FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – FACS
CURSO: ENFERMAGEM
ALESSIANA FERREIRA DE OLIVEIRA
CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL:
UM NOVO PARADIGMA EM SAÚDE MENTAL
BRASÍLIA
Outubro de 2007
ALESSIANA FERREIRA DE OLIVEIRA
CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL:
UM NOVO PARADIGMA EM SAÚDE MENTAL
Monografia apresentada como requisito
para conclusão do curso de Enfermagem
do UniCEUB – Centro Universitário de
Brasília.
Prof.ª Orientadora: MSc Rosângela
Garcia Jaramillo.
Prof.ª Co-orientadora: Sirlene Pereira
Castro.
Brasília-DF
Outubro de 2007
ALESSIANA FERREIRA DE OLIVEIRA
CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL:
UM NOVO PARADIGMA EM SAÚDE MENTAL
Monografia apresentada como requisito
para conclusão do curso de Enfermagem
do UniCEUB – Centro Universitário de
Brasília.
Prof.ª Orientadora: MSc Rosângela
Garcia Jaramillo.
Prof.ª Co-orientadora: Sirlene Pereira
Castro.
Brasília, 11 de Outubro de 2007.
Banca examinadora
_____________________________________________________
Profª. MSc Rosângela Garcia Jaramillo
Orientadora
_____________________________________________________
Profª. MSc Fátima Aparecida Cardoso
Examinador
____________________________________________________
Profª. MSc Nilvia Jacqueline Reis Linhares
Examinador
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, especialmente pela coragem e
determinação, a mim ensinado;
Ao Roberto, por saber entender minhas
ausências e por incentivar a busca dos meus
sonhos;
À minha orientadora, professora Rosângela
Garcia Jaramillo, pela interlocução
valiosa,
por
estimular
minhas
indagações, por acompanhar e
orientar este trabalho no qual me
identifico;
À minha co-orientadora, professora Sirlene
Pereira Castro, maior responsável pela
escolha deste tema e pelo início de minha
caminhada pelo campo da saúde mental;
Á professora, Tereza Cristina Segatto pelas
importantes contribuições a este trabalho;
Aos meus colegas de Faculdade, que estiveram
comigo nesta caminhada, pelas oportunidades
de novas amizades e saberes;
Aos componentes da minha banca Fátima
Cardoso e Jacqueline Linhares, pela
cooperação e disponibilidade de participação
nesta avaliação.
A cada momento caímos de nossos ideais na
mais crua realidade. A todo instante nos
sentimos exilados e expulsos deste mundo no
qual não há lugar suficiente para nossos
desejos mais profundos de amor, de
liberdade, de compreensão, de compaixão e
de paz. Entretanto, somos livres. A liberdade
nos foi dada para moldar a vida e modificar o
destino.
(Leonardo Boff)
RESUMO
O presente trabalho objetiva discutir as transformações que ocorreram na assistência ao
paciente com transtorno mental, tendo como referência os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS). O estudo foi realizado por meio de revisão de bibliografia e apresenta as principais
diferenças entre o modelo asilar e o psicossocial, os trabalhos desenvolvidos nos CAPS, além
do papel do Enfermeiro(a) na instituição. O serviço surgiu com o processo da Reforma
Psiquiátrica, e tem a proposta de ser substitutivos ao modelo manicomial, transformando o
lugar de tratamento, que deixa de ser o hospital psiquiátrico e passa para os CAPS. Pretendese, neste estudo, demonstrar a importância da mudança dos serviços em saúde mental, assim
como do paradigma psiquiátrico, transformando assim as relações sociais com a loucura. O
novo paradigma possui característica multidisciplinar, e assim, consegue desenvolver vários
tipos de atividades terapêuticas, que vão muito além das consultas e uso de medicamentos.
Portanto, os CAPS assumem o papel central na transformação em relação ao paradigma
psiquiátrico, visto que é o trabalho no campo social que possibilita a inclusão social dos
loucos e o resgate de sua cidadania, construindo uma transformação cultural e um novo
paradigma em Saúde Mental.
PALAVRAS CHAVES: Saúde Mental, Centros de Atenção Psicossocial, Paradigma e Campo
Psicossocial.
ABSTRACT
The present study aims to discuss the changes that occurred in assisting the patient with
mental disorder, with reference to the Centers of Attention Psicossocial (CAPS). The study
was carried out through review of literature and shows the main differences between the
model asilar and the psychosocial, the work developed in CAPS, beyond the role of the nurse
(a) in the institution. The service came with the process of reform Psiquiátrica, and has
proposed to be substitutes to the model manicomial, turning the place of treatment, that is no
longer the psychiatric hospital and passes to the Caps. It is intended, in this study, demonstrate
the importance of the change in mental health services, as well as the psychiatric paradigm,
thus transforming social relations with the madness. The new paradigm has Multidisciplinary
feature, and thus can develop several types of therapeutic activities, which go well beyond the
consultations and use of medicines. So the Caps play the central role in the transformation on
psychiatric paradigm, as is the work in the social field that allows the social inclusion of crazy
and the ransom of their citizenship, building a cultural transformation and a new paradigm in
Mental Health.
KEY WORDS: Mental Health, Centers of Attention Psicossocial, Paradigm and Field
Psicossocial.
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................................6
ABSTRACT...............................................................................................................................7
1 Introdução..............................................................................................................................8
2 Justificativa............................................................................................................................11
3 Objetivos................................................................................................................................13
Objetivo Geral:.....................................................................................................................13
3.2 Objetivos específicos:....................................................................................................13
4 Material e Métodos................................................................................................................14
4.1 Período da Pesquisa.......................................................................................................14
5 Referencial Teórico................................................................................................................15
5.1 A construção do antigo paradigma psiquiátrico.............................................................15
5.2 As experiências da Reforma Psiquiátrica pós-guerra.....................................................20
5.2.1A comunidade terapêutica........................................................................................21
5.2.2A Psicoterapia Institucional.....................................................................................22
5.2.3A Psiquiatria de Setor ..............................................................................................23
5.2.4Psiquiatria Comunitária ou Preventiva....................................................................24
5.2.5A antipsiquiatria ......................................................................................................25
5.3 A resistência do Hospital Psiquiátrico à Reforma...........................................................26
5.4 A Psiquiatria Democrática Italiana e a tradição Basagliana............................................27
5.5 A desinstitucionalização, uma ruptura com o antigo paradigma ....................................28
5.6 A construção de nova cultura e paradigmas....................................................................29
5.7 A Reforma Psiquiátrica ..................................................................................................32
.............................................................................................................................................32
5.8 Breve histórico da Reforma Psiquiátrica Brasileira........................................................33
5.9 Os Centros de Atenção Psicossocial.............................................................................35
5.10 O Paradigma Psicossocial ............................................................................................44
5.11 A Enfermagem e a Psiquiatria.......................................................................................46
5.12 A Enfermagem e a nova proposta de Saúde Mental .....................................................47
Considerações finais................................................................................................................51
Referências...............................................................................................................................56
8
1 INTRODUÇÃO
O processo de reforma e mudança na Psiquiatria iniciou-se no século XVIII, mediante
a uma sensação geral de insatisfação com o modelo asilar/psiquiátrico existente o que gerou
crises e condições precárias de atendimento, resultando em novas demandas e esquemas, e
consequentemente, em um novo paradigma no campo psiquiátrico (CASTEL, 1991).
O conceito paradigma, refere-se ao modelo padrão e vivências compartilhadas,
configurando-se num esquema exemplar de descrições e compreensão da realidade. Portanto,
implica em uma estrutura que gera teorias, produzindo pensamentos e explicações. O
paradigma entra em crise quando há fracasso na solução dos problemas por ele propostos,
abalando a crença em suas próprias regras e padrões conceituais. (VIETTA, 2001).
Em substituição ao antigo modelo asilar/psiquiátrico, surgiu o então denominado
campo de Atenção e Reabilitação Psicossocial. A nova proposta implica na ética de
solidariedade facilitadora aos sujeitos com limitações com relação os afazeres cotidianos
decorrentes de transtornos mentais, o aumento da contratualidade afetiva, social e econômica
que viabilize o melhor nível possível de autonomia na vida em comunidade. A reabilitação
representa um conjunto de meios (programas e serviços) que se desenvolvem para facilitar a
vida de quem necessita desse tipo de assistência (PITTA, 2001).
Um desses serviços oferecidos são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que se
trata de um trabalho de assistência, ensino e pesquisa inserido na rede pública voltado a saúde
mental. Destina-se ao atendimento de pacientes, sejam eles, adulto ou criança com transtornos
mentais severos e persistentes e/ou transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas
(PITTA, 2001).
Na busca por um novo paradigma psiquiátrico, o novo serviço é oposto às idéias de
separação entre corpo e mente, do isolamento social e cultural como tratamento, bem como a
desapropriação dos direitos do doente e à delegação aos técnicos de toda a competência sobre
a doença e o corpo doente. Os centros têm como foco de atenção, o usuário e sua família, de
modo que se torna imprescindível conhecer a complexidade e particularidade desses
indivíduos a fim de auxiliar no processo de descoberta de uma maneira menos dolorosa de
auto-expressão para ambos (OLIVER, 2001).
Por meio do trabalho realizado nos CAPS, o campo psicossocial vem delineando-se
como um espaço cuja marca principal é a interdisciplinaridade; a relação com o usuário;
9
propostas terapêuticas que objetivam a diminuição da visão reducionista do paciente; a
valorização do cliente como foco principal do tratamento; o incentivo para que a família e a
sociedade assumam seu compromisso na atenção e no apoio ao indivíduo em sofrimento
psíquico e, sobretudo, a ênfase à sua reinserção social e à recuperação de sua cidadania
(VENÂNCIO, DELGADO E LEAL, 1997).
Os
CAPS
implicam
numa
intervenção
mais
abrangente
dos
dispositivos de Saúde Mental, ou seja, transpõe a instituição em direção à
inserção na comunidade e a um afastamento do indivíduo do espaço
asilar. Um serviço onde se utilizam instrumentos na atenção ao paciente
que não se limita ao espaço arquitetônico da instituição, sendo que as
unidades de tratamento são localizadas no interior das comunidades, bem
como, a reciprocidade com suas estruturas de serviços e inter-relações
sociais (AMARANTE e TORRES, 2001).
Com estes novos dispositivos, o Brasil nas últimas décadas vem conseguindo delinear
a transformação do modelo assistencial em saúde mental, por mais que estes ainda se
configuram como “alternativos” ao modelo tradicional. Sendo que a denominação de
“tradicional” refere-se aos modelos de atenção estruturados predominantemente na internação
psiquiátrica e nas consultas ambulatoriais (AMARANTE, 1998).
De acordo com Pitta (1994, p.648), para iniciar um trabalho em um CAPS seria
necessário “uma casa aconchegante, móveis, alguns materiais para ter o que fazer e uma
equipe fortemente engajada para fazer acontecer este tempo e espaço”. Neste aspecto, enfatiza
o papel determinante que a equipe multidisciplinar desempenha nesse modelo de atenção,
onde as diversas formas de atendimento ao paciente são programadas e
executadas por uma equipe multidisciplinar formada por: médicos, psicólogos,
farmacêuticos, terapeuta ocupacional, assistente social e os enfermeiros.
O trabalho de cada um desses profissionais possui significado
singular para o processo de atenção e reabilitação dos pacientes
psiquiátricos. Porém, o enfermeiro exerce vários papéis e um deles é o de
agente terapêutico, sendo que a base dessa terapia é o relacionamento
estabelecido com o paciente, a partir da compreensão do significado do
comportamento, do conhecimento do indivíduo, de suas necessidades,
10
seus
sentimentos
e
seu
modo
de
expressá-las.
Fazendo
esse
reconhecimento, o enfermeiro consegue ajudar o paciente a compreender
seu próprio comportamento e a integrar suas capacidades e aprender a
manipular os problemas que interferem sua vida de forma mais sadia
(KIRSCHBAUM, 1997). ).
O interesse pela realização deste estudo surgiu por meio das oportunidades
vivenciadas pela autora durante o período de graduação universitária. Por se tratar de um tema
de grande relevância fez-se necessário apresentar, problematizar e incentivar a discussão
dessas novas práticas e conceitos em saúde mental pela sociedade, visando à ajuda na
formação de um novo paradigma, onde se evite a mera substituição de um modelo
centralizador por outro. Visando um maior conhecimento e aprimoramento a respeito da
Saúde Mental no Brasil, o trabalho apresenta como objetivo principal
a identificação das
transformações ocorridas na assistência ao paciente com transtorno mental nos Centros de
Atenção Psicossocial, por meio de uma revisão de bibliografia.
11
2 JUSTIFICATIVA
Como futura profissional de Enfermagem com interesse em saúde mental e tratando-se
de um tema de grande relevância e preocupação no âmbito da saúde pública, desejo apresentar
as mudanças que vem ocorrendo em saúde mental por meio da Reforma Psiquiátrica
brasileira.
Apresento como linha de investigação o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), local
onde a autora teve a oportunidade de realizar visitas durante o curso de graduação, e assim
surgindo o interesse pelo tema. Chamou a atenção o diferencial dos trabalhos realizados no
local e estes têm conseguido passar de um paradigma asilar/manicomial para a
responsabilidade das ações de atendimento, analisando o sujeito de uma forma holística e
prestando a assistência de acordo com a necessidade de cada cliente e familiar.
Almejo com este trabalho a contribuição e reforço à luta pela construção de um novo
paradigma em Saúde Mental, onde .
12
o paciente tenha o direito a assistência humanizada, de acordo com suas necessidades
e sobretudo tenha direito à reinserção social e a recuperação de sua cidadania.
13
3 OBJETIVOS
3.1
Objetivo Geral:
Apresentar as transformações ocorridas na assistência ao paciente com distúrbio
psiquiátrico que contribuem para a criação de um novo paradigma em saúde mental.
3.2 Objetivos específicos:
1. Apresentar as diferenças da prática entre o modelo asilar e o modelo psicossocial;
2. Identificar os trabalhos desenvolvidos no CAPS;
3. Descrever o papel da Enfermagem no Centro de Atenção Psicossocial.
14
4 MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de uma Revisão Bibliográfica envolvendo pesquisa em: livros, artigos e
publicações periódicas, tais como: revista científica, teses, jornais e meio eletrônico.
Segundo Gil (2002) o tipo de pesquisa citado é desenvolvida com base em material já
elaborado. Apresenta como vantagem o fato de permitir ao investigador a cobertura de vários
fenômenos de forma mais ampla do que a pesquisa direta. É também indispensável nos
estudos históricos, já que em muitas situações se trata da única maneira de conhecer os fatos
passados.
O autor relata, ainda, que a pesquisa tem que ser realizada com muita cautela, pois,
muitas vezes, as fontes secundárias apresentam dados equivocados. Por esse motivo, convém
ao pesquisador assegurar-se das condições em que os dados foram obtidos, analisar as
informações para descobrir possíveis incoerências e/ou contradições e utilizar fontes diversas,
comparando-as cuidadosamente (GIL, 2002).
4.1 Período da Pesquisa
A pesquisa bibliográfica se deu de Julho a Outubro de 2007.
15
5 REFERENCIAL TEÓRICO
5.1 A construção do antigo paradigma psiquiátrico
O início da construção do paradigma Psiquiátrico iniciou-se com o surgimento do
hospital e com o reconhecimento da psiquiatria como especialidade médica (FOUCALT,
1999).
Etimologicamente a palavra hospital vem de hotel, hospedagem, hospedaria. Essa era
exatamente a função dos hospitais gerais e santas casas de misericórdia, criados a partir do
período clássico em toda a Europa. Com o objetivo de excluir as “espécies” que constituíam a
desrazão foram criadas as “casas de internamento”, um espaço de reclusão de toda ordem de
desviantes: homossexuais, prostitutas, loucos, leprosos, ladrões, hereges, enfim, todos aqueles
que representavam ameaça à ordem (FOUCALT, 1999).
A partir do século XVIII, a prática do internamento começou a sofrer modificações.
Os motivos foram desde a fantasia criada em torno desses locais como capazes de gerar
epidemias que poderiam espalhar-se pelas cidades, até a percepção da ineficiência do
internamento
na
resolução
de
problemas
como
o
desemprego
e
a
miséria.
Concomitantemente, no interior do hospital geral, a loucura começou a ser percebida como
uma categoria distinta das demais doenças. As práticas médicas e farmacêuticas começaram a
ser introduzidas nos asilos e a medicalização passou a ser usada como medida disciplinar
(FOUCALT, 1999).
A doença passou a ser vista como sendo influenciada pelas leis naturais chegando-se
assim, à percepção de que o indivíduo sadio está sujeito à doença, e que só o médico poderia
intervir sobre a mesma (FOUCAULT, 1994).
O mesmo autor demonstra que os acontecimentos fizeram com que o médico tivesse
total poder dentro e fora do hospital geral, com funções de autoridade, direção, administração,
correção e punição, onde se exerciam atribuições de polícia e de justiça. O trabalho
terapêutico realizado no hospital era originário da Botânica, que se conceituava como: “isolar
para observar, observar para conhecer, conhecer para administrar”. O conceito tornou-se o
fundamento geral da medicina moderna e a lógica não era limitada aos loucos, mas a todos os
internos.
16
Segundo Amarante (2001a), o hospital passa a ser um local para o conhecimento de
doenças, sem qualquer interferência e pela primeira vez não é apenas um lugar aonde se vai
para morrer, mas um lugar que propõe a cura, em decorrência de um saber e uma prática
construída em seu próprio interior. Porém, a mudança possibilitou e facilitou a
institucionalização hospitalar. Sobre o assunto o autor mostra que:
Mas, se é verdade que este novo modelo epistêmico produz um saber original sobre
as doenças, é verdade ainda que este saber que se constitui é sobre uma doença
institucionalizada, isto é, sobre uma doença modificada pela ação prévia da
institucionalização. Em outras palavras, a doença isolada, em seu estado puro, como
pretendia a história natural, era uma doença produzida, transformada pela própria
intervenção médica. (AMARANTE, 2001a, p. 362).
As
condições ajudaram
a
fortalecer a psiquiatria como nova
especialidade médica, e Phillipe Pinel apontado historicamente como seu
fundador e maior nome da época (AMARANTE, 1995).
Castel (1991) caracterizou a nova medicina mental inaugurada por
Pinel como meramente classificatória, ou seja, esta não interessa localizar
a sede da doença no organismo, mas simplesmente atentar para sinais e
sintomas, com intuito de agrupá-los segundo sua ordem natural, com base
nas manifestações aparentes da doença.
Porém, o gesto de Pinel também foi visto como de fundamental
importância para a Saúde mental, como afirma Amarante (1995):
...a obra de Pinel (...) cujos pilares estão representados pela constituição da primeira
nosografia, pela organização do espaço asilar e pela imposição de uma relação
terapêutica (o tratamento moral) - representa o primeiro e mais importante passo
histórico para a medicalização do hospital, transformando-o em instituição médica
(e não mais social e filantrópico), e para a apropriação da loucura pelo discurso e
prática médicos (AMARANTE, 1995, p. 27).
Pinel reafirmou que as causas morais da alienação mental eram representadas pelas
paixões “negativas” (desgosto, ódio, terror, ciúme, inveja, etc.) e pelas paixões “positivas”
(alegria, amor, orgulho, etc). Dessa forma, a primeira terapêutica instituída foi o tratamento
moral para reeducar a mente. Sendo que, o meio social e as influências externas seriam as
17
principais causas destas desordens mentais, o que impunha a exigência de isolar o enfermo do
meio que lhe causava a doença. Fazendo surgir como local de tratamento moral, os asilos,
também vistos como o próprio tratamento moral (ALMEIDA, 2002).
Um trecho citado por Pessotti (1994), escrito por Pinel em seu chamado tratado de
Alienação mental ou Traité resume esta concepção teórica de Pinel:
Mas, se os sintomas são observados com atenção e empenho constante, é possível
classificá-los e distinguir entre eles, com base nas lesões fundamentais do intelecto e
da vontade, sem deixar-se despistar pelas inumeráveis formas que eles apresentam.
(PESSOTTI, 1994, apud, Traité, 1809).
Portanto, o modelo hospitalar do século XVIII deveria criar condições para que se
descobrissem de onde vinha a verdadeira doença, porém, esse objetivo foi desviado para um
modelo e prática asilar, estruturando uma medicina e hospitalização, fundada na tecnologia
hospitalar e em um poder institucional com um novo mandato social: o de assistência e tutela
(AMARANTE, 1995).
Os hospitais se dividiram em manicômios e hospícios, onde o primeiro foi visto como
local de acolhimento para diferentes minorias sociais e para os considerados loucos. Já os
hospícios eram hospitais que internavam diferentes tipos de pacientes oferecendo-lhes
atendimento médico, mas estes ficavam a cargo de pessoas sem formação médica, na maioria
das vezes com religiosos que davam assistência e tratamento sem nenhum saber científico
(PESSOTTI, 1996)..
No século XIX os manicômios se difundiram, apresentando como princípio básico de
assistência, o tratamento moral, executado e fundamentado pelo saber médico. Estes usavam
três tipos de estratégias para garantir seu caráter terapêutico: o isolamento, a constituição de
ordem asilar e a constituição de uma relação terapêutica baseada na autoridade. Essas
estratégias foram às fundadoras da prática asilar. O estudo isolado da loucura na instituição
terapêutica permitiu a elaboração do conceito de alienação proposto por Pinel passando os
loucos a serem vistos como alienados. Porém, o isolamento foi um princípio importante para a
constituição do conhecimento científico e possibilitou a promoção da exclusão social, apesar
deste não ter sido seu objetivo. (AMARANTE, 2003).
Assim, o princípio do isolamento assume dupla função: como método de
conhecimento científico (o isolamento do paciente do mundo externo, era possível a
18
observação pura, livre de influências e interferências externas) e o método terapêutico (o
sujeito internado ficava longe das condições que causava a doença). Conforme esta
concepção, o hospital era um instrumento de cura (PESSOTTI, 1996).
Este sistema asilar assegurava a ruptura com o mundo externo, o qual achava ser o
causador da desordem dos alienados, além de uma relação terapêutica baseada na autoridade e
soberania sem reciprocidade do médico para com o paciente. A autoridade nesta época era
vista como essencial, para fazer o alienado a descobrir os sintomas e motivos de sua desrazão,
resgatando gradativamente o controle de si e a razão. Essa autoridade exercida pelo médico,
“lei viva do asilo”, tinha como objetivo, a criação de um novo espaço de ordem, com
finalidade de propiciar as regras necessárias para retomada da razão (CASTEL, 1991).
Segundo Amarante (1995), as transformações possibilitaram a passagem de uma visão
trágica da loucura para uma visão crítica. A primeira permitiu que a loucura, inscrita no
universo de diferença simbólica, se tornasse um lugar social reconhecido no universo da
verdade; ao passo que a visão crítica organizou um lugar de encarceramento, morte e exclusão
para o louco, ajudando na consolidação da loucura como objeto de conhecimento: a doença
mental. A medicalização e terapeutização foram tão difundidos na época que até hoje possui
forte influência na prática psiquiátrica, apesar de terem surgido outros tantos modelos.
E assim, a obra de Pinel se consagra como o primeiro e mais importante passo
histórico para a medicalização do hospital, transformando-o em instituição médica para
apropriação da loucura pelo discurso e prática médica. Porém, ao construir um espaço
específico para a loucura e para o desenvolvimento do hospital psiquiátrico, o ato de Pinel é
louvado e criticado. As criticas dirigem-se ao caráter fechado e autoritário da instituição e
termina por consolidar um primeiro modelo de reforma à tradição pineliana, o das colônias de
alienados. Tal modelo tem por objetivo reformular o caráter fechado do asilo, ao trabalhar em
regime de portas abertas, de não restrição e maior liberdade (AMARANTE, 1995).
No final do século XVIII, houve um movimento de desospitalização, devido a
saturação que vinha acontecendo nos Hospitais Gerais e principalmente devido a uma
mudança de estratégia de atendimento a população, que foi a intervenção na cidade e no local
de moradia o que garantiu um serviço público homogêneo e uma medicina preventiva
(CASTEL, 1991).
19
Sempre é melhor tratar in loco do que isolar, prevenir do que tentar, posteriormente,
reprogramar um indivíduo dessocializado, reforçar os laços com o meio de vida do
que recolher os destroços causados pela ruptura.(CASTEL,1991, p. 71).
Os Hospitais continuaram a internar diferentes grupos de pessoas, dentre eles os
loucos, os mendigos e os devassos. Apesar de haver um olhar medicalizado para os internos,
os insanos recebiam cuidados médicos diferenciados. Um exemplo disso foi a promulgação
da Lei dos Alienados, em 30 de Julho de 1838, que reconhecia o direito a assistência e à
atenção para uma categoria de indigentes ou de doentes. A regulamentação elege o asilo como
o espaço para esse serviço, além de criar um corpo de médicos-funcionários responsável por
compreender e tratar a loucura (CASTEL, 1991).
A instituição de um novo código civil para os loucos deriva da idéia de incapacidade
destes em se submeterem à nova ordem social. A internação nos asilos não se fazia por uma
questão punitiva, mas sim terapêutica, acreditava-se que, naquela instituição, com o devido
tratamento, os loucos poderiam reabilitar-se e assim, serem inseridos na sociedade. Todo esse
aparato fez com que a loucura fosse rigidamente coibida em um regime de disciplina que
passou a determinar a forma de entender e lidar com os loucos, chamados de alienados. E de
fato esses indivíduos foram alienados de todas as transformações políticas, sociais e
econômicas ocorridas na transição do século XVIII ao XIX (CASTEL, 1991).
No período histórico em questão, a humanidade experimentava formas de relações
mais democráticas, pessoas comuns passavam a ser responsáveis pelo Estado e pelas Leis,
estava sendo introduzido o conceito de cidadania. Ao mesmo tempo, aqueles que não se
adaptavam novas regras eram excluídos e rejeitados, sendo mantidos fora do convívio social.
Isto se aplicou aos loucos e aos criminosos que permaneceram em instituições fechadas para
tratamento específico. Para os alienados, não havia direito ou dever, portanto, eram
submetidos a privação total de cidadania (AMARANTE, 1995).
Segundo Birman (1992) a própria exclusão social, com o objetivo de transformar o
louco em cidadão, que criou a situação de exclusão total. E os asilos eram os locais desta
exclusão social.
Segundo Amarante (2001c), o isolamento ou a imposição da reclusão afastou os
loucos da família, da sociedade e da cidade, gerando conseqüências que permanecem até os
dias atuais. E embora hoje não seja a única referência como foi no século XIX, o manicômio
continua servindo de apoio a outros serviços extra-hospitalares, quando esses não se mostram
20
eficientes. Consequentemente, o modelo asilar, constituído pelo saber psiquiátrico, continua
hegemônico no cuidado em saúde mental, perpetuando a exclusão social da loucura e, assim,
a Reforma da Psiquiatria luta para construir um novo paradigma.
5.2 As experiências da Reforma Psiquiátrica pós-guerra
Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa passou por um período de reconstrução
social, onde originaram-se vários movimentos civis em defesa dos direitos humanos. Alguns
desses movimentos criticavam a eficácia dos hospitais psiquiátricos, chegando a compará-los
a campos de concentração. Houve uma preocupação em redimensionar as práticas de
assistência à loucura, cujo objetivo era questionar o papel e a natureza tanto da instituição
asilar como do saber psiquiátrico. Com o fim da guerra, o hospital psiquiátrico teve que
proporcionar um rápido retorno às atividades sociais, não podendo mais desperdiçar o
potencial energético dos alienados. A proposta era dinamizar a estrutura hospitalar e criar
novas formas de condições de tratamento para uma eficaz recuperação dos pacientes como
sujeitos de produção (BIRMAN e COSTA, 1994).
Segundo o autor, surgiram algumas iniciativas com intenção de modificar tais práticas
psiquiátricas:
O asilo passa a ser considerado como o grande responsável pela deterioração dos
pacientes, como agente produtor e mantenedor da enfermidade. Um conjunto de
críticas que se vinham formulando de modo esparso sobre o contexto asilar são
reatualizadas. É importante assinalar que estas críticas, esboços assistemáticos de
uma nova percepção da doença mental, já existiam, se bem que de modo marginal e
silenciadas, só sendo acordadas e buscadas para fornecerem o sentido das
transformações da assistência psiquiátrica quando condições objetivas, do ponto de
vista histórico, tornavam-nas possíveis (BIRMAN e COSTA, 1994, p. 47)
Desta forma o período pós-guerra tornou-se o cenário para o projeto da reforma
psiquiátrica contemporânea, atualizando críticas e reformas da instituição asilar.
(AMARANTE, 1995).
Dentre as experiências de reforma, Birman e Costa (1994) destacam dois momentos. A
Comunidade Terapêutica e a Psicoterapia Institucional, que representaram a primeira tentativa
de reforma do modelo hospitalocêntrico.
21
5.2.1A comunidade terapêutica
O termo “Comunidade Terapêutica” foi consagrado por Maxwell
Jones,
em
1959,
na
Inglaterra,
ao
implementar
um
conjunto
de
experiências em um hospital psiquiátrico e realizar uma série de reformas
institucionais, praticamente restritas ao interior do hospital e que visavam
instaurar medidas administrativas mais democráticas, participativas e
coletivas, assim como modificar a dinâmica da instituição asilar.
De acordo com Desviat (1999), os princípios da Comunidade
Terapêutica são resumidos em: liberdade de expressão; análise de tudo o
que acontece na instituição, seja por meio das reuniões diárias entre
pacientes ou por psicoterapias grupais; tentativa de desmontar relações
hierárquicas; atividades coletivas e participação de todos nas decisões
administrativas. O autor reconhece a importância de tais contribuições
para as reformas posteriores, entretanto, assinala como limitação o fato
desta reforma não atuar fora da instituição, em geral, seu benefícios se
encerram quando o paciente sai da comunidade terapêutica (DESVIAT,
1999).
A respeito das contribuições as reformas, Amarante (2003) salientou que não foi uma
medida administrativa, mas sim uma medida terapêutica, que possibilitou a inserção dos
pacientes nas discussões institucionais transformando seu papel no hospital. Contudo, essa
experiência reafirmou o papel do hospício como lugar ideal para o tratamento e para a cura da
doença mental, apenas atribuindo-lhe um caráter mais humanizado. Sendo assim, não houve
uma ruptura com o saber psiquiátrico, limitando as mudanças ao espaço asilar.
Para Rotelli,
A experiência inglesa da Comunidade terapêutica foi uma experiência importante de
modificação dentro do hospital, mas ela não conseguiu colocar na raiz o problema
da exclusão, problema este que fundamenta o próprio hospital psiquiátrico e,
portanto, não poderia ir além do hospital psiquiátrico. (ROTELLI, 1994, p. 150).
Para Amarante (1994), a experiência da comunidade terapêutica chamou a atenção da
sociedade para a deprimente condição dos institucionalizados em hospitais psiquiátricos, que
22
são comparados aos campos de concentração. Sobre o mesmo assunto, Birman e Costa
(1994), afirmam que não era mais possível assistir-se passivamente ao deteriorante sistema
asilar e aceitar a situação sem tomar nenhuma posição.
5.2.2A Psicoterapia Institucional
A Psicoterapia Institucional, por sua vez, estruturou-se a partir do trabalho de François
Tosquelles no Hospital Saint-Alban, na França, também a partir da 2ª Guerra Mundial. Seus
princípios básicos se assemelham aos da Comunidade terapêutica, mas a novidade instaurada
pela Psicoterapia Institucional estava no fato de considerar que as instituições também
deveriam ser tratadas por possuírem características doentias, e que as pessoas produziam
sintomas não em conseqüência da sua doença, mas pela forma como era tratadas pela
estrutura asilar. O tratamento focava o coletivo, delineando novas relações interpessoais entre
os seus membros (BIRMAN E COSTA, 1994).
Se o hospício é produtor da doença e passível de mantê-la, cabe realizar a
‘terapêutica’ da estrutura hospitalar. Propõe-se a transformação do espaço hospitalar
em espaço terapêutico. Ser um espaço terapêutico corresponde a tratar os males
psicotizantes do hospital, para torná-lo passível de produzir a Saúde Mental nos seus
pacientes. (BIRMAN E COSTA, 1994, p. 50).
E com estas experiências, surge um novo objeto para a psiquiatria: a saúde mental,
vista em termos adaptativos, como a capacidade de o sujeito inserir-se em um grupo social.
“Não se trata mais de curar um doente, mas de adaptá-lo num grupo, torná-lo novamente um
sujeito definido pela rede de suas inter-relações sociais.” (BIRMAN E COSTA, 1994, p 52)
Para Amarante (1998), as experiências da Comunidade terapêutica e as da Psicoterapia
Institucional não tinham apenas os aspectos em comuns, mas, também, as limitações: os dois
modelos permaneceram restritos ao espaço hospitalar, por entenderem que esse era o lugar de
tratamento, confirmando a Psiquiatria como o saber apropriado para lidar com a doença
mental.
Por sua vez Amarante (2003) nomeia como objeto da Comunidade terapêutica a
doença mental, enquanto que o objeto da Psicoterapia Institucional era a própria instituição. Já
a saúde mental será apontada posteriormente, como objeto das experiências da Psiquiatria de
Setor e da Preventiva.
23
5.2.3A Psiquiatria de Setor
Este movimento reformador teve início na França, em 1945, tendo
como objetivo a proposta de novas formas de tratamento para os doentes
mentais, até então subordinados as práticas violentas e excludentes da
psiquiatria. Segundo seus princípios, o tratamento da doença mental
deveria ser realizado no próprio ambiente do doente, ou seja, no seu
próprio meio, ao invés de isolamento. Essa idéia não significou a renúncia
do hospital psiquiátrico, ao contrário, ele continuou tendo um papel
importante como uma das fases do tratamento, mas não como única
opção (CASTEL, 1980).
Segundo Rotelli (1994), as mudanças sofreram críticas por parte de grupos intelectuais
que denunciavam um aumento do campo de poder da psiquiatria, bem como de setores
conservadores que temiam a invasão das ruas pelos loucos. Apesar da experiência da
Psiquiatria de Setor ter introduzido novas estruturas assistenciais, o fato não viabilizou
nenhum tipo de mudança prática e cultural na forma de lidar com a loucura, como também
não foi além do hospital psiquiátrico, pois de alguma forma conciliava o hospital com os
serviços externos.
Além disso, Basaglia (1994) pondera:
Todavia, mesmo no melhor dos casos, o setor poderia ser a nova face da instituição
da violência (mais mascarada e velada dos horrores manicomiais) que, após ter
liberado o doente mental das etiquetas e das estruturas institucionais e tê-lo incluído
na “norma”, estabelece um aperto nos limites, de modo a poder mantê-lo sob
controle, mesmo de natureza diversa .(BASAGLIA et al., 1994, p. 20).
A partir dos anos 60, a Psiquiatria de setor tornou-se a política oficial da França, e teve
suas regiões divididas em sete setores, tendo cada um deles aproximadamente setenta mil
habitantes. A população passou a obter atendimento por meio de uma equipe
multiprofissional, entre eles, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, além
24
de um arsenal de instituições que tinha a função de assegurar o tratamento, a prevenção e a
pós-cura dos transtornos mentais (AMARANTE,1995).
5.2.4Psiquiatria Comunitária ou Preventiva
Em 1955, foi realizado nos Estados Unidos, um censo sobre as condições de
assistência psiquiátrica, constatou-se pelos resultados que havia um enorme número de
pessoas internadas em hospitais psiquiátricos, o que indicava a necessidade de uma
transformação urgente no modelo vigente. Sendo que um dos principais fatores que
reforçavam a necessidade de transformações era o alto custo da hospitalização e a sua
ineficácia. No mesmo ano, criou-se no Congresso Americano, a Comissão de Enfermidade e
Saúde Mental, com objetivo de solucionar o problema (BIRMAN E COSTA, 1994)
Em 1963, o então presidente Kennedy anunciou a criação de um programa de
reformulação da assistência psiquiátrica, criando o Centro de Saúde Mental Comunitária. O
programa apresentava como objetivo a redução dos gastos com internação, mediante a criação
de dispositivos para prevenir e tratar a doença mental nos serviços comunitários. O sistema
era baseado no psiquiatra Gerald Caplan, que acreditava na possibilidade de prevenção
precoce, antes da manifestação da doença e a proposta foi denominado de Psiquiatria
Preventiva ou Comunitária (AMARANTE, 1995).
A teoria defendida por Caplan fundamentava-se em conceitos de saúde pública sobre
prevenção das doenças. A novidade representada por esse modelo referiu-se a dois aspectos: o
fato de pensar ser possível a profilaxia das doenças mentais, propondo o tratamento antes de
seu aparecimento e, fundamentalmente, a criação de um novo objeto para a psiquiatria, o
chamado ideal da “Saúde Mental”. (AMARANTE, 1995).
Segundo Birman E Costa (1994), Caplan priorizou as ações primária, secundária e
terciária, sendo assim definidas:
a) a prevenção primária: intervenção nas possíveis causas da doença mental, como:
condições etiológicas, que podem ser de origem individual e/ou do meio;
b) prevenção secundária: busca a realização de diagnóstico e tratamento precoce da doença
mental;
25
c) prevenção terciária: que se define pela busca da readaptação do paciente à vida social,
após a sua melhora ..
Juntamente com as novas propostas vieram as críticas, e a mais forte foi a respeito da
dificuldade em estabelecer na saúde mental, o modelo causal necessário para fundamentar
essa ação preventiva (CAPLAN, 1980).
A Psiquiatria Preventiva ao reconhecer que não havia um único agente patogênico,
introduziu o conceito de crise, fator que poderia ou não desencadear a doença mental. As
crises poderiam ser de dois tipos: evolutivas ou acidentais. A primeira seria ocasionada por
fatores naturais ao ciclo da vida do sujeito e a segunda seriam referentes a imprevistos da
vida, aos quais todos estão sujeitos, como por exemplo, a morte de um familiar. Tais situações
poderiam desencadear a doença mental, se os conflitos gerados pelas mesmas não fossem bem
elaborados (AMARANTE, 2003).
Segundo Amarante (1998), uma das estratégias desenvolvidas na prevenção de crises,
foi a criação de um questionário que servia como instrumento de investigação, ou seja, uma
busca de suspeitos. Na comunidade, a partir dos resultados, detectavam-se indicações para o
tratamento psiquiátrico. Essa atitude gerou algumas repercussões e uma delas veio por meio
das pessoas que construíram seus próprios instrumentos de identificação dos possíveis
candidatos ao tratamento psiquiátrico, instaurando novos mecanismos de controle social. De
acordo com Caplan (1980), os indivíduos passam a ser seguidos e mapeados de acordo com
seus atos desregrados, com sua ancestralidade, por sua constitucionalidade e passam a ser
“suspeitos” de um possível transtorno mental.
Birman e Costa (1994) mostram que a experiência da Psiquiatria Preventiva resultou
no modelo de adaptação social onde qualquer suspeito era incluído e rotulado como doente
mental. Esse processo foi denominado por Amarante (1998, p.36) como “um novo projeto
paradigmático de medicalização da ordem social”.
5.2.5A antipsiquiatria
A Antipsiquiatria surgiu ao final da década de 60, na Inglaterra, tendo como principais
representantes David Cooper, Ronald Laing e Aaron Esterson. Ela surgiu como um
movimento contestador da sociedade. Que tinha como questionamentos o poder da psiquiatria
e o conceito de doença mental. Para o movimento, a psiquiatria, não cumpria a sua função de
26
tratamento e cura da doença mental, sendo que a internação era entendida simplesmente como
uma forma de violência contra o ser humano (DESVIAT, 1999).
Para Foucault (1999):
As relações de poder constituíam
a priori da prática psiquiátrica. Elas
condicionavam o funcionamento da instituição asilar, aí distribuíam as relações entre
os indivíduos, regiam as formas de intervenção médica. A inversão característica da
antipsiquiatria consiste ao contrário em colocá-las no centro do campo problemático
e questioná-las de maneira primordial (FOUCAULT, 1999, p. 127).
A loucura para a Antipsiquiatria era radicalmente diferente da visão psiquiátrica. Eles
ocuparam-se em transferir para o próprio doente o poder de produzir a sua loucura ao invés de
procurar reduzi-la a nada. O novo saber rompeu com os pressupostos psiquiátricos sem ter a
preocupação em constituir novas formas de atendimento, uma vez que não via a loucura como
alto tratável. A doença mental era compreendida como resposta do indivíduo para lidar com as
dificuldades nas relações, principalmente familiares. Nesta linha teórica a família era vista
como grande geradora da loucura e o louco era visto como uma vítima, deixando de viver sua
autonomia para representar a disfunção de sua família (FOUCAULT, 1999).
A respeito da questão, Amarante (1998) relata:
O método terapêutico da antipsiquiatria não prevê tratamento químico ou físico e,
sim, valoriza a análise do ‘discurso’ através da ‘metanóia’, da viagem ou delírio do
louco, que não deve ser podada. O louco é acompanhado pelo grupo, seja através de
métodos de investigação, seja pela não repressão da crise, psicodramatizada ou
auxiliada com recursos de regressão. (AMARANTE, 1998: 44).
O mesmo autor considera que a Antipsiquiatria busca um diálogo entre a razão e a
loucura, enxergando a loucura entre os homens e não dentro deles. Denuncia a cronificação da
instituição asilar e considera que mesmo a procura voluntária ao tratamento é uma imposição
do mercado ao indivíduo, que se sente isolado na sociedade.
5.3 A resistência do Hospital Psiquiátrico à Reforma
Todas as experiências descritas anteriormente foram de fundamental importância para
a Reforma Psiquiátrica, e ambas tinham como objetivo demonstrar a ineficácia das práticas
psiquiátricas. Entretanto, todas as experiências, com exceção da Antipsiquiatria, por mais
27
inovadoras que tenham sido as propostas, manteve-se a questão principal: a Psiquiatria
continuou sendo o mecanismo de controle da sociedade. Ou seja, não houve ruptura com o
paradigma psiquiátrico tradicional (SARACENO, 1999). Para o autor:
A crítica do manicômio como lugar desumano e antiterapêutico, se não assume que
tais conotações não são só “do manicômio” mas da ideologia psiquiátrica (da qual o
manicômio é o produto) se traduzirá simplesmente em criação de outros cenários
para o exercício da mesmíssima ideologia psiquiátrica (SARACENO, 1999, p. 69).
Segundo Rotelli (2001b), as experiências de reforma citadas anteriormente por não
conseguir ir além do hospital psiquiátrico, não produziram transformações cultural. E mesmo
que as práticas mais violentas tenham sido abolidas, a psiquiatria reformada utilizou de outros
mecanismos para a manipulação e coerção dos internos. Os serviços introduzidos para dar
uma falsa idéia de liberdade, continuaram a ter como retaguarda o hospital psiquiátrico, dando
uma característica de circuito ao sistema de saúde mental, onde o serviço da comunidade e as
estruturas de internação se complementavam.
Desviat
(1999)
cita
alguns
problemas
e
dificuldades
associadas
à
desinstitucionalização operada pela psiquiatria reformada:
A insuficiência de recursos financeiros para a implantação de serviços comunitários –
não houve, na maioria das experiências, a transferência de verbas com a saída dos
pacientes dos hospitais;
Os Serviços de Saúde Mental Comunitária não souberam lidar com os pacientes
crônicos vindos do hospital - sua especialidade era lidar com a nova clientela:
indivíduo sadio, mas infeliz;
Pouco ou nenhum esforço para transformar as crenças da comunidade em relação ao
preconceito sobre a loucura, investindo mais esforços para a mudança de
comportamento do paciente – a comunidade não costuma estar preparada para receber
pacientes desinstitucionalizados.
5.4 A Psiquiatria Democrática Italiana e a tradição Basagliana
As experiências descritas, fizeram com que Franco Basaglia, na década 60, por meio
de questionamento e reflexão sobre a viabilidade das reformas anteriores, assumisse o
Hospital Provincial Psiquiátrico, da cidade de Gorizia, na Itália (AMARANTE, 1996).
28
Sua idéia era mudar o foco de simples reforma do hospital, para uma tentativa de
humanizá-lo, ou seja, uma verdadeira transformação. Sendo assim, a questão do tratamento da
loucura foi levada para a sociedade, que historicamente atribuiu ao manicômio a
responsabilidade pela mesma, propiciando a construção de novas possibilidades de
compreensão e tratamento da loucura, a partir do reconhecimento da doença mental como um
sofrimento psíquico do sujeito (DESVIAT, 1999).
Para Rotelli (2001b), o trabalho italiano estruturou-se na negação da instituição, não
da doença mental como sofrimento. O que se negou foram as particularidades do conceito de
doença mental pertinentes não ao sofrimento do sujeito em si, mas a exclusão do paciente.
Essa ruptura em relação ao paradigma clínico tradicional chamou-se de “instituição negada” e
nas palavras do autor se traduz em:
O mal obscuro da Psiquiatria está em haver separado um objeto fictício, a ‘doença’,
‘da existência global complexa e concreta’ dos pacientes e do corpo social. Sobre
esta separação artificial se construiu um conjunto de aparatos científicos,
legislativos, administrativos (precisamente a ‘instituição’), todos referidos à
‘doença’. É este conjunto que é preciso desmontar (desinstitucionalizar) para
retomar o contato com aquela existência dos pacientes, enquanto ‘existência’ doente
(ROTELLI et al, 2001b).
5.5 A desinstitucionalização, uma ruptura com o antigo paradigma
O processo de desinstitucionalização que se tornou o pilar da experiência italiana,
refere-se à quebra do aparato com a qual a psiquiatria foi elaborada. Este processo difere do
conceito de desinstitucionalização da Psiquiatria Preventiva, visto que esta não passou de um
processo de desospitalização. Sendo este insucesso que possibilitou a construção de outra
experiência diferenciada (ROTELLI, 2001a). Para Amarante (1996):
A desinstitucionalização torna-se assim um processo, a um só tempo, de
desconstrução dos saberes e práticas psiquiátricas – expresso principalmente nos
princípios do colocar entre parênteses a doença mental, o que permite a identificação
e a desmontagem do duplo da doença mental, e no trabalho com o sujeito concreto,
encortinado pelo conceito de doença –, e de invenção prático-teórica de novas
formas de lidar, não mais com a doença, mas com o sujeito doente (AMARANTE,
1996, p. 100).
29
A iniciativa de mudanças da Psiquiatria Democrática Italiana resultou no rompimento
com da lógica manicomial e levou a questão da loucura para a sociedade. Sendo assim,
surgiram novos atores sociais neste contexto, como: os próprios usuários, familiares, vizinhos,
amigos e os técnicos dos serviços, sendo todos responsáveis pelo processo permanente de
desinstitucionalização. E o local eleito para essa transformação foi o território, um lugar que
significa a comunidade para os italianos, o espaço geográfico e cultural onde se passa a vida
do cidadão (BARROS, 1994).
Segundo Rotelli (2001a), o processo de desinstitucionalização caracterizou-se por três
aspectos:
A construção de uma nova política de saúde mental – as mudanças ocorriam dentro
das instituições, por meio da mobilização e participação dos atores envolvidos;
A centralização do trabalho terapêutico no objetivo de enriquecer a existência global,
complexa e concreta dos pacientes – os sujeitos, antes subjugados pela instituição,
tornaram-se atores sociais, protagonistas da própria história;
A construção de estruturas externas que são totalmente substitutivas da internação no
manicômio – o que foi possível por meio da transformação dos recursos materiais e
humanos na decomposição do próprio manicômio.
5.6 A construção de nova cultura e paradigmas
Com a desativação do manicômio, novas estruturas assistências foram sendo criadas
para acolher os pacientes que necessitavam de tratamento. Historicamente, o manicômio
cumpria a função assistencial, mesmo que de forma segregadora e excludente, tornando-se
assim, referência para o tratamento da loucura. Portanto, para substituição desses serviços era
necessário criar estruturas fortes que pudessem desempenhar todas as funções do hospital
psiquiátrico, para que esse lugar de referência se deslocasse (DELL’ ACQUA e MEZZINA,
1991).
Para Rotelli (2001a), aspectos foram considerados para que as novas estruturas
pudessem substituir os manicômios:
Os serviços tinham como responsabilidade, responder a totalidade das necessidades de
saúde mental de uma determinada população;
30
As formas de administrar os recursos para a saúde mental teriam que passar por
mudanças;
Os profissionais tiveram que passar por aprimoramento e treinamento.
Esses locais substitutivos surgiram em Trieste e receberam o nome de Centros de
Saúde Mental, e funcionavam vinte e quatro horas por dia, sendo cada um deles era
responsável por uma população de 40.000 habitantes. Os Centros tornaram-se uma referência
territorial, responsável por toda a demanda encaminhada ao manicômio, graças a forma de
organização de seu trabalho (SARACENO, 1999).
O trabalho desenvolvido envolvia primordialmente atividades fora dos Centros, com
utilização de recursos externos da estrutura física dos mesmos. Outra característica que
permitiu a consolidação destas estruturas como referência, foi à articulação com outros
setores, sanitários e não sanitários. O espaço do manicômio foi transformado e reaproveitado
em espaços de circulação da cidade, abolindo-se a sua marca segregadora (portas fechadas,
grades, etc) (DELL’ ACQUA e MEZZINA, 1991).
Para Rotelli (2001a), as mudanças passam do manicômio, lugar zero de intercâmbios
sociais, à multiplicidade extrema das relações sociais.
Segundo Dell’ Acqual apud Amarante (2003), os Centros de Saúde Mental de Trieste
ofereciam algumas atividades que lhe davam a garantia de substuição ao manicômio, entre
elas:
Hospitalidade noturna/internação: o tempo era variável de acordo com a necessidade
de cada paciente;
Hospitalidade diurna/Hospital-dia: a hospitalidade diurna podia ser proposta com o fim
de estimular a participação em atividades de grupo, propiciando proteção e cuidado
provisório, além de terapia psicofarmacológica. A internação variava de horas ao dia todo,
dependendo da necessidade de cada cliente;
Visita ambulatorial: possibilidade de troca de informações e opiniões com os pacientes
e/ou familiares, além do acompanhamento do programa terapêutico, da terapia
farmacológica e intervenções em situação de crise;
Visita domiciliar: poderia ser programada ou por solicitação o que propiciava o
conhecimento das condições de vida e habitação.
Trabalho terapêutico individual: encontros programados e regulares com o objetivo de
aprofundar os problemas pessoais, a história e as condições de vida;
31
Trabalho terapêutico com a família: possibilitavam a discussão da dinâmica e dos
conflitos familiares, favorecendo trocas sociais;
Trabalho terapêutico em grupo: encontros programados com várias pessoas com o
objetivo de confrontarem seus problemas, constituindo e ampliando as redes sociais;
Reabilitação: tinha o objetivo de inserção no trabalho, sendo que, as cooperativas, as
escolas e as atividades esportivas eram vistas como instrumentos naturais desse trabalho;
Intervenção sócio assistencial: a busca de subsídios financeiros para os usuários e
familiares;
Grupo apartamento: quando era necessário, cabia ao serviço a gestão ou supervisão de
grupos de usuários que precisavam de um espaço protegido ou semiprotegido, para
estímulo das habilidades sociais;
Orientação/interconsulta: o Centro tornou-se referência para outros serviços de saúde
que atendiam usuários acompanhados por ele e para pessoas com problemas mentais que
estavam detidas na prisão;
Ao se referir à dinâmica dos Centros de Saúde Mental de Trieste, Barros (1994), ressalta:
É a partir da demanda, da solicitação concreta, que as respostas são identificadas e,
assim, constituídos os momentos técnicos, políticos, sociais, culturais e humanos
que possibilitam pensar soluções novas, diversificadas e múltiplas. O objetivo não
deve estar referido de maneira reducionista ao tratamento da doença, mas à
necessidade de se obter a reprodução social e a autonomia de todas as pessoas que
chegam ao CSM. Questões relativas à vida cotidiana (dinheiro, poder contratual,
afeto, sociabilidade, jogo, relação familiar, casa, trabalho, questões jurídicas ou
burocráticas, de alimentação) adquirem dignidade de instrumentos terapêuticos
(BARROS, 1994, p. 108).
É possível afirmar que a experiência de fato rompeu com a lógica manicomial, ao
construir, por meio da desinstitucionalização, uma estrutura complexa geradora de
possibilidades de inserção do usuário de saúde mental na sociedade garantindo a sua
cidadania pela possibilidade de recuperação da contratualidade, isto é, da posse de recursos
para trocas sociais e por conseguinte, para a cidadania social. Este rompimento com o modelo
32
da psiquiatria tradicional, possibilitou o surgimento da então denominada Paradigma
Emergente (SANTOS, 1998).
5.7 A Reforma Psiquiátrica
A Reforma Psiquiátrica é um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores
culturais e sociais marcados por impasses, tensões, conflitos e desafios. É, portanto, um
processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes
origens, que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas
universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações
de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, bem, como, nos movimentos sociais
e nos territórios do imaginário da opinião pública. (BRASIL, 2001).
Segundo Birman (1992), a maior influência para o processo brasileiro de reforma foi o
movimento da Psiquiatria Democrática Italiana. Portanto, a partir desta influência italiana, a
Reforma brasileira assume o objetivo de ir além da transformação da assistência em saúde
mental; ultrapassou este campo quando questionou o conceito de doença mental e as práticas
que fundamentaram o saber psiquiátrico, buscando a sua desconstrução. Sobre o assunto
Yasui (1999) afirma que:
A crítica radical à psiquiatria tradicional, efetuada desde os anos setenta, produziu
uma mudança na concepção do objeto, focado exclusivamente na doença, com uma
decorrente prática centrada quase que exclusivamente na figura do médico, para uma
concepção que supera as dicotomias saúde/doença, individual/coletivo, entendendo a
saúde mental como um campo complexo, composto por uma rede de fatores sociais,
psicológicos, culturais e biológicos. Nessa concepção, não se busca a
preponderância de um determinado fator sobre o outro, ao contrário, trata-se de
tomar o drama do existir humano em sua complexidade. (YASUI, 1999, p. 167)
Para Birman (1992), a reforma psiquiátrica buscou delinear um lugar social para a
loucura, o que possibilitou pensar a questão da cidadania e que implicou no questionamento
não só das relações entre loucura e assistência psiquiátrica, mas no seu estatuto de
enfermidade na relação paradoxal com a condição de cidadania. Amarante (1999) estabelece a
construção deste outro lugar social para a loucura como o objetivo principal da Reforma
Psiquiátrica no Brasil, assinalando a inclusão, a solidariedade e a cidadania como princípios
éticos desse movimento.
33
A respeito da construção deste “outro lugar” Amarante (1999), destaca a necessidade de
desconstruir o imaginário social sobre a loucura, que é historicamente associada à doença, à
anormalidade, ao defeito e à periculosidade. Portanto, não basta humanizar as práticas
assistenciais, reformando os modelos de assistência em saúde mental; é preciso transformar a
relação estabelecida entre a sociedade e a loucura. O autor mostra que “ o manicômio é
sinônimo de um certo olhar, de um certo conceito, de um certo gesto que classifica
desclassificando, que inclui excluindo, que nomeia desmerecendo, que vê sem
olhar”(AMARANTE, 1999, p. 49).
Conforme assinalou Peter Pál Pelbárt (1991), é necessário a desconstrução do
manicômio mental.
A crise do modelo de assistência foi centrada no hospital psiquiátrico, por um lado, e
na eclosão, por outro, dos esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes
psiquiátricos. O processo da Reforma brasileira é maior do que a sanção de novas leis e
normas e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços
de saúde (BRASIL, 2001).
5.8 Breve histórico da Reforma Psiquiátrica Brasileira
Desde a década de 60, no bojo dos diversos movimentos sociais, políticos e
contraculturais, diferentes correntes surgem no mundo questionando a violência e o
desrespeito aos direitos humanos nas instituições psiquiátricas (COOPER, 1989).
No Brasil, no final da década de 70, foi organizado o Movimento dos Trabalhadores
em Saúde Mental (MTSM), a partir de uma crise deflagrada por denúncias de violações de
direitos humanos, sofridas por internos e técnicos de quatro grandes hospitais psiquiátricos no
Rio de Janeiro: Centro Psiquiátrico Pedro II – CPP II (atual Instituto Nise da Silveira);
Hospital Pinel (atual Instituto Municipal Phillippe Pinel); Colônia Juliano Moreira; e
Manicômio Judiciário Heitor Carrilho (AMARANTE, 1998).
O movimento apresentou como principal objetivo um acompanhamento crítico das
políticas públicas de saúde mental, constituído em um espaço de luta não institucional, em um
lócus de debate e encaminhamento de propostas de transformação da assistência psiquiátrica.
O grupo alcançou grande repercussão, por meio, de reivindicações trabalhistas e discurso
humanitário, além de liderar os acontecimentos que fizeram avançar a luta até seu caráter
definidamente antimanicomial (AMARANTE, 1998).
34
O movimento ganhou força com a participação popular, convertendo-se em
movimento social basilar na campanha pela Reforma Sanitária. A transformação do MTSM
em movimento social impulsionou o processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira (YASUI,
1999). O autor enfatiza ainda que:
O debate sobre a loucura e a instituição asilar saiu dos muros e das universidades e
ganhou domínio público através de denúncias que a grande imprensa noticiava e da
articulação do Movimento com entidades da sociedade civil sensibilizadas com a
questão da violência institucional e da segregação. O Movimento da Reforma
Psiquiátrica hasteou suas bandeiras ao lado das bandeiras de lutas dos Movimentos
Sociais, inscrevendo-se no processo histórico nacional. (YASUI, 1999, p. 73)
Em 29 de setembro de 1989, dá entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do
deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos do indivíduo
com transtorno mental e a extinção progressiva dos manicômios no país. Sendo este, o início
das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativos e normativos
(BRASIL, 2001).
A partir do ano de 1992, os movimentos inspirados pelo Projeto, conseguem aprovar
em vários estados brasileiros as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos
leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. E assim, a política do
Ministério da Saúde (MS) para a saúde mental, começou a tomar caminhos mais concretos
(BRASIL, 2001).
Na década de 90, por meio do compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da
Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, que
entrou em vigor as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de
atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros Centros e Núcleos de Atenção
Psicossocial (CAPS/NAPS) e Hospitais-dia, além das primeiras normas para fiscalização e
classificação dos hospitais psiquiátricos (BRASIL,2001).
É no contexto da promulgação da Lei 10.216, de 06 de Abril de 2001, que dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e em seguida da
realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde mental do
governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se,
ganhando maior sustentação e visibilidade. Nesta fase, financiamentos são criados pelo
Ministério da Saúde para os serviços abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico
(BRASIL, 2004c).
35
A III Conferência consolida a Reforma Psiquiátrica como política de governo e
confere aos CAPS o valor estratégico para a mudança do modelo de assistência, defendendo a
construção de uma política de saúde mental para os usuários de álcool e outras drogas, e
estabelece o controle social como a garantia do avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil
(BRASIL, 2001).
5.9
Os Centros de Atenção Psicossocial
O primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil, surgiu
em março de 1986, na cidade de São Paulo, denominado: Centro de
Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira. A criação deste
CAPS e de tantos outros, fez parte de um intenso movimento social,
inicialmente de trabalhadores de saúde mental, que buscavam a melhoria
da assistência
e denunciavam a situação precária dos hospitais
psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos usuários
portadores de transtornos mentais (BRASIL, 2004b).
O serviço foi inicialmente incorporado na política pública de Saúde
Mental no país por meio das portarias ministerial 189/91 e 224/92 do Ministério
da Saúde, em 29 de janeiro de 2002. (PITTA, 1997).
Os CAPS são instituições destinadas a acolher os pacientes com transtornos mentais,
estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca da
autonomia, oferecer-lhes atendimento médico e psicológico. Sua característica principal é
buscar integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu “território”,
o espaço da cidade onde se desenvolve a vida quotidiana de usuários e familiares. (BRASIL,
2004b).
Conforme foi dito, trata-se de um local de referência e tratamento para pessoas que
sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade
e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo,
comunitário, personalizado e promotor de vida. Apresenta como principal objetivo, oferecer
atendimento à população de sua área de abrangência, por meio do acompanhamento clínico e
da reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e
fortalecimento dos laços familiares e comunitários. (BRASIL, 2004b).
Segundo Brasil (2004b), os CAPS visam:
36
prestar atendimento em regime de atenção diária;
gerenciar os projetos terapêuticos oferecendo cuidado clínico eficiente e
personalizado;
promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam
educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de
enfrentamento dos problemas. Os CAPS também têm a responsabilidade de organizar
a rede de serviços de saúde mental de seu território;
dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, por meio do
Programa de Saúde da Família (PSF);
coordenar junto com o gestor local as atividades de supervisão de unidades
hospitalares e psiquiátricas que atuem no seu território;
manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos
para a saúde mental.
O CAPS possui valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Sendo o
surgimento deste, que serviu como referência obrigatória para a implantação de serviços
substitutivos ao manicômio em nosso país. O serviço possui a responsabilização pela clientela
atendida, de forma que possa ser culturalmente sensível, ou seja, capaz de restabelecer laços
sociais enfraquecidos por longos anos de hospitalização, ao mesmo tempo em que funciona
como um lugar de referência para seus usuários (AMARANTE e CARVALHO, 1996) .
Cada usuário do CAPS deverá ter um projeto terapêutico individualizado, isto é, um
conjunto de atendimentos que respeite a sua particularidade, que personalize o atendimento de
cada pessoa na unidade e fora dela e proponha atividades durante a permanência diária no
serviço, segundo suas necessidades. A depender do projeto terapêutico do usuário do serviço,
os CAPS poderão oferecer, conforme as determinações da Portaria GM 336/02 (BRASIL,
2007):
Atendimento Intensivo: trata-se de atendimento diário, oferecido quando a pessoa se
encontra com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou dificuldades intensas no
convívio social e familiar, precisando de atenção contínua. Esse atendimento pode ser
domiciliar, se necessário;
Atendimento Semi-Intensivo: nessa modalidade de atendimento, o usuário pode ser
atendido até 12 dias ao mês. Essa modalidade é oferecida quando o sofrimento e a
37
desestruturação psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de
relacionamento, mas a pessoa ainda necessita de atenção direta da equipe para se
estruturar e recuperar sua autonomia. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário;
Atendimento Não-Intensivo: oferecido quando a pessoa não precisa de suporte contínuo
da equipe para viver em seu território e realizar suas atividades na família e/ou no
trabalho, podendo ser atendido até três dias no mês. Esse atendimento também pode ser
domiciliar.
O projeto terapêutico do serviço, também deverá levar em conta as
diferentes contribuições técnicas dos profissionais dos CAPS, as iniciativas
de familiares e usuários e o território onde se situa, com sua identidade,
sua cultura local e regional (BRASIL, 2007).
Quando se pensa no CAPS como um local de passagem, capaz de
aumentar o poder contratual de seus usuários de forma que estes sejam
capazes de gerar normas para suas vidas e possam utilizar cada vez
menos os serviços, torna-se imprescindível a construção desta rede de
vínculos composta por novos objetivos e instâncias da vida social.
(TYKANORI, 1996).
Todos os trabalhos são elaborados por uma equipe multidisciplinar. Com uma estrutura
física capaz de dar suporte às atividades cotidianas de seus usuários e funcionários, em um
espaço de acolhimento. O atendimento diário e integrado da equipe objetiva a convivência e
serve de incentivo para relações interpessoais de forma que o local ajude na reinserção social
e não seja visto apenas como lugar de tratamento (LEAL, 1992).
Desde que começaram a surgir nas cidades brasileiras na década de 80, cabe aos
Centros o acolhimento, a atenção às pessoas com transtorno mental grave e persistente,
procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território. De fato, o
CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à
responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento, com serviços de
acompanhamento clínico e a reinserção social destas pessoas por meio do acesso ao trabalho,
lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários
(AMARANTE, 2003).
38
O gráfico a seguir mostra a grande expansão do número de CAPS no Brasil, a partir da
década de 90, o que foi possível devido a uma linha específica de financiamento do Ministério
da Saúde (BRASIL, 2004a).
Fontes: Ministério da Saúde. A partir de 2001. Coordenação de Saúde Mental. Levantamento CAPS Disque Saúde 2001.
Gráfico 01 - Evolução anual do número de CAPS no Brasil (da década de 80 a Dezembro de 2006).
A implantação dos serviços de atenção diária tem mudado radicalmente o quadro de
desassistência que caracterizava a saúde mental pública. A cobertura assistencial vem
melhorando progressivamente, mas, de fato, ainda está aquém do parâmetro estabelecido pelo
Ministério da Saúde. Embora esteja clara a tendência de ampliação igualitária da cobertura, a
distribuição espacial dos CAPS ainda reflete as desigualdades estruturais entre as regiões
brasileiras. Existem, hoje, no Brasil 1011 CAPS em funcionamento, distribuídos pelos estados
da federação (BRASIL, 2007).
O mapa a seguir informa as diferentes coberturas e ritmos de expansão dos CAPS nos
estados, além de servir de indicador aos gestores demonstrando a necessidade de expansão da
rede (referência de 1 CAPS para cada 100.000 habitantes) (BRASIL, 2007).
39
Fonte: Coordenação da Saúde Mental/MS
FIGURA 01 - O indicador CAPS/100.000 habitantes : cobertura dos CAPS em cada estado brasileiro.
Os CAPS se diferenciam pelo porte, capacidade de atendimento, clientela atendida e
organizam-se no país de acordo com o perfil populacional dos municípios brasileiros.
Portanto, esse critério populacional deve ser compreendido apenas como um orientador para o
planejamento das ações de saúde. Sendo o gestor local juntamente com a gestão do SUS, que
possui condições mais adequadas para definir os equipamentos que melhor respondem às
demandas de saúde mental de seu município. Assim, estes serviços diferenciam-se como
CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad (BRASIL, 2007).
CAPS I
Os CAPS I são os Centros de Atenção Psicossocial de menor porte, capazes de
oferecer uma resposta efetiva às demandas de saúde mental em municípios com população
entre 20.000 e 50.000 habitantes - cerca de 19% dos municípios brasileiros, onde residem por
volta de 17% da população do país. Os serviços têm uma equipe mínima de nove
profissionais, de nível médio e superior, e têm como clientela adultos com transtornos mentais
severos e persistentes e/ou decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Funcionam durante
40
os cinco dias úteis da semana e têm capacidade para o acompanhamento de cerca de 240
pessoas por mês (BRASIL, 2007).
CAPS II
Os CAPS II são serviços de médio porte e dão cobertura a municípios com mais de
50.000 habitantes – cerca de 10% dos municípios brasileiros, onde residem cerca de 65% da
população brasileira. A clientela típica destes serviços é de adultos com transtornos mentais
severos e persistentes. Os CAPS II têm equipe mínima de 12 profissionais, entre profissionais
de nível médio e nível superior e capacidade para o acompanhamento de cerca de 360 pessoas
por mês. E seu funcionamento é durante os cinco dias úteis da semana (BRASIL, 2007).
CAPS III
Estes CAPS são serviços de maior porte da rede. Podendo dar cobertura aos
municípios com mais de 200.000 habitantes. Estão presentes nas grandes metrópoles
brasileiras – os municípios com mais de 500.000 habitantes representam apenas 0,63% por
cento dos municípios do país, mas concentram boa parte da população brasileira, cerca de
29% da população total do país. Os CAPS III são serviços de grande complexidade, pois,
funcionam durante 24 horas, todos os dias da semana e em feriados. Com no máximo cinco
leitos, o serviço realiza, quando necessário, acolhimento noturno (internações curtas, de
algumas horas a no máximo sete dias) (BRASIL, 2007).
A equipe mínima para estes serviços são de 16 profissionais, de nível médio e
superior, além da equipe noturna e de final de semana. Estes serviços têm capacidade para
realizar o acompanhamento de cerca de 450 pessoas mensalmente (BRASIL, 2007).
CAPSi
São serviços especializados no atendimento de crianças e adolescentes com transtorno
mental. Esta demanda geralmente é em municípios com mais de 200.000 habitantes. O
funcionamento é durante cinco dias úteis da semana e possui capacidade para realizar o
acompanhamento de cerca de 180 crianças e adolescentes por mês (BRASIL, 2005a).
41
CAPSad
Os CAPSad, são especializados no atendimento de pessoas que fazem uso de álcool e
outras drogas. São serviços previstos para cidades com mais de 200.000 habitantes ou cidades
que por sua localização geográfica (municípios de fronteira ou que faz parte de rota de tráfico
de drogas), além de cenários epidemiológicos importantes que necessitem deste serviço para
dar resposta efetiva às demandas de saúde mental. O funcionamento se dá durante os cinco
dias úteis da semana e tem capacidade para realizar o acompanhamento de cerca de 240
pessoas por mês. A equipe mínima prevista para os CAPSad são de 13 profissionais de nível
médio e superior (BRASIL, 2007).
Segundo o Relatório de Gestão do Ministério da Saúde (2007), as modalidades de
CAPS, experimentaram diferentes ritmos de expansão. Os CAPS I e os CAPSad aumentaram
em duas vezes e meia o número de serviços existentes. A expansão dos CAPS específicos –
CAPSad, CAPSi E CAPS III – se transformaram no principal desafio do período. Por serem
inovações e tecnologias complexas, é mais difícil o asseguramento da qualidade do
atendimento, com a característica de serviços abertos territoriais de atenção diária. O CAPS
III foi o que teve menor expansão, por tratar-se de um dispositivo de maior complexidade da
rede e por enfrentar o preconceito cultural da necessidade estrita de internação hospitalar.
A tabela a seguir mostra a diferente expansão do número de CAPS por modalidade:
CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad, entre os anos de 2002 e 2006.
Fonte: Coordenação Geral de Saúde Mental.
Tabela 01 – Expansão dos Centros de Atenção Psicossocial por tipo
(dezembro de 2003 – dezembro de 2006).
42
Os CAPS, no processo de construção de uma lógica comunitária de atenção à saúde
mental, oferecem os recursos fundamentais para a reinserção social de pessoas com
transtornos mentais. Existem hoje no país 439 CAPS I implantados, 320 CAPS II, 37 CAPS
III, 77 CAPSi e 138 CAPSad distribuídos por todos os estados da Federação, totalizando 1011
serviços no ano de 2006. Apenas 6 dos 74 munícipios com mais de 300.000 habitantes não
tem um serviço tipo CAPS em sua rede de atenção. O número de centros mais que dobrou nos
últimos quatro anos, sendo a maioria nas regiões Sul e Sudeste (BRASIL, 2007).
A tabela a seguir mostra o incremento anual, no período analisado, dos CAPS nas
unidades federativas (totais de serviços ao fim de cada ano).
Fonte Coordenação de Saúde
Mental.
Tabela 02 - Expansão
dos Centros de Atenção
Psicossocial por UF:
serviços existentes
(dezembro de 2002 a
dezembro de 2006).
O Ministério
da
Saúde
instrumento
deu
aos
gestores para realizar
avaliação e definir as
prioridades
na
implantação da rede
de
atenção
psicossocial no país. A avaliação deve levar em conta a população residente nos estados e nos
municípios. Desta forma, considerou-se para o cálculo do indicador que o CAPS I provê
cobertura efetiva a 50.000 habitantes; que o CAPS III dá cobertura a 150.000 habitantes; e
que os CAPS II, CAPSi e CAPSad dão cobertura a 100.000 habitantes. É considerado que um
estado ou município tem razoável a boa cobertura quando o indicador ultrapassa 0,50.
43
A tabela a seguir mostra o indicador entre os estados da Federação, sendo que é
considerada boa ou razoável cobertura, quando este número ultrapassa 0,50. (BRASIL, 2007).
Fonte: Coordenação de Saúde Mental / MS
IBGE – Estimativas populacionais (2002 a 2006)
Tabela 03 – Cobertura CAPS/100.000 habitantes por UF
(dezembro de 2002 – dezembro de 2006)
Observa-se que sete estados (Alagoas, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Rio Grande
do Norte, Santa Catarina, Sergipe e Ceará), em 2006, alcançaram a referência. Já os estados
(Distrito Federal e Amazonas) apresentaram cobertura muito baixa (abaixo de 0,20 CAPS por
100.000 habitantes). Destes, o estado de Sergipe lidera o ranking com 0,75 CAPS por 100.000
habitantes, o Distrito Federal e o Amazonas ficam em 26° e 27° , ou seja, penúltimo e último
lugar com apenas 0,11 e 0,09 CAPS por 100.000 habitantes. Os resultados, portanto,
44
demonstram um sensível aumento da cobertura, mas ainda encontra-se aquém do parâmetro
estabelecido pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2007).
5.10O Paradigma Psicossocial
A mudança do paradigma em Saúde Mental se deu após o processo de negação do
paradigma manicomial e a partir da necessidade de se propor uma forma diferenciada de lidar
com a loucura. A noção de Atenção Psicossocial envolve uma abordagem mais ampla, com
participação de diferentes disciplinas do conhecimento e fazendo parte deste diferencial o ator
“usuário” o que tem significado importantes mudanças em sua orientação (COSTA-ROSA,
2000).
Em seu último relatório sobre a Saúde Mental no Mundo, a Organização Mundial de
Saúde (2001), referenciou como um dos objetivos a serem atingidos para os anos seguintes, a
construção de um processo de desinstitucionalização. O que para a OMS não significa apenas
a desospitalização, mas a perspectiva da construção de uma rede de serviços alternativos.
Para Rotelli (2001b), o novo modelo não envolve apenas as reformulações da ação
técnica e da organização de serviços, mas também a discussão das relações de poder
institucionais e sociais visando ao estabelecimento um novo contrato com a loucura.
No que denomina modo psicossocial Costa-Rosa (2000), considera como base de sua
constituição a contraposição ao modelo asilar, ou melhor, a construção de uma forma de
operar na assistência em saúde mental que necessariamente utilize novos parâmetros, os quais
possam romper com os saberes e práticas até então instituídos.
Um outro aspecto determinante é a forma de operacionalização destas transformações.
As técnicas utilizadas não são mais voltadas para a relação particular médico-paciente. A
inserção das atividades coletivas com ênfase em grupos e oficinas terapêuticas inaugura a
possibilidade do estabelecimento das trocas entre os sujeitos com vistas à transposição desta
capacidade para o meio externo. Deste modo, a intervenção do técnico busca mediar às
relações do sujeito com o outro e assim permitir a ampliação de sua contratualidade social
(BIRMAN, 1992).
Desta forma, as ações não se reduzem ao espaço da instituição,
apesar de esta assumir função de continente para o sujeito em
45
tratamento. Se, por um lado, a necessidade de proteção está contida na
estratégia terapêutica, esta não se traduz numa noção de incapacidade do
indivíduo, o que reorienta o movimento da instituição em relação a este.
Portanto, a continência institucional é efetivada no sentido de reinserção
do paciente no contexto social e da construção de uma rede. Segundo o
autor, “as redes são sociais, culturais, simbólicas, mercantis, raciais,
espaciais,
temporais;
são
também
projeções
da
subjetividade”
(DELGADO,1999, p. 119).
Neste contexto, o paradigma da atenção psicossocial se apresenta como permeado pela
necessidade de inter-relação do sujeito com o espaço e personagens que fazem parte de seu
referencial o qual permite o suporte para a construção de seu projeto de vida. Sendo o
território, o local escolhido para a atuação. O autor explica que “o território não é (apenas) o
bairro de domicílio do sujeito, mas o conjunto referências socioculturais e econômicas que
desenham a moldura de seu cotidiano, de seu projeto de vida, de sua inserção no mundo”
(DELGADO, 1999, p. 117).
No que diz respeito ao usuário, Delgado (1999) enfatiza que a
relação com o mesmo se reflete na dinâmica das relações entre os
membros
da
equipe.
As
relações
horizontalizadas
predispõem
a
democratização e, neste paradigma, com múltiplas intervenções, a
execução das tarefas se dá a partir do vínculo terapêutico e pelo olhar
individualizado para cada história. Busca-se o rompimento com o modelo
de funções hierarquizadas e respostas padronizadas.
A construção desse novo paradigma não aconteceu de modo abrupto e nem se tinha
um roteiro para seguir. É fato que houve algumas contribuições de experiências de
"reformas", como as relações mais democráticas e as assembléias das comunidades
terapêuticas e o contínuo rediscutir das relações institucionais da psicoterapia institucional.
No entanto, a grande influência no que se refere ao modelo assistencial foi da Psiquiatria
Democrática Italiana. A concepção de organização de serviços e a noção de territorialização,
tomada de responsabilidade e os questionamentos do mandato social da Psiquiatria são
conceitos utilizados hoje em diversos serviços e programas de saúde mental (COSTA-ROSA,
2000).
46
No Brasil, o início e a concretização dessa trajetória se deu em março de 1986, com a
implantação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial Luiz da Rocha Cerqueira na cidade
de São Paulo, assunto já citado anteriormente. Nas décadas posteriores e, principalmente, a
partir deste século, o paradigma de Atenção Psicossocial vem ampliando sua abrangência na
sua instituição como referencial teórico predominante do modelo assistencial em Saúde
Mental. Hoje, já constitui as bases da política pública oficial, mas, apesar dos avanços,
permanece como um campo aberto a reivindicações, colocando-se como desafio permanente
(COSTA-ROSA, 2000).
5.11A Enfermagem e a Psiquiatria
A primeira tentativa de sistematização da enfermagem psiquiátrica brasileira teve
origem no ano de 1890, com a fundação da escola Profissional de Enfermeiras, anexa ao
Hospital de Alienados, no Rio de Janeiro, ligada à assistência aos doentes mentais, hoje é a
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da UNIRIO. (LIMA, 2003).
A obrigatoriedade do ensino da enfermagem psiquiátrica foi determinada pela lei N°
775 de 1949. Portanto, é evidente, que a enfermagem moderna somente a partir do final da
década de 40 começou a se aproximar do doente mental e ver nele alguém que deveria ou
poderia receber uma assistência qualificada, bem como propõe o novo paradigma de formação
e prática de enfermagem introduzida no Brasil desde a década de 20 (SILVA, 2001).
Na década de 60, a profissão viveu uma etapa difícil em sua história, que foi a falta de
profissionais habilitados para atuar no campo da saúde mental. O fato se deu devido a antigos
paradigmas da profissão do enfermeiro psiquiátrico, já que houve um tempo em que os
profissionais eram transferidos para trabalhar nesta área, como forma de castigo. O sentido da
admissão para o quadro de funcionários tinha a mesma conotação da admissão de um
paciente, ou seja, absoluta falta de livre escolha (OLIVEIRA, 2003).
Ainda hoje a enfermagem “colhe os frutos” da psiquiatria comprometida com uma
visão reducionista de doença mental, da rigidez de um compromisso teórico e de uma visão
dogmática em relação à loucura. Os resultados de velhas práticas foram refletidos no
cotidiano dos profissionais, como a questão das enfermarias fechadas e superlotadas e o papel
de guarda desempenhado por alguns profissionais. Até o início dos anos 90, o trabalho
desenvolvido pelos enfermeiros apresentava características exclusivamente ao modelo asilar,
47
onde, os serviços mantinham os antigos traços de uma prática que segregava, excluía e
ignorava o doente mental enquanto cidadão (KIRSCHBAUM, 1997).
A prática de enfermagem permanecia pautada na medicação e em procedimentos
disciplinares arbitrários, com efeito e condutas como a supermedicação, o eletrochoque e a
contenção dos pacientes. Os procedimentos eram realizados de forma indiscriminada e com
intuito punitivo ou para obter a obediência dos internos às regras impostas pela equipe.
Tinham também as violências disfarçadas, como: a imposição de horário para banho, a fila
para tomar a medicação, às práticas de confinamento indistinto, como a proibição de visitas,
de passeio ao pátio e de acesso aos bens pessoais (CASTRO, 1997).
Portanto, as freqüentes denúncias de violação dos direitos humanos fortaleceram os
debates acerca da necessidade da criação de novos modelos de assistência em saúde mental,
reconhecendo a falência do modelo centrado no hospital e a necessidade de se humanizar o
atendimento oferecido. O abandono dessas práticas e a desconstrução desse processo fizeramse necessários para que a enfermagem conseguisse despontar para novas possibilidades
assistenciais e tornasse concreta a melhora da qualidade da assistência prestada.
(AMARANTE e TORRES, 2001).
5.12A Enfermagem e a nova proposta de Saúde Mental
De acordo com Pitta (1994, p. 648), para iniciar um trabalho em um Centro de Atenção
Psicossocial, seria necessário “uma casa aconchegante, móveis, alguns materiais para se ter o
que fazer e uma equipe fortemente engajada para fazer acontecer este tempo e espaço”. Neste
aspecto, enfatiza o papel determinante que a equipe desempenha nesse modelo de atenção. E
faz parte dessa equipe: médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
farmacêutico, auxiliares de enfermagem e enfermeiros.
O momento atual do trabalho de enfermagem em saúde mental caracteriza-se pela
transição da prática de cuidado hospitalar que visava a contenção do comportamento entre os
“doentes mentais” para a incorporação de princípios novos e desconhecidos, que busca
adequar-se a uma prática interdisciplinar, aberta às contingências dos sujeitos envolvidos em
cada momento e em cada contexto, superando a perspectiva disciplinar de suas ações.
(OLIVEIRA, 2003).
A motivação, que acompanhou o que se convencionou chamar Reforma Psiquiátrica
Brasileira, fez com que a prática da enfermagem passasse de custodial para uma assistência
48
onde se compreende o enfermeiro como agente terapêutico capaz de restituir a qualidade de
vida das pessoas com transtornos psíquicos, sob seus cuidados. Foi preciso, portanto, romper
com as antigas práticas e dar lugar a um novo modo de agir e de pensar possibilitando assim,
a construção de novos modelos assistenciais (LIMA, 2003).
As transformações aconteceram sobre vários aspectos, entre eles destacam-se a
compreensão do relacionamento terapêutico e o processo de abertura das enfermarias, ao
estudo das doses da medicação, além das mudanças no diálogo com os pacientes e no espaço
físico. A interdisciplinaridade passou a fazer parte da assistência, bem como a concepção do
doente como um ser singular, possuidor de autonomia e parte interativa de uma rede social.
Apesar da superação do antigo modelo de assistência, ainda é notável o medo subjacente do
profissional ao estigma do louco (KIRSCHBAUM, 1999).
A mudança de posição do profissional de enfermagem, de alguém cujo objeto de
cuidado era a doença, para agente terapêutico capaz de intervir junto ao cliente, investindo em
sua singularidade e respeitando-o enquanto sujeito, foi um dos grandes passos dados pela
enfermagem para a consolidação do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil
(KIRSCHBAUM, 1999).
Contudo, apesar dessas mudanças, ainda é vivenciado os reflexos dos efeitos negativos
das regras asilares manejadas pelo profissional de enfermagem. Assim os prejuízos legados à
enfermagem psiquiátrica são enormes e podem ser sentidos fortemente no panorama
dramático da assistência à saúde mental que se tenta modificar por meio de novos saberes,
novas propostas e novos campos, como o de atenção Psicossocial (SILVA, 2005).
O campo de trabalho se abriu e permitiu que a equipe multidisciplinar de saúde mental
não só pensasse grande, mas também agisse com grandiosidade. O Enfermeiro juntamente
com a equipe, exerce o papel de agente terapêutico, sendo que a base dessa terapia é o
relacionamento estabelecido com o paciente, a partir da compreensão do significado do seu
comportamento (KIRSCHBAUM, 1999).
O Enfermeiro como parte da equipe terapêutica tem o dever de participar das
diferentes atividades assistenciais, trocar informações com os outros profissionais e definir as
tarefas e papéis de cada membro do grupo nas diversas atividades propostas, como por
exemplo: reuniões matinais, sessões de expressão corporal, assembléia de grupo terapêutico,
dinâmica de grupo, atividades de animação sócio-cultural, administração de medicamentos,
49
supervisão da equipe de Enfermagem e orientação e
educação em saúde e higiene
(KIRSCHBAUM, 1999).
Para Kirschbaum (1999) à assistência ao paciente com transtorno psíquico, por parte
da Enfermagem deverá:
Desenvolver uma relação terapêutica com o paciente, seus familiares e toda a equipe,
sendo que é de fundamental importância saber ouvi-los;
Estabelecer limites para o paciente, após ter criado uma relação de confiança com o
mesmo;
Estimular os pacientes a participarem das atividades propostas pela equipe;
Ao referir-se ao Campo Psicossocial, Foucalt (1994), mostra que com ação integrada
da equipe, o agente de saúde mental não compete, compõe; não rivaliza, solidariza; não
controla, acolhe; não promove submissão, mas a cooperação; não se submete ou estabelece
hierarquia, mas reflexão e colaboração na geração de produto de saúde, porque crê que o
usuário de serviço de saúde mental, tal qual a população em geral, tem necessidade produzida
e imposta pelo próprio desenvolvimento das forças produtivas como: necessidade de ganhar
dinheiro, viver dignamente, ter acesso a bens de consumo, ter uma vida afetiva e amorosa
estável e tratamento no seu sentido mais estrito, clínico.
Na saúde mental, o trabalho em equipe é um ponto forte das orientações para a área. O
enfermeiro, além de compor esse núcleo, também exerce vários papéis dentro CAPS, dentre
os quais podemos citar: o gerenciamento, onde o profissional é responsável pela organização
do serviço, pela supervisão do trabalho dos profissionais, desenvolvimento e coordenação de
atividades grupais, bem como o treinamento e avaliação de todo o serviço realizado; possui a
responsabilidade juntamente com os outros profissionais de planejar e organizar o trabalho
terapêutico; é peça fundamental no processo de admissão do paciente e seu familiar, incluindo
aqui o atendimento, avaliação e o desenvolvimento da sistematização da assistência de
enfermagem (SAE) que em muitos desses locais pôde ser observado durante a pesquisa que
realmente funciona.
Um aspecto importante com a criação dos serviços substitutivos aos manicômios, foi
que muitos profissionais que trabalham nesta área, optaram por serem lotados nesta unidade.
Profissionais com um referencial pautado nos pressupostos da Reforma Psiquiátrica optaram
50
por serem transferidos para a unidade, atraídos pela possibilidade de construção de um novo
modelo assistencial, ou seja, estão lutando pela construção de um paradigma em saúde mental
(YASUI, 1999).
51
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a exploração bibliográfica em torno deste trabalho, foi possível observar dois
modos básicos de trabalho em saúde mental, que são: o modo Asilar e o modo Psicossocial.
No Brasil, a diferenciação da prática em saúde mental, em relação ao modo Asilar, tiveram
como origem uma série de contribuições oriundas de diferentes experiências históricas, que
incluem “a psiquiatria de Setor e Comunitária, a Antipsiquiatria, a Psicoterapia Institucional e
a Psiquiatria Democrática Italiana”, além da grande cooperação das políticas públicas e das
experiências locais dos CAPS que surgiram em oposição ao modelo Asilar.
Na configuração do Modelo Asilar e Modelo Psicossocial, com base na pesquisa
realizada foi elaborado um quadro de análise dos modelos e das práticas em Saúde Mental.
Para isso, alinharam-se pares de opostos, analisando quatro bases da Saúde Mental que são:
Objeto e meio de trabalho; forma de organização institucional; forma de relacionamento com
a clientela; e a questão terapêutica e ética.
1. Objeto e meio de trabalho:
Modelo Asilar
Modelo Psicossocial
Ênfase na doença e não no
O paciente é o protagonista de sua
paciente;
história;
Meio
Básico
de
intervenção:
medicamentoso;
Meios de intervenção – psicoterapias,
oficinas, socioterapias e dispositivos de
reintegração
sociocultural,
destaque
as
para
cooperativas
com
de
trabalho, além da medicação;
O organismo é o destinatário
As ações incluem o paciente e seus
principal das ações;
familiares, acreditam-se que se um esta
doente o outro também esta, por isso, o
tratamento direcionado a ambos;
O indivíduo é visto como doente
Participação da família e do grupo
pela família e sociedade, portanto,
ampliado no tratamento, de modo que
deve ser tratado;
ele, em vez de sofrer os efeitos dos
conflitos, passa a se reconhecer não só
52
como um dos agentes implicados nesse
“sofrimento” como também um agente
de mudanças;
Ênfase na doença, acreditando-se
Ênfase
na
reinserção
social
do
que a reclusão do indivíduo é a
indivíduo, principalmente quanto às
melhor forma de tratamento;
formas de recuperação da cidadania
pela via das cooperativas de trabalho;
O conhecer teórico-técnico médico
Meio de trabalho característico é o
é único no tratamento do paciente;
desenvolvido
pela
equipe
multiprofissional que inclui uma série
de dispositivos e formas de intercâmbio
das suas visões teórico-técnicas e de
suas práticas;
Os recursos multiprofissionais, são
Os problemas são vistos com múltipla
considerados
determinação e então a eficácia da ação
secundários,
auxiliares
tanto
em
termos
terapêutica há de ser multiprofissional;
teóricos quanto técnicos;
O hospital psiquiátrico fechado é a
Dispositivos
instituição
porém
CAPS, NAPS, Ambulatórios de saúde
encontravam-se dispositivos extra-
mental, Hospital dia e Residência
asilares, mas, que funcionavam
terapêutica e Programa de Volta pra
sob os mesmos parâmetros e
casa.
típica,
institucionais
lógica do manicômio.
Fonte: Do autor
2. Forma de organização institucional:
A organização institucional era
Organograma horizontal;
típicos:
53
planejada de forma verticalizada,
com fluxo do poder unidirecional
do ápice para a base;
Há campos ou espaços interditados
Os dispositivos instrumentam todas as
ao usuário e população em geral;
dimensões da instituição a serviço da
técnica e da ética, geralmente, por meio
das diversas assembléias de usuários,
familiares e trabalhadores da Saúde
Mental;
Indiferenciação
entre
decisório
o
e
o
poder
poder
Distinção entre o poder decisório e o
de
poder de coordenação – saber é
coordenação.
diferente de poder, o poder decisório se
dá em reunião geral da instituição e o
poder de coordenação é marcado pela
esfera do saber técnico ou do saberfazer.
Fonte: Do autor
3. Forma de relacionamento com a clientela:
A instituição é um espaço de
Espaço aberto à comunidade que
relação entre louco e sãos ou entre
promove
doentes e sãos.
horizontalizada.
Fonte: Do autor
a
interação
social
54
4. Questão terapêutica e ética:
“Defeitos do tratamento”, como
Assistência e tratamento ao paciente
cronificação asilar;
ocorre após um estudo individual de
cada caso, podendo ser de forma
intensiva, semi-intensiva ou domiciliar;
Os
meios
utilizados
para
Tratamento
medicamentoso,
após
tratamento eram a medicalização
estudo minucioso de cada caso; oficinas
desordenada,
terapêuticas, grupos educativos e de
prisões.
eletro-choque,
socialização.
Fonte: Do autor
Segundo Brasil (2004b), os CAPS devem oferecer acolhimento diurno e quando
possível e necessário, noturno. Devem ter um ambiente terapêutico e acolhedor, que possa
incluir pessoas em situação de crise, muito desestruturadas e que não consigam, naquele
momento, acompanhar as atividades organizadas da unidade. O sucesso do acolhimento
durante a crise é essencial para o cumprimento dos objetivos de um CAPS, que é de atender
aos transtornos psíquicos graves e evitar as internações. Os CAPS oferecem diversos tipos de
atividades terapêuticas, por exemplo: psicoterapia individual ou em grupo, oficinas
terapêuticas, atividades comunitárias, atividades artísticas, orientação e acompanhamento do
uso de medicação, atendimento domiciliar e aos familiares.
Algumas dessas atividades são feitas em grupo, outras são individuais, outras
destinadas às famílias, outras são comunitárias. Portanto, quando um indivíduo é atendido em
um CAPS, ele tem acesso a vários recursos terapêuticos, entre eles estão:
Atendimento individual: prescrição de medicamentos, psicoterapia, orientação;
Atendimento em grupo: oficinas terapêuticas, oficinas expressivas, oficinas geradoras de
renda, oficinas de alfabetização, oficinas culturais, grupos terapêuticos, atividades
esportivas, atividades de suporte social, grupos de leitura e debate, grupos de confecção de
jornal;
55
Atendimento para a família: atendimento nuclear e a grupo de familiares, atendimento
individualizado a familiares, visitas domiciliares, atividades de ensino, atividades de lazer
com familiares;
Atividades comunitárias: atividades desenvolvidas em conjunto com associações de
bairro e outras instituições existentes na comunidade, que têm como objetivo as trocas
sociais, a integração do serviço e do usuário com a família, a comunidade e a sociedade
em geral. Essas atividades podem ser: festas comunitárias, caminhadas com grupos da
comunidade, participação em eventos e grupos dos centros comunitários;
Assembléias ou Reuniões de Organização do Serviço: a Assembléia é um instrumento
importante para o efetivo funcionamento dos CAPS como um lugar de convivência. É
uma atividade, preferencialmente semanal, que reúne técnicos, usuários, familiares e
outros convidados, que juntos discutem, avaliam e propõem encaminhamentos para o
serviço. Discutem-se os problemas e sugestões sobre a convivência, as atividades e a
organização do CAPS, ajudando a melhorar o atendimento oferecido.
E por fim, é importante ressaltar que o a Reforma psiquiátrica no Brasil apresentou
novos desafios aos profissionais de saúde mental, que buscam não só a desospitalização dos
internos, mas igualmente a desinstitucionalização da loucura, ou seja, a desconstrução do
paradigma de que o louco é doente, perigoso, improdutivo e incapaz de assumir
responsabilidades. Nesta linha, um dos maiores desafios para os profissionais é em não fazer
dos serviços de atenção psicossocial um local de medicalização para que o “louco retorne à
razão”, para não enclausurar os usuários, mesmo fora dos hospitais psiquiátricos, passando
uma idéia de manicômios invisíveis.
Sendo assim, as lutas e atividades por uma sociedade sem manicômios não devem ser
restritas a discussões e ações apenas nos serviços substitutivos ao internamento asilar, junto
aos profissionais de saúde mental e aos familiares dos que passam pela experiência da
loucura. Para o processo de desinstitucionalização é necessário trabalhar nas comunidade e
em todos os espaços sociais, para uma real inserção dos ex-asilados, produzindo um outro
olhar e uma nova forma de conviver com a loucura, não confinando a diferença em um espaço
de isolamento, infantilização e incapacidade. O processo de Reforma Psiquiátrica não é
responsabilidade apenas dos profissionais de saúde mental, mas um dever de todos.
56
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