MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Distrito Federal EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ___ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL IP n.º 1914/2011 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo procurador da República que a esta subscreve, vem à presença de Vossa Excelência aduzir e requerer o que segue: Trata-se de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática dos crimes de estelionato qualificado, falsidade ideológica e uso de documento falso, tendo em vista a informação de que SEVERINO LOURENÇO DOS SANTOS NETO (auxiliado por FRANCISCO JOSÉ FEIJÃO DE ARAÚJO) teria recebido indevidamente valores a título de auxílio-transporte. Extrai-se das investigações que FRANCISCO JOSÉ FEIJÃO DE ARAÚJO, motorista do Deputado Federal SANDRO MABEL, em 2008, convenceu SEVERINO LOURENÇO DOS SANTOS NETO a assinar diversos documentos, sob o argumento de que este passaria a receber um “benefício” em favor de seus filhos, a ser pago pela Câmara dos Deputados. FRANCISCO JOSÉ também teria orientado SEVERINO a abrir uma conta-corrente na Caixa Econômica Federal (Ag. 2223, c/c nº 1.894-6), que, no entanto, nunca foi movimentada por SEVERINO (fl. 44). 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Distrito Federal Em 04/05/2009, SEVERINO LOURENÇO DOS SANTOS NETO, orientado por FRANCISCO JOSÉ FEIJÃO DE ARAÚJO, assinou também os documentos de fls. 26 e 27 – um “Termo de Adesão ao Programa Auxílio Transporte” e um “Contrato de Locação” –, ambos falsamente indicando sua residência como sendo na Av. Pedro Monteiro Guimarães, nº 153, Formosa-GO. Com tal conduta SEVERINO e FRANCISCO lograram induzir e manter em erro a União (Câmara dos Deputados), proporcionando-lhes o recebimento indevido de valores relativos ao vale-transporte do trecho Brasília a Formosa/GO. Os elementos de convicção até aqui coligidos apontam que SEVERINO LOURENÇO DOS SANTOS NETO foi admitido em 08/01/2008 e lotado no gabinete do Deputado Federal SANDRO MABEL. Embora integrasse a partir de então o quadro de servidores da Câmara dos Deputados (fl. 69), SEVERINO afirmou jamais ter ali trabalhado (fls. 55/56 e 115/1177), o que também é confirmado nos depoimentos de Eliane Lourenço do Nascimento e Cláudio Sidnei de Camargos. Também está razoavelmente esclarecido que FRANCISCO JOSÉ FEIJÃO DE ARAÚJO foi quem assumiu o controle da conta bancária de SEVERINO LOURENÇO DOS SANTOS NETO, apropriando-se de parte dos valores ali depositados e repassando outra parte a terceiros (fls. 45, 47/48, 127/130). Por seu turno, SEVERINO, a título de “benefício”, recebia de FRANCISCO JOSÉ valores mensais que ficavam em torno de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais). Há, portanto, fortes elementos de convicção a demonstrar que SEVERINO LOURENÇO DOS SANTOS NETO foi um “servidor fantasma” do gabinete de Deputado Federal SANDRO MABEL. 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Distrito Federal Sucede que, no curso das investigações, foram levantados indícios de que o Deputado Federal SANDRO MABEL foi o responsável, pessoalmente ou por intermédio de seu motorista FRANCISCO JOSÉ FEIJÃO DE ARAÚJO, pela contratação irregular de SEVERINO como servidor “fantasma” de seu gabinete, tendo, naturalmente, pleno conhecimento do pagamento indevido das correspondentes vantagens. Neste sentido, confiram-se as declarações prestadas recentemente (e que acabam de chegar ao conhecimento deste órgão agente do MPF) por MARIA SOLANGE LIMA, Chefe de Gabinete do Deputado SANDRO MABEL (fls. 127/130): “ (…) QUE a declarante trabalha no gabinete do Deputado Federal SANDRO MABEL, desde o ano de 2003, quando assumiu a função de Chefe de Gabinete; QUE quando assumiu a função de Chefe de Gabinete a pessoa de FRANCISCO FEIJÃO também passou a compor a equipe neste mesmo ano, na função de motorista do Deputado; QUE indagada pela Autoridade Policial sobre quem seria o servidor responsável pela contratação de outros servidores para trabalharem no gabinete, a declarante respondeu que as contratações eram realizadas pelo Deputado, havendo a realização de uma entrevista individual junto com a depoente; QUE indagada sobre quem seria responsável por controlar a freqüência dos servidores no gabinete, bem como os horários de chegada e saída, a declarante respondeu que era a pessoa responsável por tal atividade; QUE indagada pela Autoridade Policial se a pessoa de SEVERINO LOURENÇO DOS SANTOS NETO teria sido contratado para trabalhar no gabinete do Deputado SANDRO MABEL nos anos de 2008/2009, a declarante respondeu que fisicamente não; QUE indagada pela Autoridade Policial o que significaria a expressão "fisicamente não" a depoente respondeu que a expressão significa que não o via no gabinete nos horários de expediente, mas que tinha 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Distrito Federal conhecimento como Chefe de Gabinete que esta pessoa constava na folha de frequência; QUE perguntada sobre quem teria sido responsável pela contratação de SERVERINO LOURENÇO DOS SANTOS NETO, respondeu que quando verificou que SERVERINO não comparecia ao gabinete perguntou à pessoa de FRANCISCO FEIJÃO quem teria realizado a contratação de tal pessoa, tendo o mesmo respondido que havia acertado pessoalmente com o Deputado SANDRO MABEL a contratação do mesmo, não sabendo informar ainda qual seria a atribuição de SERVERINO junto ao gabinete; QUE, salvo engano, SERVERINO teria permanecido na frequência do gabinete entre os anos de 2008/2009; QUE neste ato a Autoridade Policial mostrou à declarante a fotografia de folhas 33, tendo respondido que nunca viu tal pessoa no gabinete do Deputado SANDRO MABEL; QUE indagada pela Autoridade Policial se a questão relacionada a distribuição das gratificações de Secretário Parlamentar - SP - entre os servidores lotados no gabinete era de sua responsabilidade, respondeu que as contratações, bem como os valores pagos aos servidores era resolvido pelo Deputado, o qual sempre perguntava a declarante acerca da disponibilidade ou não de recursos dentro da verba parlamentar; QUE com relação à pessoa de SERVERINO não sabe informar qual SP recebido pelo mesmo, mas recorda-se que os valores giravam em torno de R$ 2.000,00 a R$ 2.200,00; (…) QUE indagada pela Autoridade Policial se FRANCISCO FEIJÃO possuía autonomia para tratar de assuntos referentes ao gabinete diretamente com o Deputado, a declarante respondeu que não; QUE gostaria de ressaltar que a situação referente a contratação de SEVERINO diretamente entre FRANCISCO e o Deputado SANDRO MABEL foi excepcional, já que todos os assuntos relacionados à administração do gabinete passavam pelo conhecimento da declarante; QUE gostaria de ressaltar que no exercício do mandato o parlamentar 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Distrito Federal contrata servidores que acabam desempenhando seus trabalhos na base eleitoral, embora estejam lotados no gabinete, na Câmara dos Deputados, portanto embora seja chefe do gabinete a declarante não exerce total controle sobre o desempenho das atividades funcionais de todos os servidores lotados no gabinete, mas que desempenham suas funções em atividades externas; QUE gostaria de esclarecer, por fim, que a função de motorista desempenhada por FRANCISCO FEIJÃO tornava possível uma convivência muito próxima com o Deputado, e que em razão disto seria até natural que algumas autorizações de natureza administrativa pudessem ser decididas diretamente entre o Deputado e a pessoa de FRANCISCO; (...)” (grifos nossos) É fato notório que SANDRO MABEL exerce atualmente o mandato de Deputado Federal. Assim, considerando os indícios do envolvimento de autoridade que ostenta foro por prerrogativa de função, consoante se dessume especialmente do depoimento prestado por MARIA SOLANGE LIMA, impõe-se ao Ministério Público Federal pugnar pela imediata remessa dos autos ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, a fim de que, recebidos pelo Ínclito Procurador-Geral da República, sejam adotadas as medidas cabíveis (inclusive para que se promova a continuidade das investigações, com a oitiva do Deputado Federal SANDRO MABEL e a juntada aos autos da resposta do Ofício nº 14713/2011 – fl. 112). Brasília, 16 de novembro de 2011. BRUNO CALABRICH Procurador da República 5