão bibliográfica, a elaboração do questionário deste projeto realizouse a partir de perguntas sugeridas pela bolsista, que foram reelaboradas e reorganizadas com o auxílio do orientador com base nas discussões teóricas. A metodologia de Ondina Fachel Leal serviu como parâmetro para as questões. Divididas em três blocos, elas abordam aspectos pessoais e profissionais (incluindo a relação educador e sindicalista). O último bloco do questionário - mais extenso – 6 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 pretende levantar os hábitos e opiniões dos entrevistados acerca da mídia, mais especificamente, a televisão. Neste mesmo período, a bolsista entrou em contato pessoal com as direções do Sindicato dos Professores da Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo (Apeoesp) e o Sindicato dos Professores de Campinas regional Piracicaba para cientificar-lhes da pesquisa e solicitar a indicação dos dirigentes aos quais serão aplicados o questionário. Também neste período estão sendo realizados pré-testes para avaliação do tempo dispendido pelo questionário e outros elementos necessários para o seu aperfeiçoamento. A bolsista já está entrando novamente em contato com as entidades para acertar os detalhes da aplicação dos questionários. Houve um pequeno atraso na definição dos dirigentes que serão entrevistados em função das férias escolares do final e início de ano. Referências Bibliográficas FACHEL LEAL, Ondina. A Leitura Social da Novela das Oito. Petrópolis. Editora Vozes, 1986 HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações culturais. Capítulo 4: Teoria da Recepção. Organização Liv Sovk. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro. DP&A Editora, 2001. MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 1997. SOUSA, Mauro Wilton de. Novas Linguagens. São Paulo. Editora Salesiana, 2001 (coleção viva voz). 7