Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011
o conhecimento liberta e responsabiliza
Em encontros casuais que venho mantendo com
ex-alunos, muitos me dizem o quanto a Móbile foi decisiva
na vida deles. Sempre pensei que fosse uma expressão
retórica, um misto de elogio e de nostalgia dos muitos anos
passados na escola. Não é. Eles argumentam, incisivos,
e insistem que não falam por devoção paroquial: “diante
das mais variadas situações, percebemos o quanto nós nos
distinguimos; comparados aos nossos amigos ou aos nossos
a p r e s e n t a ç ã o
pares profissionais, percebemos que temos mais ‘densidade’”.
Afirmam: “sabemos nos localizar no tempo, interpretamos
textos e vídeos, enfrentamos problemas sem medo, não nos
perdemos diante das novidades, temos curiosidade e método
e, sobretudo, conhecemos os porquês”.
Ora, penso eu, isso é formação consistente, saberes
concatenados, lógica científica. Haveria melhor prêmio do que
este? Afinal, são indicadores de que o projeto pedagógico está
no caminho certo da excelência, de que o planejamento das
atividades e a orquestração da equipe operam sintonizados.
A Revista da Móbile está em sua nona edição
e está cada vez mais alentada. Qual é o propósito da
publicação? Manter sem esmorecer o nosso compromisso
com a transparência. Ou melhor: expor todas as informações
necessárias para que pais e alunos, professores e comunidade
de educadores façam uma avaliação competente do trabalho
realizado.
O editor da Revista, professor Wilton Ormundo, abre
o número com a entrevista instigante do poeta Ferreira Gullar.
Nela, temas nada triviais são abordados. O poeta se posiciona
com clareza diante da recente polêmica sobre o ensino da
norma culta, indica o limite das expressões comunicativas e
esbarra no indizível, qualifica a arte como linguagem peculiar
que transcende a realidade, revela que a poesia nasce do
espanto, relata a trajetória do movimento concretista no Brasil
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e seus impasses, fala sobre a fusão do bem simbólico e de seu suporte material no livro-poema, além de
inserir nele criticamente. Serem, portanto, cidadãos em seu sentido pleno: agentes capazes de conectar
nos contar sua experiência como militante político e sua amarga desilusão. Leitura saborosa.
informações esparsas, articular pensamentos consistentes, elaborar as razões pelas quais se posicionam
Em 2010, a V Mostra Literária e o IX Concurso Literário foram oportunidades de verificar
e comparar (dois critérios constitutivos da transparência) trabalhos feitos pelos alunos da Móbile.
Nessa mesma linha, na seção “Reflexões”, e com particular felicidade, temos o artigo do
Permitiram compreender, sobretudo, o processo de construção de seu pensamento ao longo dos anos de
coordenador e professor de Matemática do Ensino Médio, Walter Spinelli: “Alguém aí já tocou em um
aprendizagem, pois a Mostra envolveu alunos do Infantil 5 ao 3º ano do Ensino Médio. O leitmotiv foi
quadrado?” A contextualização das disciplinas torna-se o grande trunfo do ensino eficaz, principalmente
o sonho, um tema cujo espectro encanta crianças e adolescentes, facultando-lhes inesgotáveis incursões.
quando entendida como aplicação dos conceitos a situações que fazem parte do cotidiano dos alunos.
Em paralelo, é interessante acompanhar a carpintaria do processo criativo a partir da perspectiva
Mas o texto vai muito além: distingue o real de suas representações mentais; mostra como a essência
dos professores de cada série e resgatar um fato valioso: a orientação que adotaram respeitou
abstrata dos conceitos nos permite captar os padrões ocultos dos objetos concretos; e nos exorta a
o desenvolvimento cognitivo e a crescente maturidade de escrita dos estudantes. Bons trabalhos foram
extrapolar os contextos, alargar as fronteiras, operar em termos interdisciplinares.
selecionados entre centenas inscritos, verdadeiros atestados da capacidade de fantasiar, reinventar
Outro artigo, também recomendado, responde a uma indagação relativamente corriqueira:
e descrever com especial acuidade. Convido a ler a bela e singela poesia do aluno Rafael Montressor
“Filosofia para crianças – por quê, para quê, como?”, de Maria Cardoso e Tatiana Almendra. E isso desde
Coelho (aluno do 6º ano) e compará-la à densa e instruída poesia de Caio Franco (2º ano do Ensino
o Infantil 5! Ficam explícitos os objetivos: a capacidade de pensar é imprescindível, e isso se aprende; os
Médio).
alunos descobrem como argumentar e questionar, como desenvolver raciocínios com método e coerência,
A seção “Produções em foco” nos possibilita avaliar o trabalho que os professores realizaram
em conjunto e que visou alcançar complexos objetivos da formação escolar, a começar pelo alargamento
dos horizontes dos alunos. A ênfase nesse caso foi o desenvolvimento do pensamento científico, viga
6
desta ou daquela maneira para, no final, responder pelas consequências das opções que adotam.
como assegurar critérios que sustentem afirmações; adquirem, assim, as habilidades necessárias para
pensar de forma autônoma.
Por fim, não posso deixar de chamar a atenção para o exercício proposto pelo professor Wilton
indispensável das mentes livres e dos espíritos críticos e, por que não dizer, dos cidadãos do século XXI.
Ormundo aos formandos do 3º ano do Ensino Médio que se encontra na seção “Futuros profissionais”.
Nesse sentido, é surpreendente conferir a forma original como as professoras do Infantil 3 – Andreza
Numa verdadeira provocação intelectual, formula questões nada anódinas que instigam os alunos a
Souza, Angela Ciupka, Daniela Rosa, Daniela Levino, Lyara Contensini e Aline Stroeh – introduziram
mergulhar em seu íntimo e a revelar a si mesmos a trama complexa de suas inquietações e aspirações.
crianças entre 3 e 4 anos no rico mundo das ciências naturais. E cumpre também aplaudir o trabalho
Ao ler os depoimentos dos alunos, não pude deixar de ficar orgulhosa com sua articulação, a citação
interdisciplinar dos professores João Carlos Micheletti e Silmara Parra que narra como alunos do
dos muitos livros lidos e dos filmes comentados, a beleza de seus insights, seu afã questionador e a
8º ano do Ensino Fundamental se tornaram partes ativas de uma investigação científica. Merece também
inteligência de seus argumentos. E fiquei sensibilizada com as menções elogiosas à Móbile que poderiam
destaque o relato dos professores Tatiana Nahas, Carlos Godoy e João Carlos Micheletti intitulado
ser resumidas numa expressão lapidar de um dos respondentes: “A Móbile me formou como ser humano,
“A ciência vista como arte”, que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como
e é por esse motivo que pretendo que meus filhos, se os tiver, estudem nessa escola.”
instrumento eficaz de apreensão da natureza.
Quero deixar aqui meu agradecimento profundo à equipe de professores e coordenadores
A seção “Especial” nos traz um importante artigo do professor Roberto Candelori sobre a
que, ao longo dos 36 anos da Móbile, transformaram meu projeto de jovem professora universitária em
disciplina que ministra, Ética e Cidadania. O curso que se estende pelos três anos do Ensino Médio não se
uma realização feita com o barro da competência e com o generoso espírito de educadores lúcidos e
resume a descrever atualidades históricas ou a discorrer filosoficamente sobre temas transversais como
engajados.
a intolerância, o terrorismo, a xenofobia ou a migração. Vai além, à medida que contextualiza – palavra-
Boa leitura!
aos alunos as ferramentas necessárias para que se sintam, e mais, que façam efetivamente parte dos
MARIA HELENA BRESSER
acontecimentos nacionais e internacionais – deixem de ser estranhos em seu próprio mundo para se
Diretora Geral
chave –, ilumina o presente com as regularidades do passado e com as potencialidades do futuro, oferece
7
O faroeste e o anti-herói.
Resenha
269
Questões que (re)velam...
Futuros Profissionais
250
Complexo projeto de sustentabilidade é promovido no 6º ano do Ensino Fundamental.
A análise multidisciplinar como estratégia didática.
Digestão: o laboratório em foco.
Crianças mergulham no mundo da ciência.
Crianças, índios e um universo comum.
A poesia está nas palavras.
Além da história: a ampliação do universo cultural nas aulas de Inglês.
Alunos do Ensino Médio apresentam seus trabalhos de Iniciação Científica.
Produções em foco
150
Filosofia para crianças – por quê, para quê, como?
O ensino de literatura no currículo escolar
Oslo 2011 – Um grito
Estruturas de pensamento proporcional
Pequeno ensaio sobre a importância das abstrações e da contextualização do ensino.
Encontro com Profissionais.
Uma reflexão acerca do papel da gramática na sala de aula.
Reflexões
105
O desafio de educar no século XXI – Contribuições da disciplina de Ética e Cidadania.
Especial
93
Móbile realiza em 2010 V Mostra Literária e IX Concurso Literário.
Os vencedores do IX Concurso Literário de 2010.
Jovens do 1º ano do Ensino Médio mostram sua compreensão teatral de textos literários.
Alunos do 9º ano apresentam a peça Invencionática, parte de um projeto consagrado no Ensino Fundamental.
Expressões & Impressões
29
Ferreira Gullar.
Entrevista
12
í n d i c e
MÓBILE
Direção Geral
Maria Helena Bresser
Direção
Educação Infantil
Maria de Remédios F. Cardoso
Ensino Fundamental
Cleuza Vilas Boas Bourgogne
Ensino Médio (Educacional)
Blaidi Sant'Anna
Ensino Médio (Pedagógica)
Glorinha Martini
REVISTA DA MÓBILE
Editor
Wilton de Souza Ormundo
Textos
Cleuza Vilas Boas Bourgogne
Wilton de Souza Ormundo
Preparação de textos
Juliana Massoni Pereira
Revisão
Ricardo Paulo Novais
Projeto gráfico e editoração
Fernando Alexandrino
www.letlive.com.br
Fotografias
Arquivo Móbile
Clóvis Ferreira
Valéria de Melo Pereira
Fotolitos e impressão
Gráfica Editora Aquarela
Colaboradores
EDUCADORES
Adriana Caravieri Rosa
Adriana Du Pin Galvão
Adriana Ramacciotti
Alexsandra Dorneles de Azevedo
Aline H. I. de Castro
Aline Prates Stroeh
Aluani Tordin de Oliveira
Ana Christina Calderelli Nebó
Ana Lúcia Ribeiro de Almeida
Analu G. Del Suringar
Andréa G. de Oliveira Assumpção
Andreza Martins de Souza
Angela Ciupka
Antonio de Freitas da Corte
Bárbara A. Pozas
Bárbara Elisa Alves Martins
Blaidi Sant’Anna
Carlos Eduardo C. de Godoy
Cláudia Colla de Amorim
Cristine Bünecker Poyares
Daniela Fernandes Rosa
Daniela Jaime Levino
Débora M. Zardi
Denérida Brás Martins Tsutsui
Denise Mendes
Fábia de Cássia B. dos Santos
Fernanda Campanhã Rodolfo
Francisco Lima
Gabriela B. Makishi
Hugo Carneiro Reis
Iva Maria Alves
João Carlos Micheletti Neto
João Jonas Veiga Sobral
Juliana Yoko
Jussara Moreira Santana
Laís L. de Carvalho
Lara Portes Oliva
Lívia Moreira de Oliveira
Lucelena M. de Souza Lee
Luciana Tomiatto de Oliveira
Lyara Vilches Contensini
Mara Scorsafava
Márcia Juliana Santos
Maria de Remédios F. Cardoso
Márcia Ruiz
Maria Cecília M. Suguiyama
Maria L. B. de Toledo
Marina Callil Voos
Mônica Ferreira A. Conte
Mônika Kuszka
Paloma Dantas de Araújo Santos
Paloma Jordão
Paula Vasconcelos
Paulo Rogério Rodrigues
Priscila M. Ribeiro
Renata Maltempi
Rita Pisano
Roberta de Vita
Roberto Candelori
Robervânia Araújo
Rodrigo L. de Castro
Rogério Viana Gusmão
Silmara Parra
Talita D. Fagundes
Tatiana Almendra
Tatiana Rodrigues Nahas
Teresa Chaves
Thaís Neves
Valéria de Melo Pereira
Viviane D. da Silva
Walter Spinelli
Wanessa Kelli e Silva
ALUNOS
Amanda Leal Netto Campos
Ana Carolina Balam Sebe
André Salem
Andrea Lasevicius Moutinho
Andrea Moutinho
Antonio F. S. Reis
Arthur Zanini de Salles Aguiar
Bruno Amá Stephan
Caio Cirello Rezende
Caio Franco
Camila Rozenblit Tiferes
Camila Damião Farah
Clara Sampaio Laranjeira
Caroline Cury
Cristiana Pietracola
Daniel de Araújo Pereira
Daniela Guimarães Boanova
Daniela Machado
Daniela Taouil
Débora Duarte Nunes Leite
Diogo Banzato Franco
Fernanda Pontes Battaglia
Gabriela Pereira Prado
Gabriela Vianna
Gisele da Costa Dubois
Giuliana Uchôa Carrieri
Gustavo Henrique S. Cezar
Henrique Caldas Oliveira
Henrique Ferreira
Henrique Rubira
Isabela de Angelis
Isabella Pavani Scuotto
João Frederico Paredes
Jorge Luiz Moreira Silva
Julia Shinohara
Juliana Nakano Myazaka
Leonardo Gandur Giovanelli
Letícia Toldi de Carvalho
Lígia G. Cossé
Luana Kitagawa Cunha Soares
Luisa Prado Betti Guarnieri
Luísa Roman de Oliveira Toledo
Luiza Bucker
Luiza Fernandes Gremaud
Maria Paula Rameh Guilger
Mariana Marques Alves Bocuzzi
Marina Antunes Kasa
Mariana Araújo
Mariana Stefani
Maurício Gioachini Tardochi da Silva
Natália Mello
Nicolas Vana Santos
Nina Trentini Borghi
Pedro Carregã Sant’Anna
Pedro Loureiro Porto
Pedro de Oliveira Ribeiro
Rafael Montressor Coelho
Raphael Vianna
Renata Batista
Renata Sardenberg
Rodrigo Lucas
Rodrigo Miksian Magaldi
Rodrigo Rossi Mora Brusco
Rodrigo Siuffi Abbud
Stephanie Haspo
Thais Bianchini
Thais Branco
Victoria Liebert Piscopo
Victoria Pagano Rebizzi
ABCD
EFGHIJ
KLMN
OPQRS
TUV
Ferreira Gullar
e n t r e v i s t a
Saí de São Paulo, rumo ao Rio de Janeiro, com
uma lista infinita de perguntas escritas num
papel e uma ideia fixa: vou entrevistar aquele
que é considerado pela crítica o maior poeta
vivo da língua portuguesa, o maranhense José
Ribamar Ferreira, ou simplesmente Ferreira
Gullar. É certo que o peso dessa responsabilidade deve-se a vários fatores: meses de
tentativas vãs de agendamento (o poeta completou 80 anos e a imprensa precisa de datas),
um sentimento (anacrônico) de juventude,
ligado às reminiscências da Faculdade de
Letras da USP (e já se vão quase vinte anos),
a quase adoração do poema “Traduzir-se” (e
a sensação de que seus versos foram autoescritos e não criados por alguém palpável).
Tudo isso começa a se esvair quando, à porta
do edifício do poeta, na ruidosa Copacabana,
pergunta-se ao menino da banca de revistas:
“Você tem um exemplar de algum livro de
Ferreira Gullar?” (Afinal, precisava de um
para que fosse autografado); e ele responde,
sem cerimônias: “Não tenho não, mas você
pode comprar diretamente dele. É só tocar
a campainha do prédio em frente.” E a sensação de peso se dissipa quase por completo
quando diante de Gullar, crítico de arte,
jornalista, escritor, dramaturgo, tradutor e,
acima de tudo (segundo ele), Poeta. A lucidez
do homem é perturbadora. Entrevistá-lo é
tarefa árdua porque ele é capaz de discorrer
com fluidez sobre amor, morte, poesia, comunismo, Beckett numa frase. Tudo tratado de
maneira humana e até mesmo prosaica. Num
dado momento, para falar de sua incursão
no Neoconcretismo (depois de sua ruptura
com o Concretismo), apanhou de sua estante
uma escultura de Lygia Clark e explicou-me
didaticamente o conceito de “livro-poema”.
(A obra de uma das artistas plásticas mais
festejadas do país, Lygia Clark, estava ali em
suas mãos sem nenhum pedantismo.)
Nesta entrevista, não saberemos que foi em
1954 que Gullar publicou o importante livro
A Luta Corporal; que em dezembro de 1956
participou da Exposição Nacional de Arte
Concreta (no MAM); que discordou das
ideias do grupo concretista paulista, expressas no artigo “Da Psicologia da Composição
à Matemática da Composição”, redigindo
em resposta ao texto dos irmãos Campos e
Décio Pignatari o texto “Poesia Concreta:
Experiência Fenomenológica”; que escreveu
o “Manifesto Neoconcreto”, publicado no
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e assinado também por Amilcar de Castro, Aluísio
Carvão, Franz Weissmann, Hélio Oiticica,
Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim
e Theon Spanudis. Também não seremos
informados de que foi em 1961 que o poeta
dirigiu a Fundação Cultural, em Brasília; de
que se filiou ao Partido Comunista em 1964,
quando fundou o Grupo Opinião, com os
dramaturgos Oduvaldo Vianna Filho e Paulo
Pontes; de que colaborou com O Pasquim,
sob o pseudônimo Frederico Marques; e de
que recebeu o Prêmio Jabuti, em 1999, a
indicação ao Prêmio Nobel de Literatura,
em 2002, o Prêmio Machado de Assis, da
Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto
da obra, em 2005, e o Prêmio Camões, concedido pelos governos do Brasil e de Portugal,
em 2010. Você também não será informado
que, recentemente, Ferreira Gullar, depois
de onze anos de silêncio poético, lançou a
coletânea Alguma parte alguma. Saberemos,
entretanto, o mais importante para estabelecer contato com a arte de Gullar: sua
poesia nasce do espanto.
(Ps.: o menino da banca de jornal estava errado. Gullar não tem suas obras para vender em
seu apartamento carioca.)
16
que poderia me tornar um escritor. Eu precisava
culta. O que eles estão dizendo, e é correto, é
Educação, Fernando Haddad] declarou que quem
saber a língua, então passei dois anos lendo
que existe um sabor, uma beleza, um charme no
se opõe ao livro é pior que Stalin, querendo dizer
gramática, estudando para entender como a
falar do povo. Dentro da literatura, esse “falar
que esse ditador ainda era melhor que nós porque
língua funcionava. É muito estranho que alguém
do povo” é um elemento enriquecedor. Você –
ele, quando criticava um livro, o tinha lido antes.
venha dizer que a norma culta é aquela praticada
como escritor – pode usar esse elemento, dentro
Só que Stalin matou um milhão de pessoas!
pela elite. Por trás de tudo isso, há um problema
de um contexto determinado. Bandeira nunca
Revista da Móbile – Clarice Lispector
ideológico, infantil, velho. Então é assim: quem
pretendeu defender que a construção “os livro”
disse, certa vez: “Eu até queria não ter
Revista da Móbile – A última polêmica
fala certo pertence à classe dominante e quem
está correta. Mas isso não significa que eu não
aprendido outras línguas: só para que a
envolvendo o MEC (Ministério da Educação
fala errado é o povo? Então, como o povo é a
transgrida, violente a língua. Em minha poesia,
minha abordagem do português fosse virgem
e Cultura) está relacionada à aprovação,
vítima da classe dominante, temos de prestigiá-lo
quantas vezes violentei a língua? Até de uma
e límpida.” Como é sua relação com a língua
pelo PNLD
(Programa Nacional do Livro
para não deixar que a classe dominante o humilhe
maneira absurda, drástica demais, mas é preciso
portuguesa?
Didático), da obra Por uma vida melhor,
dizendo que ele está falando errado... realmente
haver a língua estabelecida, as normas, para
Ferreira Gullar – É possível que Clarice tenha tido
destinada aos alunos do EJA (Educação de
isso é uma bobagem.
que se possa transgredi-las. Quero dizer, esta
um problema maior, talvez pelo fato de ela ter
Jovens e Adultos). Nela, os autores tratam
Revista da Móbile – O senhor acha que “a
relação é dialética: entre aquilo que é correto e as
nascido fora do Brasil. Ela aprendeu português
da variação linguística como fenômeno
contribuição milionária de todos os erros“,
possibilidades outras que se apresentam diante
depois – ainda que essa língua tenha se tornado
inerente a toda e qualquer língua humana.
citada pelo escritor paulistano Oswald
de problema de expressão, sobretudo quando se
sua língua materna. Se há uma escritora para
Essa postura foi lida por muitos como um
de Andrade em um de seus manifestos, ou “a
trata de poesia.
quem a língua é fundamental é Clarice Lispector.
desprestígio do ensino da norma culta
língua errada do povo/Língua certa do povo/
Revista da Móbile – Por que esse “problema”
A minha relação com a língua portuguesa,
nas escolas. Em um de seus textos mais
Porque ele é que fala gostoso o português do
se apresenta, principalmente, para a
meu idioma, é fundamental. A minha poesia é
irônicos, publicado pelo jornal Folha de S.
Brasil”, referida pelo poeta pernambucano
poesia?
decorrente disso. Talvez uma das coisas que
Paulo, “Alguém fala errado?”, há uma crítica
Manuel Bandeira, e tudo o que o múltiplo
Ferreira Gullar – Porque a poesia é uma arte
caracterizem a minha poesia, diferentemente da
dura aos linguistas que defendem posição
escritor paulistano Mário de Andrade
realizada, muitas vezes, no limite da linguagem.
de outros poetas brasileiros, é a minha relação
semelhante à dos autores do livro que gerou
defendeu – ao lado de outros modernistas
O que me incomoda nesse livro didático é a
com a questão linguística, porque eu fui um
a polêmica. De que maneira o ensino da
da fase heroica (1922-1930) – geram certa
tendência ideológica, um esquerdismo equivocado
poeta que questionou a construção da minha
norma culta, promovido pela professora
confusão de interpretação ainda hoje?
que transforma defeito em virtude. Quando
própria língua. Isso já aparece em meu livro A luta
Rosinha, foi importante para o senhor?
Ferreira Gullar – Eu, quando li essas concepções
Bandeira defende a “língua errada do povo”, ele
corporal. Até hoje esse questionamento se dá em
Ferreira Gullar – Não é que o ensino da norma
do Mário, do Oswald, do Bandeira, nunca atribuí
está liberto de preconceitos; ele está revelando
minha literatura. Meu último livro começa com um
culta tenha influenciado diretamente a minha obra.
a elas a intenção de considerar que a norma culta
a sua experiência de menino pernambucano no
poema que diz assim: “fica o não dito por dito”.
Conhecer a norma culta, saber escrever direito,
era algo que deveria ser desprezado, porque
contato com aquela gente de sua terra. Trata-se
A linguagem não diz tudo que quero dizer. O que
corretamente, sempre foram uma preocupação
esses escritores escreveram “corretamente”, ou
de uma experiência saudável, bonita, encantadora.
está fora da linguagem não é dito.
minha, desde garoto, quando comecei a imaginar
seja, dentro daquilo que denominamos norma
Fico perplexo quando vejo que o Ministro [da
17
valorização de uma escultura de Rodin, de
18
A arte, além
do mais, não
só expressa
a realidade
como também
a inventa.
Revista da Móbile – De fato, o senhor disse
Revista da Móbile – Essa discussão vai,
uma pintura de Picasso. Segundo o senhor,
em certa medida, ao encontro daquela que
isso “deixaria perplexo o pensador alemão
Clarice Lispector propunha em relação à sua
Walter Benjamin, segundo o qual os produtos
própria literatura. Refiro-me à insistência
industriais não possuem aura, como as obras
da autora ucraniana em dizer que sua
de arte consagradas”. De que maneira o
literatura era uma busca de aproximação,
senhor discorda das ideias (e das previsões)
inútil, do elemento intangível, daquilo
presentes no célebre ensaio “A obra de
que é “indizível”, ou seja, de impossível
arte na época de reprodutibilidade técnica”,
Revista da Móbile – Mais do que apresentar
uma nova realidade, a arte se colocaria
representação pela palavra.
escrito por Benjamin?
o sujeito com um ser cindido, marcado pelos
distante de outra realidade (concreta)?
Ferreira Gullar – Sim, essa questão existe em
Ferreira Gullar – De fato, quando li a primeira vez
paradoxos “ser ‘todo mundo’ e ao mesmo
A chamada poesia social brasileira – que
Clarice também, mas não em outros escritores
esse artigo de Walter Benjamin, concordei com
tempo ‘ninguém’”, “desejar ser ‘multidão’ e
a crítica associa ao senhor – serviu a que
brasileiros, como Graciliano Ramos, Erico
ele, mas, depois de refletir mais profundamente,
também ‘solidão’”, “‘pesar, ponderar’, mas
propósito? O de tratar da realidade de
Verissimo, Carlos Drummond de Andrade,
comecei a ver que aquela concepção não era
‘delirar’”, seu poema “Traduzir-se” sugere
modo a transformá-la ou o de inventar uma
Manuel Bandeira. Essa questão da língua não
inteiramente verdadeira. Ao contrário do que
que a existência humana é caracterizada
realidade que pudesse apaziguar a dor dos
se colocava para os outros escritores de maneira
propôs Benjamin, uma obra como a Mona Lisa
pelo desejo da plenitude, pelo “to be and not
leitores em um mundo submetido aos limites
tão drástica. Mesmo Oswald de Andrade, Mário
passou a ter sua aura ampliada justamente pelo
to be”, pelo conflito. O homem, segundo o
estabelecidos pela ditadura militar de 1964?
de Andrade, quando propõem a mudança do
excesso de reprodução dela. Quanto mais popular,
senhor, busca a solidez (“almoça e janta”),
Ferreira Gullar – Existe mesmo esse conceito
verso, da linguagem poética, que era acadêmica,
famosa, ficou a tela de Da Vinci, mais todo o
mas também deseja o imponderável, a
de poesia social ligado a mim na história da
parnasiana, ficam apenas na forma. Esses artistas
mundo queria vê-la no original, no Louvre. As
surpresa, aquilo que não se pode prever,
literatura brasileira. Escrevi um poema sobre
da primeira geração modernista não vão à questão
pessoas conhecem a cópia, mas existe o fascínio
controlar, o “de repente”. O senhor
Che Guevara chamado “Dentro da noite veloz”,
fundamental da linguagem: a de que ela é um
pelo original, pelo verdadeiro, que continua a ter a
acredita que a convivência desse lado
mas os versos que o compõem, por certo, não
sistema que só diz o que pode dizer; há algo que
tal aura de que falou Benjamin. Aquilo foi pintado
humano “vertigem” (pulsional) só encontra
são a realidade, não são a revelação; eles são,
não se diz, porque está fora da linguagem. O que
por Leonardo da Vinci no século XVI e continua a
possibilidade de tradução pela “linguagem”,
antes, uma invenção de determinada realidade.
está fora da linguagem é indizível, e esse tema
ser precioso, único no mundo.
uma vez: “discordo quando dizem que a arte
revela a realidade. Na verdade, a arte inventa
a realidade. (...) A poesia é uma dessas
criações, no terreno da fantasia, que existe
porque a vida não basta. Eu escrevo para ser
feliz, escrevo porque estou me inventando,
para ser melhor do que sou”. Inventando
pela arte?
Quando criei esse poema, nunca tive a pretensão
está presente em minha poesia.
Ferreira Gullar – Tenho certeza de que a arte
de que seus versos pudessem servir para mudar
Revista da Móbile – Em outro texto publicado
é capaz de expressar coisas que as outras
a realidade. Escrevi-o mergulhado num “estado”
pelo jornal Folha de S. Paulo, “Na prática é
linguagens não conseguem fazer. A arte, além do
que me permite, que me obriga a fazer um
diferente”, o senhor trata da venda, por
mais, não só expressa a realidade como também
poema. Quando escrevo, não estou pensando
40 milhões de dólares, de um Bugatti,
a inventa.
em ninguém, tampouco numa finalidade, num
comparando a venda desse automóvel à
contexto político.
19
Ferreira Gullar – Eu faço as outras coisas com
paixão, eu me entrego quando as faço. (Até
mesmo quando escrevi telenovela, que era uma
20
Ferreira Gullar – Poesia é invenção. À medida que
coisa que eu tinha horror...) De outras coisas,
você vai inventando, vai entrando num universo
como o trabalho com crítica de arte, me ocupo
que é próprio do poema. Por isso, aquilo que se
desde a juventude. Penso mais sobre arte em
escreve não é o retrato do que aconteceu, aquilo
geral do que sobre poesia.
Revista da Móbile – Como foi seu processo
não é um fato, uma denúncia. Você pode até,
Revista da Móbile – Talvez porque poesia o
de criação desse poema tão importante?
conscientemente, achar que está fazendo uma
senhor faça...
Muitos o consideram um de seus textos mais
denúncia – um lado seu pode considerar isso –,
Ferreira Gullar – Eu não gosto de fazer teoria sobre
políticos e engajados.
mas não é o lado mais criativo. A verdadeira
poesia. Dou, simplesmente, um testemunho da
Ferreira Gullar – Eu vi uma fotografia de Guevara
poesia é uma viagem criativa que está para além
minha experiência. Sou poeta e não tenho certeza
morto, publicada num jornal do Rio de Janeiro.
da realidade. Você começa a escrever um poema,
de que poesia é realmente literatura. Às vezes,
Essa imagem, mais tarde, ficaria muito conhecida.
mas, no papel em branco, não sabe aonde vai
me pergunto isso. Poesia é uma aventura de tal
Nela, o rosto de Guevara aparecia em close
dar, não há planos. Você só tem uma intenção,
ordem que nasce do espanto. É muito diferente
chocante, acompanhado de um texto que explicava
entretanto não sabe o que vai acontecer com
de escrever um artigo sobre qualquer tema para
que ele havia sido assassinado já há vários dias em
ela, está condenado a todas as probabilidades.
o jornal Folha de S. Paulo, porque, nesse caso,
luta na Bolívia. O fato de eu ver aquele cara morto
Quando se escreve a primeira palavra, reduzem-
eu escolho o assunto racionalmente. Decido e
ali, lutando pelo povo boliviano e completamente
se as probabilidades. Você passa a ter todas as
escrevo; contudo, eu jamais posso fazer isso com
ignorado por esse povo (e por mim), essa soma de
probabilidades menos uma, porque escreveu a
a poesia. Não há a menor possibilidade...
informações me levou a escrever o poema “Dentro
primeira palavra, que vai determinar a segunda...
da noite veloz”. Ele não era abertamente político.
aí o acaso começa a ser reduzido e surge uma
Esse poema nasceu de um espanto, de algo que,
nova verdade, um texto. Se você escrever a
naquele momento, me surpreendeu; quero dizer:
palavra “x” em vez da “y”, o poema vai ser de um
Guevara estava lutando sem ninguém saber disso,
jeito. Trata-se de uma mistura de acasos.
nem o povo por quem ele achava que lutava, nem
Revista da Móbile – O senhor já se aventurou
eu... então considerei isso uma coisa maluca!
por muitos ramos da escrita: crônicas,
Escrevi, dessa forma, um poema que não se
ensaios, artigos de opinião, crítica de arte,
seriado de TV (Carga pesada), telenovela
restringe a descrever somente o que aconteceu de
fato. Há nele uma série de elementos inventados
Revista da Móbile – Nesse sentido, poesia
(Araponga). De que forma se autodenomina?
por mim: uma floresta, árvores...
é invenção?
Poeta?
21
apaixonado por poesia. Publiquei meu primeiro
Revista da Móbile – O que significa
pensa também é o osso? Começa uma indagação
livro, Um pouco acima do chão (1949), quando
“verdadeira atividade como poeta”?
que eu jamais fizera antes. Daí vem a poesia,
tinha 18,
19 anos, mas a minha verdadeira
Ferreira Gullar – Aos 20 anos, já havia lido [TS]
Revista da Móbile – Os gregos antigos
determinada por um estado, desencadeado por
atividade como poeta começa mesmo com a
Elliot, [Rainer Maria] Rilke. Li, de Rilke, o poema
reservavam um espaço bastante especial
fatores aleatórios.
publicação de A luta corporal.
“O torso arcaico de Apolo”, traduzido por Manuel
para
seres
Revista da Móbile – Mas há uma magia
Bandeira, e descobri o que era poesia, ou seja, a
“entusiasmados” (tomados pela força
nisso. Não me refiro à magia no sentido
poesia que eu queria fazer. Um amigo me mandou
divina) – por meio dos quais os deuses
esotérico...
As Elegias de Duíno, de Rilke, e descobri que aquilo
falariam. Platão chegou a sugerir a expulsão
Ferreira Gullar – Claro que é mágico. Se digo que
que eu estava fazendo não era poesia (pelo menos
deles numa cidade-estado que fosse ideal
nasce do espanto, eu tenho que estar num “estado
(em A República). João Cabral de Melo
especial”, ou não escrevo. Tanto é que escrevo
Neto se posiciona de maneira oposta a essa
poesia muito raramente.
concepção. Com qual concepção o senhor
Revista da Móbile – As pessoas muito
se identifica?
racionais não conseguem compreender que
Ferreira Gullar – Evidentemente, eu não acredito
“poesia não se faz por vontade. O poema
que seja inspirado por nenhum deus. Minha
não é uma coisa nascida por nossa decisão.
poesia nasce do espanto. Preciso estar num
A poesia nasce do espanto”, concepção
“estado” determinado para escrever poesia. Eu
defendida pelo senhor em mais de uma
não posso escrever simplesmente pela minha
ocasião. Seu último livro, Alguma parte
vontade. Escrevo uma crônica, mas o poema
alguma, levou onze anos para ser escrito.
não escrevo. Esse “estado” é determinado por
Isso não parece uma visão um pouco mágica
fatores aleatórios. Não posso provocá-lo. Um dia,
do fazer poético, bem diferente da concepção
eu estava assistindo à televisão aqui, sentado na
de João Cabral de Melo Neto? O senhor já
poltrona, e tocou o telefone. Eu me levantei e o
disse que se nasce poeta. Como começou a
a refletir: “Será que a literatura tem sentido? É
osso do meu fêmur bateu na minha bacia, fazendo
poesia na vida do senhor?
para isso que se escreve, para terminar num sebo
um som, um “crac”. Fui atender ao telefone e,
Ferreira Gullar – É claro que, quando comecei
cheio de fungo?” Concluí que só haveria razão de
quando voltei, pensei: eu tenho um osso. Quero
a escrever, tinha como referência os poetas
ser se a poesia pudesse mudar a vida. Mudar o
dizer: eu sou um osso. Claro que sei que tenho um
parnasianos que lia nos livros da escola: Olavo
autor, mudar o leitor. Ela não pode só ser palavra
esqueleto, mas uma coisa é saber disso, a outra
Bilac, Raimundo Correa. Antes deles, Gonçalves
e letra num papel. Corri para minha escrivaninha,
é “sentir” o osso, materialmente, bater no outro
Dias, de quem eu sabia de cor, todinho, o poema
abri minha gaveta, tirei meus poemas, comecei a
e perceber que sou isso. Então, me vieram outras
“I-Juca Pirama”. Nessa época, eu já estava
lê-los e rasgá-los. “Esse não muda nada, rasgo;
os
poetas.
Eles
seriam
Minha poesia nasce
do espanto.
22
questões correlatas: mas esse osso pensa? Quem
não a que eu achava que deveria fazer: uma poesia
que me fizesse entrar em outro mundo, outra
dimensão). Depois, descobri Carlos Drummond
de Andrade e fui tomando conhecimento do que
era a poesia. Assim começou para mim. Eu me
lembro do dia em que comprei, num sebo, a
obra Contos Fantásticos, de Hoffmann. Cheguei
em casa e percebi que o tal livro estava todo
manchado, com fungos, e pensei: “Poxa! Mas o
autor escreveu esse livro para virar essa coisa
toda manchada de fungo? A literatura dele virou
fungo. Hoffmann escreveu a obra na Alemanha há
tanto tempo e está aqui, no Brasil, traduzida para
o português e toda manchada!” Então comecei
23
esse também não muda, rasgo”. Rasguei tudo.
Depois disso, fizemos os primeiros poemas. Eu
‘verde’?” Ele não notara nada daquilo porque
não tinham mais relação com o Concretismo. Eles
Somente do último fiquei com pena e, por isso,
criei, por exemplo, o “Mar Azul”:
não havia lido o poema em voz alta. Concluí,
eram neoconcretos. Foi quando surgiu o projeto
não rasguei, mas ele também não mudava nada.
por isso, que o poema estava errado. Comecei
do “Poema Enterrado”, um poema feito para o
Esse foi um momento de mudança, de tomada de
a me questionar de que maneira poderia fazer
corpo entrar nele. Levei esse conceito às últimas
um poema com resultado visual que obrigasse
consequências quando o [artista plástico carioca]
meu receptor a lê-lo palavra por palavra. Criei,
Hélio Oiticica construiu o “Poema enterrado”, um
então, uma estrutura nova, que denominei
“lugar arquitetônico” composto de um alçapão,
“livro-poema”, ou seja, poemas que existiriam
com uma escada que dava acesso a uma sala toda
consciência de que poesia era outra coisa.
Revista da Móbile – Dia desses, perguntei
em uma aula, a um aluno do 3º ano do
Ensino Médio, após ter lido um de seus
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
artigos publicados no jornal, quem era
somente num determinado livro. Esses poemas
preta; dentro dessa sala havia um cubo vermelho
Ferreira Gullar. Um aluno que adora sua obra
Assim nasceu o Concretismo no Brasil.
não poderiam, por exemplo, ser publicados em
que, aberto, dava acesso a outro cubo verde,
me respondeu: “Ferreira Gullar é poeta, um
Revista da Móbile – Em que momento o senhor
um jornal. O suporte era o próprio poema, um
dentro do qual havia outra estrutura, menor ainda,
dos criadores do Concretismo, depois um
passou a não caber mais no movimento
objeto manuseável. [A artista plástica mineira]
branca. Finalmente, dentro do cubo branco estava
dos detratores desse movimento, criador
concretista?
Lygia Clark, que vivia um impasse em sua pintura,
a palavra escrita. Percebi, então, que meu poema
do Neoconcretismo e o escritor do ‘Poema
Ferreira Gullar – O Concretismo teve em mim
também percebeu que o manuseio poderia ser o
era uma sala no fundo no chão! Composto de
sujo’, de 1967.” O senhor se identifica com
um desdobramento diferente do que teve em
caminho para sua arte.
apenas uma palavra! Comecei a me perguntar se
esse perfil traçado pelo nosso aluno?
artistas como Augusto, Haroldo e Décio, em razão
Revista da Móbile – E Lygia Clark reconhecia
eu estava certo, se deveria seguir naquele rumo.
Ferreira Gullar – Está certo, sou isso mesmo, em
da descoberta que fiz ao começar a utilizar a
essa influência do conceito do “livro-
O que aconteceria comigo se continuasse naquele
linhas gerais.
linguagem sem o discurso. Publiquei, por exemplo,
poema” (obra de arte manuseável) em suas
caminho artístico? Eu viraria um arquiteto? Um
Revista da Móbile – De que maneira sua
no Jornal do Brasil, um poema assim:
esculturas?
construtor de coisas? Inviável, não é? Imagine:
Ferreira Gullar – Tampouco eu reconhecia a
o “Poema Enterrado”, que foi feito na casa do
importância daquilo... nem eu sabia direito o valor
Hélio Oiticica, foi comprado pelo Museu de Arte
do que estava fazendo. Somente mais tarde é que
Moderna de São Paulo, que, até hoje, nunca o
fui tomar consciência – e ela também. Éramos um
refez. Trata-se de uma coisa complicada... se eu
grupo de amigos.
tivesse seguido esse rumo, teria me destruído
Revista da Móbile – E a história do “Poema
como poeta. Claro que foi interessante ter feito
enterrado”, que envolveu a participação do
e proposto tudo isso, mas eu nunca quis ser
obra A luta corporal já dialogava com o
movimento concretista?
Ferreira Gullar – Augusto de Campos, Haroldo de
24
Campos e Décio Pignatari leram A Luta Corporal e
me procuraram para dizer que eu havia destruído
a linguagem e que, por isso, era necessário
verde verde verde
verde verde verde
verde verde verde
verde verde verde erva
criar outra. Desse nosso diálogo, nasceu o
Concretismo. Da troca de correspondências entre
Depois da publicação, um amigo me telefonou
artista Hélio Oiticica?
arquiteto ou artista plástico. Sou um poeta. Entrei
mim e Augusto de Campos, nasceu a ideia de
dizendo que havia lido o poema e achado
Ferreira Gullar – Ao criar meu terceiro livro-poema,
em crise naquele contexto.
criar outra sintaxe para a poesia. Eles, então,
interessante a produção. Perguntei a ele: “você
houve uma mudança e percebi que a obra havia se
sugeriram a sintaxe visual, o poema visual, um
notou que a repetição da palavra ‘verde’ faz nascer
transformado num objeto (já não era, portanto, um
código que não necessitava do discurso verbal.
a ‘erva’? Notou que a ‘erva’ explode da palavra
livro). Comecei a inventar uma série de poemas que
25
26
Revista da Móbile – Foi isso que ocorreu
Como não acreditava naquilo, rompi com o grupo.
mas o tal equipamento disponível pesava cinco
com Décio Pignatari? Ele se transformou
Eles publicaram o manifesto no Jornal do Brasil e
quilos! Uma amiga minha foi para a Alemanha
num artista gráfico distante da poesia?
eu publiquei outro, no mesmo jornal, defendendo
visitar a família, na Berlim ocidental, e eu pedi a
Ferreira Gullar – A poesia concreta entrou num
justamente o contrário. Para mim, como a poesia é
ela que comprasse o gravador. Recebi o gravador
impasse. Brinco que ela deveria se chamar
uma experiência fenomenológica, ela é o contrário
lindinho, pequenininho, belíssimo. Então percebi
“poesia abstrata”, porque ela não tem discurso,
da matemática. Um ano depois dessa polêmica, eu
que na União Soviética só se faziam armas,
e o que dá concretude para a fala é o discurso.
trabalhava num jornal e Décio Pignatari procurou-
“Pera” é algo abstrato. Somente passa a ter
me para dizer que eles tinham um novo documento
Revista da Móbile – O senhor foi defensor do
coisas da vida, da televisão, da comodidade da
sentido quando a fruta se transforma “nessa”
para ser publicado, dessa vez sobre “poesia
comunismo durante uma época e mergulhou
existência, das roupas, tudo era de pior qualidade.
pera, “naquela” pera, localizada “naquele” prato
de base”. Segundo eles, a indústria brasileira
nisso, foi exilado em Paris, Moscou,
Eles não se incomodavam com isso. Em outra
“ali”, “na cozinha”. Isso é que é concreto. Eu não
era de consumo e estava se transformando
Santiago, Lima e Buenos Aires e até preso
ocasião, fui à Ucrânia com um grupo de brasileiros
teria alcançado a densidade e riqueza do “Poema
numa indústria de base; do mesmo modo, a
em 1968 junto com o jornalista Paulo Francis
e de latino-americanos visitar o chefe do partido
Sujo” – aliás, ele jamais teria sido escrito – se eu
poesia brasileira, que também era de consumo,
e os músicos Gilberto Gil e Caetano Veloso.
ucraniano. Reunimo-nos com a direção do partido
tivesse continuado no caminho do Concretismo.
deveria ser transformada numa poesia de base.
Quando o comunismo morreu definitivamente
e o chefe falou: “A economia da Ucrânia só existe,
“Traduzir-se” teria sido escrito? As coisas que uso
Imediatamente, pedi que ele me trouxesse algum
dentro do senhor?
só se desenvolve, graças ao partido. Somos nós
para me comunicar, me expressar, que me fazem
“poema de base” para eu ler, mas só havia um
Ferreira Gullar – Eu comecei a perceber que algo
que fazemos tudo.” Então pensei: “Mas são esses
inventar, me reinventar como ser humano, não
documento anunciando o que seria feito. Retomei
estava errado na minha primeira viagem à União
quatro caras que fazem funcionar a economia
teriam acontecido se eu tivesse me transformado
a história da poesia matemática: “Cadê o poema
Soviética. Lá, muitas coisas eram interessantes:
da Ucrânia? Esse troço não vai dar certo.” Em
num artista plástico.
matemático? Vocês nunca fizeram. Só escreveram
não havia mendigos nas ruas, eu não via ninguém
qualquer cidade de qualquer país capitalista há
Revista da Móbile – Depois que rompeu com
um documento. O mesmo se dará com a poesia
morando na sarjeta, nem nada disso. Todas as
milhares de pessoas inventando o que fazer, o
o grupo concretista, o senhor nunca mais
de base.” Com exceção de Augusto de Campos,
pessoas estavam vestidas direito, sem luxo, mas
que criar, pequenas empresas, comércios etc.
teve contato com seus membros? Com Décio
que sempre foi um bom poeta, Décio Pignatari e
todo mundo estava bem alimentado, contudo... Fui
Como é que esses quatro caras vão disputar com
Pignatari, Augusto de Campos...
Haroldo de Campos sempre foram teóricos.
a uma loja comprar um gravador de fita cassete,
milhões de pessoas, com a iniciativa de milhões
foguetes para guerra, mas, do ponto de vista das
Ferreira Gullar – Depois que eles inventaram a
tal poesia matemática, telefonei para o Augusto
de Campos e disse a ele que não havia relação
“causal” entre matemática e palavra, pois eles
pregavam que um cálculo matemático determinaria
que uma palavra deveria entrar no poema em
detrimento de outra. Eles queriam que eu assinasse
um manifesto defendendo essas ideias absurdas.
Para mim, como
a poesia é uma experiência
fenomenológica, ela é
o contrário da matemática.
27
28
de pessoas? Fui percebendo, aos poucos, que
Samuel Beckett; depois, dá uma gargalhada
alguma coisa estava muito errada. O capitalismo
sonora ao se lembrar de Vinicius. O eu lírico
selvagem do século XIX, que tirava crianças do
do “Poema sujo” diz: “eu não sabia tu/não
orfanato e as colocava para trabalhar nas fábricas
sabias/fazer girar a vida/com seu montão
até ficarem tuberculosas, era indiscutivelmente
de estrelas e oceano”. O homem Gullar, aos
uma indignidade. Esse capitalismo não dava
80 anos, sabe “fazer girar a vida”?
nada a ninguém. As pessoas chegavam aos 60
Ferreira Gullar – A poesia não é a vida e a vida
anos, morriam miseráveis na sarjeta porque não
não é a poesia. Ninguém pode viver em estado de
tinham aposentadoria. Foi contra um capitalismo
poesia 24 horas por dia ou por 70 anos, por isso eu
que não tinha jornada de trabalho estabelecida,
digo que a poesia nasce porque a vida não basta,
aposentadoria, ajuda de custo para saúde... que
a arte nasce e foi inventada porque a vida não
Marx se revoltou. Ele era um homem com sentido
basta. Eu não sou poeta 24 horas por dia e nem
de justiça e um grande espírito, por isso revoltou-
ninguém o é, mas, no momento em que leio Elliot,
se contra esse capitalismo. Evidentemente, em
Drummond, Borges... nesse momento, a minha
nome dessa mudança, Marx mudou o mundo
vida se amplia, ela fica mais rica, ela fica mais
e lutou contra o capitalismo e suas relações
bela, mais misteriosa, mais fascinante. É o que
perversas de trabalho. Agora, me dizer que quem
procuro. Beckett é altamente destrutivo porque
cria a riqueza é o operário e que o patrão é
reduz a existência a nada.
desonesto porque simplesmente gasta o que o
Revista da Móbile – Beckett e o teatro
outro faz e que ele não faz nada é uma bobagem!
do absurdo não são definitivamente para o
Um empresário pode também ser um intelectual,
senhor...
um criador de uma coisa chamada empresa, um
Ferreira Gullar – Não. Fico chocado com [a
sonhador. Quando um cara como Henry Ford cria
peça] Esperando Godot. Beckett é brilhante,
uma fábrica de automóveis, ele também está
inteligentíssimo, um talento extraordinário, mas
sonhando.
a cabeça dele é torta! Que a existência não tem
Revista da Móbile – No documentário que
sentido, isso nós já sabemos, o problema é dar
Miguel Faria Jr. fez sobre a obra de Vinicius de
sentido à vida. Beckett fica zangado porque a vida
Moraes, o senhor exalta a vida presente nos
não tem sentido, então vamos tentar dar algum
poemas desse escritor e compositor. Exalta
sentido a ela!
seu mergulho na intensidade, no otimismo,
e critica a posição do dramaturgo irlandês
e x p r e s s õ e s
&
i m p r e s s õ e s
Literatura:
O sonho sempre foi motivo de encanto. Filósofos, psicanalistas, poetas, romancistas
nunca esconderam seu fascínio pelo universo onírico. Inspirados na temática dos sonhos
e no aforismo do crítico literário Antonio Candido (“A literatura é o sonho acordado das
civilizações”), os alunos da Móbile, da Educação Infantil ao Ensino Médio, produziram
trabalhos para a V Mostra Literária, orientados por seus professores de Língua Portuguesa.
Neste ano, em sua quinta edição, além das discussões sobre literatura nas aulas, os
alunos tiveram a possibilidade de assistir a espetáculos teatrais e a filmes baseados em obras
literárias, conhecer e adquirir novos e velhos títulos na feira de livros montada especialmente
para a Semana Literária, além de conhecer os trabalhos dos colegas de outros anos. A Mostra
constitui uma oportunidade para que os professores da área de Língua Portuguesa tragam a
público parte do trabalho realizado por eles com os alunos no dia a dia da sala de aula.
“Respirar” literatura e “organizar o caos” por meio das palavras são necessidades
humanas. Além da fruição de bons textos de autores consagrados, a Mostra Literária permite
aos alunos o exercício da capacidade criativa e da sensibilidade, porque convida para o “risco”
da criação. Nos dizeres de Antonio Candido:
“Não há povo e não há homem que possam viver sem ela [a literatura], isto é, sem a
possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos
sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns
momentos de entrega ao universo fabuloso.”
Parte integrante da Mostra Literária é o concurso de textos, promovido pela equipe de
professores do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. Em sua nova edição, o Concurso
Literário da Móbile premiou dezoito alunos entre os 194 que inscreveram seus textos nas
categorias poesia e prosa (ficção e não ficção).
Os ganhadores tiveram seus textos lidos numa encenação teatral, baseada em Alice no
país das maravilhas, no poema “O corvo”, de Edgar Allan Poe, A metamorfose, de Franz Kafka,
entre outras obras, especialmente preparada pelos alunos do 3º ano do Ensino Médio.
Para conhecer um pouco sobre os trabalhos expostos na V Mostra Literária, leia os textos
de apresentação dos projetos elaborados pelos professores da Móbile. Os trabalhos propostos
respeitam o estágio de desenvolvimento cognitivo dos alunos, transcritos a seguir.
sonhar acordado...
Móbile realiza
em 2010 V Mostra
Literária e
IX Concurso
Literário
O sonho: de Alice, de Pedro, de Isabela, de Laura, de Eduardo...
e refletir sobre o que é possível
ou não na realidade e na fantasia.
“Certa noite, a menina sonhou.
Assim que acordou, desenhou seu sonho.
Aquele era um desenho diferente. Por isso, foi guardado
em um lugar especial, como se guarda um tesouro.”
(MORICONI, Renato. O sonho que brotou.
Difusão Cultural do Livro, 2010.)
Mas a história de Alice
e seu sonho não desapareceram
da rotina dos alunos! O enredo
continuou presente por meio
de várias releituras do conto,
da sessão do filme original, a que
todos assistiram com interesse
e encantamento, das conversas
32
O livro Alice no país das
Fantasia, sonhos,
maravilhas, de Lewis Carroll, é
a diferenciação entre o real
extremamente intrigante e capaz
e o imaginário são temas presentes
de mexer com a imaginação de
na infância, assim como
seus leitores. Os elementos típicos
o encantamento pelas histórias
dos contos de fada – animais que
e suas personagens. Pensando
falam, reis e rainhas, mudanças
nisso, escolhemos as aventuras
de tamanho em um passe de
dessa menininha que persegue
mágica, personagens enigmáticos
um coelho branco e embarca
que aparecem e desaparecem
num mundo fantástico como eixo
de uma hora para outra –, além
de nosso trabalho.
do fato de a história se passar
Nas aulas de Filosofia, cada
dentro de um sonho, tornam tudo
turma do Infantil 5 foi instigada
muito instigante e curioso para
a refletir sobre questões como:
as crianças.
O que é sonho? Todo mundo
Essa história narra o sonho
sonha? É possível você saber
de uma garotinha. Todas as suas
o que vai sonhar antes de sonhar?
aventuras, dúvidas e descobertas
O sonho pode ser real? Essas
acontecem de forma bastante
discussões possibilitaram a cada
natural, pois no universo dos
criança pensar sobre seus sonhos,
sonhos tudo é possível.
compará-los com os dos colegas
sobre as personagens e principais
acontecimentos da narrativa.
O grande desafio da personagem
principal, Alice, é desvendar
as regras do jogo para que
encontre o caminho de volta
ao mundo real. A brincadeira
entre sonho e realidade serviu
de inspiração para cada sala
elaborar um jogo baseado na
história, no qual a leitura,
a escrita, o desenho e a pintura
se fizeram presentes.
Mª Cecília M. Suguiyama, Andréa G. de
Oliveira Assumpção, Paloma Dantas de
Araújo Santos, Mônica Ferreira A. Conte,
Fernanda Campanhã Rodolfo e Ana Christina
Calderelli Nebó são professoras do Infantil 5.
33
A cada sonho, um novo conto!
maravilhas, pelas características principais dessa obra e por haver nela
uma personagem muito próxima aos alunos – uma garotinha que se
Alice lia um livro, com sua irmã, à margem de um rio. De repente,
surge a figura do coelho, curiosamente vestido e portando um relógio de
34
envolve em uma aventura repleta de magia e seres fantásticos.
Essa personagem inspirou cada aluno do 1º ano do Ensino
bolso. O coelho some em um buraco e, ao segui-lo, Alice, em queda livre,
Fundamental na elaboração de sua primeira narrativa. A criação de um
entra em um mundo desconhecido.
conto é o projeto final da série, pois, com domínio maior da escrita, cada
Ela embarca nessa aventura, tornando a viagem pelo País das
um tem a possibilidade de embarcar no mundo da fantasia, registrando,
Maravilhas um sonho. Uma vez que se trata do enredo de um sonho,
de próprio punho, suas ideias. Assim como a ousada personagem da
universo em que as coisas mais incomuns são aceitas como naturais,
história, todos mergulharam em um mundo onde tudo é possível: o da
tudo pode acontecer...
imaginação.
O ato de sonhar é inerente ao ser humano, mas, apesar disso, não é
Como escrever um texto não é tarefa fácil, muitas etapas foram
tão simples de ser entendido ou explicado, principalmente quando se é
primordiais para favorecer o processo de criação individual: pensar em
criança.
características físicas e psicológicas de cada uma das personagens, criar
Para entender um pouco mais o que o sonho significa, iniciamos uma
série de discussões sobre o tema. A partir das falas de nossos alunos,
trouxemos várias histórias em que o sonho aparecia com seus diferentes
significados: sonhos relacionados ao sono (bons e ruins) e aos desejos.
um cenário para a história, pensar em possíveis conflitos ou situações
assustadoras e, principalmente, em formas de vencer todos os perigos...
Depois de algumas leituras e correções, cada conto tomou forma e se
tornou único, como um sonho. Abram os olhos e deixem-se levar...
Optamos pela leitura da obra de Lewis Carroll, Alice no país das
Analu G. Del Suringar, Wanessa Kelli e Silva, Viviane Domeneguetti da Silva, Maria Luiza
Britto de Toledo, Gabriela Bernardes Makishi e Lívia Moreira de Oliveira são professoras do
1º ano do Ensino Fundamental.
35
Sonhar, imaginar, querer
36
o sonhar.
Cada etapa do
existem pessoas que
trabalho esteve
não sonham nunca?
entremeada por
O que é um sonho de
reflexões, debates e
verdade? Quando um
propostas de produção
sonho se realiza, deixa
escrita.
de ser sonho?
Essas são algumas
das questões sobre
as quais os alunos
O convite a falar de
si fluiu naturalmente:
O que é sonho?
Quem eu sonho ser?
do 2º ano do Ensino
Quando espio pra
Fundamental se
dentro, imagino que...
debruçaram ao longo
deste trabalho.
O resultado
desse percurso são
Instigados pela
textos curtos em
leitura dos livros O
que experiência,
príncipe sem sonhos,
pensamento e
de Márcio Vassallo, e
sensibilidade se
O menino que espiava
pra dentro, de Ana
entrelaçam para
Maria Machado, todos
tempo, a leveza e
puseram-se a pensar
a profundidade que
sobre as inúmeras
cercam os sonhos na
formas pelas quais as
infância.
traduzir, ao mesmo
Entre as décadas de 1970 e 1990, o Profeta Gentileza perambulava
com seus estandartes, barba longa e túnica, pelas cidades do Brasil,
espalhando suas mensagens de “AMORRR”, como um verdadeiro
cavaleiro andante contemporâneo. Mas foi no Rio de Janeiro,
precisamente nos pilares do viaduto do Caju, que José Datrino registrou
suas ideias sobre a beleza, a liberdade, o amor, a religião, a natureza
e, claro, a gentileza, que, para ele, era “o remédio de todos os males”.
Assim, o “UNIVVVERSO GENTILEZA”, como um autêntico livro urbano,
e Talita Fagundes são professoras do 2º ano do Ensino Fundamental.
nós sonhamos ou
pessoas compreendem
Priscila Mayumi Ribeiro, Aline H. Iozzi de Castro, Débora Manzano Zardi, Bárbara A. Pozas
É possível sonhar de
olhos abertos? Todos
Poesia com Gentileza
ficou imortalizado em 56 murais ao longo do viaduto.
Hoje, seus poemas viraram lemas, seus murais ficaram famosos,
inspiraram músicas, teses e tornaram-se poemas-sonhos realizados pelos
alunos dos 6os anos.
“Gentileza gera gentileza.” Esse foi o mote para o trabalho. Primeiro,
os alunos precisaram entender a dimensão da frase do profeta: do
espírito de cordialidade e de gentileza dependerá o futuro da Terra
e da humanidade. A tarefa da nova geração será construir um novo
paradigma civilizacional, outro tipo de ciência que cuide da subjetividade,
da compreensão do sentido da vida e da benevolência nas relações
humanas. Aprender alguns recursos poéticos e a estética muito
particular do Profeta Gentileza foi o segundo passo.
Para quem precisa mudar o mundo, nada melhor do que começar
criando poemas-sonhos. Os alunos escreveram suas palavras poéticas
com a energia de quem busca a transformação necessária do nosso
modo de habitar o mundo, mais sensível e gentil, e devolveram a mim,
professora, uma utopia positiva diante da vida.
Valéria de Melo Pereira é professora de Português do 6º ano.
37
gaiola presa na cabeça. Acho que ele não sonhava
mais, igual às pessoas da cidade da menina... Ele
me examinou, mas nem olhou na minha cara.
Sonhos. Esse seria, então, o tema da Mostra
Literária de 2010. Ele nos despertou uma
Fazia tudo assim, de maneira mecânica” – afirmou
questão importante: até onde os alunos de 3º ano
uma das crianças.
- - -
- - - -
Ótimo! Os alunos já estavam sensibilizados pelo
conseguiriam caminhar dentro desse tema? Será
tema e mostravam a abstração que desejávamos.
-
tiveram a possibilidade de revê-la sob um novo
-
-
aventura. Mais uma vez nosso foco seria não o
- - - - -
as inúmeras possibilidades trazidas por uma
- - - -
ua n d o
desses sonhos, as crianças puderam contar com
-
personagem criada por elas. Tornou-se mais fácil
-
-
vestido de sonhos, de Alexandre Rampazo. Sensível
Quais serão os sonhos que habitam crianças tão
pequenas?
-q
-
-
- - -- - -
e simbólico. As imagens encantadoras permitiram
que as crianças mergulhassem na história e
Adriana Caravieri Rosa, Aluani Tordin de Oliveira, Cristine
traçassem relações com suas próprias vidas.
Bünecker Poyares, Lara P. Oliva e Marina Callil Voos são
“Eu fui a um médico que vivia assim, com a
professoras do 3º ano do Ensino Fundamental.
- -
- -
Partimos para a leitura do livro A menina e o
-
-
imaginação.
-
-
falar de sonhos e da busca, podendo contar com a
significativo): a menina sonhava em conseguir se
-
seu grande sonho (que não poderia ser mais
lembrar de seus próprios sonhos.
- -
-
-
Aos poucos, Aurélia, a personagem principal,
revelou sua incrível trajetória em busca de
percorrer. Para tornar mais fácil a exposição
-
enredo selecionando os principais acontecimentos
da história.
sobre seus próprios sonhos e caminhos a
- -
-m
- co
o
-
Por fim, todos estavam prontos para pensar
-
mais simbólicas. Coletivamente, registramos o
levaria até ele.
-
o vocabulário juntos e interpretamos as partes
39
sonho em si, mas o caminho transformador que
-
- -
e-
reviravoltas fantásticas. Discutimos, desvendamos
-
possibilidade de as crianças viverem uma sensível
- -
Iniciamos o trabalho com a leitura do livro
denso. Aventura cheia de seres mágicos e
que
r
o
p
d
on
- -
e Russel, o menino solitário, ampliaram a
Sonhos de Aurélia, de Eduardo Marquez. Texto
-
- -
-
olhar. Carl Fredericksen, o velhinho rabugento,
O tema é, sem dúvida, de grande sensibilidade.
Traçamos o projeto.
-
- -
-
38
- -
aventuras. Mesmo os que já conheciam a história
teríamos de permanecer mais presos a ideias
concretas e palpáveis?
-
Após essa leitura, assistiram ao filme UP – altas
abstração, trabalhar com o sensível, ou será que
-
que poderíamos trabalhar exigindo uma maior
-
- -
-
Os caminhos que nos levam aos sonhos
novos mundos, internos
Luciana Tomiatto de Oliveira, Denérida
sempre precisaria rever o seu
e externos. Viajaram para dentro
Brás Martins Tsutsui e Bárbara Elisa Alves
ponto de vista acerca do assunto,
e para fora.
Martins são professoras de Português do
Para tanto, logo percebeu que
já que todos os conhecimentos
estão em constante evolução
foi o encontro, a oportunidade
e a natureza nunca deixa de
de deslizar por novas
surpreender a todos.
possibilidades de mundos e seres.
Tal fascínio tem perambulado
pelas mais diversas expressões
humanas. Na literatura,
40
Uma viagem por dentro e por fora
Desde primórdios, o ser humano
se interessa pela vastidão do
a compartilhar o universo criado
apresentar narrativas envolvidas
e vivido pelos nossos pequenos
nos conceitos científicos.
cientistas-astronautas por meio
Neste ano, os alunos do
tema. Sondaram várias leituras
vontade de compreender o que está
envolvendo ficção espacial, tanto
ao seu redor e o sonho, desejo de
literárias quanto informativas,
realização, como suas principais
desvendaram o Sistema Solar
molas propulsoras.
e o Universo também a partir
de outros gêneros (palestra e
os ritos ancestrais até as mais
filme), imaginaram e criaram um
elaboradas equações matemáticas
ET e seu planeta e compuseram
para tentar explicar as nossas
várias produções, explorando
origens e a do Universo.
algumas situações desse ET
Coube à imaginação humana
confrontar o desconhecido,
Estão prontos para uma missão
científica, o qual tem por base
Criação, tendo a curiosidade, a
delinear os caminhos para
não importou tanto.
espacial? Convidamos vocês
4° ano tiveram contato com esse
com o seu criador – cada aluno,
especificamente.
Nesse processo, puderam sonhar,
expressando-se de maneira repleta
brincar com a imaginação e ir
de simbolismos e metáforas.
além das fronteiras. Estabeleceram
4º ano do Ensino Fundamental.
Sonho ou realidade? Isso, no final,
concretiza-se no gênero ficção
Universo e pelos mistérios da
Esse maravilhamento perpassou
Por fim, o mais importante
de suas histórias.
41
Os sonhos mobilizam as ações
Sabia-se exatamente
42
(...) Metade da arte
movimento migratório,
Durante as aulas,
o significado
narrativa está em
a expectativa dos
a adaptação ao
da experiência:
evitar explicações.
alunos em conhecer
novo ambiente e as
ela sempre fora
O ouvinte é livre
mais a fundo o seu
conquistas obtidas.
comunicada aos jovens
para interpretar a
passado, despertam a
passado fomentou as
cultural dos alunos,
Apropriar-se das
com a autoridade
história como quiser,
imaginação criadora
discussões nos últimos
mas também trouxe
vivências familiares
da velhice, em
e com isso o episódio
de meninos e meninas.
meses. Eles refletiram
mais clareza às
possibilitou que os
provérbios, em
narrado atinge uma
sobre os desejos
suas histórias. As
alunos se tornassem
histórias; muitas
amplitude que não
os diferentes relatos
que motivaram seus
experiências narradas
os próprios atores
vezes como narrativas
existe na informação.
de migrantes que
familiares a buscar
pela autora, desde sua
dessas histórias e
deixaram sua terra
um novo destino,
infância na Rússia e
se reconhecessem
natal e vieram
as dificuldades
na Letônia até a vinda
como o fruto do
Que foi feito de tudo
para São Paulo,
enfrentadas longe da
para o Brasil, com
sonho daqueles que
isso? Quem encontra
imbuídos de sonhos
família, a adaptação
10 anos, descrevem
venceram obstáculos,
ainda pessoas que
e expectativas de um
às diferenças culturais
poeticamente como
alcançaram
saibam contar
futuro promissor,
e o sentimento de
se constrói um
seus objetivos e
histórias como elas
os alunos do 5º ano
pertencimento à
cidadão brasileiro,
constituíram uma
devem ser contadas?
reviveram as histórias
cidade de São Paulo.
exemplificando o
grande família.
de países longínquos,
diante da lareira...
Que moribundos dizem
(Walter Benjamin)
Como nos tempos
Deleitando-se com
de seus familiares.
Revelar uma
que ocorreu com os
hoje palavras tão
decorridos, a arte
O processo dessa
duráveis que possam
de contar e ouvir
descoberta teve início
mundo e dar forma
ser transmitidas de
histórias continua
com entrevistas com
aos sentimentos
a produção de uma
geração em geração?
exercendo um papel
parentes – avôs, avós,
são algumas das
narrativa em primeira
importante na nossa
pais, mães, tias, tios
funções da literatura.
pessoa, em que os
cultura, uma vez que
– que compartilharam
Nesse sentido, o
alunos escreveram
possibilita resgatar
suas lembranças,
livro Transplante de
suas histórias como
a memória daqueles
fotografias e objetos,
menina, de Tatiana
se fossem os próprios
que, emprestando o
revelando experiências
Belinky, não só
antepassados,
Ana Lúcia R. Almeida, Márcia
seu olhar sobre o
inesquecíveis e
ampliou o repertório
possível visão de
migrantes aqui.
Essa leitura originou
contando ao leitor
Ruiz e Luciana Tomiatto são
transformadoras que
as dificuldades
professoras de Português do
trouxeram consigo.
enfrentadas durante o
5º ano.
43
Por entre os sonhos de Van Gogh
Desejos, loucura, imaginação. Esse foi o caminho percorrido pelos
alunos do 7º ano em busca de novas perspectivas sobre a vida e a obra
de Van Gogh. Por meio da análise dos quadros do pintor, os alunos
puderam conhecer sua genialidade artística. Já a partir da leitura de sua
“biografia romanceada”, Sonhos em amarelo, de Luiz Antônio Aguiar,
entraram em contato com a história do homem Vincent e com uma vida
repleta de desejos não realizados, angústias e solidão. As discussões
sobre a vida do artista trouxeram importantes reflexões acerca de sua
tão conhecida loucura e do modo como esta surge representada em suas
pinturas e/ou desejos pincelados sobre a tela.
Inspirados pela experiência cinematográfica de Akira Kurosawa, os
alunos foram instigados a invadir as telas de Van Gogh, procurando
dentro delas (e em sua própria imaginação) representações “escondidas”
sob as pinturas e criando, assim, novas perspectivas sobre a obra do
pintor. Essa viagem onírica que invadiu a obra do artista foi, mais
tarde, transformada em palavras, relatos difusos de uma experiência
imaginada.
Foi assim, a partir de uma figura tão emblemática, que os alunos
do 7º ano entraram em contato com o mundo dos sonhos, não apenas
aqueles que surgem enquanto dormimos, mas, principalmente, aqueles
que sonhamos acordados.
Juliana Yoko é professora de Português do 7º ano.
45
Em 1605, Miguel de Cervantes publicava a primeira parte de
O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha. A preciosa obra
mostra as aventuras de um herói que aspirava tornar-se um renomado
Cavaleiro Andante.
Quixote realiza seu desejo, ao mesmo tempo que os leitores do 8º ano
— compadecidos e sensibilizados com a coragem e a resistência à dor
do nosso cavaleiro da triste figura — indagam: “A que preço?”
Durante a leitura desse clássico da literatura mundial, os alunos
discutiram a presença de aspectos trágicos e cômicos, ao lado
de personagens que conversam sobre sua própria história.
Diversão e reflexão permearam a escolha de uma cena da obra,
47
que registrada como linguagem não verbal, juntamente com um
recorte da atualidade, representaria o SONHO de Quixote e do homem
contemporâneo — seria o mesmo? Os textos verbais que acompanham
cada conjunto de imagens contextualizam os fragmentos do livro
selecionados pelos alunos.
Harold Bloom, crítico literário norte-americano do século XX, elevou
Cervantes a um dos dois maiores escritores de sua época até hoje.
O cavaleiro da triste figura ontem e hoje
E quanto ao sonho de Quixote? É legítimo nos dias atuais?
Dom Quixote de La Mancha
Adriana Ramacciotti é professora de Português do 8º ano.
Pesadelo acordado
Você abre o livro e lê o primeiro
parágrafo. Nele, fica sabendo
Se você gosta de histórias de terror e espera que ele vá aterrorizar a
em inseto para lutar contra as
cidade, entrando nas casas e raptando pessoas para levar a uma toca
injustiças, você errou...
escura, você errou mais uma vez...
Se você gosta de histórias
Nenhuma explicação. Nada. Após o primeiro parágrafo, a narrativa
que o protagonista se transformou
românticas e espera que ele se
continua com um realismo inesperado e absolutamente angustiante para
em um inseto monstruoso após
apaixone por uma linda donzela,
quem aguarda uma resposta plausível.
acordar de um sono agitado.
que no começo o achará horrível,
O que você espera da sequência
mas aprenderá a enxergar sua
concretizar, porque a metamorfose em questão não é um pesadelo do
da história?
beleza interior, e eles serão felizes
qual se possa acordar, é uma condição permanente. Nos dizeres de
para sempre, apesar
Modesto Carone, principal estudioso brasileiro da obra de Kafka, resta-
de aventura e espera que ele seja
das diferenças de aparência, você
nos, então, o incômodo de deparar com uma narração transparente
um novo tipo de super-herói, com
também errou...
sobre como a família do inseto Gregor Samsa lidará com a questão, mas
Se você gosta de histórias
48
a capacidade de transformar-se
Nenhuma possibilidade de resolução que o leitor levante irá se
que é ao mesmo tempo uma narração cujo início permanece opaco.
O “pesadelo acordado” de Gregor Samsa foi, assim, o ponto
responsável por inquietar os alunos do 9º ano. A fim de melhor
compreender a inverossimilhança da história, discutiu-se, a partir
de elementos do texto, a vida familiar e a vida social do protagonista
antes de sua metamorfose e durante ela, e constatou-se: simbolicamente,
ele já era um inseto, um ser insignificante, apenas mais uma peça na
engrenagem repetitiva de um cotidiano massacrante e de uma relação
familiar pautada pelo oportunismo e pelas conveniências, e não pelo
afeto verdadeiro.
O processo resultou em trabalhos que buscam captar poética
e visualmente a incômoda trajetória do protagonista Samsa, dandolhe, talvez pela primeira e única vez, voz para mostrar-se e gritar
silenciosamente para você, que verá os trabalhos: “Aprenda comigo
e tome cuidado para que a sua vida não se torne um pesadelo do qual
seja impossível acordar...”
Rogério Viana Gusmão é professor de Língua Portuguesa do 9º ano.
49
Ao acordar naquela manhã
gráfico; arriscamos dizer também que nenhum leitor é o mesmo após
de sonhos perturbadores,
a leitura de A Metamorfose. A impotência de Gregor Samsa, diante
Gregor Samsa viu-se
de ações tão rotineiras, alude às fraquezas humanas perante as pressões
transformado...
sociais; denuncia uma sociedade que restringe o valor do ser humano às
aparências.
Em um inseto! Mas o fato
Nesse processo de reflexão e de interiorização dos temas da obra,
aterrador, vivenciado pela
os alunos se metamorfosearam. Primeiramente, como leitores: tomando
personagem, não assombra
consciência do eu, do outro e do mundo. E, a partir dessa apreensão,
ninguém. Esse é o paradoxo
transformaram-se em escritores, traduzindo em minicontos – textos
crucial que persegue as reflexões
curtos e densos – as questões suscitadas pela leitura.
do leitor de A Metamorfose, obra
Com suas produções, esses jovens escritores hoje realizam uma
de Franz Kafka e adaptada, em
das funções primeiras da literatura: despertar no leitor sua dimensão
HQ, por Peter Kuper. humana, tornando-o mais compreensivo com a sociedade e com seu
A angústia da personagem
51
semelhante.
kafkiana também foi
experimentada pelos alunos do
1º ano do Ensino Médio, nos
fragmentos revisitados da obra
Mara Scorsafava é professora de Língua e Produção de Texto do 1º ano do Ensino Médio.
integral e na adaptação em HQ.
Reconheceram, na releitura
de Franz Kuper, as mesmas
questões existenciais presentes
na narrativa original: Quais as
escolhas certas? Qual o objetivo
de vida? Como lidar com
a solidão?
Kafka nunca permitiu a
seus personagens voltar à
normalidade depois de sonhos
perturbadores, segundo o artista
hora de
acordar!!!
Sala onírica
“Onde quer que um homem sonhe, profetize ou
poetize, outro se ergue para interpretar.”
(Paul Ricoeur, Da Interpretação)
52
dantes navegados”. Os escritores ingleses William
os escapismos, os amores possíveis e impossíveis,
Blake e Lewis Carroll submergiram um mundo
a utopia, o pesadelo e o sonho sempre foram
de sonhos e de fantasia em Terras do sonho
matéria-prima para a literatura. Desde a Grécia
e Alice no país das maravilhas e trouxeram
antiga, os sonhos personificados em oráculos
à tona a alma humana desnuda. O romântico
e os pesadelos, em destinos, deram asas à
Álvares de Azevedo e o simbolista Cruz e Souza
imaginação de escritores.
desfilaram imagens nebulosas e escuras
Cecília Meireles, poeta modernista, em seu
e retrataram como poucos o universo tênue
poema “Reinvenção”, preconiza: “A vida só
entre o real e o imaginário que circunda
é possível reinventada.” Ao longo de todo seu
a atmosfera do sonho.
percurso na Terra, o homem tentou traduzir
Instigados pelo mote da Mostra Literária
em palavras os seus assombros. Por meio de
deste ano – “A literatura é o sonho acordado
diversos recursos linguísticos, como metáforas,
da civilização” – e por textos ficcionais, os
personificações, hipérboles, antíteses, sinestesias,
alunos do 2º ano do Ensino Médio reproduziram
entre outros, a literatura buscou a tradução mais
uma “sala onírica” em que as sensações
próxima dos sentidos provocados pelo universo
múltiplas, desconexas e alinhadas do sonho são
onírico, a fim de oferecer ao leitor experiências
representadas por meio de sugestões auditivas,
nunca antes vividas.
táteis e olfativas. E o visitante, de olhos vendados,
Dante, em A Divina Comédia, alerta-nos à porta
é convidado a mergulhar nesse universo de
do inferno: “Deixais toda esperança, ó vos que
sugestões que é a literatura para enxergar o que
entrais.” A esperança, uma espécie de sonho
está sentindo, como nos versos de Chico Buarque
acordado, é posta em xeque pelo bardo italiano.
e Edu Lobo: “Saiba que os poetas, como os cegos,
Camões, por sua vez, em Os Lusíadas, desafia
sabem ver na escuridão.”
a desesperança e o medo com “Por mares nunca
João Jonas Veiga Sobral é professor de Estudos Literários do 2º ano do Ensino Médio.
As angústias, os desejos, os devaneios,
53
Brincadeira de criança
Os vencedores
do IX Concurso
Literário de 2010
Hoje fui brincar de roda
Na calçada pular corda
E também de amarelinha
Eu, a Paula e a Julinha
Lá no muro, contei até dez
Todo mundo se escondeu
Corre aqui, corre pra lá
E o João Pedro se perdeu
Nossos “escritores”, selecionados por quatro profissionais que não fazem parte do quadro de
professores da Móbile, têm agora suas produções publicadas nesta 9ª edição da Revista da Móbile.
Boa leitura.
Todas essas brincadeiras
Que as crianças sempre gostam
Com carinho e alegria
Seus sorrisos sempre mostram
Rafael Montressor Coelho
(categoria poesia – 6º ano)
55
O Assassinato de Mrs. Dobbon
Eu
estava
a
assim que ela havia ido fazer sua
havia sido assassinada no lugar
pelo travesseiro. Aquele vermelho,
reclinável
caminhada. Pensando em se juntar à
onde
em
mesmo levemente desbotado, era
de meu modesto escritório na Rua
mulher, Arthur se dirigiu ao parque,
outro lugar e levada até o parque.
reconhecível: só podia ser sangue.
Bolton, número 9, Londres, quando
onde a encontrou estirada no chão,
Eu já fazia ideia do lugar; porém,
Agora não havia dúvida: o crime
um estranho sujeito bateu à porta e,
com os lindos olhos azuis abertos, a
faltavam provas.
havia sido cometido na casa e o
sem esperar por resposta, irrompeu
camiseta que antes combinava com
Com base em minhas hipóteses,
cadáver, levado para o parque, pois
na sala. Ofegante, ele balbuciou as
a cor destes agora tingida de um
pedi a meu cliente para fazer uma
assim haveria um maior número
quatro palavras que me fizeram
vermelho profundo. Ao terminar o
visita à sua casa e assim ocorreu.
de suspeitos, levando em conta
perceber que teria muito a fazer
relato, o triste homem com os olhos
No dia seguinte à minha primeira
que qualquer um que estivesse no
nas minhas próximas semanas:
recobertos de lágrimas mal podia
descoberta, fui até a habitação de
parque poderia tê-la matado.
enxergar.
confortável
56
sentado
poltrona
sobre
– Minha esposa foi assassinada!
fora
encontrada,
mas
Dobbon e fiz uma busca minuciosa
Ao sair da casa, a noite já
Pedi calma ao homem que, após
Após algum tempo pensando,
por todos os cômodos, me detendo no
caíra e, ao observar atentamente
conter-se, explicou que se chamava
decidi ver o cadáver pessoalmente;
quarto do viúvo. Nessa dependência
a rua, percebi um vigia noturno.
Arthur Dobbon e que sua esposa,
entretanto,
meu
da morada de Arthur observei, com
Sem
Anny, havia sido assassinada ao ir
cliente de mais sofrimento. Assim
o auxílio de minha lupa, todo o chão
perguntando:
fazer seu passeio diário no parque.
pensando, liberei Arthur e me dirigi
à procura de outro fiapo semelhante
– Por um acaso alguém passou
Além disso, o homem falou que
ao parque onde supostamente o
ao que eu encontrara na camiseta
aqui com um grande saco nas costas
precisava de minha ajuda, já que
crime ocorrera. Chegando lá, não
de Anny. Nessa busca, eu não obtive
nas últimas noites?
eu era o melhor detetive de toda a
tive
sucesso.
após
– Sim – respondeu o vigia –, uma
Grã-Bretanha. Obviamente, aceitei o
o corpo da recém-falecida. Retirei
procurar qualquer vestígio que me
mulher, mas, todo o dia ela passa
trabalho, solicitando detalhes sobre
uma amostra da roupa com sangue
servisse de prova no armário e nas
por aqui com um saco, e, além dela,
o crime recém-praticado.
e levei-a para meu escritório, para
gavetas, iniciei uma busca na cama
não me recordo de ninguém. O nome
dela é Jan Dobbon.
queria
dificuldades
poupar
para
encontrar
Entretanto,
logo
hesitar,
me
dirigi
a
ele
O Sr. Dobbon disse que na noite
poder estudá-la. Depois de um tempo
do casal. Ao retirar as cobertas do
passada ele havia feito uma viagem
observando a prova, descobri um
leito pude observar no canto do
Levei um susto com a palavra
a Paris, para tratar de negócios. Ao
fiapo de outro tecido, provavelmente
colchão uma pequena mancha de
“Dobbon” na fala do segurança e
chegar em sua casa por volta das
usado na confecção de um saco (já
coloração vermelha levemente mais
voltei correndo à casa de Arthur
sete horas da manhã, constatou que
que era bastante resistente). Com
forte do que a utilizada na estampa
perguntar quem era essa pessoa.
sua esposa não estava lá, achando
esse indício concluí que a moça não
do colchão, parcialmente encoberta
Obtive a seguinte resposta:
57
– Jan é a ex-mulher de meu irmão.
Ela quis manter o sobrenome.
– Por que eles se separaram?
– perguntei, com o crime quase
desvendado.
pouco. – Eles se separaram porque
meu irmão achou que ela me amava
secretamente,
porém
eles
ainda
moram juntos.
58
Restava apenas perguntar se o
irmão do Sr. Dobbon tinha a chave
da casa de Arthur. A essa pergunta,
tive uma resposta afirmativa.
O crime estava desvendado! Jan
havia matado Anny para ter uma
chance de ficar com o ex-cunhado.
Ela havia pego a chave da casa
de Arthur, entrado nela durante a
noite e cometido o crime. Ela levava
o saco todos os dias para iludir o
policial, fazendo com que ele não
desconfiasse.
A criminosa foi presa no dia
seguinte e mais um crime desvendado
foi colocado em meu currículo, o que
fez com que mais pessoas viessem
O sonho ou pesadelo?
– Bem... – Arthur hesitou um
Estava andando em uma escada
Não sabia se era dia
Não sabia se era noite
Não havia mais nada, só havia a escada
De carpete vermelho e de madeira entalhada.
Subia, subia
Descia, descia
Passos rangiam
Vozes surgiam
Rostos riam
A coisa mais horripilante
O medo a todo instante
Não sentia mais o chão
E no meio da escuridão
Um passo fora
Uma vida vai embora
De repente na imensidão
Estou ali em meu colchão
ao meu modesto escritório da Rua
Bolton, número 9, Londres.
Pedro Carregã Sant’Anna
Luiza Fernandes Gremaud
(categoria prosa – 6º ano)
(categoria poesia – 7º ano)
Para sempre, sempre e sempre
Era mais uma noite exaustiva de agosto. O vento uivava, abafando
o barulho da TV. A pequena Carlinha estava deitada em sua cama,
– Bem legal aqui, não é? – uma moça murmurou. – Me chamo Chantal,
venho sempre à velha feira de Notre-Dame!
abraçando seu ursinho chamado Panqueca. Ao seu lado, encontrava-se uma
– É realmente fantástica! – Carlinha respondeu, educadamente.
reprodução do quadro “Les Parapluies” que havia ganhado de aniversário.
Chantal era pálida, mas linda. Vestia um longo vestido preto e segurava
Ela o encarava intensamente, explorando cada centímetro da tela, cheia
uma bela cesta marrom, ainda vazia. Seus lábios eram vermelhos e
de mulheres maravilhosas em um lugar chuvoso, empunhando grandes
carnudos, o que fazia seu sorriso ficar estonteante.
guarda-chuvas pretos.
De repente, a luz do quarto se apagou. Carlinha via apenas um vulto,
– Tem de tudo aqui! – disse, pegando uma flor e entregando-a para
Carlinha. – Tome, Margherite, leve à sua mãe.
dançando pelo lugar. Em instantes, a luz se acendeu, revelando uma
– Mas... Eu não sou Margherite! – Carlinha respondeu, atordoada.
garotinha pálida, com olheiras e olhos grandes e intensos, fixos em Carla.
Chantal não ouviu nada, em poucos segundos ela já estava longe de
– Venha brincar comigo! Para sempre, sempre e sempre. – A garotinha
Carlinha, deixando a feira apressadamente, arrastando a cauda de seu
sibilou, tenebrosamente.
Carlinha piscou, assustada. E, em segundos, a menina sumiu. A garota
suspirou aliviada, virando-se para o lado, tentando dormir. Devia ter sido
apenas uma alucinação, criada pelo sono.
Mal conseguiu dormir, foi acordada pelo pedido insistente da menina.
Cansada, ela cedeu. A garotinha sorriu, colocando o bambolê em frente
ao quadro, indicando através de um gesto que Carlinha devia pular. Ela
vestido.
– Filha, vem cá! – uma moça disse, andando em direção a Carla.
– Eu não sou sua filha! – Carlinha respondeu, cada vez mais confusa.
A mulher ruiva, de chapéu florido e baixa estatura em nada lembrava
a Senhora Silva, a alta e loira mãe de Carlinha.
– Venha, Margherite! A lua já vem, seu pai deve estar morrendo de
fome! – Ela repetiu.
obedeceu o pedido da criança. Instantaneamente, ela se viu em outro lugar,
Carlinha estremeceu. Virou-se e nada da francesinha. Ao longe, como
cercada por lindas mulheres. Olhou ao redor, era o mesmo lugar que estava
se fosse uma visão através de uma janela embaçada, estava seu quarto,
retratado em seu quadro! Ela ficou impressionada, sentindo-se naqueles
com as altas paredes brancas, os bichos de pelúcia dispostos em prateleiras
filmes fantásticos a que adorava assistir.
e a cama. A cama, com Margherite dormindo, abraçada ao pequeno urso
– Sou Margherite! – a menina pálida disse. – Bem-vinda a Paris, nossa
casa!
Panqueca.
Carlinha se sentiu tonta e mole. Estava presa no quadro. Sem seu pai
Carlinha sorriu, virando-se de um lado para o outro. O local em que
nem sua mãe, apenas com franceses que não conhecia. Lágrimas caíam
estava parecia uma feira, com barracas cheias de frutas e flores. Muitas
de seus olhos. Mas não eram lágrimas, eram rápidas pinceladas, assim
pessoas seguravam guarda-chuvas. Logo, ela percebeu que as mulheres
como seu pequeno corpo e o local em que viveria para sempre, sempre e
também eram as mesmas do seu quadro.
sempre.
Luisa Prado Betti Guarnieri (categoria prosa – 7º ano)
O despertador tem duas caras
O despertador é um ditador,
Controla nosso tempo com clamor.
62
O preço da eternidade
Cheguei a uma construção velha,
que está aqui – exclamou UMA
com paredes desbotadas pelo sol,
VOZ vinda do canto do jardim.
a porta da frente carcomida por
Calafrios percorreram meu corpo
O despertador, além de inimigo,
cupins. Aquela sensação de que não
ao reconhecer A VOZ. Então era
Também é nosso amigo.
devia estar ali apenas aumentou.
pra isso que viera. Para ouvir mais
Não deixamos de acordar,
Apertei a bolsa contra meu corpo e
uma vez o doce som de SUA VOZ.
Se está a despertar.
o volume que senti me acalmou.
Como
sentira
saudade!
Levantei
Respirando fundo, entrei pela porta
meus olhos e o vi. Não havia
Aperto um botão para regular,
rapidamente, antes que mudasse de
mudado nada. Era como se os anos
E saio de casa sem errar.
ideia.
não tivessem passado. Era ainda o
Eu me vi numa sala de estar
mesmo homem que me conquistara,
Como é possível?
completamente vazia, a não ser
com aqueles cabelos louros e olhos
Um insignificante botão
por um sofá velho que algum dia já
azuis penetrantes. O sobretudo dava-
Regular e reduzir
fora de um lindo veludo, mas agora
lhe um ar misterioso, que apenas o
Meu sono de montão!
estava gasto pelo tempo. Continuei
deixava mais interessante.
andando, forçando minhas pernas a
O despertador, além de inimigo,
Também é nosso amigo.
continuarem.
Tentando esconder minha saudade,
perguntei:
Não tinha certeza se deveria
– Guilherme? Por que me fez
estar ali, mas, por algum motivo
vir até aqui? Demorei muito para
E depois de arrancar a minha liberdade,
que ainda desconhecia, continuei.
encontrar este lugar!
Me presenteia com a sociedade.
Deparei-me com outra porta, um
Com ele, para tudo tem tempo
pouco
E ainda sobra horário prum “passatempo”.
primeira, e entrei.
mais
conservada
que
a
perto da cidade. Você sabe como
Um pequeno jardim apareceu
diante
Rodrigo Lucas
(categoria poesia – 8º ano)
de
mim.
– Ah, querida. O que esperava?
Não poderia me encontrar com você
A
terra
seu marido é ciumento. E já que
dura
realmente precisava falar com você,
era seca, nenhuma flor à vista.
aluguei este lugar. Acho que é bom
Era evidente que há muito tempo
o bastante.
ninguém cuidava deste lugar.
– Bom dia, Elizabeth! Que bom
Ele tinha razão. Se Eduardo
soubesse de nosso encontro haveria
63
problemas.
Estava
começando
a
achar que isso não acabaria bem.
– Então diga logo. O que quer?
Por que me chamou aqui?
transformando-a em um fiapo de
tudo e todos, que fazia com que tudo
som, em um sussurro fraco.
parecesse possível. Queria isso de
volta.
Ele afundou a mão no bolso mais
– Apenas um gole é suficiente,
pudesse. Não consegui nem sair do
querida. Infelizmente este é o último
jardim. Rápido como um gato, ele
frasco.
lá um pequeno frasco, que continha
ele parecia estar cuspindo essas
pulou na minha frente, bloqueando
Sorri com o canto dos lábios.
um líquido azulado. Segurou o objeto
palavras, com verdadeira raiva de
a passagem. Segurou meus ombros,
Enfiei a mão em minha bolsa e
com as duas mãos e olhou para
cada uma delas.
imobilizando-me.
a explicar, lendo dúvida em meus
olhos.
foram
que tomar tudo?
essas
Recompondo-se, Guilherme começou
Infelizmente
me preparei
para correr o mais rápido que
conversas que nos separaram –
algo magnífico.
–
Virei de costas e
– Mas quanto devo beber? Só um
golinho já me deixa imortal ou tenho
profundo de seu casaco, tirando de
aquilo como se fosse algo precioso,
64
Guilherme. Um amor que superava
rapidamente peguei meu aparelho
– Tudo que eu sempre fiz foi
– Você não vai fugir. Eu consegui,
de choque. Agradeci em silêncio a
tentar atender aos seus desejos, aos
Elizabeth. Eu consegui! – agora ele
Roberto, que me obrigava a carregar
seus caprichos. Mas é claro que você
deliciava-se
essa coisa por ai.
achou que eu estava exagerando.
rindo, com os olhos esbugalhados
Ah. Sim. A fala de meu ex-marido
com
suas
palavras,
apontados para mim.
Diante
da
cara
surpresa
de
Guilherme, pressionei o aparelho
– Lizzi, Lizzi. Lembra-se de nossa
me trouxe de volta à realidade. Toda
– Podemos viver juntos e jovens
juventude? Lembra-se de quando
a perfeição do noivado e do início
para sempre! Nunca teremos que
elétrica percorreu seu corpo, e ele
costumávamos
caiu no chão, se debatendo de dor.
sentar
sob
contra
sua
barriga.
Uma
onda
as
de nossas vidas de casado acabou-se
nos preocupar com nada! Tudo será
estrelas e sonhar alto, mais alto do
quando ele começou a frequentar a
perfeito.Você só precisa beber isto,
que qualquer um já havia sonhado
biblioteca todos os dias, lendo livros
e tudo ficará bem – agora ele me
a chorar como uma menininha,
antes? Lembra-se do que dizíamos?
sobre a vida eterna, sobre poções
tratava como um bebê. Sorrindo
deixando toda a tristeza e o medo
Do que queríamos? Você desejava ser
que tornavam possível ser jovem
amigavelmente, mas ainda com os
sair. Corri para fora daquele lugar
linda e livre de rugas para sempre.
para sempre. Depois disso, começou
olhos penetrados em meu rosto.
maldito e peguei o primeiro táxi que
Queria não ter que se preocupar com
a construir um pequeno laboratório
cabelos brancos e dor nas juntas.
na casa e…
E eu queria continuar correndo
minhas
continuar
antes que fosse longe demais.
que
desabei.
Comecei
encontrei.
costas. Tinha que pôr um fim nisso,
Foi nesse momento que entendi
aí
Antes de ir, olhei para trás.
Ainda
estatelado
agora
chorava,
no
chão,
a
o que era aquele frasco. Entendi
poder te levantar em meus braços
por que Guilherme o segurava com
conseguiu o que eu sempre quis! Ah,
e
quando íamos para a cama.
tanta admiração. Ele conseguira. Ele
Guilherme, muito obrigada! – disse,
sussurrei um adeus ao vento.
obtivera sucesso, depois de todos
tentando parecer verdadeiramente
esses anos.
feliz. Ele sorriu e levou o frasco à
maratonas,
Engoli o pânico e endireitei as
Foi
Eu lembrava, é claro. A
vontade de recuperar um pouco
dessa
lembrança
foi
o
que
–
Viver
para
sempre?
Você
doloridas.
lágrimas
Entrei
me
– Não. Isso não. Não de novo.
minha boca. Fingi estar em dúvida
trouxera ali. É claro que amava meu
– uma agonia que não consegui
por um momento e abaixei sua
Nina Trentini Borghi
marido. Mas não do jeito como amei
controlar
mão.
(categoria prosa – 8º ano)
cortava
minha
voz,
no
ele
gordas
carro
e
65
Nagô
Acorde
Quero parar o tempo,
mudá-lo de lugar.
Como se pudesse escolher apenas os trechos mais bonitos do meu filme.
Como se pudesse saber qual será a próxima cena.
Levanta, levanta!
Ficar aí desejando não adianta.
66
Corre, anda.
Faça.
Nada nem ninguém te impede de tentar, procurar, se arriscar.
Meu nome é Nagô, como o grande deus guerreiro
dos meus ancestrais. Assim me disse minha mãe, e é só
isso que me lembro dela, essas poucas palavras. Minha
mãe se foi quando eu era muito criança, chorei por muitas
noites, sentindo uma dor funda que parecia não ter fim.
Hoje sou homem feito e minha dona, Sinhá Violeta,
me chama de “nego fedido”. Seu filho, Sinhozinho Armando,
me chama assim também e, algumas vezes, acrescenta
“maldito” ao meu nome. Desse jeito, aqui, na fazenda Nova
Esperança, sou nego, fedido, maldito, ou as duas coisas, e
meu nome verdadeiro, aquele que ouço nos sonhos, guardo,
pois é tudo que tenho nessa vida.
Sinhá Violeta me comprou para fazer “de um tudo”
na fazenda. Faço todo serviço da casa, varro, cozinho,
capino o mato que teima em crescer nos arredores. Sinhá
passa os dias comandando a fazenda, de cara fechada e
chicote em punho, e me faz segui-la por todo canto, como um
cão na coleira, para chutar quando tiver vontade. O único
lugar onde nunca entrei é um cômodo pequeno, no sótão,
que Sinhá mantém trancado a chave, e onde ninguém, nem
mesmo Sinhozinho, tem permissão de entrar. Já ouvi ela
dizer ao filho que aquele quarto ela visita pra lembrar do
seu amor perdido e que não quer dividir com ninguém.
O Sinhozinho já tentou de todo jeito convencer a mãe a
deixá-lo espiar o quarto, tentou até encontrar as chaves
remexendo nas coisas de Sinhá, mas ela as mantém bem
presas, na sua cintura.
Dizem que Sinhá Violeta perdeu o marido muito
cedo, Sinhozinho ainda era menino de colo. Nunca mais
Renata Sardenberg
se casou, vestiu-se de luto e azedou a cara para sempre.
(categoria poesia – 9º ano)
Dizem também que é muito rica, mas se isso é verdade
67
68
não sei, porque a Sinhá vive como se não tivesse vintém.
força que ela não conseguiu soltar sequer um gemido e em
A comida é escassa, e os poucos escravos passam fome,
segundos desabava no chão, morta. O Sinhozinho gritou,
e seu único filho vive em guerra com a mãe por conta de
em triunfo, dizendo: “Velha desgraçada, teve aquilo que
dinheiro.
mereceu, agora é tudo meu.” Correu os dedos pela cintura
Sinhozinho Armando não trabalha, nem mesmo
da Sinhá, encontrou a chave que ela mantinha sempre
toma conta dos assuntos da fazenda, gosta mesmo é de
amarrada lá, e arrancou-a. Foi então que ele me viu e seu
farrear. Sai todas as noites e volta de manhãzinha cheirando
olhar de ódio tresloucado me fez gelar de pavor. “É você,
a bebida e perfume barato. A Sinhá se enfurece, grita com
nego maldito, sempre metendo o nariz onde não deve, pois
o filho, ele grita de volta, e os dois terminam por bater
agora você vai morrer junto com a sua dona, para continuar
em mim, sem dó, para aliviar o que sentem. Sinhozinho
a servi-la no inferno”, disse isso cuspindo e se atirou em
Armando só dirige a palavra à sua mãe para lhe pedir
minha direção.
dinheiro, sempre mais e mais, dinheiro que ela não dá,
e arruma um jeito de surrupiar, revirando as coisas de
lançando as mãos em garra para o meu pescoço, como tinha
Sinhá, levando uma joia quando não encontra em espécie.
feito com a Sinhá. Ele apertou e eu não lutei, nunca tinha
Tudo que some, e some sempre, Sinhá me acusa, mesmo
lutado por nada na vida. Minha vista começou a escurecer,
sabendo que foi o Sinhozinho, e lá vem chicote.
e eu ia indo, entregue, quando ouvi a voz da minha mãe. A
Eu corri para a cozinha e foi lá que ele me alcançou,
Uma noite acordei com os gritos de Sinhozinho
voz que me disse tão poucas palavras, mas que eu nunca
ecoando pela casa. Levantei-me e fui, silencioso como pude,
me esqueci, disse: “Nagô, você é um guerreiro, escute os
espiar o que estava acontecendo. O Sinhozinho gritava com
tambores, lute.” E eu os escutei, soando alto, abri os olhos e
a mãe, que parecia ter acabado de sair da cama, implorando
agarrei com as minhas mãos duras de calos o pescoço macio
que ela lhe desse dinheiro, para pagar a dívida do jogo.
de Sinhozinho. O pescoço partiu fácil, como das galinhas
Disse que se não pagasse seria morto, rastejou, agarrou
que eu costumava matar pro almoço. Vi a chave no bolso
a camisola da mãe, desesperado. Sua voz estava enrolada
do Sinhozinho morto. Não quis pegar, não quis saber.
pela bebida, os olhos vermelhos e injetados, fixos na mãe. A
Sinhá olhava para o filho com nojo, como se fosse um inseto
olhar para trás. Corri para o mato, arranquei os trapos que
pegajoso, exatamente como ela costumava olhar para mim.
me prendiam à minha vida de escravo, fiquei nu, mergulhei
Olhava e dizia entre os dentes: “Não, não, não, prefiro vê-lo
mais fundo na mata, até ficar cercado pelo silêncio das
morto a assistir você levar essa vida suja e degenerada, de
árvores. Sou Nagô, guerreiro, caçador, livre.
Sai caminhando na noite escura, sem ser visto, sem
mim você não terá vintém.”
O rosto de Sinhozinho se contorceu e, de repente,
ele voou no pescoço de Sinhá, apertando os dedos com tanta
Antonio F. S. Reis
(categoria prosa – 9º ano)
69
O e-lixo e a saúde humana
O e-lixo, resíduos tóxicos provenientes de materiais eletrônicos,
São Paulo
É como se cada um tivesse o seu
pode causar grandes problemas à saúde humana. O descarte incorreto
desses objetos pode contaminar lençóis freáticos e o solo, o que, de alguma
E o tudo ocupasse o todo quase infinito dessa cidade
forma, pode afetar a vitalidade de homens, mulheres, crianças e idosos.
É indispensável a destinação correta desses materiais, o que não vem
Na bagunça das ruas
acontecendo, já que os programas de reciclagem ainda são tímidos e
insuficientes.
70
Luzes de semáforo colidem com fumaça de ônibus
Segundo um relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente), a quantidade de resíduos eletrônicos descartados
Poluição sonora, visual e atmosférica
no mundo aumenta 40 milhões de toneladas por ano. A maior parte desses
materiais é depositada em aterros comuns, sem nenhum cuidado para que
Coexistindo em perfeita harmonia
não contaminem o solo. Isso ocorre porque as autoridades mundiais não
investem e não incentivam programas de reciclagem do lixo eletrônico, o
Luzes, festas, pressa, carros, morte e sangue
que causa o descarte desses materiais em locais incorretos.
Esse depósito incorreto do e-lixo pode causar sérios danos à saúde
Dão vida a essa cidade
dos seres humanos. Se esses resíduos forem jogados em aterros sanitários
e lixões, o solo e a água de rios e lagos podem ser contaminados, o que
Que seria tão cinza quanto seus prédios
acaba afetando os alimentos que ingerimos. A radioatividade de pilhas e
baterias, por exemplo, pode até causar mutações em nosso DNA, afetando
Se não fosse a bagunça alegre de sua autodestruição
o crescimento de futuras gerações.
Portanto, é necessário que as autoridades competentes tomem
Que se reconstrói a cada dia
conhecimento desse gravíssimo problema, para que possam agir de forma
correta para eliminá-lo. Desse modo, poderemos viver melhor com menos
lixo nos aterros sanitários, com menos contaminação de lençóis freáticos e
em um planeta mais limpo e saudável.
Gustavo Henrique S. Cezar
Fernanda Pontes Battaglia
(categoria prosa/não ficção – 9º ano)
(categoria poesia – 1º ano do Ensino Médio)
71
mente. Mas o amor sempre busca a matéria
para se concretizar e ele não poderia deixá-
Metrô
la escapar novamente.
72
O trem começava a frear, os corpos
Eram dezoito horas de um
em inércia e ela mirava a porta, ansiosa.
dia qualquer. O metrô era
Desejava, acima de qualquer outra coisa,
a única coisa que em sua
que ele simplesmente a seguisse. Toda vez
mente representava algum
que se encontravam no mesmo metrô, ela
avanço na sociedade. Dentre
parava para observá-lo e deixava o vagão
todas aquelas pessoas, era
na esperança de ele seguir pelo mesmo
o único que se mantinha
rumo. Mas isso nunca acontecia, e ela
sereno no vagão. Estava
voltava para casa, só e desiludida. Caminhou
sem rumo.
lentamente na multidão que se formava em
Seus olhos negros
frente à porta do transporte. Os olhos dele a
miravam o vazio até se
seguiram rapidamente, o coração palpitando
encontrarem com outros,
alucinadamente. Tomou coragem e a seguiu.
também escuros. E então
A verdade é que ele não sabia o que estava
seus joelhos começaram a
fazendo, deveria estar ficando louco ou algo
falhar.
assim. Mas que é o amor se não loucura?
Conhecia
aqueles
olhos de outras viagens. Era
Seus passos eram apressados enquanto os
ela. Fazia algum tempo que
dela eram suaves. A paisagem cinza passava
ele não a via, e lá estava
embaçada pelos seus olhos e ela era seu foco.
ela, parada, recostada na
Por um momento as pálpebras se fecharam.
parede do trem.
Quando tornaram a abrir, ela não estava mais
Não
que
ele
a
Onde está o povo?
lá. A aura que a envolvia havia sido coberta
conhecesse, nunca haviam
pela imensidão de pessoas na estação.
se falado, na verdade. Mas
Ele só queria alcançá-la, enquanto ela queria
qual é a importância das
ser alcançada.
palavras quando sua alma
Tiririca tem mais de 1 milhão de intenções de voto para Deputado Federal
em São Paulo. Essa manchete me chocou. Ela mostrou o quanto a política
está conseguindo se tornar motivo de piada no Brasil. Poucas
pessoas efetivamente se preocupam com o processo eleitoral,
com nossos candidatos, o futuro do Brasil. As pessoas
preferem votar “em qualquer um” a fazer uma pesquisa
de verdade sobre os candidatos (o que para os cargos
legislativos acontece ainda mais). Tiririca ter tantas
intenções de voto só comprova isso. Mas não é só
ele. No último dia 2 de outubro o jornal Folha de
S. Paulo publicou no seu “Guia do eleitor” uma
lista completa de candidatos a Deputado Federal
e Estadual em São Paulo. Candidatos como
“João da Vigilância”, “Donizete da Farmácia”
e “Lambari” exemplificam a falta de seriedade
no processo político do país.
Até cargos importantes como o Senado
foram atingidos. Um político deveria ter anos
de experiência para poder se candidatar a
esse tipo de cargo. Contudo, não é isso o que
acontece. Netinho de Paula era cantor de um
grupo de pagode e apresentador até pouquíssimos
anos atrás. Hoje, de acordo com alguns órgãos de
pesquisa das intenções de voto, chegou a liderar a
já foi misturada a outra?
corrida pelo Senado em São Paulo, estado que é o mais
Bastou um primeiro olhar
e tudo já havia sido dito,
Lígia G. Cossé
ela já estava presa em sua
(categoria prosa – 1º ano do Ensino Médio)
populoso e rico do país. Mas... quais são suas propostas?
Como conseguiu subir na política tão rapidamente? Não é só o
73
fato de ser mais associado à imagem de pagodeiro e apresentador do que
plano, não creio que possam acontecer outras manifestações como essas.
à de político que pesa. Netinho agride constantemente as pessoas.
Não é por falta de corrupção e ações vergonhosas dos políticos.
Além do caso mais lembrado pelos jovens, o do soco desferido
Recentemente houve o caso do mensalão, a descoberta do que os
por ele contra o “repórter Vesgo” do Pânico na TV, ele ainda
deputados realmente faziam com as passagens aéreas que
bate em mulheres. Até onde se sabe, já agrediu uma
lhes eram dadas para trabalhar, os escândalos envolvendo
funcionária de uma companhia aérea e sua ex-mulher.
José Sarney, Erenice Guerra, Renan Calheiros, e por
O que um homem como ele quer no Senado? Acabar
74
aí vai. Os jovens de hoje em dia (como eu, inclusive)
com a lei Maria da Penha?
não lutam pelos seus direitos, não “suam a camisa”;
A política cada vez mais deixa de ser
prioridade para o povo brasileiro. Para ilustrar
isso, é só lembrar que houve um debate entre
os presidenciáveis no dia 05/08 transmitido
pela Rede Bandeirantes. Porém, no mesmo
dia a Rede Globo transmitiu a partida entre
São Paulo x Internacional válida pela Taça
Libertadores. A audiência do jogo foi muito
superior. Não vou ser hipócrita, confesso que
também preferi assistir à partida. Isso é um
exemplo que mostra apenas o caso do futebol,
mas outros assuntos passam a ser tratados como
prioridade cada dia mais em detrimento da política.
R
O
M
E
D
E
O
S
S
E
R
G
O
R
P
estamos todos, infelizmente, conformados demais
com toda esta falcatrua por parte dos políticos.
Enquanto o nosso povo não perceber a
seriedade dessa situação e tentar de todas as
formas mudar esse terrível quadro do que se
tornou a política brasileira, quem sai perdendo
não é só o país. Somos nós mesmos. Inclusive
financeiramente. É só constatar a “festa” que
os governantes em Brasília fazem com nosso
dinheiro, por meio dos impostos abusivos que
nos são cobrados. Em suma, é preciso vergonha
na cara para os políticos e atitudes, engajamento
nas questões do país para nós, brasileiros.
O povo brasileiro lutou pela volta da democracia na
época da ditadura militar, depois de alguns anos foi às
ruas novamente, dessa vez para lutar pelo impeachment
de Fernando Collor, presidente do Brasil nesse tempo. Nos
dois casos foi difícil, principalmente no caso da ditadura, mas
o povo teve sucesso. Hoje, com a política cada vez mais em segundo
Pedro de Oliveira Ribeiro
(categoria prosa/não ficção – 1º ano do Ensino Médio)
75
O Lamento dos Poetas
76
Os olhos sinistros das ruas,
Os urros de um ódio calado,
Os grilhões banhados a ouro,
Os punhais de ferro e asfalto.
Os detalhes de cada engano.
Os elos que são teu suor.
O pranto que ecoa nos túneis,
O acorde choroso do músico,
O raio que cai dês do Douro,
O grito dos loucos nos bares.
O sangue nas mãos do tirano.
O estrondo que assusta a nós todos.
As almas cansadas dos homens,
As roxas olheiras do crime,
As entranhas de um corpo ímpio,
As brisas de um vento gelado.
As rosas já quase sem brilho.
As doces mentiras dos jovens.
A pomba que voa mesquinha,
A fera hoje adormecida,
A árdua labuta dos outros,
A gente que não quer mais nada.
A sina de toda uma espécie.
A coisa do jeito que é.
Quantos por cento de quê?
Que aves gorjeiam aonde?
Se coxa, bonita por quê?
Qual é o sentimento afinal?
Que tribo pujante afinal?
Pra que o vergalho afinal?
Caberá a Drummond explicar.
Caberá a Gonçalves falar.
Caberá a Machado versar.
Os carros em cima das pontes,
Os morros de pedra nos campos,
Os escravos ainda cativos,
Os velhos e cegos incautos.
Os trabalhadores sem lar.
Os santos que os vão libertar.
O cheiro acre desses esgotos,
O longo penar da vigília,
O denso lamúrio das águas,
O gosto da urina dos ratos.
O preço que eu hei de pagar.
O barco que irá naufragar.
As horas eternas da noite,
As mil e uma fases da lua,
As glórias de uma bandeira,
As brigas de cães insensatos.
As poucas que vêm se mostrar.
As filhas de um outro lugar.
A vida mais negra que a morte,
A vida na terra sem chuva,
A desilusão passageira,
A brasa de um fogo que arde.
A sombra sem sol vem de lá.
A esperança que já não há.
São mãos espalmadas de quem?
E tal latifúndio por quê?
Colombo e os portões de que mares?
Caio Franco
Teu espanto vem de onde afinal?
Que parte nos cabe afinal?
Quem é este Andrada afinal?
(categoria poesia
Caberá a Vinicius cantar.
Caberá a Cabral meditar.
Caberá a Alves declamar.
– 2º ano do Ensino Médio)
77
Perguntava o que tinha gerado
A Cartilha da Sedução
aquele barulho estrondoso. Instintivamente respondi que tacara uma
pedra. Chamou-me à sala; só pode ser
“De minhas lembranças velhas,
uma dessas manifestações rebeldes
há uma que volta porque não a
de menino; mandou-me sentar e ter
entendo. Faz tantos anos e eu me
a lição com minha prima Isabel. Ela
lembro de tudo tão bem, que penso
passava férias em nossa casa como
às vezes se a imaginação não andou
de costume.
ajudando
78
dissipada
a
esta
quase
memória.
sempre
Talvez
A
chatice
da
r epetição
eu
daquelas sílabas – be, ba – parecia
embaralhe as coisas, e recordações
interminável. Porém, como Isabel
de outros dias chuvosos, não sei por
e eu fomos à escola tarde, mamãe
que sutil e incompreensível razão,
insistia nisso. Em plena adolescência
se acomodem nessa tarde.
nada poderia ser mais tedioso para
No ponto em que as lembranças
ela. Até para mim, alguns anos mais
desse dia se fazem mais ordenadas,
novo, era insuportável. Após algum
em me vejo à cozinha, sentado no
tempo começamos a cruzar olhos na
balcão de alvenaria, prolongamento
tentativa de nos entreter.
do fogão e onde se lavavam os
pratos e batia-se bolo. Minha mãe,
na sala, ensinava cartilha a Isabel,
que repetia as palavras, submissa,
com um jeito mole. Devo ter me
entretido a idealizar aventuras. Tirei
a baladeira do cinto, uma pedra do
bolso, recuei alguns passos e alvejei
o tijolo. A pedra ricocheteou, bateu
na bacia. A lição foi interrompida e
a voz de minha mãe veio da sala,
indagadora.”
As sílabas iam perdendo sentido,
já não as ouvíamos mais, eram
somente ecos distantes. Perdíamos,
alternadamente, um nos olhos do
outro.
mãos
Progressivamente
iam
sinuosos
tramando
para
Finalmente
se
nossas
caminhos
encontrarem.
entrelaçaram-se.
Um
79
misto de confusão e outro sentimento
se alojaram em mim; acabamos por
aquilo antes. Quando me dei conta,
hoje. Soltaram-se mais depressa do
seu corpo estava de pé diante de mim.
que se uniram. Nem tive tempo de
Sua curvas se moviam no ritmo de
decifrar o significado daquilo.
sua pausada e lenta respiração. Ela
Livres da lição fomos para o
quintal, onde conversamos. Lembro-
inclinou-se e deu-me um beijo terno
e quente na testa.
me vagamente dos assuntos. A figura
“Depois disto, a memória como
de Isabel me encantava e prendia;
que adormece. Desperta com o vulto
você está prestando atenção em
de uma prima em férias, bem mais
alguma coisa que eu falo?; voltava
velha que eu: uma noite, pretextando
a mim e respondia. Porém, o modo
almas do outro mundo – que medo e
como
cachos,
dulçor! –, levantou-se do leito e veio
cruzava e descruzava as pernas,
ela
enrolava
os
abraçar-se comigo. Trazia os pés
movia seus miúdos pés descalços e
descalços.”
gargalhava parecia sempre muito
mais interessante; assim você me
encabula; desviava o olhar.
Em um momento provavelmente
me perdi em meus devaneios com
a beleza de Isabel. Nunca sentira
Victoria Pagano Rebizzi
(categoria prosa – 2º ano do Ensino Médio)
Mídia Impressa XMídia Digital
Com os avanços da intemet e a maior popularização desta, o The New
York Times, um dos jornais de maior circulação mundial, anunciou que
diariamente o jornal em sua casa, com as notícias mais relevantes já
irá se digitalizar, o que não significa que irá parar de produzir e vender
impressa de grande circulação, é a visualização mais rápida e eficaz das
o jornal impresso, e sim que irá dispor muito mais conteúdos em seu
informações, basta virar as páginas, enquanto que na internet o leitor é
site. Diante disso, iniciou-se uma discussão em torno do que seria mais
dependente da velocidade da conexão.
interessante, a mídia impressa ou a mídia digital.
selecionadas. Outra vantagem dos jornais e revistas, exemplos de mídia
Assim, ambas as formas de mídia possuem qualidades e defeitos, e por
Há os que defendem que a mídia impressa deve ser extinta, dando
isso é interessante que ambas continuem a coexistir e a se desenvolver
lugar à mídia digital. De fato, os arquivos eletrônicos possuem muitas
cada vez mais. Dessa maneira, o leitor pode tirar proveito dos benefícios
vantagens, como a diminuição dos custos pela informação. O capital gasto
de ambas e não é tão prejudicado pelos malefícios.
com papel, impressão e distribuição encarece muito o produto final; assim,
a mídia digital seria muito mais barata, uma vez que não precisaria gastar
com esses processos. Além disso, as informações eletrônicas podem ser
complementadas e atualizadas diversas vezes, o que não seria possível na
versão impressa, pois se teria que gastar ainda mais para reimprimir os
exemplares. Outro ponto importante, principalmente nos contextos atuais,
é o compromisso ambiental. A mídia digital é muito mais ecológica do que
a impressa, uma vez que não precisam se derrubar árvores para produzir
o papel utilizado.
Outro beneficio possibilitado pela digitalização da mídia é a globalização
da informação. Intenautas de todo o mundo podem ter acesso aos arquivos
e ainda têm a possibilidade de interagir e colaborar com as publicações ou
então discutir temas com os demais leitores através de fóruns abertos ao
público. Além disso, o acesso à informação torna-se mais fácil, uma vez que
hoje, com o desenvolvimento da tecnologia, pode-se acessar a intemet de
qualquer lugar e a qualquer momento, até mesmo de um pequeno telefone
celular.
Apesar de todos esses benefícios, ainda há aqueles que continuam
preferindo a mídia impressa por sua maior comodidade e praticidade,
Julia Shinohara
no sentido de que a informação vai até o leitor, uma vez que ele recebe
(categoria prosa/não ficção – 2º ano do Ensino Médio)
Ao Guto dos Anjos
No horizonte,
A bela abóbora
Que jantei anteontem
Massa
Submerge do profundo
Oceano gástrico.
Reabre o céu
Lá se vai o pobre caminhoneiro.
Da boca sem fôlego
Sozinho, transportando algo que não é
Abarrotado pelo Sol
seu, muito menos de seu interesse.
Do anti-ontem.
Resolve
parar
para
dormir,
num posto no meio da estrada. Está
Reminiscências flutuantes na memória interina,
dirigindo há longas 21 horas.
Restos, arraigados na profunda víscera interior.
seu fedorento chapéu.
Ressurgem regurgitados assumindo a forma do
Escarro dos Anjos.
Um vaso não se quebra quando abrigado pelos tubos intestinais.
Mantém em conserva sua sopa glutinosa como uma fonte e a goteja
(Eterna amargura para algumas bocas e para todos os outros lábios)
Gota a gota
Sob a garganta estreita que se abre rugosa para que suba
À boca uma ânsia análoga à dos Anjos...
Mas não devo vergonha ao catarro nem lástima ao vômito,
Em todo meu ser há uma gratidão por aflorarem em mim,
Superando a luz cega do presente e lembrando-me da
Quimera imortal que permanecerá sempre enterrada,
Na forma de verme operário das terras do alegrete,
Construindo (simples reconstrução) a aurora biliar.
Náusea, do sacrificado anjo único ressurreto,
Digna de ser amada,
Pois é ela o agregado abstrato das saudades.
Ao acordar, percebe que nada
tem. Só lhe resta sua velha carreta e
Ressentimentos estomagados, mutilados, que
Diogo Banzato Franco (categoria poesia – 3º ano do Ensino Médio)
82
Mas, mesmo assim, ele continua.
E continuará. Dirigirá por horas e mais
horas, e descansará novamente.
E, ao acordar, perceberá uma
vez mais que nada tem. E que nada
terá.
Só lhe resta dirigir, sem ao
menos perceber que a direção de sua
própria vida está quebrada.
Rodrigo Rossi Mora Brusco
(categoria prosa – 3º ano do Ensino Médio)
83
Nada Além da Verdade
84
A criação de imagens como forma de organização do conhecimento remete
uma retrospectiva desde sua infância até a idade adulta, a fim de “atar
aos primeiros grupos humanos, dos quais os registros remanescentes são
as duas pontas da vida”. Bento, portanto, reconstrói todos os eventos e
pinturas rupestres. Símbolos representativos nada mais são que uma
pessoas. O leitor, todavia, fica sujeito a um só ponto de vista: como o
interpretação subjetiva de um período e situação. A literatura, nesse
narrador-personagem enxerga sua realidade. Logo, pressupõe-se que
contexto, sobressai-se como um importante canal para o registro histórico,
exista manipulação do caráter dos fatos para que convirjam aos interesses
uma vez que evidencia tendências e costumes de seu tempo. Um livro,
de Bento. Machado, com isso, explora a essência da comunicação, que é a
contudo, não pode ser adotado como única fonte do conhecimento do
falha.
passado, porque sempre carrega traços e críticas de seu autor, ou seja, toda
a história é comprometida porque carrega indícios de autoria próprios.
Essa discussão sobre interpretação do mundo exemplifica o amplo
processo de construção da verdade, a articulação de símbolos imagéticos
Platão, em O Banquete, expõe o cerne dessa tese subversiva da realidade
que intermedeiam os dois mundos descritos por Platão. Deve-se, portanto,
ao argumentar que existem dois mundos: o das ideias, perfeito, que
agir com cautela ao submeter-se a informações das mídias e também
corresponde à verdade plena; e o dos sentidos, que é captado pelas pessoas,
ao sujeitar-se à opinião de outros. Da mesma forma, a visão própria é
o qual é uma reprodução mal formulada do primeiro. Um livro, de acordo
tampouco confiável e não corresponde ao conjunto das verdades imutáveis.
com o viés filosófico do grego, seria então a cópia da cópia, distanciando-
O questionamento da realidade é o viés mais sóbrio de aproximar-se da
se ainda mais da essência do real. Isso acontece porque a informação
essência concreta. Apenas se aproximar, pois penetrar no campo das ideias
percorre dois canais depreciativos: a interpretação da realidade por quem
torna-se inconcebível pela construção de símbolos.
escreve o livro e a visão de quem o lê.
Essa subjetividade, dentro do universo dos livros, pode se exacerbar
ainda mais quando o ensino acadêmico é mal formulado. Sílvio Romero foi
o primeiro, no Brasil, a subdividir a literatura em períodos de produções
semelhantes, os quais são a base atual da disciplina nas escolas. Quando,
dentro das salas de aula, o aluno emerge-se em descrições didáticas, que
foram elaboradas por outra pessoa, e não toma contato direto com a
produção, ele submete-se a mais um canal que o distancia da realidade e
o aproxima de uma imagem. Esse fenômeno seria, então, a cópia da cópia
da cópia.
O maior clássico da literatura brasileira, Dom Casmurro, de Machado
de Assis, ilustra como a mensagem pode ser contaminada ao extremo
Henrique Rubira
pelo emissor e canal. Por meio do próprio livro, o narrador Bento faz
(categoria prosa/não ficção – 3º ano do Ensino Médio)
85
Do TExto ao TEatro
“O fazer artístico e a apreciação estética são inerentes ao ser humano;
só um fazer consciente e informado torna possível a aprendizagem em arte.”
(Ana Mei Barbosa, 1991)
O pensamento de Ana Mei sobre o fazer
Contamos com uma equipe de alunos
artístico é um bom ponto de partida para
muito motivada e pudemos desenvolver um
tratar do trabalho em Artes Cênicas do 1º ano
trabalhoso (e prazeroso) processo de criação
em 2010. O curso de Artes teve uma proposta
que, além da montagem propriamente dita,
pedagógica e formato artístico novos. Sob a
teve em todo o seu percurso rodas de
coordenação do professor Wilton Ormundo,
indicações de atividades culturais para que
Guilherme Yazbeck e eu, ficamos no comando
todos pudéssemos nos inserir de maneira
das turmas para uma nova (e sempre
ativa na diversa programação artística da
desafiante) experimentação cênica. Nosso
cidade e nos utilizarmos dela como repertório
desafio foi transpor para o teatro quatro
para a construção das cenas.
narrativas curtas e independentes e trabalhálas com os alunos de maneira coletiva,
O projeto teve três etapas de desenvolvimento,
focando, basicamente, alguns elementos da
previamente planejadas:
linguagem teatral, como o trabalho em coro e
a construção de dramaturgia.
1ª) Cada uma das quatro turmas de teatro foi
separada em dois grandes grupos, que se
Jovens do 1º ano do Ensino Médio mostram
sua compreensão teatral de textos literários.
Para o desenvolvimento do trabalho com
revezavam com os professores da área, a fim de
os grupos curriculares do Ensino Médio,
que pudéssemos conhecer melhor o perfil de
partimos do entendimento de que o fazer
cada grupo, reconhecer o que cada um trazia
teatral, por si, ensina sobre expectativas,
de bagagem cultural e repertório de teatro,
conflitos, objetivos e de que é na atmosfera
além de possibilitar uma experimentação
do trabalho e na vivência em grupo que uma
livre de exercícios teatrais. Esse primeiro
experiência se torna de fato significativa.
momento de conhecimento mútuo foi muito
88
importante para que pudéssemos definir os
E foi justamente a partir desses desafios que
festividades religiosas e das representações
Houve a compreensão de que é possível
contos que trabalharíamos com os grupos:
começamos nosso processo de ensaios.
teatrais. Na tragédia clássica, o coro é uma
fazer a transposição da narrativa para o
“A quinta história ou Como matar baratas”,
A ideia foi justamente escapar do padrão
personagem coletiva que tem a missão
teatro sem precisar de um texto dramático ou
“Cem anos de perdão” e “Felicidade
teatral dramático que parte do conflito entre as
de cantar partes significativas do drama.
de personagens definidos e diálogos rígidos.
clandestina”, todos de Clarice Lispector, e
personagens. Queríamos discutir e trabalhar
Na origem, representa a polis, a cidade-
“Uma vela para Dario”, de Dalton Trevisan.
a ocupação do espaço, a explosão de um
estado, ampliando a ação para além
Por fim, as apresentações geraram em
Após a definição dos contos a serem
personagem num grupo, usar o corpo como
do conflito individual.
toda a equipe do 1º ano – alunos-atores
trabalhados, Guilherme e eu começamos a
elemento fundamental na ‘contação’ de uma
elaborar um roteiro para a montagem teatral
história e, principalmente, trabalhar o coletivo
Brincar, experimentar a explosão dos
dever bem cumprido, proporcionando-nos
de cada grupo e os apresentamos para as
como parte estratégica (pedagógica e cênica).
personagens em diversos coros, foi a
outra dimensão do fazer teatral na escola:
turmas, iniciando assim a segunda etapa do
Teatro não se faz sozinho. Nunca. Trabalhar
principal descoberta de criação de cena e,
teatro de qualidade com alunos motivados
processo de trabalho.
a interdependência de todos os envolvidos
consequentemente, de dramaturgia nessa
e senhores do que faziam no palco. Todos
no processo, seja em cena, diretamente, ou
etapa do processo.
esses ganhos tornam a disciplina de Artes
e professores-diretores – a sensação de
2ª) A entrega dos textos gerou uma discussão
na construção da dramaturgia, foi um dos
teórica sobre a temática de cada conto,
objetivos que nortearam nosso trabalho a fim
3ª) Aqui, partimos para a direção propriamente
à pesquisa de linguagem, à comunicação, ao
sobre as imagens que eram sugeridas pelas
de que os alunos se sentissem autores dos
dita. A maior parte da experimentação
trabalho coletivo e à sua função numa escola
narrativas, e algumas indagações práticas
exercícios que estávamos desenvolvendo. Os
já estava levantada (embora a criação
que preza a formação acadêmica integrada à
surgiram pelas mãos dos alunos quando
improvisos foram dirigidos coletivamente para
continuasse até o final) e os professores
arte e à cidadania.
questionados sobre a adaptação para o
as cenas que queríamos levantar a partir dos
desenharam as cenas que se tornaram parte
teatro de textos literários com tão poucos
roteiros previamente criados por nós. Nesta
da apresentação final. O percurso do trabalho
personagens. As perguntas: “Mas somos 40
etapa, o trabalho com o coro foi central.
ganhou um sentido concreto nesta etapa. Foi
e no texto só há duas personagens, como
coerente e significativa no que diz respeito
um momento bastante intenso e “focado”,
vamos fazer?”; “Mas esse conto curtinho
A palavra Coro vem do grego chorós, que,
pois os alunos passaram a visualizar as cenas
Rita Pisano é atriz e professora de Teatro
pode virar uma peça?”; “Não há diálogos,
na Grécia antiga, designava um grupo
prontas e, com isso, entenderam melhor os
do 1º ano do Ensino Médio.
como vamos transformar isso em cena?”.
de pessoas que participava ativamente das
exercícios e improvisos propostos até então.
89
Sonhar-se!
Alunos do 9º ano apresentam a peça Invencionática,
parte de um projeto consagrado no Ensino Fundamental.
90
Completando
anos
de
O espetáculo – O subtítulo da
No bloco 1, na própria matéria
Projeto
de
peça (“a vida inde”) pode ser
onírica,
Teatro do 9º ano, o espetáculo
livremente traduzido como “a
humano, que mistura lugares,
Invencionática – a vida inde
vida sob outra perspectiva”
pessoas
não poderia ter tratado de
ou, ainda, “a vida vista sob
proporcionando-nos os mais
uma temática melhor: o sonho!
outro ângulo”. A expressão,
diferentes sonhos. No bloco
Sonho de fazer – como nos nove
retirada de um poema do poeta
2,
anos anteriores – 120 jovens
e compositor Arnaldo Antunes,
postura passiva diante do
atores subirem ao tablado e se
serviu de mote para o nosso
mundo, questionamento esse
expressarem poeticamente por
espetáculo.
representado pelo pensamento
existência
10
do
meio de diversas linguagens,
no
do
e
inconsciente
sensações,
questionamento
da
utópico enquanto motor que, se
como a dança, a música e o
Vivemos no mundo regido
não nos faz chegar a um lugar
teatro.
pela lógica, em que muitas
ideal, ao menos nos põe em
coisas só possuem “valor” se
movimento em direção a um
O processo – Como em toda
comprovadas cientificamente,
futuro sempre possível de ser
criação artística, o processo
se validadas por especialistas,
mudado para melhor. Por fim, no
foi longo e trabalhoso. Sob
se
bloco 3, surge a poesia, espaço
a coordenação geral dos
objetivas...
professores
forem
impecavelmente
Contudo,
há
inventivo
por
excelência,
Rogério
Viana
uma
bastante
prenhe de significados, com
e Guilherme Yazbeck,
foram
potente do ser humano que é
seu vaivém na (re)criação de
cerca de 15 semanas entre
deixada à margem, devido à
linguagem.
leituras do roteiro, ensaios de
preponderância desse discurso
cenas e ensaios gerais. Quinze
cartesiano: a dimensão do
semanas de esforço e parceria
sonho, da criação inventiva. É
transformadas em intensa hora
dela que tratou Invencionática
e meia de espetáculo. Intensa
– a vida inde.
dimensão
hora e meia de um sonho
coletivo no tablado.
Essa inventividade foi mostrada
na peça sob três formas:
91
É evidente que a racionalidade e a
lógica têm seu lugar de destaque e uma
grande importância na trajetória humana.
Invencionática, no entanto, não negou
isso, mas propôs um acréscimo de outras
maneiras de ver o mundo: visões poéticas
que assegurem a nossa chance de ser
pessoas com capacidade de se sensibilizar,
com capacidade de criar novas perspectivas
92
para além das obviedades...
Enfim, com capacidade para preencher a
folha branca e limpa da vida com múltiplas
cores e formas, e não apenas com frases
feitas e tons de cinza.
Rogério Viana Gusmão é professor de Artes
Cênicas e de Língua Portuguesa do 9º ano.
e s p e c i a l
O desafio de educar
no século XXI
Contribuições da disciplina de Ética e Cidadania
“Educação é um processo de vida e não uma
preparação para a vida futura, e a escola deve
representar a vida presente tão real e vital para o aluno
94
que algo muito importante e substancioso está
acontecendo (a inovação) e o medo de saber
que não conseguiremos compreender
a plenitude dessas mudanças. Mas
precisamos começar a exercitar
essa compreensão. E a escola é um
caminho.
Nessa trilha, surgem questões
relativas
ao
exercício
do
magistério, o papel do professor
como a que ele vive em casa, no bairro ou no pátio.”
e a metodologia na formação do
(John Dewey, pedagogo norte-americano)
não é demais questionar se a
aluno. Em relação aos métodos,
tradicional aula expositiva ainda
tem lugar nessa nova conjuntura
Período de inúmeras e velozes transformações, as últimas décadas do século XX e os
tecnológica? Há necessidade de
primeiros anos do XXI não serão lembrados exclusivamente pela crescente globalização
uma nova dinâmica na relação
da economia ou pelo advento do terrorismo em escala planetária, mas pelos marcantes
professor-aluno para que esta não
avanços tecnológicos, principalmente na área da comunicação. Para alguns, estamos vivendo
se esgote na exposição de temas
não apenas uma época de grandes mudanças, mas uma mudança de época, que implica
e na cobrança dos conteúdos nas
redefinição dos paradigmas a partir dos quais pensamos o mundo.
avaliações aplicadas posteriormente?
Afinal, o que se pretende construir nesse
Essas transformações que anunciam um novo tempo ou uma nova era, sem dúvida, avançam
encontro litúrgico que chamamos de aula?
sobre os indivíduos e seus valores. Talvez, por essa razão, o cidadão que experimenta essa
transição perceba-se invadido por uma forte sensação de que algo está “fora de lugar”. Sente
Em princípio, pode ser o desenvolvimento das
a presença do novo, sem que o antigo o tenha abandonado. Observamos isso ao presenciar
habilidades operatórias, tais como: relacionar,
um indivíduo de meia-idade tentando manusear um aparelho de alta tecnologia. Um diálogo
comparar, analisar, resumir e posicionar-se criticamente
quase impossível que gera uma sensação de desconforto. Ao mesmo tempo, a certeza de
diante dos fatos sociais. Mas é necessário ir além.
Educar é atribuir sentido
ao mundo
Em um mundo no qual a informação é farta e de fácil acesso, a tarefa essencial da educação
dispõe, está sendo bombardeado – ou quase afogado! – pelo excesso de informação. Como
passa a ser educar o olhar, apurar o gosto, decifrar os fatos, procurar atribuir sentido à
nem sempre possui referência histórica, acaba perdido em meio a um tiroteio. Aqui entra a
realidade, incluindo toda a complexidade e enriquecendo seus significados. Algo como
contribuição do educador, mostrando ao aluno que sem História o conhecimento torna-se um
melhorar o paladar, conforme constatamos nestas deliciosas palavras de Bertrand Russel, em
refém do presente, dado único ou “verdade” incontestável.
seu Elogio ao ócio:
“... apreciei os pêssegos e os damascos muito mais do que
os apreciava antes de saber que seu cultivo iniciou-se na China,
no princípio da dinastia Han; e que os chineses capturados
como reféns pelo grande rei Kaniska os introduziram na Índia,
96
de onde se difundiram pela Pérsia, alcançando o Império
Romano no primeiro século da nossa era. Tudo isso tornou
esses frutos muito mais doces para mim.”
Aqui cabe um parêntese importante. Quando a notícia aparece como “verdade” única
destituída da sua história, significa que ela não está submetida ao passado nem mantém
relações com o futuro. Aparece como suspensa, ancorada em si mesma, destituída
do tempo que define sua relevância no quadro das experiências humanas. Sem história,
ficamos sem referências. E o que parece mais grave é que sem uma avaliação precisa
Assim, o ato de educar vai além de colher e/ou repassar informações. É compartilhar
experiências, contextualizar, buscando a conexão com outros fatos, outros momentos
históricos. Organizá-las – as informações – de modo a mostrar sua relevância e sugerir
análises acerca do alcance de suas consequências.
Para isso, precisamos recorrer à História. Não se compreende um fato atual na sua
plenitude se prescindirmos do seu contexto histórico. Portanto, faz-se necessário apanhar
o acontecimento aparentemente isolado e estendê-lo no varal da História. Talvez este seja o
grande segredo da atividade docente hoje: perceber a importância da conexão temporal entre
o fato estudado e sua totalidade, pois o aluno, com toda disponibilidade tecnológica de que
do painel histórico, a intervenção humana reparadora fica comprometida. Logo, sustentados
por uma compreensão superficial do nosso momento histórico, ficamos impossibilitados
de traçar um futuro mais próspero. Presos ao aqui e agora, e reféns do instantâneo,
acabamos abrindo mão do nosso direito de sonhar, de idealizar novos projetos ou de
edificar outras utopias. Assim, vamos abandonando nossa humanidade. Afinal, se não há
futuro, não há nada a conquistar e quase nada a fazer para a construção de um mundo
melhor. Se o presente ganha status de valor absoluto, nossa militância existencial deixa
de existir; convertemo-nos em meros espectadores de uma lógica dogmática a qual nos
cabe apenas obedecer e seguir.
O Kadafi é “do bem
ou do mal”?
Em tempos de “Primavera árabe”, manifestações por toda parte, Tunísia, Egito, Iêmen,
“A principal meta da educação é
criar homens que sejam capazes
de fazer coisas novas, não
simplesmente repetir o que outras
gerações já fizeram. Homens
que sejam criadores, inventores,
descobridores. A segunda meta
da educação é formar mentes que
estejam em condições de criticar,
verificar e não aceitar tudo que a
elas se propõe.”
(Jean Piaget, pedagogo suíço)
Bahrein, Líbia e outros, uma aluna pede a palavra e pergunta: “Esse tal de Kadafi é do bem
ou é do mal?” Questão que, pela sua simplicidade ou inocência, acabou provocando risos em
toda a turma. Por outro lado, é inegável que houve uma tentativa de classificar um personagem
que havia recentemente invadido não apenas o noticiário e a mídia em geral, mas, sobretudo,
o universo dos nossos jovens recém-egressos do Ensino Fundamental II. A indagação se
justifica. Afinal, para os mais jovens, é como se estivessem dizendo: “Quem é esse ‘cara’
esquisito que eu nunca vi e que agora não sai da TV? Professor, é verdade mesmo tudo
que estão falando dele?” É inegável que a pergunta suscita certa sabedoria metodológica,
sobretudo se considerarmos que o autor dessa pergunta está tendo seu primeiro contato com
o universo da política internacional.
Que bom seria poder responder à aluna utilizando simplesmente as opções “do bem” ou “do
mal”, mas, como veremos, o mundo é bem mais complexo do que sugere a TV; afinal, a mídia
em geral afirmava, no contexto da aula que suscitou a pergunta da aluna, categoricamente,
que Muammar Kadafi era um verdadeiro monstro, não sem razão. Mas a verdade vai mais além
de estereótipos de qualquer natureza.
Em linhas gerais, poderíamos dizer que é assim, no Ensino Médio, que acontece o primeiro
contato com os temas de política internacional. Para a maioria dos alunos, o conteúdo
da disciplina de Ética e Cidadania se apresenta como elemento novo, objeto nunca antes
investigado. Falar de Muammar Kadafi, Hugo Chávez ou Nicolas Sarkozy não está associado
necessariamente à história política da Líbia, Venezuela ou França apenas. São personagens
presentes na mídia, praticamente desconhecidos, pelo menos para a maioria daqueles que
ingressam no Ensino Médio.
99
O líder líbio é do bem, do mal
e muito mais!
Estamos assentados sobre a premissa de que a construção de um projeto de futuro, seja no
Embora tenhamos a preocupação de ampliar o repertório do aluno, mostrando que há relações
plano pessoal ou profissional, passa obrigatoriamente pela reflexão não apenas do mundo em
mais complexas que ultrapassam o “bem” e o “mal”, procuramos garantir outros elementos,
que vivemos, mas também daquele que desejamos compartilhar. Por essa razão, o conteúdo
talvez tão relevantes quanto a ampliação do conhecimento sobre os temas da atualidade. O
de Ética e Cidadania tem como objetivo propor aos jovens discussões sobre o Brasil, seu
trabalho em Ética e Cidadania busca promover o diálogo, diante da diversidade de referências
futuro e perspectivas, sua organização política e também sobre os grandes temas e desafios
e experiências presenciadas na sala de aula.
nacionais. Também abordamos o mundo, seus principais conflitos e suas grandes questões
100
contemporâneas, como terrorismo, xenofobia, intolerância e migração.
A ampliação da consciência do aluno em relação às diversas contradições presentes no
convívio social – sejam elas culturais, econômicas, políticas ou sociais –, o estímulo ao
Uma das preocupações curriculares, desde que se iniciou o Ensino Médio da Móbile, foi
espírito crítico do educando, diante da realidade em que ele vive e também daquela que
a criação de uma disciplina que pudesse contemplar temas da contemporaneidade. No
desconhece, são apenas alguns dos objetivos básicos, traçados pelo Colégio Móbile, que
decorrer de uma década, a dinâmica das aulas foi adaptada às inovações tecnológicas. Em
norteiam o trabalho da disciplina de Ética e Cidadania.
textos “datilografados” ou impressos de imediato em alta resolução, temos acompanhado as
facilidades proporcionadas pela democratização e acesso à informação. Isso faz a diferença
Assim, começamos a exercitar o diálogo e a democracia na vivência em sala de aula.
em nosso trabalho. Estamos falando de um planejamento de aula que tem como ponto de
Constroem-se, por meio do trabalho coletivo e individual, referências de respeito, solidariedade
partida, muitas vezes, um fato ocorrido no dia anterior.
e responsabilidade, buscando superar a tradicional dicotomia reflexão teórica/prática social.
Esses ensinamentos vão além do espaço escolar. No cotidiano das relações sociais, é
imprescindível que o jovem argumente, questione, respeite e identifique a diversidade de
opiniões presentes no mundo que o cerca.
A charge a seguir ilustra uma das estratégias utilizadas cotidianamente nas aulas de Ética e
Cidadania (ou EC, como gostam de falar os alunos).
101
Charge, uma estratégia
bem-humorada
As ilustrações, os jornais e outros recursos, muitas vezes, são o ponto de partida para
O personagem central que aparece na charge e circulou pela mídia por muito tempo foi uma
auxiliar na identificação da natureza dos conflitos abordados em aula, embora somente a
das personalidades mais polêmicas da política internacional. Cenário que já contou, entre
apresentação desse material não seja o suficiente para a discussão crítica de um tema.
seus estranhíssimos frequentadores, com Osama Bin Laden, Saddam Hussein e, agora, ganha
a companhia de Anders Behring Breivik, o jovem norueguês de 32 anos, extremista de olhos
Preste atenção no texto não verbal reproduzido a seguir.
azuis, “islamófobo” e responsável pelo mais recente massacre na ilha de Utoya.
Kadafi, como é conhecido o personagem que abraça o barril de petróleo na charge, era o líder
da Líbia, país localizado no norte da África, e que tem como base da sua economia o petróleo,
responsável por 90% das suas exportações. Acusado de patrocinar ações terroristas pelo
mundo, sofreu uma série de bombardeios que abalaram Trípoli, a capital da Líbia, em 1986. O
coronel Muammar Kadafi, por um período, foi condenado ao isolamento e às rígidas sanções
econômicas impostas por Washington.
103
Mais tarde, no início da década de 2000, empenhado em mudar a imagem do seu país, o
velho coronel mudou sua estratégia. Anunciou sua disposição em interromper seu programa
nuclear, tornar-se signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e
abrir o país para fiscalização das Nações Unidas. Essa relação pode ser feita na charge, após
a identificação, pelo leitor, do barril de petróleo utilizado pelo líder líbio como “refém”, para
chantagear os países que estão bombardeando a Líbia.
Esse foi um exercício de análise, feito a partir dos dados sugeridos pela charge e relacionados
ao histórico que envolvia a Líbia governada por Muammar Kadafi. Para isso, foi imprescindível
levar em conta os elementos explícitos, nas imagens em geral, além de identificar os aspectos
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“ocultos”, implícitos propositalmente, para aguçar a curiosidade do intérprete. No entanto,
não basta saber ler superficialmente o texto não verbal, é importante ter domínio sobre uma
série de informações para explicar as mensagens, o conteúdo e as referências políticas
expressas. Como em qualquer meio de expressão, o conhecimento proposto pela charge
reflete um ponto de vista subjetivo, o que não é um detalhe.
s
e
Amparado por esses elementos, o educando amplia a sua capacidade de entendimento dos
temas abordados na atualidade. A charge estimula os sentidos para uma observação ampliada
õ
– e crítica – das notícias que estão em destaque na mídia, além de auxiliar o desenvolvimento
x
do senso crítico e a sistematização oral e escrita de argumentos consistentes e não de
e
constatações.
A compreensão do caso da Líbia por meio da charge não constitui atividade isolada
x
l
de descrição “fria”. Nosso objetivo vai além. Trata-se da apropriação de um “olhar” que
possibilitará ao educando assumir a difícil tarefa de traduzir um mundo ambíguo, onde
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x
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Roberto Candelori é professor de Ética e Cidadania do Ensino Médio.
(A professora Márcia Juliana Santos, que integra a equipe de EC, colaborou neste texto.)
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104
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as sociedades em várias regiões, agora, neste instante. E nossos jovens não estão isolados
e cidadã.
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os jovens, sobretudo, estão clamando por mudanças dos paradigmas que regem
dessa problemática. Eles têm voz e precisam aprender a utilizá-la de maneira responsável
õ
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Encontro com Profissionais –
“Estar pronto”
Para possibilitar uma discussão mais consistente a respeito da escolha da carreira
universitária e com o intuito de proporcionar informações relevantes sobre os cursos
oferecidos pelas universidades de excelência, o Colégio Móbile realiza, bienalmente, o
Encontro com Profissionais, evento que compõe uma das ações do projeto de Orientação
Profissional (OP). Esse encontro – aberto a alunos e famílias – possibilita reflexão e fornece
informações preciosas para a posterior escolha consciente de nossos alunos por um curso
superior e por um “desenho” de seu projeto de vida profissional.
Terceira versão do Encontro
com Profissionais
subdivididos em oito grupos e discorreram
Quantos estudantes, ao final do Ensino Médio, não gostariam de estar prontos
na Móbile, o III Encontro com Profissionais.
sobre
para se decidir por uma carreira universitária? Quantos profissionais que desenvolveram
As três atividades, distintas e complementares,
seus cursos universitários e suas áreas
consistentemente suas carreiras e que hoje portam currículos de excelência não sofreram no
que compuseram esse evento estão descritas
de atuação. Os alunos do Ensino Médio,
momento em que foram obrigados a escolher seu curso universitário? Quantos pais e mães
a seguir:
separados por carreiras de interesse, puderam
não esperam, como a mãe de Calvin, personagem da tirinha de Bill Waterson, ter uma “roupa”
Mesas-redondas – Os componentes
participar de até duas mesas-redondas.
que os deixem preparados para acolher as muitas dúvidas que serão trazidas por seus filhos
dessas
mesas
das
A lógica que regeu a organização das mesas
na fase de decisão por um curso superior?
universidades convidadas, pais de alunos
foi baseada no agrupamento de carreiras
e ex-estudantes da Móbile que tenham
com algum tipo de afinidade; por exemplo,
Perguntas semelhantes a essas afligem estudantes e pais ao longo do Ensino Médio,
finalizado sua graduação no ensino superior
no mesmo grupo ficaram profissionais de
fase escolar em que o jovem finaliza o ensino básico e que o prepara para a graduação
e já se encontrem inseridos no mercado de
Direito, Economia e Relações Internacionais.
universitária.
trabalho. Cinquenta e dois profissionais foram
106
Em agosto de 2010, realizou-se,
são
professores
suas
escolhas
profissionais,
107
Convite do evento
Num
mundo
que
valoriza
o
Móbile têm a possibilidade de refletir sobre
conhecimento, os profissionais precisam
os relatos de profissionais com os quais
profissionais em mesas-redondas, reunindo
convidados
ser capazes de inovar para que possam
mantêm contato efetivo. Não se trata de uma
pessoas por áreas de atuação afins, o grupo
atualmente universitários, para conversar
alcançar sucesso em suas carreiras, por isso
fria consulta a sites ou a guias especializados
de orientadores profissionais da Móbile
com nossos alunos a respeito de seus cursos
é de fundamental importância que o jovem
em carreiras; o encontro real com os
proporcionou aos seus alunos mais uma
e das instituições em que estão matriculados.
tenha espaço para buscar informações com
profissionais humaniza as relações e torna
oportunidade de discussão acerca dos
Esclareceram dúvidas e deram informações
pessoas éticas, experientes e competentes
viva a ideia de que a escolha profissional
desdobramentos decorrentes das escolhas
relevantes
em suas áreas de atuação. Ao participarem
é um projeto de vida que envolve escolhas
e sobre as condições concretas do mercado
universitárias e faculdades.
desse tipo de evento, os estudantes da
(perdas e ganhos, portanto).
de trabalho em que atuarão futuramente.
“Esta é uma oportunidade que eu não tive: a de discutir
aspectos da carreira universitária e poder conhecer
previamente um pouco daquilo que será o exercício
da atividade profissional.”
(Dr. Ricardo Magaldi, médico, participante do III Encontro)
Ao estruturar os encontros com
Diálogo com ex-alunos – Foram
78
a
ex-alunos
respeito
da
de
Móbile,
carreiras
“O amor que criei pela Faculdade de Medicina é
enorme. É realmente incrível perceber que todos que
por ali passam amam a instituição e se dedicam a ela.
São muitos médicos que mantêm seus vínculos com a
Pinheiros e com suas extensões: Adib Jatene, Dráuzio
Varela, Euryclides Zerbini e tantos outros.”
(Eric Curi Silveira cursa Medicina na USP)
111
110
“Considero muito interessante a iniciativa do colégio
de proporcionar este encontro, pois aos 17, 18 anos
todos temos muitas dúvidas. Eu gostaria de minimizar as
chances de erros de vocês. No entanto, todos vocês
têm o direito de errar na escolha e, mais do que isto,
têm o direito de mudar.”
(Dr. Carlos Serrano, médico, participante do III Encontro)
O processo de escolha profissional,
profissional. Para nossos estudantes, é muito
as disciplinas mais importantes da grade
significativo ouvir de ex-alunos da Móbile
curricular dos cursos, a relevância deles e
quanto pode ser recompensador o esforço
das instituições, bem como as perspectivas de
feito para conquistar uma vaga em um
trabalho futuro e as possíveis áreas de atuação
curso universitário conceituado e quanto de
de determinadas carreiras foram alguns dos
dedicação é necessário quando se ingressa
aspectos explorados pelos ex-estudantes em
efetivamente na universidade.
suas falas com os alunos em fase de escolha
Representantes de universidades
professores, ou ainda por alunos em fase
convidadas – Além das mesas-redondas e
de graduação. As conversas estabelecidas
do encontro com ex-alunos, 20 instituições
entre nossos estudantes e os representantes
de
pela
das instituições proporcionaram informações
Móbile, estiveram presentes no evento e se
importantes sobre cursos de graduação
fizeram representar por funcionários e/ou
conceituados.
ensino
superior,
convidadas
(João Alberto Pezarini cursa Direito na USP)
“Estar pronto...”
Na tirinha de Calvin que abre este texto, a roupa que o personagem veste sugere
que ele está preparado para enfrentar os percalços da vida. A mãe de Calvin acaba assumindo
que também deseja possuir o mesmo recurso na esperança de estar preparada para eventuais
novidades. Fazendo um paralelo entre a tirinha e a escolha profissional, sabemos que,
infelizmente, a garantia de total segurança não existe no mundo real, daí a importância da
informação dada a nossos alunos.
(Vamos dar um salto do popular Calvin para o erudito universo do teatro elisabetano.)
O mais atormentado dos personagens shakespeareanos, Hamlet, no ato V, cena II da peça
homônima, profere o conhecido aforismo: “Estar pronto é tudo.” Para o momento em que
os estudantes precisam ter a coragem de fazer escolhas por uma carreira universitária, a
112
imagem de “estar pronto” nos parece pertinente, mas em outro sentido: o de estar disponível
para fazer a melhor escolha possível. Os encontros com profissionais buscam possibilitar aos
alunos prontidão para fazer escolhas responsáveis.
Consideramos que as informações oferecidas pelas universidades sobre seus cursos não
garantem uma escolha acertada por uma carreira; contudo, o conhecimento acerca de
histórias (reais) das escolhas, das trajetórias profissionais, do mercado de trabalho e das
Convite
aos ex-alunos
áreas de atuação pode reunir elementos preciosos e eficazes para que um estudante reflita a
respeito de seu projeto de vida.
Médio e organizou o III Encontro com Profissionais da Móbile.
Blaidi Sant’Anna é diretor educacional do Ensino Médio; Adriana Du Pin Galvão é coordenadora educacional do Ensino
“No âmbito estritamente acadêmico, basta ressaltar a
força da USP que, por si, já serviria de estímulo para a
busca por formação e boa colocação profissional. Mas o
Direito, como estudo de uma técnica social específica,
possui charme particular. Estudar Direito é estudar a
convivência humana.
Com que gramática eu vou?
ou
Que gramática é essa?
ou
Desmistificando a gramática
Uma reflexão acerca do papel da gramática na sala de aula.
114
As discussões a respeito da
Ao buscar a descrição
No geral, essa parcela da
abordagem da gramática
da língua sem reduzir sua
sociedade pensa que um
na sala de aula geram, já
análise ao que seria “certo”
dos objetivos primordiais
há alguns anos, bastantes
ou “errado”, a Linguística
da disciplina de Língua
polêmicas. De tempos em
vai de encontro àquilo que
Portuguesa seja “o ensino
tempos, surgem na mídia
grande parte da sociedade
da gramática”. Sem dúvida,
ou nos meios acadêmicos
entende como o ensino da
a
novos debates sobre o
língua materna.
papel primordial num curso
gramática
ocupa
um
assunto. O problema é que,
de Língua Portuguesa. No
no geral, tais polêmicas
entanto, a discussão que
se devem não a uma sadia
se impõe é: o que se deve
multiplicidade de pontos de
entender por “Gramática”?
vista, mas a uma defasagem
entre a concepção de ensino
de Português cultivada pelo
senso comum e um método
pedagógico
desenvolvido
com base na Linguística.
As várias gramáticas
Quando se fala em gramática,
ralmente posterior a duas
tes da língua, naturalmente
regência (quando o contexto
o que costuma vir à mente
outras atividades muito mais
já conhecem ao chegar ao
o exigir), mas também – e
é o chamado “Português
urgentes para que um aluno
Ensino Fundamental.
sobretudo – de modo claro,
correto” só dominado por
se torne um usuário compe-
aqueles que conhecem uma
tente da língua: a linguística
Ler e produzir textos é, sem
profusão de nomenclaturas:
e a epilinguística.
dúvida, muito importante,
Para isso, tornam-se essen-
mas uma aula de Língua
ciais exercícios em que o
adjuntos adnominais, super-
116
expressivo e eficiente.
(1) “Assim, o esgoto corre livremente
pelas ruas, provocando enormes riscos
de doenças infecciosas.”
lativo absoluto sintético, ora-
A atividade linguística con-
Portuguesa não pode limitar-
aluno
ção subordinada substantiva
siste na utilização plena da
se a isso. É necessário reser-
expressões, transformá-las e
subjetiva, terceira pessoa do
linguagem de modo intencio-
var tempo para as atividades
experimentar novas formas
pretérito imperfeito do indi-
nal e em situações significa-
epilinguísticas, que criam
de construção a partir de
cativo... A lista é realmente
tivas e contextualizadas. É o
condições para o aluno,
modelos fornecidos. Enfim,
A partir dessa frase, uma abordagem retrógrada da
extensa e certamente causa
exercício presente nas ativi-
como diz o linguista Evanildo
uma “brincadeira” constante
gramática, baseada apenas na metalinguagem e na
arrepios a qualquer aluno
dades de leitura e produção
Bechara, tornar-se “um poli-
com a linguagem para que
memorização de nomes, poderia esperar do aluno diferentes
que já tenha se defrontado
de textos. Nesse sentido,
glota em sua própria língua”.
o aprendiz, além de ampliar
elaborações, como:
com ela!
os debates sobre diversos
Para alcançar o status de
seu repertório linguístico,
temas, as discussões coleti-
poliglota, é evidente que não
saiba selecionar nele aquilo
Podemos chamar de “meta-
vas de exercícios ou textos
basta conhecer tão somente
que for mais eficiente para
linguística” essa atividade
e as rodas de leitura devem
a modalidade escrita culta,
determinado contexto.
• “o esgoto” é sujeito simples da primeira oração;
de observação do caráter
ser valorizados como verda-
aquela que muitos consi-
sistemático das construções
deiros momentos de inter-
deram “a gramática”, única
Observe-se, como exemplo,
• “livremente” é um adjunto adverbial de modo;
da língua, acompanhada da
câmbio de linguagem, a partir
correta e válida. Há que ser
uma proposição de análise
atribuição de nomes a elas. A
dos quais se cria a condição
capaz, isso sim, de percorrer
a partir de um fragmento de
• “corre” é verbo intransitivo e significativo, de modo que
metalinguística é, no entan-
para os alunos exercitarem
as diferentes variedades da
carta redigida por um grupo
o predicado da oração 1 é verbal;
to, apenas uma das facetas
e, principalmente, diversifi-
língua, a fim de conseguir
de moradores, a fim de exigir
da gramática – e justamente
carem o “saber linguístico”
escrever não apenas com
do vereador mais votado no
• “enormes” e “infecciosas” são, no plano morfológico,
aquela que deveria sur-
que já possuem, ou seja, a
adequação às regras de
bairro obras de saneamento
adjetivos que qualificam, respectivamente, os substantivos
gir como uma etapa natu-
gramática que, como falan-
ortografia, concordância e
básico:
simples “riscos” e “doenças”.
possa
comparar
• trata-se de um período composto por duas orações;
117
Já uma abordagem epilinguística do
flexibilidade na produção e na intelecção de textos, certamente sem que ele conceba a
enunciado não atribuiria tanta importância
gramática como um “bicho de sete cabeças”.
aos nomes que recebem as estruturas nele
presentes, mas provocaria o aluno a refletir
A partir disso, então, será muito mais natural e “indolor” promover as atividades metalinguísticas
sobre ele de maneiras as mais diversas; por
junto a um aluno que, usuário mais maduro da língua, conseguirá propor e compreender
exemplo, ao solicitar conclusões a respeito
hipóteses sobre as regularidades (ou as irregularidades) morfossintáticas em um texto, bem
da comparação com a seguinte adaptação
como sobre os efeitos que elas produzem.
do trecho:
possibilitaria uma importante discussão não
(2) Assim, o esgoto corre
pelas ruas, provocando riscos
de doenças.
Consegue-se, a partir desse cotejamento,
discutir com os alunos a maior eficiência
argumentativa que as estruturas omitidas em
(2) atribuem ao enunciado (1). Em seguida,
poder-se-ia solicitar-lhes outras maneiras
de desenvolver o trecho “o esgoto corre
livremente pelas ruas”, de modo a explorar
suas possibilidades vocabulares. Uma série
de respostas como:
(3) a rua vira um esgoto gigante
a céu aberto
(4) o esgoto infesta as ruas
(5) é esgoto pra tudo que é lado
apenas sobre as estratégias linguísticas
adotadas em cada uma das tentativas, mas
Concluindo...
principalmente sobre a variedade linguística
mais adequada se se levar em conta que é
A ideia de que falta
Reduzir a gramática a um
Rogério Viana Gusmão
a um vereador que a carta se destina, numa
aos alunos saber gramática
pífio conjunto de “pode”
é professor de Língua
situação formal de solicitação.
para escrever e ler bem só
e “não pode” ou a um rol
Portuguesa do 9º ano
pode ser considerada válida
infinito de nomes é, além de
e coordenador da área
Não se trata de afirmar ao aluno que (4)
se esse “saber gramática”
um equívoco absoluto, um
de Língua Portuguesa
está “correta” e que as demais proposições
estiver sendo entendido de
perigoso passo para afastar
do Ensino Fundamental II.
simplesmente estão erradas, mas de analisar
maneira mais ampla: como
o aluno de sua própria lín-
qual alternativa é mais adequada neste caso.
o intercâmbio constante de
gua, o que só pode resultar
Isso porque (3) e (5) seriam muito mais
linguagem em situações sig-
em uma acumulada dificul-
eficientes, por exemplo, em um panfleto
nificativas de comunicação;
dade de comunicar-se com o
publicitário distribuído pelo governo para
como o exercício frequente
outro e, consequentemente,
incentivar crianças a cuidarem da limpeza de
de comparação e transforma-
de se postar de maneira
seu bairro ou de sua cidade.
ção de enunciados seguida
consciente e crítica no
da discussão de resultados;
mundo.
A utilização de abordagens como essa de
e, finalmente, num momento
maneira frequente e sistemática por parte
posterior, como a proposição
do grupo de professores, sem dúvida,
e a compreensão de hipóte-
possibilitará a um aluno – ao longo de
ses sobre as regularidades
seus anos de escolarização – uma imensa
da língua.
119
Conheça mais:
FRANCHI, Carlos. “Criatividade
e Gramática”. Em: Trabalhos em
Linguística Aplicada. Campinas: IEL/
Unicamp, 1987.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática
e Interação: uma proposta para o
ensino de gramática no 1º e 2º graus.
São Paulo: Cortês, 1996.
Filosofia para crianças –
por quê, para quê, como?
“Constituir o sentido (na dupla acepção de direção
e significado) é uma tarefa fundamental a que
o ser humano não pode se recusar, sob pena de
perder a si mesmo e ao seu mundo, pois a produção
do mundo e a produção do sentido dessa produção
são uma única tarefa: o mundo não seria mundo
humano se não tivesse o seu sentido e, por outra,
não haveria lugar para o sentido se não houvesse
mundo humano.”
(Lorieri e Rios, Filosofia na escola)
120
Desde muito pequenas, as crianças buscam sentido diante do mundo
que se apresenta. A incessante curiosidade natural delas e a ansiedade
por significar e ressignificar esse mundo levam-nas a questionar todos
os porquês e razões de ser: Como surgiu o homem? E o mundo? O que
é o tempo? Essa busca por compreender a existência, os valores, o
verdadeiro, o justo, o belo e o bom aproxima as crianças dos filósofos
– ainda que “o modo de pensar” os diferencie!
De que maneira a escola pode favorecer a compreensão dos aspectos
da realidade e da existência humana buscada pelas crianças?
Os significados não podem ser transmitidos, pois não são simples
Isto posto, fica evidente que ao falar de Filosofia para crianças não
informações. Quando os tratamos como tais, cerceamos a capacidade
nos referimos aos conceitos produzidos pelos grandes filósofos, mas
de pensar de nossas crianças, contribuindo para formar sujeitos
tomamos como objeto de ensino a ação de filosofar. Kant afirmava
capazes apenas de responder a algumas perguntas e não de analisar,
que não se aprende e não se ensina a Filosofia, mas que se aprende a
refletir e, sobretudo, de questionar. Os significados são adquiridos
filosofar. Ele queria chamar a atenção para o fato de que filosofar implica
pelo processo do pensar por si mesmo; logo, o pensar é a habilidade
uma ação: a do pensar reflexivo, nosso objeto de ensino.
por excelência, que nos permite significar o mundo e a nós mesmos.
Alguns podem alegar que a capacidade de pensar é inerente aos
Em princípio, muitos ficam intrigados sobre a possibilidade de crianças
seres humanos e, realmente, isso é fato. No entanto, pensar com
das séries iniciais filosofarem, pois, culturalmente, tem-se a ideia
qualidade é algo que pode ser estimulado, portanto, aprendido. Trata-
estereotipada de que esta tarefa cabe aos mais velhos e experientes.
se de um dos principais objetivos da educação e da matéria-prima da
Esta é apenas mais uma das ideias constituídas por um pensamento
filosofia: pensar de modo reflexivo, crítico, metódico, abrangente. Está
pouco crítico. E como as crianças são capazes de pensar filosoficamente
aí a diferença entre as crianças e os filósofos. Esses últimos significam
quando estimulados!
e ressignificam o mundo por meio do pensamento reflexivo; nossos
pequenos, por sua vez, precisam da ação educativa para que o pensar
Estratégias – É por meio da comunidade de investigação, mediada pelo
ganhe qualidade.
professor, que os alunos discutem questões filosóficas. Nessa discussão,
são motivados a apresentar seus pensamentos ao grupo, reconhecendo
122
A Filosofia no currículo das séries iniciais da Móbile (a partir do Infantil 5)
ideias nas quais não haviam pensado anteriormente. Além disso, o
evidencia a intenção de formarmos sujeitos que sejam capazes de pensar
professor intervém na discussão, não para apresentar uma verdade, mas
autonomamente, de modo reflexivo e crítico. É importante frisar que
para fazer com que os alunos realizem um grande número de atividades
esses objetivos levaram em consideração a faixa etária das crianças.
mentais nas quais não teriam se envolvido se o diálogo não tivesse
O que significa esse pensamento? Qual critério utilizado para definir a
ocorrido. Trata-se de uma habilidade que está intimamente atrelada ao
qualidade de um pensamento? Como alcançar esse objetivo?
pensamento filosófico. Os alunos aprendem a argumentar, a defender
um ponto de vista, a se expressar com clareza, a definir conceitos, a
Um pensamento filosófico implica o ato de pensar sobre o próprio
fundamentar o seu pensamento, a comparar diferentes pontos de vista,
pensar, ou seja, um pensamento em “crise”. Nessa “crise”, questiona-se
a imaginar possibilidades, sendo sempre exigido o encadeamento lógico
se as ideias são coerentes, bem fundamentadas e se as razões
de ideias, a busca pela coerência e a preocupação com a validade dos
e argumentos são fortes o suficiente para tê-los como certos ou
julgamentos que se faz, afastando-se do senso comum.
aceitáveis. Em outras palavras, o pensar precisa ser depurado para
evitar possíveis equívocos em relação à busca pela verdade (esta
sempre histórica e passível de ser questionada e modificada). Para
que esse caminho seja percorrido, a lógica passa a ser o critério que
valida o pensamento.
Immanuel Kant
Na iniciação aos procedimentos da investigação filosófica, buscamse, coletivamente, formas de pensar acerca de temas, perseguindo os
critérios e as razões que os sustentam. Numa discussão filosófica do
1º ano do Ensino Fundamental, por exemplo, o grupo iniciou um diálogo
sobre a existência. Diante de uma experiência de Ciências em que
tentavam provar a existência do ar, uma questão filosófica veio à tona:
só existe aquilo que vemos? Parte do resultado desse diálogo travado por
crianças de 6 anos pode ser lido a seguir:
(...)
124
PROFESSORA
ALUNO
PROFESSORA
ALUNO
PROFESSORA
ALUNO
ALUNO
PROFESSORA
ALUNO
PROFESSORA
ALUNO
PROFESSORA
ALUNO
ALUNO
PROFESSORA
ALUNO
PROFESSORA
E só existe o que a gente pode ver?
Não, tem coisa que existe que a gente não vê.
Todo mundo concorda?
Eu concordo!
Você pode então dar um exemplo do que
o amigo disse.
As bactérias. A gente não vê, mas elas existem.
Mas com microscópio dá pra ver.
E pra sentir, porque a gente fica doente.
O que mais não vemos, mas existe?
O vento. A gente não vê, mas sente.
Por isso a gente sabe que existe.
Então só existe o que a gente pode ver
ou sentir?
Eu sei uma coisa que a gente não pode ver e nem
sentir, mas existe: o futuro!
Nossa! É mesmo! Todo mundo concorda? Todo mundo sabe o que é futuro?
Futuro é o que vai acontecer depois, presente
é agora e passado é o que já passou.
Eu sei uma coisa que não existe: as bruxas.
As bruxas não existem?
Elas existem só nas histórias e na imaginação. Elas não são reais.
Então só existe o que é real?
O que é da imaginação não existe?
Observa-se, pela leitura desse diálogo, que, além de desenvolver uma
série de habilidades, os alunos aprendem a questionar as ideias dos
outros, posicionando-se criticamente em relação ao que os demais
dizem. Não se trata de um debate, mas, sim, de um esforço coletivo
de tornar o pensamento o mais “verdadeiro possível”, colocando-o
“em crise”. É no diálogo com o outro que o processo de investigação
e, consequentemente, o de maturação do pensamento ocorre. Nesse
esforço coletivo, tanto os alunos quanto o professor podem finalizar uma
aula de Filosofia com seus pensamentos iniciais transformados. Uma ou
mais ideias são ressignificadas. Em Filosofia, não há respostas definitivas,
pois, apesar de se encontrar uma resposta, a pergunta que a gerou
poderá sempre ser analisada sob outro aspecto, em outro contexto ou
ainda baseado em outros fundamentos, o que faria com que precisasse
ser investigada novamente. Além disso, as questões filosóficas levam a
respostas que mudam conforme o homem muda dentro de sua cultura.
125
O desenvolvimento das habilidades do pensar é também acompanhado
por um trabalho metacognitivo, tornando cada vez mais explícitas e
conscientes as ferramentas que permitem a constituição dos alicerces
do pensamento. A análise feita pela comunidade de investigação sobre o
caminho percorrido contribui para que, paulatinamente, os membros dela
O ensino de literatura
no currículo escolar
passem a gerenciar os próprios pensamentos.
Segundo os órgãos oficiais, o ensino de literatura, assim como o de filosofia e outras
Além de promover o desenvolvimento do pensamento e de estimular a
artes, visa, sobremaneira, ao cumprimento do Inciso III da LDBEN (Leis de Diretrizes e Bases
curiosidade diante do mundo, uma comunidade de investigação filosófica
da Educação Nacional), cujo foco é:
permite o trabalho com atitudes e princípios. É condição fundamental
para qualquer construção coletiva de conhecimento que os membros
O aprimoramento do educando como
aprendam a ouvir e não apenas a falar, a respeitar as ideias diferentes
pessoa humana, incluindo a formação
das suas, bem como a valorizar as diferenças e a diversidade.
ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico
(1996).
Diante do exposto, ficam claros os motivadores para a presença da
Filosofia no currículo das séries iniciais da Móbile. Quanto mais cedo
nossas crianças puderem desenvolver as habilidades que permitem
pensar com qualidade, mais aptas estarão para lidar com as aprendizagens
características de escolas literárias, que, da maneira como se apresenta nos livros didáticos,
futuras. Ou, nas palavras do filósofo Matthew Lipman: “A criança que
não levaria a tais objetivos. De fato, a memorização mecânica de características de determinado
adquiriu a proficiência nas habilidades de pensar não é simplesmente
movimento literário não fomenta a autonomia e a formação de um pensamento crítico. O que
uma criança que cresceu, mas uma criança cuja verdadeira capacidade
se pretende neste artigo é descrever o processo de apresentação da historiografia literária e,
de crescer foi ampliada.”
de forma simplificada, apresentar uma alternativa a esse modelo.
126
O que se vê, no entanto, é uma sobrecarga de informações sobre épocas, estilos,
Constata-se que há um paradigma único de história da literatura brasileira para
alunos de Ensino Médio, o assim chamado paradigma estético. Por ele, dispõem-se e inseremse as obras individuais em períodos sucessivos – Barroco, Neoclassicismo, Romantismo,
Modernismo –, por vezes seculares, segundo uma norma essencialmente poética, quer dizer,
que objetiva os elementos imanentes (modos de ficção e de dicção) à obra de arte literária.
Considerar historicamente um objeto como a literatura significa unir individualidades
diversas por meio de um valor ou norma relacionando-os no tempo, diacrônica ou
Maria de Remédios F. Cardoso é diretora da Educação Infantil
sincronicamente, com outros blocos igualmente normativos. Uma história interna da
e Tatiana Almendra é coordenadora do 1º ano do Ensino Fundamental.
literatura liga os diversos acontecimentos literários individuais por meio de uma perspectiva
127
necessariamente estética. Algo como “a literatura brasileira do século XVI” nada diz porque
a expressão “século XVI” é esteticamente neutra. Algo como “a literatura brasileira na época
imaginar de que maneira atingiremos os objetivos de formar um aluno com autonomia
colonial” tampouco serve, já que “época colonial” tem significado essencialmente político.
intelectual e pensamento crítico da forma como os livros didáticos descrevem a literatura,
Já “a literatura barroca brasileira” é mais coerente, pois “barroco” é norma estética e como
apenas mostrando uma história literária, cujos parâmetros estão distantes de desenvolver
período “é uma seção de tempo dominada por um sistema de normas, padrões e convenções
essa “quota de humanidade” que nos “torna mais compreensivos e abertos para a natureza,
literárias, cuja introdução, difusão, diversificação, integração e desaparecimento podem ser
a sociedade e o semelhante”.
acompanhados”.
Nesse sentido, dialogando com os objetivos acima apresentados pelas LDBEN,
consideração no ensino de literatura é o questionamento sobre o modo de ensino da história
consideramos pertinente citar as palavras de Antonio Candido sobre a literatura como fator
literária. Devemos questionar se a descrição desses movimentos nos leva efetivamente a uma
indispensável de humanização:
experiência estética de saber ler e escrever, apropriando-se das práticas literárias que dotem
Pensando nas palavras do mais respeitado crítico literário brasileiro, pode-se
O que pressupomos aqui, desse modo, é que o primeiro fator que deve ser levado em
o estudante da capacidade de se apropriar da literatura.
128
Em outras palavras, decorar Trovadorismo, Humanismo, Classicismo, suas
Entendo aqui por humanização (...)
características e outros “ismos”, não levaria à ampliação de horizontes, ao questionamento,
o processo que confirma no homem
ao encontro com a sensibilidade e a reflexão. Tal aperfeiçoamento só é atingido com o contato
aqueles traços que reputamos, como
efetivo com o texto. Quando se fala de texto, lembremos que discutir um texto de Machado de
o exercício da reflexão, a aquisição
Assis pode ser tão importante quanto discutir um bom filme, a letra de um rap ou um poema de
do saber, a boa disposição para
cordel.
com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar
deve passar pelo mesmo crivo de reflexão. Mas não nos iludamos. Sempre haverá em muitos
nos problemas da vida, o senso da
casos uma boa margem de dúvida nos julgamentos dos textos, dúvidas dos critérios de
beleza, a percepção da complexidade
aferição, que são mutáveis por serem históricos.
do mundo e dos seres, o cultivo do
humor. A literatura desenvolve em nós
estanque e, desse modo, acrescenta-nos pouco àquilo que se quer de um aluno. Só com a
a quota de humanidade na medida em
superação dessa perspectiva é que conseguiremos o que Carlos Drummond de Andrade nos
que nos torna mais compreensivos e
diz sobre a função da literatura e outras artes: “Creio que a literatura, assim como as artes
abertos para a natureza, a sociedade,
plásticas e a música, são uma forma de elevação do ser humano diante da precariedade de
o semelhante (“Literatura e Direitos
sua condição.”
Sendo assim, qualquer que seja o texto, erudito ou popular, canônico ou massificante,
Não é, no entanto, o que se apresenta na história literária, cuja metodologia é
Humanos”, 1995, p. 249).
Francisco Lima é professor de Língua e Produção de Texto do Ensino Médio.
129
“subtribos”, prejudicando, assim, o desenvolvimento equilibrado da Europa. Num manifesto
Oslo 2011 – Um grito
escrito em inglês, ele citou o Brasil como exemplo de um país disfuncional prejudicado pelo
multiculturalismo e que, por esse motivo, está condenado a jamais alcançar o mesmo nível
de produtividade e desenvolvimento europeu ou asiático.
Há algo de podre no reino da Noruega, mesmo com seus fiordes, florestas, lagos de águas
A Noruega é um país pacífico. Não é à toa que o prêmio Nobel da paz é entregue em Oslo.
cristalinas, mar, cachoeiras e sinceras preocupações ecológicas. Mesmo com educação,
É perceptível que lá as pessoas se relacionam pelo princípio da confiança. Não há controle
saúde, transporte e moradia para todos. Mesmo com cidades organizadas, calçadas e
para saber se você pagou a passagem do ônibus; os policiais, em tempos normais, andam
ruas com acessibilidade nas quais as bicicletas e os pedestres são soberanos. Mesmo
desarmados e ninguém mexe na bolsa que ficou no banco da praça. E foi nesse lugar que um
com um imaginário repleto de Munchs, Ibsens, trolls, fadas, ninfas e vikings. Mesmo sendo
homem louro, culto, de frios olhos azuis e sorriso debochado teve a coragem de matar seus
considerado o melhor país para se viver e com o maior Índice de Desenvolvimento Humano
próprios compatriotas em nome de um ideal macabro, no qual se exclui o diferente por medo
do planeta.
do outro, por medo de perder a identidade e de ter o padrão de vida rebaixado.
Cheguei a Oslo em 23 de julho, um dia depois do atentado que matou pelo menos 76 pessoas.
E pensar que em nome de valores culturais importantes como a beleza e a identidade
O clima era muito tenso. O centro da cidade estava fechado e havia muitos soldados
nacional já se cometeram tantas atrocidades! Homens cultos, louros ou morenos, de bigode
armados nas ruas. Ainda não se sabia direito o que havia acontecido, mas já era quase
ou imberbes, planejaram e executaram friamente os piores atos contra seus semelhantes
certo que aquele horror havia sido provocado por um único homem. E o mais inesperado:
em nome de ideais como os do terrorista norueguês. E pensar que esse horror, mesmo em
ele era norueguês. A NRK mostrou a foto postada no Facebook do suspeito: um homem
tempos de globalização, se mantém em diversas culturas se renovando permanentemente
louro, de olhos azuis, rosto de príncipe (pelo menos para o meu olhar estrangeiro, originário
para espanto até das pessoas mais crédulas. Diante disso, entendi que a única coisa
de um país moreno). Seu nome: Anders Behring Breivik. Ultradireitista, contra a imigração
realmente globalizada e igual para todos é o gosto do Big Mac.
muçulmana e a miscigenação. Foi preso na ilha de Utoya, depois de explodir os prédios de
um quarteirão inteiro no centro de Oslo e de atirar durante quase duas horas em jovens
O fato é que depois da certeza de que o atentado fora cometido por um norueguês, o centro,
indefesos. Tinha mais de 600 seguidores na rede social.
os prédios, museus e monumentos foram reabertos e, então, pude presenciar as primeiras
flores depositadas na praça em frente ao Duomo, as primeiras homenagens aos mortos, as
Havia uma espécie de silêncio no ar, uma perplexidade expressa no rosto de todos.
Confirmado: o terrorista era mesmo Breivik. Não era, como se esperava, alguém de fora, de
alguma máfia estrangeira ou ainda representantes da Al-Qaeda. Era um norueguês louro,
alto, culto e de frios olhos azuis. Justificou o massacre como uma ação contra uma Europa
marcada pela imigração, principalmente a muçulmana, e a consequente mistura racial.
Além disso, afirmou que o atentado foi seu sacrifício pessoal pela completa mudança da
sociedade norueguesa e europeia, livre de estrangeiros que, afinal, só servem para gerar
expressões de revolta e de dor daquelas pessoas. A identificação foi imediata. Pensava nas
famílias que perderam seus filhos tão jovens. E fui acompanhando, comovida, as flores e
velas tomando toda a praça.
Na segunda-feira, dia 25 de julho,
parecia que Oslo estava voltando ao
Estruturas de pensamento
proporcional
normal e eu, como boa turista, fui ao
Museu Nacional para ver os quadros
do Munch, especialmente “O Grito”,
que, como expressão de tempos
bicudos, permanecia mais atual do que
nunca. Quando saí, percebi que havia
um movimento diferente. As pessoas
caminhavam todas na mesma direção
carregando rosas nas mãos. Era gente
de todo tipo: executivos, jovens, famílias,
idosos, cadeirantes, bebês, hindus,
muçulmanos, judeus... Resolvi seguir
o fluxo. Até que cheguei em frente à
prefeitura de Oslo, que fica numa praça
imensa na beira do mar do Norte. Nunca
vi tanta gente. Acho que havia umas
200 mil pessoas. Ainda sem entender direito o que estava acontecendo, recebi uma linda
rosa vermelha de um jovem para quem perguntei que evento era aquele. Ele me respondeu
que era a Marcha das Rosas, organizada para celebrar a paz e homenagear os mortos.
Logo depois, a multidão, emocionada, fez um minuto de silêncio no qual todas as pessoas
levantaram bem alto suas rosas. Nesse momento, me senti norueguesa, me senti brasileira,
me senti cidadã do mundo.
Valéria de Melo Pereira é professora de Português do 6º ano do Ensino Fundamental.
(Colaboraram preciosamente as professoras de História do Ensino Fundamental Denise
Mendes e Mônika Kuszka).
Uma das prioridades que se estabelecem,
Colocando essas estruturas de pensamento
em qualquer nível de ensino ou de formação,
no mesmo grau de importância, sem qualquer
é a melhoria e ampliação do sucesso dos
hierarquização, podemos citar o pensamento
alunos nas situações de aprendizagem.
proporcional como um tipo de raciocínio
Trata-se, em outras palavras, de fazer
essencial, que permite interpretar fenômenos
com que cada vez mais alunos realizem,
e integrar conteúdos da Aritmética, da
na escola, aprendizagens mais profundas,
Álgebra e da Geometria. É uma forma de
eficazes e duradouras, permitindo que,
raciocínio bastante utilizada no trato de
independentemente dos conteúdos que
questões de outras áreas do conhecimento,
sejam ensinados, determinadas estruturas
como a Física, a Química e a Geografia, por
de pensamento possam ser desenvolvidas
exemplo.
com o objetivo de se tornarem ferramentas
na resolução de problemas nas diferentes
O raciocínio que envolve proporcionalidade,
áreas do conhecimento.
de maneira equivocada na maioria dos cursos
de Matemática, é relegado a um estudo
Na Móbile, na área de Matemática, as escolhas
muito específico no 7º ou 8º ano do Ensino
didáticas se pautam no desenvolvimento de
Fundamental. Na Móbile, acreditamos que
conceitos e procedimentos relacionados ao
ideias de proporcionalidade devem percorrer
desenvolvimento de determinadas estruturas
os planejamentos de Matemática desde as
de pensamento. Acreditamos que essas
séries inicias para que os alunos resolvam
escolhas devam considerar a formação do
problemas que envolvam estruturas de
pensamento numérico/algébrico, proporcional,
pensamento proporcional, considerando
geométrico e combinatório/probabilístico,
diferentes
além de tratar de conteúdos que tenham
respeitando
relação com a competência métrica.
construído.
níveis
o
de
complexidade,
repertório
matemático
133
De fato, considerando que em cada área do
como uma grande estrada da qual derivam
No 3º ano do Ensino Fundamental, por
no estabelecimento de generalizações.
conhecimento é possível identificar ideias
inúmeros caminhos para todos os lados,
exemplo, os alunos são colocados diante
Nesse momento, as crianças começam a
principais sobre as quais se estrutura um
caminhos esses que, adiante, voltam a se
de problemas que pretendem estabelecer
tomar contato com importante significado
corpo considerável de conceitos, podemos,
encontrar em pontos de significados comuns.
relações aritméticas de alto nível, ou seja,
conceitual: a tradução de padrões de
sem dúvida, no caso da Matemática, destacar
Se as ideias são variadas, o são também as
eles passam a observar relações com base
regularidade por intermédio de sentenças
a proporcionalidade como uma dessas
estradas principais e os caminhos que delas
na observação de padrões numéricos e
matemáticas.
grandes ideias, geradoras de boa parte das
derivam. A vista superior de todo o esquema
relações significativas que são estabelecidas
nos mostra imagem semelhante a uma enorme
no processo de aprendizagem. Outras ideias,
rede de significados, que se entrelaçam,
no mesmo sentido, são a equivalência, a
se complementam, se projetam, cabendo
dependência, a variação, a aleatoriedade,
ao professor determinar o percurso mais
entre outras. Com base no reconhecimento
apropriado para a aprendizagem dos alunos,
do destaque dessas ideias, os cursos de
segundo os objetivos de seu curso. Priorizar
Matemática podem ser organizados de
a proporcionalidade permite valorizar um
modo a percorrerem caminhos estruturados
dos percursos mais longos e expressivos
pelas diversas relações de significado que
no que tange à qualidade e à quantidade de
se traduzem por tais concepções. Numa
significados.
Um exemplo elucidativo é o que apresentamos a seguir:
Colocada a seguinte situação: duas latas de goiabada custam R$ 7,00. A partir dessa
informação, complete a tabela abaixo com outros valores.
Quantidade de latas de goiabada
Preço total a pagar
2
4
5
R$ 21,00
imagem: para cada ideia, imaginamos algo
10
R$ 42,00
Alguns significados
134
7
Notória é a importância da exploração de
vulgar dessa exploração é conhecida
As situações de proporcionalidade como esquema instrumental utilizam basicamente quatro
situações de aprendizagem que garantam ao
por “regra de três”, algo que não passa
tipos de técnicas fundamentais:
aluno observar a variação entre grandezas,
de um algoritmo eficaz para a resolução
estabelecendo
elas,
de problemas típicos e que, se não for
• redução à unidade;
construindo estratégias não convencionais
profundamente compreendido à luz da
• modelagem proporcional;
e convencionais para solucionar problemas
proporcionalidade, remeterá o estudante a
• modelagem fracionária;
que tratem de grandezas diretamente ou
inúmeros equívocos de interpretação dos
• modelagem algébrica.
inversamente proporcionais. A tradução
resultados que obtém.
relações
entre
135
Evidentemente, nesta etapa de aprendizagem,
Mais adiante, os alunos começarão a traduzir
Medidas – Para compreender a importância
a presença da Estatística, seja na Economia,
não tratamos de todas essas técnicas, mas
em sentenças matemáticas genéricas os
da proporcionalidade no estudo das medidas,
na Moda, no Direito, na Psicologia ou na
evidenciamos relações que envolvem, por
padrões de proporcionalidade que observam.
basta nos lembrarmos de que toda medida
Gastronomia. A Estatística também se
exemplo, redução à unidade: se duas latas
No caso do exemplo analisado, tal abordagem
é realizada com base em comparação a
alicerça no raciocínio proporcional, seja para
custam R$ 7,00, então uma lata custa R$ 3,50,
permitiria questionar os alunos sobre, por
determinado padrão. Assim ocorre com o
o cálculo e a análise da Média Aritmética,
portanto quatro latas custam R$ 14,00.
exemplo, o preço P de x latas de goiabada, se
metro, com o quilograma, com o sistema
seja para as projeções realizadas a partir
cada unidade custa R$ 3,50. Tais procedimentos
monetário, com o litro etc. O resultado de
das probabilidades de acertos ou erros em
Nesse problema, torna-se necessário o
caracterizam a iniciação do estudo do bloco
uma medida nada mais é do que a aplicação
resultados de pesquisas.
estabelecimento de outras relações, tais
de conteúdos conhecido normalmente por
de uma multiplicação com a ideia da
como: se duas latas custam R$ 7,00, quatro
“Álgebra”, que, mais tarde, conduzirá às
proporcionalidade. Se o padrão de medida de
É também no percurso organizado sobre
latas representam o dobro do número de
equações e às funções de todo tipo.
certa grandeza é x, o resultado da medição
a ideia da proporcionalidade que os alunos
dessa grandeza, na unidade padrão, será
no Ensino Médio começam a representar
latas, portanto o preço será R$ 7,00 x 2.
O preço de R$ 21,00 corresponde à compra de
O conhecimento algébrico, portanto, exige
sempre y.x, qualquer que seja a grandeza ou
graficamente
seis latas de goiabada, uma vez que R$ 7,00
a mobilização do raciocínio proporcional;
o padrão.
estabelecem para as relações entre as
corresponde ao preço de cada duas latas
todavia, a Matemática compõe-se, para além
e 2 x 3 = 6. Podemos, ainda, realizar outras
da Álgebra, de outros campos de conceitos,
Tratamento de Informação – Um dos campos
Médio os alunos passam a estudar
operações, como descobrir que dez latas
como a Geometria, as Medidas e o Tratamento
da Matemática em que mais se nota sua
concentradamente as funções e a representá-
custam R$ 35,00, cinco latas representam a
da Informação.
relação com as experiências cotidianas,
las em gráficos cartesianos. Nesse momento,
metade dessa quantidade, portanto custarão
136
as
generalizações
que
grandezas. Em outros termos, no Ensino
além das quatro operações fundamentais,
os conceitos matemáticos ganham ampliação
R$ 17,50. Problemas dessa natureza, quando
Geometria – Em Geometria, apresenta-
é o da Estatística, que compõe o grupo do
de significados que jamais se descolará de
tratados nas séries iniciais, são resolvidos,
se fortemente outra ideia fundamental: a
Tratamento da Informação. Em praticamente
toda a aprendizagem futura, seja no decorrer
muita vez, pelos alunos por meio de recursos
semelhança. Sem entrar em detalhes,
todas as áreas do conhecimento, e não
do Ensino Médio, seja na universidade.
aditivos, como no caso de descobrir quantas
o
apenas nas áreas ditas Exatas, verifica-se
latas compro com R$ 21,00 (recorrendo a
diferentemente do senso comum, exige que
R$ 7,00 + R$ 7,00 + R$ 7,00 – cada R$ 7,00
as dimensões correspondentes entre as
representa o preço de duas latas –, conclui-
figuras guardem evidente proporcionalidade.
se que serão seis latas). Independentemente
Por isso, todos quadrados são semelhantes
dos recursos utilizados, é importante que
embora nem todos os retângulos o sejam,
os alunos se aproximem de uma ideia
e o mesmo se aplica aos triângulos. Temos,
fundamental: o pensamento proporcional
nesse caso, situação clara em que duas
associa-se às operações de multiplicação e
ideias matemáticas se unem para fortalecer
divisão.
a base de significados conceituais.
conceito
de
figuras
semelhantes,
137
Alguns significados
Uma das funções do conhecimento matemático, mas não a única, consiste em estruturar
conceitos de outras áreas, como, por exemplo, a Física ou a Geografia. Especialmente
nesses casos, podemos notar a clara presença do raciocínio proporcional, seja na análise
Alguém aí já tocou
em um quadrado?
Pequeno ensaio sobre a importância das abstrações e da contextualização do ensino.
da dependência entre grandezas físicas, como velocidade e tempo ou peso e massa, ou na
composição cartográfica com suas escalas e orientações. Em Química, a proporcionalidade
embasa praticamente todo o estudo das reações e o respectivo balanceamento energético, de
fundamental importância interna e externamente aos limites disciplinares.
Sem dúvida, escolhas didáticas que favorecem o desenvolvimento de conceitos e procedimentos
relativos à formação de determinadas estruturas de pensamento matemático contribuem de
maneira decisiva para uma aprendizagem significativa.
A pergunta do título deste texto, feita inúmeras vezes em
aulas de Matemática a alunos pequenos, médios ou grandes, gerou
sempre a mesma resposta:
– Claro que sim! Aqui mesmo, nesta página do livro, estou
vendo um. Vou tocá-lo, quer ver?
Ao professor, nessas horas, coube sempre a árdua tarefa
de distinguir o objeto concreto de sua representação, mostrando aos
Antonio de Freitas da Corte é professor de Matemática do Ensino Fundamental
e Walter Spinelli, do Ensino Médio.
alunos a incorreção de suas respostas.
– Quadrados são figuras planas, apenas com duas
dimensões, largura e comprimento. Qualquer coisa que toquemos
terá sempre mais uma dimensão, a profundidade. Quer dizer, ninguém
jamais tocou ou tocará em um quadrado, pois eles existem apenas no
plano de nossas ideias ou, na pior das hipóteses, nos desenhos em que
138
os representamos.
O leitor poderá perguntar o que essa história de quadrado,
real ou não, pode interessar para o cidadão comum. Afinal, a vida de
todos nós continua bastante indiferente aos quadrados e, para além
deles, às circunferências, aos círculos, aos retângulos, aos losangos...
De certa forma, desejamos demonstrar, por meio deste texto, que o
tema tem, sim, relação com nosso cotidiano e que o tangenciamos
sempre que pensamos sobre algo; isto é, todo o tempo.
Voltando à sala de aula, se questionarmos os alunos a
respeito do tipo de quadrilátero que consideram o mais complexo
dentre todos, dificilmente responderão que é o quadrado. De modo
139
140
geral, consideram o quadrado o mais simples, pois ele é tão regular,
chegamos assim a uma das perguntas que traduzem nossa tese (e que
“tão certinho” e tão fácil de representar. Mas se enganam! Não há
convenientemente escondemos por detrás da questão do quadrado,
quadrilátero mais complexo do que um quadrado. Vamos, pois, utilizar
que “se toca” ou “não se toca”): o que permite que galguemos os
o modelo da construção do conhecimento dos alunos sobre o que seja
degraus do conhecimento sobre algum objeto? Ou, dito de outra
um quadrado para explorar nosso objetivo.
forma, o que precisamos mobilizar para ampliar o feixe de relações
que elaboramos sobre aquilo que desejamos conhecer? Resposta nos
No início, as crianças reconhecem um quadrado apenas
pela medida de seus lados: se forem iguais, é um quadrado. Quando
próximos parágrafos.
crescem um pouco, são estimuladas a considerarem também a
medida dos ângulos internos, todos retos. Mais tarde, percebem
voltemos à sala de aula e ao professor perguntando aos alunos:
que há propriedades que apenas as medidas dos quadrados
obedecem, especialmente as que envolvem suas diagonais e as
um na mão, podemos afirmar que ele é um objeto abstrato?
circunferências que podem inscrevê-lo ou circunscrevê-lo. Em
síntese: as características de uma forma geométrica qualquer – o
pouco mais os alunos, e também muitos de nós. Afinal, o quadrado
quadrado é apenas um exemplo – são construídas pouco a pouco
é abstrato ou, se não, é concreto? Sim, porque abstrato e concreto
pelos estudantes, ampliando constantemente uma espécie de feixe de
se colocam em oposição, pelo menos na concepção espontânea que
relações de significados sobre o objeto. Não há nada de mais nisso,
temos sobre essas palavras.
nem de menos, uma vez que é assim, nesse processo de identificar,
classificar, ampliar, que aprendemos quase tudo em nossas vidas, até
em Matemática, como se poderia supor, deu uma resposta convincente
mesmo no campo de nossas relações pessoais, sejam elas de amizade,
quanto à questão proposta acima. Ela disse:
trabalho ou amores. (Os mais céticos chegam mesmo a relacionar a tal
processo o desgaste de muitas relações amorosas que, inicialmente
importando se podemos ou não tocá-lo.
intensas, pouco a pouco vão se revelando e amortecendo, como se a
ampliação do conhecimento de uma pessoa sobre a outra conduzisse
de que Alexandre Magno é concreto da mesma forma que o é um
ao isolamento.)
predicativo do sujeito ou um átomo de hidrogênio. Ou alguém vai dizer
Ah! Esse quadrado – Continuando no mistério do quadrado,
– Se ninguém jamais tocou em um quadrado, jamais pegou
Essa é uma questão complexa que costuma confundir um
Uma aluna, apenas uma, de nome Isabela, nem tão brilhante
– É concreto! Pois concreto é aquilo que conhecemos, não
Na resposta de Isabela, transparece o fato, incontestável,
Retomando, o conhecimento sobre algo se constrói à
que será necessário, por exemplo, tocar num átomo de hidrogênio
medida que o sujeito estabelece relações de significado cada vez
para, por fim, acreditar que o respiramos todo o tempo, ou que esse
mais amplas sobre o objeto que estuda, seja este um quadrado, um
átomo desempenha papel importante na composição de certo líquido
automóvel, um país ou um(a) companheiro(a). Quero dizer: é como
que ocupa mais de 70% da superfície de nosso planeta?
se houvesse níveis de conhecimento que precisamos galgar pouco
a pouco – “step by step”, como dizem os norte-americanos – a
Isabela, ou seja, há muita coisa concreta que não tocamos, tampouco
fim de que seja atingido o nível ‘ótimo’ de conhecimento, nível que
vemos (lembram-se do átomo de hidrogênio?). Além disso, apostamos
depende do estágio de vida em que nos encontramos. Isto aceito,
também na concepção de que o conhecimento sobre algo torna
Daqui para frente, apostaremos na ideia desenvolvida pela
141
“esse algo” concreto, dentro da visão segundo a qual tornamos algo
concreto quando galgamos os tais degraus descritos anteriormente.
O quadrado, de novo ele, é um caso emblemático porque as crianças
precisam recortar uma folha de papel ou manusear blocos lógicos
para enxergarem essa figura, enquanto entre os adolescentes basta
estimular a imaginação para que resolvam todo e qualquer problema
Da abstração para a concretude
São as abstrações que realizamos que permitem que nosso conhecimento sobre
algo o torne cada vez mais concreto, num movimento constante de ir e vir. Simbolicamente,
podemos representar em três etapas o processo descrito.
envolvendo esse quadrilátero.
Se existem “estágios de concretude” que os estudantes
Objeto conhecido: tornado concreto
(e nós todos) precisamos vencer para conhecer profundamente
Objeto conhecido
algum objeto, a próxima questão é: o que nos permite vencer um
ao sujeito por meio das relações
de significado que construiu. Tais
degrau e saltar para o superior? A resposta, rápida e rasteira, é: as
relações são variadas e o sujeito
abstrações.
identifica apenas algumas a cada
momento. O concreto está no objeto
e o abstrato, fora dele.
Ampliação do conhecimento
sobre o objeto
Objeto conhecido
Na ampliação do conhecimento
sobre o objeto, reside a importância
das abstrações. As abstrações
estimulam a construção de novas
relações de significado.
Novas relações de significados
142
Objeto conhecido
conceituais
são
estabelecidas;
o conhecimento concreto sobre o
objeto é ampliado. Novas ampliações
implicam reviver o processo.
Nessa visão, concreto e abstrato não se encontram em oposição como afirmamos
anteriormente ser prerrogativa do senso comum. Concreto e abstrato são, como denominou
Henri Lefebvre, movimentos do pensar, que possuem relação dialética e cujo movimento de um
143
144
a outro extremo exercitamos todo o tempo, mesmo que não tenhamos
consciência disso. Considerando o trabalho do professor em suas
do que seus filhos com a ausência da contextualização dos conteúdos
salas de aula, tal movimento precisa ser estimulado com vigor para
matemáticos em sua época de estudantes. Havia a “decoreba” da
que seus alunos construam com firmeza o conhecimento sobre a
tabuada, a simplificação dos “carroções” da álgebra, a resolução
álgebra, a literatura, a química, a filosofia e até sobre o quadrado(!).
das enormes equações que conduziam a resultado que não dizia
Fomos evoluindo no conteúdo do texto. Começamos com
nada, apenas “xis é igual a tanto”. Mas o que era esse “tanto”? Não
o quadrado, passamos pelo átomo de hidrogênio, seguimos para as
era cabível questionar. Numa linguagem mais próxima da pedagogia
abstrações e para a concretização dos conhecimentos. Chegamos
atual, o ensino descontextualizado de então não agregava significados
agora ao aspecto mais importante de toda a problemática, traduzida
conceituais àquilo que se estudava. Se isso é verdade, como poderia o
por outra questão que referenda nossa tese: como estimular em
estudante construir o feixe de relações sobre algum objeto, na forma
nossos alunos o exercício das abstrações? A resposta, novamente
que citamos em parágrafo anterior? Aqueles tempos eram os tempos
rápida e rasteira, é dada por um verbo no gerúndio: contextualizando.
do estudante “balde vazio”, metáfora para a possibilidade de alguém
Os mais vividos, incluindo o autor deste texto, sofreram mais
Contextos de ensino são o solo fértil do qual brotam as
conhecer algo a partir do nada, em pequenas gotas que vão, pouco
necessárias abstrações. Abstrair algo do nada cabe apenas a vãs
a pouco, enchendo um reservatório único e limitado, em desprezo
teorias, avessas a propósitos concretos (sem trocadilhos).
completo aos conhecimentos prévios do sujeito sobre o assunto.
A contextualização do ensino transparece com fervor em
Não, não cremos que o conhecimento humano caiba em reservatório
algumas áreas do conhecimento e é compulsoriamente escondida em
único e muito menos que seja limitado. Hoje, os tempos são outros,
outras. Não é possível imaginar o ensino da História sem contexto,
felizmente.
da mesma forma que a Física necessita dos fenômenos naturais para
explicá-los. História e Física são exemplos de disciplinas nas quais
escola, podemos dizer, é contextualizada. Embora fosse necessário
a ausência de contexto, histórico em um caso e fenomenológico
bem mais do que algumas páginas para justificar completamente
em outro, conduz ao risco da completa desmoralização do saber.
tal afirmativa, temos em mente a importância desse tipo de ensino
Como discutir, por exemplo, a máquina a vapor sem contextualizar
quando elaboramos nossos planejamentos pedagógicos e criamos as
o momento histórico em que surgiu e sua importância na revolução
atividades para nossas aulas.
industrial? Física e História se confundem nesse caso e ambas
tornam-se efêmeras se cada uma delas, por seu lado, não estimular as
circunstâncias nos quais os objetos podem ser percebidos em
abstrações a partir da composição do contexto em que os conceitos
inúmeras relações de significado. Esses conjuntos podem ser
se complementam.
formados a partir de condições variadas, preferencialmente próximas
A Matemática que nossos alunos constroem em nossa
Contextos
são
caracterizados
por
conjuntos
de
Na Matemática – Queremos colocar nosso olhar sobre as
da realidade dos alunos, envoltas pelos elementos característicos
disciplinas nas quais a contextualização costuma passar “ao largo”,
de suas culturas. Apresentar conceitos com base nas relações que
mesmo em escolas ditas “de vanguarda”. Não é preciso muita reflexão
estabelecem internamente a esse conjunto de circunstâncias, ou seja,
para chegarmos à mais emblemática delas: a Matemática.
contextualizar o ensino permite não apenas que os significados sejam
145
146
detectados com vigor pelo estudante, mas também que os conteúdos
em problemas do joelho direito masculino ou o chef que cozinhe
disciplinares não sejam vistos como algo criado por seres iluminados
excepcionalmente bem o cordeiro e nada mais. O tempo da extrema
que viveram em torres de marfim, isolados do populacho ignorante,
especialização passou de mãos dadas com o tempo da tabuada do 7x8
como é comum nas falas de estudantes de Ensino Médio (de outras
sem significado. O sujeito competente em nossos dias é aquele que
escolas) ao se referirem a seu aprendizado da Matemática.
consegue associar de modo eficaz o domínio do particular e do geral
em suas fronteiras de conhecimento. Fronteiras mais largas possíveis,
Na proposta de um ensino contextualizado, a memorização
de algoritmos e fórmulas não é relegada a segundo plano, como
é bom que se diga.
alguns poderiam, preconceituosamente, imaginar. Pelo contrário, os
procedimentos ganham significado quando associados aos elementos
Matemática, temos a preocupação de contextualizar os conceitos
constituintes do contexto. Em nosso caso, no Ensino Fundamental,
que apresentamos aos nossos alunos, seja pela aplicação desses
para o ensino da tabuada, por exemplo, recorre-se, com redundância,
conceitos em situações do cotidiano, pela história da Matemática ou
ao cálculo mental e às estratégias de obtenção de valores de compra,
pela interdisciplinaridade. Mas sabemos da importância do contexto
venda e troco. Nada de decorar quanto é 7x8, pelo menos inicialmente.
que se constrói a partir das relações internas à própria Matemática,
A memorização vem automaticamente com a compreensão, visto que
que denominamos contexto intradisciplinar. É a partir desse contexto
memorizar sem compreender é sinônimo de rápido esquecimento. Ou
que as relações conceituais existentes permitem aos alunos extrapolar
algum leitor se lembra da sequência correta dos afluentes da margem
seu conhecimento matemático para outros contextos, enfrentando
esquerda do rio Amazonas que tantos professores de Geografia nos
com competência situações-problema advindas de outros universos
impunham decorar?
do conhecimento.
A composição do contexto de ensino é tarefa do professor,
Voltando ao âmbito de nossa escola e ao ensino da
Todos os contextos especialmente elaborados para
em todas as instâncias. Para o cumprimento de tão importante tarefa,
ensino deste ou daquele bloco de conteúdos, de qualquer área
preparamo-nos durante muitos anos, nos bancos da universidade, nas
do conhecimento, são encerrados por fronteiras invisíveis. Dentro
assessorias, nas reuniões semanais e nas conclusões que tiramos de
dessas fronteiras, reconhecem-se, com vigor, as relações entre
todas as leituras que fazemos. Mas, se contextualizar é fundamental
significados associados aos objetos de estudo, enquanto, para além
para o exercício das abstrações, uma vez que quem abstrai o faz sobre
delas, as relações que existem, e são múltiplas, nem sempre são
alguma coisa, a partir de algum contexto, é preciso que o estudante dê
facilmente identificáveis. Desejando discutir aspectos de política
um passo a mais, para além do contexto. Em resumo, se contextualizar
internacional, um professor poderá, por exemplo, recorrer ao contexto
é imprescindível, romper as amarras do contexto é mais ainda; é
histórico da Guerra Fria, no período que se iniciou no pós-II Guerra
preciso extrapolar.
Mundial e definhou completamente no final da década de 1980.
Sabemos que apresenta competência em algum assunto o
Vários significados associados à conduta dos países envolvidos
sujeito que, especialmente nos dias atuais, consegue enxergar para
na questão, decerto, podem ser transportados para aspectos da
além de seu conhecimento técnico sobre o assunto. Não é possível
política internacional de nossos dias. Haverá, entretanto, uma série
considerar competente, por exemplo, um médico especialista apenas
de considerações específicas das crises atuais que, à primeira
147
vista, parecerão de natureza bastante diversa das que minavam no
noticiário do período de Guerra Fria. A possibilidade de compreensão
acerca de tais considerações exige que sejam extirpadas as fronteiras
do contexto anterior para que as relações anteriormente construídas
possam ser adaptadas às características desse novo contexto.
Devemos, portanto, considerar a necessidade do contexto para a
realização das abstrações e para a compreensão das inúmeras
relações entre seus elementos, mas precisamos também avaliar
que é parco o conhecimento que se constrói em um contexto e nele
estaciona.
Finalizando, em nossa escola consideramos a importância
da contextualização do ensino e consideramos também a necessidade
de o sujeito extrapolar, para múltiplos contextos, o conhecimento que
constrói sobre determinado conjunto de circunstâncias selecionadas
pelos professores. Não fora isto, nossos alunos estariam procurando
um quadrado que pudesse ser tocado. Tarefa inglória!
149
148
Walter Spinelli é coordenador e professor de Matemática
do Ensino Médio.
p r o d u ç õ e s
e m
f o c o
Projeto Água e Sustentabilidade
Complexo projeto de sustentabilidade é promovido no 6º ano do Ensino Fundamental.
O uso racional dos recursos naturais é um
A partir de atividades de observação e análise
tema que está posto como desafio para a
das paisagens – realizadas desde o início do
geração atual. Historicamente, a civilização
ano letivo –, os alunos são convidados a
ocidental propagou um modo predatório de
oceanos e da distribuição das chuvas. As
refletir sobre o processo de apropriação
observar e comparar mapas e paisagens de
exploração da natureza. Acreditava-se em
possíveis consequências desse processo
da água, recurso de vital importância, as
importantes rios da cidade de São Paulo: o
uma dicotomia entre o humano, o social, e o
são assustadoras: de acordo com as
disciplinas de Ciências e Geografia propõem
Pinheiros e o Tietê. A comparação dessas
mundo natural. Nesse contexto, a natureza
previsões, esses fatos afetarão seriamente
um projeto interdisciplinar.
paisagens em dois momentos históricos,
era vista como algo externo ao homem, algo
o modo de vida de nossa sociedade, tendo
que deveria ser explorado e utilizado.
como consequência direta a inundação de
O projeto – Inicialmente, em Geografia, os
identificar as transformações que ocorreram
centros urbanos litorâneos, dificuldades na
alunos são convidados a aprofundar seus
nesses espaços. O que se observa são duas
agricultura e a propagação de doenças.
conhecimentos sobre a cidade de São Paulo
mudanças drásticas: a poluição causada pelo
À medida que a população mundial aumenta
e os avanços tecnológicos permitem a
início do século XX e do século XXI, permite
e sobre o local de sua fundação. O Estudo
despejo, sem tratamento, do esgoto industrial
apropriação dos recursos naturais de
Infelizmente, as novas gerações recebem um
do Meio no centro de São Paulo possibilita
e doméstico e a retificação do curso original
modo cada vez mais intenso, os impactos
mundo intensamente explorado e precisam
a descoberta de que o lugar escolhido para
desses rios para que as áreas de várzea
ao meio ambiente vão se fazendo perceber
lidar com o imenso desafio de criar novas
a formação do primeiro núcleo de ocupação
pudessem ser ocupadas.
e sentir. Como exemplo mais notório,
formas de se relacionar com a natureza, a fim
não foi acidental. Ele possuía características
As transformações da paisagem são a
podemos mencionar as mudanças climáticas.
de garantir as condições para sua existência
geográficas estratégicas. Dentre elas, a
materialização, no espaço, das mudanças que
O aumento da emissão dos gases de
sem promover o esgotamento dos recursos
proximidade do rio Tamanduateí, que fornecia
ocorrem na sociedade. Tendo isso em vista,
efeito estufa – em razão das mais variadas
que o planeta pode nos prover.
água para a dessedentação e higiene, era
as crianças são convidadas a refletir sobre
atividades econômicas – é apontado como
fonte de peixes e – por ser afluente do
como a população de São Paulo, ao longo
causa da elevação da temperatura global
Para que os alunos do 6° ano do Ensino
rio Tietê – possibilitava a navegação e o
do século XX, transformou rios de grande
e da consequente mudança no nível dos
Fundamental tenham a oportunidade de
transporte para o interior.
importância em esgotos a céu aberto.
154
Ao mesmo tempo que, em Geografia, ocorre o
que se identifique o que diferencia os variados
que levou à degradação dos nossos recursos
para os animais do parque. Outros fatores
estudo da apropriação dos recursos hídricos
tipos de solos: diferentes tipos de partículas
hídricos é só o começo. É importante, sem
importantes são a redução de custos com o
em um espaço urbano, na disciplina de
orgânicas e minerais. Essa percepção leva
dúvida, conhecer alternativas que possibilitem
transporte dos resíduos sólidos (pois eles são
Ciências, os alunos iniciam uma investigação
os alunos a concluir que a variedade de
sua exploração sustentável.
destinados à unidade de compostagem) e a
das características químicas da água e das
tipos de solo está relacionada às diferentes
transformações que podem sofrer como
composições da água mineral.
Aprender no zoológico – Os cursos de
de doenças. Além disso, a estação de
decorrência da ação humana. Esse estudo
Experimentos em laboratório, no qual
Ciências e Geografia da Móbile convergem
tratamento de água tem sido utilizada para
relaciona-se ao uso da água em meio rural
amostras de água são “filtradas” por diversas
quando discutem o tratamento dos efluentes
melhorar a qualidade da águas dos lagos que
e complementa as discussões realizadas
amostras de solo, simulando a infiltração
(esgoto) e a utilização da água de reúso como
formam o Riacho do Ipiranga, um importante
em Geografia. Tal investigação baseia-se na
da água da chuva, permitem aos alunos
forma de preservar nossos recursos hídricos.
patrimônio histórico da cidade.
análise dos rótulos de diferentes marcas de
perceber sua propriedade como solvente.
Além disso, promovem uma visita ao Parque
água mineral. Os estudantes percebem que,
Cada amostra de água carrega em si os
Zoológico de São Paulo para conhecer seu
Essa visita, portanto, permite a concretização
apesar de todas as marcas conterem água
sais minerais resultantes da dissolução das
programa de gestão de resíduos.
daquilo que foi estudado em classe e estimula
transparente, inodora e insípida, cada uma
rochas que infiltrou.
O Parque Zoológico possui estações de
os alunos a refletir sobre as alternativas para
tratamento de água e de efluentes, além
o uso sustentável da água.
apresenta composição química diferente.
Como esse fato pode ser explicado?
menor presença de animais propagadores
Todo o percurso de investigação leva à
de uma unidade de produção de composto
seguinte conclusão: poluentes lançados
orgânico. Nele, as crianças percorrem todo
Certamente, essa abordagem interdisciplinar
A resposta a essa pergunta surge como
no solo podem chegar ao lençol freático e
esse sistema e observam o emprego das
contribui para a aprendizagem significativa
consequência do estudo do solo, aprofundado
causar problemas de saúde, assim como
técnicas de floculação, flotação e remoção
das crianças e as estimula a criar novas
durante a viagem de estudo do meio ao
agrotóxicos usados nas plantações também
de flutuantes para que o esgoto gerado
formas de se relacionarem com o meio
Acampamento Repúbllica Lago. Ao visitar
podem seguir o mesmo caminho.
no parque seja transformado em água de
ambiente.
uma pedreira, uma plantação de cana-de-
reúso e adubo orgânico. Os benefícios
açúcar e uma horta doméstica, os alunos
Diante do grande desafio que está colocado
obtidos pelo Zoológico são inúmeros e
Iva Maria Alves é professora
descobrem que existem variados tipos de
para as novas gerações – o uso racional dos
comprovam a sustentabilidade do projeto.
de Geografia e Carlos Eduardo C. de Godoy
solo em cada local. Amostras de solo desses
recursos naturais –, compreender o processo
Dentre eles, destacam-se: a diminuição de
é professor de Ciências do 6º ano
gastos com o consumo de água e a compra
do Ensino Fundamental.
lugares são analisadas em laboratório para
de adubo utilizado no cultivo de alimentos
155
Em 11 de março deste ano,
humanidade pensava haver
Diante de tantas dúvidas
a costa nordeste do Japão
se livrado desde o desastre
abordadas em notícias
sofreu um dos maiores
ocorrido em Chernobyl, na
nem sempre precisas e
terremotos de sua história,
Ucrânia, em 1986.
apuradas (e muitas vezes
o que provocou um tsunami
A análise
multidisciplinar
como estratégia
didática.
A crise no Japão pós-Fukushima revisitada sob quatro olhares em aula magna proferida
por professores da Móbile a alunos do Ensino Médio.
sensacionalistas), como
na sequência. Diversas
Mas o acidente em
compreender de maneira
cidades da região foram
Fukushima é, de fato,
correta e integrada todas as
devastadas pela ação
comparável ao de
vertentes dessa complexa
desses dois fenômenos
Chernobyl? É possível um
situação? A Aula Magna
naturais, provocando cerca
projeto de usina nuclear
proferida aos alunos do
de 10 mil mortes, deixando
imune a terremotos de
Ensino Médio procurou
muitos desabrigados e um
grandes proporções?
dar conta dessa questão.
número ainda maior de
A quanta radiação uma
Mediados pelo professor
desaparecidos.
pessoa será submetida
de Ética e Cidadania,
se morar perto de uma
Roberto Candelori, os
Inicialmente focadas na
usina nuclear? Atividades
professores Silvia Madeira,
descrição da magnitude
humanas podem provocar
Hugo Reis e Rodrigo
do terremoto e na relação
terremotos? Se nem o
Mendes abordaram os
dele com a formação da
Japão, tido como símbolo
acontecimentos no Japão
onda gigante, as notícias
de tecnologia avançada
sob a ótica de suas
veiculadas pela mídia
e disciplina, está livre de
disciplinas, respectivamente
logo direcionaram seus
acidentes nucleares, quem
Geografia, Física e Biologia.
holofotes para a cidade
estará seguro? As usinas
de Fukushima, localizada
de Angra são uma boa
Terremoto, tsunami e
no nordeste do Japão,
estratégia para completar a
Japão – A professora Silvia
quando um dos reatores
matriz energética brasileira?
iniciou sua apresentação
de sua usina nuclear
E os países que fizeram a
recordando os conceitos
sofreu uma explosão. Mais
opção pela energia nuclear,
geofísicos previamente
rápido – e, talvez, mais
seja por escassez de outros
trabalhados em sala de aula
danoso – que o vazamento
recursos, seja por cautela
ao esclarecer qual processo
de material radioativo foi o
em relação ao aquecimento
natural desencadeia
ressurgimento do “fantasma
global, devem rever suas
fenômenos como terremotos
nuclear”, do qual a
escolhas?
e tsunamis.
157
Situado em uma região de encontro de três placas tectônicas, o Japão se caracteriza por ser
E com relação à composição
enriquecido numa usina
Um reator nuclear aquece
o país com maior concentração de terremotos, sofrendo cerca de 20% dos tremores anuais
de sua matriz energética,
nuclear pode produzir
água para produzir vapor,
no mundo. O epicentro desse terremoto foi bem próximo ao litoral e a poucos quilômetros
o Japão fez uma escolha
a mesma quantidade
utilizado para movimentar
abaixo da crosta terrestre. Assim, a propagação de ondas sísmicas, comum a todos os
acertada ao ter 25% da
de energia que várias
uma turbina que produz
terremotos, deslocou uma grande massa de água que constituiu o tsunami de 10 metros.
energia que abastece suas
toneladas de carvão mineral
eletricidade. Diferentemente
cidades sendo gerada a
numa usina termoelétrica.
do que ocorre numa usina
Fonte: www.estadao.com.br de 11 de março de 2011.
partir de reatores nucleares
A enorme onda atingiu uma
Terremotos e tsunamis
como mostrou Silvia,
área densamente povoada
são fenômenos já bem
especialmente no que diz
e com alto desenvolvimento
conhecidos pelos cientistas;
respeito ao treinamento da
industrial. E não havia
porém, imprevisíveis e
população e ao erguimento
como ser diferente: o
inevitáveis. A tarefa posta é
de barreiras de proteção,
relevo montanhoso e os
a de sermos capazes de nos
além do desenvolvimento, a
86 vulcões ativos que
preparar o melhor possível
partir de 1980, da tecnologia
habitam o território japonês
para seus efeitos, com
de construção de edifícios
forçaram, historicamente, a
sistemas de monitoramento
apoiados em sistemas
concentração da população
e alerta mais eficientes,
hidráulicos.
na costa, tornando-a mais
construções mais seguras
vulnerável a tsunamis.
e preparo da população.
É o que o Japão tem feito,
termoelétrica movida a
em território tão instável?
Para justificar essa
carvão ou diesel, não há
Silvia explicou que no Japão
eficiência, Hugo recordou
emissão de poluentes,
não abundam muitos outros
os conhecimentos físicos
já que o vapor d’água é
recursos. Num país escasso
básicos relacionados à
posteriormente condensado
em rios, em reservas de
radioatividade. Em linhas
e reenviado ao reator para
carvão e em espaço para
gerais, esta consiste na
ser reutilizado, num ciclo
usinas eólicas, o uso de uma
tendência de alguns átomos
fechado sem contato com o
das mais poderosas fontes
de liberar a quantidade
ambiente externo.
energéticas já descobertas
de energia que os torna
pelo homem é certamente
instáveis. Tal liberação
Esclarecidas as principais
uma opção.
pode ocorrer na forma de
vantagens da energia
partículas (radiação alfa,
nuclear, Hugo se dedicou à
Radioatividade, energia
barrada pelos tecidos
análise das características
nuclear e Fukushima – A
das roupas) ou de ondas
da usina de Fukushima,
grande eficiência energética
eletromagnéticas (radiação
deixando claro que não
que caracteriza a tecnologia
gama, muito penetrante,
se pode afirmar que seus
nuclear em comparação a
barrada somente por
reatores fossem inseguros.
outras opções em uso foi
chumbo).
Diferentemente da maior
assinalada pelo professor
parte das construções
Hugo em sua fala. Com
À vantagem propiciada
localizadas na região
uma quantidade pequena
pela eficiência energética
atingida, como refinarias
de combustível nuclear
soma-se outra, de ordem
de óleo, depósitos de
é possível produzir uma
ambiental: a energia nuclear
combustíveis, usinas
grande quantidade de
é das mais limpas dentre
termelétricas e indústrias
energia. Por exemplo,
as desenvolvidas até o
químicas, as usinas
um quilograma de urânio
momento.
nucleares não colapsaram.
159
160
Nas 14 usinas, distribuídas
Um evento dessa natureza,
do vazamento de Césio
são insuficientes para
Aquelas ocorridas nas
Energia nuclear, matriz
pelas três centrais
com tal sequência de
137 em Goiânia, em 1987.
causar danos, e o próprio
células somáticas podem
energética e economia
nucleares da região, o
problemas, é altamente
Mas, contrapôs o professor
organismo tem mecanismos
ocasionar câncer, mas
– Durante a mediação da
sistema de segurança
improvável. Considerando
Rodrigo, a energia nuclear
de reparo.
estudos extensivos têm
Aula Magna, o professor
dos reatores funcionou
que mesmo o altamente
é, há décadas, uma das
mostrado que a radiação é
Candelori deu o “tom” do
adequadamente, ou seja,
improvável pode acontecer,
mais eficientes aliadas da
A radiação incide
dos mais fracos elementos
trabalho que continuou
houve desligamento
como ficou provado em
medicina.
igualmente sobre todas as
carcinogênicos a que
posteriormente nas aulas
automático e subsequente
Fukushima, não é desejoso
moléculas que constituem o
podemos ser submetidos.
que ministra, de Ética e
entrada no modo de
que tais condições sejam
Além da importante
organismo dos seres vivos,
Mais do que induzir
Cidadania, acompanhando
resfriamento, mesmo ante
consideradas nos projetos
aplicação na área médica –
mas consequências danosas
mutações pontuais,
os desdobramentos
o corte de fornecimento
de usinas nucleares? O fato
por exemplo, na radiologia
advêm da interferência
altas doses de radiação
político-econômicos que
externo de eletricidade.
é que estudos de segurança
e na radioterapia –, irradiar
dela sobre o DNA, pois
geralmente provocam
se seguiram ao início da
precedem construções
produtos agrícolas para
as demais moléculas
rearranjos cromossômicos
pior crise que o Japão já
Contudo, cerca de 1 hora
desse tipo, e atender àquilo
garantir sua conservação
podem ser repostas no
que resultam na morte das
enfrentou desde a Segunda
após o terremoto, veio o
que é altamente improvável
também já é prática comum
contínuo processo de
células afetadas antes que
Guerra Mundial.
tsunami que colocou fora
geralmente torna os
e extremamente vantajosa.
montagem e desmontagem
tenham a oportunidade de
de operação os geradores
projetos muito dispendiosos
que caracteriza nosso
se tornarem cancerígenas.
a diesel disponíveis no
e, consequentemente,
Após iniciar sua palestra
metabolismo, mas o DNA é
local, bem como seus
desvantajosos.
destacando o uso da energia
a receita para isso. Quando
Não se trata, obviamente,
tanques de combustível.
nuclear como fundamental
o dano provocado pela
de menosprezar os riscos
Isso, então, abalou os
Radiação, ambiente e
para o desenvolvimento da
radiação não é corrigido
para a saúde humana e
prédios onde estavam os
saúde – Em se tratando de
ciência e da saúde humana,
de maneira eficiente pelo
ambiental. Vazamentos
reatores de Fukushima e
radioatividade, geralmente
Rodrigo lembrou ainda
“maquinário de reparo” do
radioativos podem atingir os
interrompeu seu processo
nos lembramos das bombas
que a radiação é emitida
DNA, mutações acontecem.
seres vivos diretamente ou
de resfriamento. Pouco
nucleares lançadas
naturalmente pela terra,
depois, ocorreu a explosão
sobre o Japão durante a
pelo ar e até mesmo pelo
Rodrigo ressaltou que nem
de água, plantações etc.
que vem causando todos os
Segunda Guerra Mundial
próprio corpo humano. (Para
sempre as mutações são
É preciso, porém, avaliar
problemas de contaminação
e dos chocantes efeitos
não mencionar aparelhos
prejudiciais. É importante
adequadamente os riscos
radioativa que os japoneses
da exposição excessiva à
criados pelo homem e
ainda ter a informação de
e proteger a população em
ainda estão vivendo hoje.
radiação em decorrência
tão presentes em nosso
que somente mutações
caso de necessidade, sem
dos acidentes nas usinas
cotidiano, como rádios e
nas células germinativas
alardes descabidos.
de Three Mile Island (EUA,
os fornos micro-ondas).
são transmitidas à
1979) e Chernobyl, além
Essas doses, no entanto,
descendência.
por meio da contaminação
161
O clima catastrofista pós-Fukushima gerou demandas de desligamento de usinas em
operação e/ou interrupção de obras de outras em construção nos 30 países que reúnem
as 448 usinas do planeta. O ícone máximo disso foi o anúncio alemão de aposentadoria
antecipada das usinas construídas antes de 1980 e a revisão completa de sua matriz
energética.
No Brasil, o debate sobre o que ocorreu em Fukushima reavivou antigas críticas à política
nuclear de nosso país, especialmente após a reafirmação governamental de que o Brasil
seguirá erguendo sua terceira usina nuclear, a de Angra 3. Comparações entre as usinas
de Angra e Fukushima pipocaram na mídia, destacando sua diferença em termos técnicos.
Há quem defenda, porém, que o principal problema de Angra está relacionado à dispersão
da radiação em caso de acidente, dada sua localização próxima a áreas urbanas bastante
populosas.
É difícil ocorrer um acidente numa usina nuclear, pois as normas de segurança delas são
rígidas e seus sistemas de segurança, robustos. Mas havendo um problema nos reatores
– seja por falha humana, em decorrência de atentado terrorista ou como resultado de
um terremoto seguido de tsunami –, os efeitos podem ser desastrosos. Vem daí a grande
preocupação sobre o uso da energia nuclear.
A rigidez das normas de segurança, após os dois acidentes nucleares históricos que
Fonte: www.estadao.com.br de 5 de junho de 2011.
antecederam Fukushima fez triplicar o custo de construção de uma usina nos últimos anos.
Novos projetos poderão ter seus orçamentos ainda mais inflados, possivelmente afetando
sua viabilidade econômica.
Não seria melhor, nesse caso, optar por energia solar ou eólica? Sem dúvida, nos países que
comportam tais tecnologias, deve haver investimento em pesquisa para que essas opções
tenham sua eficiência energética melhorada e se tornem, em breve, economicamente
competitivas com outras fontes.
A solução adequada para a questão energética depende, portanto, das características
de cada país em termos geofísicos, econômicos, de espaço, de demanda energética etc.
163
História, ciência e saúde.
planejamento estratégico
seus alunos, os gestores,
Geografia, política e
de um país. Ciente de que
engenheiros, economistas e
economia. De fato, são
os cidadãos devem ter
ecólogos de amanhã.
muitas as vertentes a
papel ativo nesse processo,
serem consideradas no
a Móbile busca preparar
Digestão: o laboratório
em foco
Alunos do 5º ano do Ensino Fundamental aprendem
como funciona o corpo humano.
Para saber mais
No 5º ano do Ensino Fundamental, propomos, como conteúdo da disciplina
de Ciências, o estudo do corpo humano, composto por diferentes sistemas
e aparelhos que apresentam funções específicas e contribuem para a
Apostila sobre radioatividade da Comissão Nacional de Energia Nuclear:
manutenção do todo. Para isso, selecionamos estratégias que
<http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/radio.pdf>.
favoreçam a compreensão desse complexo funcionamento.
Apostila sobre energia nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear:
Ao estudarmos o aparelho digestório, perguntamos
<http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/energia.pdf>.
inicialmente às nossas crianças, por exemplo, o que
acontece com o alimento que ingerimos. As hipóteses por
A energia nuclear e seus usos na sociedade:
elas levantadas revelam ideias simples, concretas e até
<http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch-2005/220/pdf_aberto/nuclear.pdf>.
ingênuas, como, por exemplo: “A comida vira cocô e a bebida
vira xixi” ou, ainda, “O que é bom fica no corpo e o que não
Infográfico que indica os efeitos da submissão a diferentes doses de radiação:
presta vira cocô e sai”.
<http://www.informationisbeautiful.net/visualizations/radiation-dosage-chart/>.
De que maneira ajudar os alunos a compreender como
Mapa interativo da geração de energia nuclear no mundo:
realmente ocorre a digestão? As atividades realizadas no
http://www.economist.com/blogs/dailychart/2011/03/global_nuclear_power
laboratório de Ciências auxiliam os alunos a fazer analogias
entre os experimentos e o funcionamento do aparelho
digestório.
Depositar bolinhas de isopor com dois tamanhos diferentes em
Tatiana Rodrigues Nahas é professora de Biologia do 2º ano do Ensino Médio.
um funil, acrescentar um pouco de água e observar que as menores
passam, ao contrário das maiores, sugere aos alunos que algo análogo a um
funil está contido em nosso corpo e que o alimento, para passar por ele, precisa ser dividido
E o intestino grosso? Relaciona-se sua função à ação de um pano fino coando massa de
em partes menores. É possível também fazer os alunos compreenderem que o alimento
cenoura misturada a água. O registro realizado no laboratório comprova a compreensão do
mastigado é mais facilmente digerido quando vivenciam uma situação de laboratório em
aluno: “A parte sólida da mistura de cenoura com água ficou no pano. Essa parte representa
que um comprimido efervescente intacto demora mais tempo para se dissolver do que outro
as fezes. A parte que passou pelo pano ficou cor de laranja e representa a água e os nutrientes
triturado, por exemplo.
que são absorvidos nos intestinos.”
Todas as observações e registros individuais feitos após cada procedimento proposto são
Aprender esses e outros conceitos da disciplina de Ciências por meio das estratégias
socializados e discutidos, favorecendo a construção dos conhecimentos pelos alunos.
apresentadas aqui favorece a compreensão dos conteúdos, pois, apropriando-se dos
conhecimentos científicos, os alunos desenvolvem uma autonomia no pensar e no agir.
166
Em outro momento, os alunos percebem a reação do amido dos alimentos quando em contato
Desenvolvem um olhar atento, curioso e investigativo e aprimoram algumas das habilidades
com a saliva. Para isso, pingam solução de iodo em batatas cozidas, carne e óleo e observam
fundamentais para um “comportamento científico”: identificar elementos e suas funções,
o aparecimento de coloração diferente na batata pelo fato de ser a única que contém amido.
levantar hipóteses, relacionar variáveis, comparar elementos e situações e concluir com base
As crianças se surpreendem quando colocam saliva sobre ela e descobrem que a mancha
em dados observáveis.
clareou. Podem, então, concluir: “Que função importante tem a saliva! Transforma o amido dos
alimentos!” E ao amassarem a batata: “A ação das enzimas da saliva é ainda mais eficiente!”
As aulas planejadas para o estudo do corpo humano são, além disso, muito prazerosas,
o que torna a busca pelo conhecimento e compreensão do funcionamento do corpo muito
Outra descoberta a ser feita está relacionada à função do suco gástrico. Para facilitar essa
mais envolvente, além de despertar nos alunos uma atitude de respeito e cuidado consigo
compreensão, os alunos observam as mudanças ocorridas na carne moída quando se pingam
mesmos.
gotas de limão (fruta ácida) nela: “A carne mudou de cor e ficou mais mole!”, relatam.
Uma nova etapa do processo ainda é ilustrada: a ação da bile sobre as gorduras é
compreendida depois de se usar um procedimento no qual se mistura detergente com
óleo. Os alunos observam uma transformação: “Ficou com várias gotinhas bem pequenas!”
Alexsandra Dorneles de Azevedo, Jussara Moreira Santana e Laís L. de Carvalho
Na discussão, comparam essa ação à que ocorre no intestino delgado.
são professoras do 5º ano do Ensino Fundamental.
167
Crianças mergulham
no mundo da ciência
Investigar mecanismos
para trazer a ciência
para o dia a dia, para
a prática, de forma
concreta e lúdica, foi outro
O mar e seus ricos elementos são mote para trabalho
desafio. Para dar conta disso,
com Ciências com as crianças do Infantil 3.
aproveitamos o final das férias de verão e
trouxemos para a sala de aula um assunto
rico, familiar e, provavelmente, naquele contexto,
ainda “fresco” na memória das crianças: a praia e
“Terei sempre amado o mar.
o ambiente marinho.
Ele terá sempre apaziguado tudo dentro de mim.”
(Albert Camus)
O mar e seus mistérios – Iniciamos o trabalho com rodas de
conversa sobre experiências pessoais e, com isso, sondamos
o conhecimento prévio das crianças sobre o assunto. A partir
daí, montamos uma série de atividades diversificadas que
A criança se apropria ativamente da cultura do seu grupo e, por meio da vida social,
contemplam todas as exigências da proposta idealizada por
da comunicação com outras crianças e com os adultos, assimila as experiências que
nós, incluindo a comunicação da ciência com outras áreas do
tem com o ambiente em que vive e forma seu pensamento.
conhecimento.
O ensino de Ciências, especificamente para crianças na faixa etária dos 3 anos, deve
O assunto foi tão envolvente e suscitou uma série de
acontecer de forma prazerosa e significativa, de maneira que aquilo que se pretende ensinar
considerações das crianças: “Meu pai já foi no fundo do
esteja vinculado à realidade de vida de cada aluno. A ciência deve constituir uma ferramenta
mar!”; “Meu pai tem um aquário que tem moreia”; “Eu
importante de compreensão e interação das crianças com seu mundo. Teoricamente, essa
tenho um livro cheio de tubarões”; “Eu já fui com a
abordagem parece simples, clara e objetiva, no entanto é um dos maiores desafios para
minha mãe numa praia que tinha tartarugas”...
os educadores da Educação Infantil e exige deles uma constante análise e reflexão de sua
prática. Desconstruir a ideia de que a ciência é um conhecimento complexo demais para
A partir de relatos como esses, convidamos alguns
ser ensinado a crianças tão pequenas e de que a comunicação entre esse saber e as outras
pais para virem à escola dividir com nossos grupos
linguagens como Artes, Música e Culinária não existe foi o nosso primeiro passo para tornar
essa aprendizagem dinâmica, completa e significativa.
suas experiências. Organizamos essas visitas alinhando
os conhecimentos dos pais à nossa sequência didática.
Afinal, para a formação de um bom aluno, a família é tão
169
importante quanto a escola. Educação não se resume
concreto o estudo de Ciências é algo fundamental para
ao ensino formal, mas ao desenvolvimento integral
a compreensão e o entrosamento dos pequenos, por
em que a participação dos pais é necessária e
isso recorremos às tartarugas que vivem na escola a fim
colabora para o processo.
de promover momentos de observação, comparação e
descrição desses animais com seus “parentes” marinhos. Foi
Atravessamos a praia e fomos para o
um sucesso! Trazer o animal para a sala de aula, observar suas
mar encontrar ondas nas explicações
características e aprender palavras para descrevê-lo foi um dos pontos
apresentadas por um pai praticante de
altos do nosso projeto.
surfe. Do topo das ondas, mergulhamos
para o fundo do mar na companhia de um pai
Para fechar nossa pesquisa, nada melhor do que ir a um local onde se
mergulhador, com todos seus equipamentos
poderia observar o que, até então, os alunos viam somente em fotos ou
especiais. Na profundidade do oceano,
vídeos. Realizamos uma saída pedagógica ao Aquário de São Paulo. Mais
Andreza Martins de
descobrimos muito! Descobrimos até que
do que um passeio, essa visita proporcionou momentos de conversa e
Souza, Angela Ciupka,
animais marinhos viram frutos do mar num
troca de informações. Essas experiências não só enriqueceram o projeto
Daniela Fernandes Rosa,
delicioso prato. Essa descoberta foi facilitada
como proporcionaram aos alunos a vivência efetiva de situações de
Daniela Jaime Levino e
aprendizagem.
Lyara Vilches Contensini
pela parceria de uma mãe chef de cozinha.
são professoras do
Cada visita ampliou o contexto de pesquisa que estava
No fim, ao analisarmos todas as etapas realizadas, as
sendo desenvolvida até o aquele momento, trazendo uma
respostas, o interesse e, principalmente, o
abordagem diferente das fontes de informações comumente
aprendizado dos alunos, observamos que
utilizadas, como livros, vídeos, Internet e enciclopédias, e trouxe aos
o ensino de Ciências para crianças
alunos um novo olhar sobre seus pais: o de educadores. É importante as crianças
pequenas não somente é possível
descobrirem que o professor não é o dono do saber, que seus pais, assim como os
como também deixa claro a
pais dos colegas (e elas), também sabem.
ideia de que tudo aquilo que
ensinamos e aprendemos
E as descobertas não pararam por aí! O sabor do mar e
é real. Conhecer faz parte
sua biodiversidade impressionaram as crianças. Em um
do mundo das crianças
mergulho imaginário, elas “viram” animais temidos e
do Infantil 3; descobrir
criaturas frágeis como um simples caramujo. Entre
como faz é parte do
tantos animais, um chamou especial atenção e tornou-
aprendizado dos
se o nosso objeto de estudo, a tartaruga marinha. Tornar
educadores.
Infantil 3. Aline Prates
Stroeh é Orientadora
Pedagógica do Infantil 3.
Crianças, índios
e um universo comum
Alunos do Infantil 4 se surpreendem com a riqueza da cultura indígena brasileira.
vivenciam o aflorar da curiosidade, do conhecer, do desvendar e do questionar. Em busca
de ampliar seu repertório e conhecer mais o mundo em que estão inseridas e com o qual
interagem ativamente, elas perguntam, levantam hipóteses e parecem querer decifrar todos
os mistérios do mundo ou, pelo menos, aquilo que lhes parece um mistério.
Visando estimular essa curiosidade natural da criança e auxiliá-la a conhecer o
mundo do qual faz parte, o estudo de Ciências proporciona situações de aprendizagem que
as incentivam a elaborar suposições, a apresentar dúvidas, a observar, a buscar informações
em fontes variadas e a registrar suas conclusões. Dessa forma, estabelecem relações entre
o que já sabem e o que aprenderam com base em pesquisas e, assim, sistematizam seu
172
Desde muito pequenas, as crianças observam, exploram e interagem com o
conhecimento.
ambiente em que estão inseridas. Todos os dias, elas se deparam com novos desafios, muitas
novidades e conquistas. Por volta dos quatro anos, as crianças passam a ter maior domínio
partir de suas próprias experiências; dessa maneira, imaginam que todos vivam como elas.
motor e também um vocabulário cada vez mais rico, o que faz com que se comuniquem com
Entrar em contato com uma cultura diferente da sua é importante para que desenvolvam
mais facilidade e clareza. Como característica marcante dessa fase da vida, as crianças
valores, posturas e atitudes em relação a si mesmas, em relação ao outro e ao ambiente.
Nessa idade, as crianças ainda são bastante egocêntricas e conhecem o mundo a
173
“Um índio descerá de uma estrela” – Como a curiosidade abrange os mais diversos assuntos,
escolhemos um tema que desperta o interesse das crianças, fornece respostas a uma série de
questões que apresentam e proporciona situações nas quais elas também ampliam sua visão
de mundo: culturas indígenas.
175
174
Os povos indígenas fazem parte de nossa história, da origem de nosso país, nos
influenciaram em vários aspectos, e sua arte e música são muito próximas do universo infantil.
O Brasil abriga ainda hoje centenas de povos indígenas que guardam semelhanças com
nossa cultura. No entanto, apesar dessas semelhanças, cada etnia tem suas especificidades
culturais. Variam as línguas, as formas de organização social e política, os rituais,
os mitos, as formas de expressão artística, as habitações, as maneiras de se
relacionar com o ambiente em que vivem. Admiti-los como iguais seria um
desrespeito à riqueza cultural dos povos. Assim, cada turma do Infantil 4
conheceu e estudou uma etnia diferente: Munduruku, Xavante,
Kuikuru, Karajá e Guarani.
O estudo durou um semestre. Primeiro, fizemos um levantamento
do que as crianças sabiam e obtivemos respostas mais próximas do
senso comum: “Os índios ficam pelados, isso é muito diferente da gente!;
Os índios usam flechas para matar os animais!; Eles se pintam com tinta, mas os índios não
têm tinta! Então, eles pegam as flores coloridas, colocam na água do rio, depois eles fazem
uma tinta e se pintam!; Os índios falam chinês!; Eles matam os bichos com as flechas pra
comer!; Eles bebem água do rio!”
Desconstruir essas ideias e descobrir
que os índios apenas se organizam socialmente de
forma diferente, mas mantêm vínculos familiares,
trabalham e festejam como todas as pessoas, é o
grande desafio desse trabalho.
Utilizamos mapas para localizarmos as
aldeias dos povos estudados, o que despertou um
grande interesse e também surpresa nas crianças,
pois elas souberam que, em São Paulo, no estado
176
em que residem, há uma aldeia do povo guarani.
Mostramos fotografias de povos indígenas e alguns
artefatos utilizados por eles, o que mobilizou as
crianças a também trazerem materiais de pesquisa
sobre o assunto.
Já mais familiarizados com o tema,
perguntamos o que gostariam de saber a respeito
das etnias, e elas levantaram questões como: “As
crianças brincam de bola?; Os índios andam de
barco?; A mamãe índia trabalha? E quem cuida
do bebê?; Os índios têm dinheiro?; Eles vão na
escola?; Eles têm brinquedo?; Eles choram?”; essas
perguntam revelam uma busca de identificação, a
partir de suas próprias vivências.
Fomos, então, em busca de respostas
para as perguntas e, para isso, pesquisamos em
diversos livros, muitos deles dedicados ao público
infantil, escritos pelo indígena Daniel Munduruku.
Buscamos informações no site do ISA (Instituto
Socioambiental),
que
desenvolve
pesquisas
criteriosas a respeito dos indígenas brasileiros e
nos fornece dados bastante confiáveis.
Abordamos, principalmente, os temas: moradia, alimentação, brincadeira e arte.
A arte, a música e a dança indígenas são muito próximas do universo infantil,
Ao estudarem as moradias, as crianças descobriram a riqueza e pluralidade das casas
e nossos alunos puderam fazer muitas experiências nesse sentido. Entraram em contato
indígenas, existentes em todo nosso território, e desconstruíram a ideia de que toda casa de
com materiais naturais, como argila, penas e sementes, produziram artefatos indígenas,
índio se chama oca, como popularmente ouvimos falar. Elas descobriram que nem todas as
aprenderam canções de várias etnias e dançaram acompanhando os ritmos dos índios.
aldeias são iguais e que cada uma se organiza de uma maneira distinta. Ao compararem a
Também fizeram tintas naturais, conheceram e reproduziram grafismos indígenas.
moradia indígena com aquela em que vivem, as crianças foram levadas a pensar em que lugar
cada uma está inserida e como isso se relaciona com o material utilizado em cada construção.
há uma réplica de uma aldeia indígena. Lá, puderam conhecer representantes de
Assim, o olhar que estava inicialmente voltado para o índio começou a ampliar-se para o
alguns povos e vivenciar um dia na aldeia, com atividades organizadas pelos próprios
ambiente em que as crianças vivem.
indígenas. Por meio dessas vivências, as crianças foram se apropriando de realidades
e valores importantes, como o respeito à diversidade.
A partir daí, abordamos o tópico da alimentação entre os índios. Frutas e caças
Para enriquecer ainda mais o estudo, foram visitar o Sítio do Sol, local onde
foram as hipóteses levantadas pelas crianças, embora também tivessem trazido elementos de
sua rotina, como refrigerante e bolacha, por exemplo. Os alunos ficaram muito satisfeitos ao
do que aprenderam.
compararem a alimentação indígena com a delas e descobrirem que ambas se assemelham
em muitos aspectos.
de observar, conhecer, estabelecer relações e fazer comparações entre a nossa cultura
e a desses povos; contudo, mais importante do que buscar as diferenças foi reconhecer
As brincadeiras indígenas despertam interesse especial. Nesse momento, as
crianças fizeram um levantamento das brincadeiras que conhecem e se surpreenderam ao
Para finalizar o estudo, montaram uma rica exposição com seus trabalhos, resultado
Ao travarem contato com a cultura indígena, as crianças tiveram oportunidade
as semelhanças, de modo que se estabelecessem a empatia e o respeito pelo diferente.
descobrir que as crianças indígenas têm brincadeiras parecidas com as delas, mas adaptadas
ao seu meio: assim como elas, brincam bastante e experimentam uma série de brincadeiras,
como o revezamento de tora e de chocalho, peteca, cama de gato, tiro ao alvo e brincadeiras
Paula Vasconcelos, Renata Maltempi, Roberta de Vita, Robervânia Araújo e Thaís Neves são
de roda.
professoras do Infantil 4. Flávia Duran é orientadora pedagógica do Infantil 4.
Alunos entram no universo
do artista plástico Luiz Hermano
e produzem sua própria arte
Infantil 5 constrói esculturas de arame e contas influenciados pela arte de Hermano.
180
“O ser humano é, por natureza, um ser criativo.
No ato de perceber, ele tenta interpretar e,
nesse interpretar, já começa a criar. Não existe
um momento de compreensão que não seja ao
mesmo tempo criação. Isso se traduz na linguagem
artística de uma maneira extraordinariamente
simples, embora os conteúdos sejam complexos.”
Fayga Ostrower
Um dos objetivos das aulas de Artes
criança na Educação Infantil se encontra
na Educação Infantil é “construir um olhar” a
em fase de pensamento concreto e utiliza
partir do “observar”, “sentir”, “expressar”,
seus
“fazer” e “refletir” dos alunos. A criança,
experiências. Nessa etapa, as atividades
dessa forma, ressignifica seu mundo interno
artísticas propiciam ricas oportunidades para
e externo. E como o mundo é repleto de
o desenvolvimento dos alunos, uma vez que
significados e cheio de descobertas nessa
colocam ao seu alcance os mais diversos
fase da infância!
tipos de materiais para manipulação.
O ensino de Artes investiga o senso
estético, a sensibilidade e a criatividade. A
sentidos
para
enriquecer
suas
Quando as habilidades infantis
são estimuladas, ajudam no processo de
“O que em mim sente
está pensando.”
182
aprendizagem, pois desenvolvem a percepção
exposição Templo do corpo, na Pinacoteca
e a imaginação – habilidades indispensáveis
de São Paulo, quando também lançou seu
para a compreensão de outras áreas do
livro Luiz Hermano, pela Imprensa Oficial.
conhecimento humano. John Dewey, em sua
Suas obras ainda fazem parte de acervos
obra Arte como experiência, defende que
e coleções de prestígio – Coleção Gilberto
a subjetividade é inerente à arte e que,
Chateaubriand, Rio de Janeiro; Biblioteca
por esse motivo, por meio da técnica e da
Nacional de Paris, França; e, em São Paulo,
mediação de uma linguagem, ela se torna
Masp, MAM, Pinacoteca do Estado, entre
também objetividade, algo sobre o qual
outras.
podemos partilhar sensações e reflexões
efetivas. Expressar uma experiência é
de vídeos da vida e obra do cearense, leitura
qualificá-la; logo, é também exercer, por meio
de trabalhos desse artista e conversas
dela, a inteligência, no esforço elaborado da
com nossos alunos sobre suas percepções
comunicação. A arte, diz Dewey, depende da
e sensações. Posteriormente, levamos as
“completa interpenetração” entre o sensorial
crianças a uma exposição de Luiz Hermano
e o intelectual.
intitulada Rio de Contas, na Galeria Nara
Para que a criança possa fruir
Roesler. Lá, tiveram a oportunidade de ver
a arte de maneira mais plena, o estudo
bem de perto algumas obras em que – repletas
da vida e obra de artistas contemporâneos
de contas de formatos e cores diferentes, em
é imprescindível. Um dos artistas que
resina, plástico, acrílico e madeira, moldadas
escolhemos como foco de estudo em 2010,
por arame – continentes, rios, caravelas e
no Infantil 5, foi Luiz Hermano.
luas eram retratados magicamente… Além
Nosso Hermano – Nascido no
da beleza e da arte, puderam perceber
Ceará, em 1954, Luiz Hermano Façanha
também a matemática presente em cada
Farias veio morar em São Paulo, quando
obra, pois todo o trabalho de Luiz Hermano
foi convidado a realizar uma exposição
envolve relações e sequências lógicas na
de desenhos no Masp, em 1979, e outra
sua elaboração.
de gravuras, em 1981. Desde então, vem
construindo uma respeitável trajetória no
estrutura de conjuntos, como Continentes e
circuito das artes, com inúmeras exposições
Caravela, cujo princípio de organização de
individuais e coletivas nas principais capitais
alguns volumes configura o todo. Já as outras
brasileiras e no exterior. Em 2008, realizou a
se estabelecem pela unidade, como Rio das
Iniciamos o trabalho com a análise
Luiz Hermano criou obras com
Contas, com suas correntes que formam
Fernando Pessoa
rodamoinhos; Artifícios, na qual peças
pretas e brancas listradas provocam ilusão
de movimento; além de Sudário, Lua Cheia,
Trombetas e as demais obras que compõem
a exposição. Em todos esses trabalhos, o
favorecer o aumento e maior qualidade
artista utilizou materiais prontos, aliados a
da observação de nossos alunos e,
um fazer artesanal.
consequentemente, ampliar seu repertório
Por meio desse trabalho, pudemos
A cada obra observada, era visível
cultural, pois, ao aproximar-se do objeto
a admiração por parte de nossos alunos.
estético, a criança comunica-se com
Eles discutiam cada pequeno detalhe e não
ele, reflete sobre sua opinião com outra
se privavam de fazer comentários sobre as
pessoa e com o mundo e estabelece novas
obras de que mais gostavam. Além disso,
perspectivas.
vibravam ao encontrar no espaço da galeria
algumas das obras estudadas em sala de
esse mergulho no universo de Luiz Hermano
aula e discutiam, orgulhosos, cada detalhe
e em seu “rio de contas”, cada turma, em um
apresentado, como a sequência de cores ou
trabalho coletivo, colocou em prática tudo
formas, tamanhos e repetições, sensações
o que aprendeu com esse estudo: a partir
provocadas, pensando sempre em qual seria
da imaginação criadora e da expressão de
a intenção do artista ao produzir cada peça.
cada elemento do grupo, a turma produziu,
Hora de produzir, reproduzir – Após
coletivamente, sua própria escultura, usando
arame, contas e materiais diversos.
O trabalho com essa linguagem
possibilita e provoca o encontro das crianças
com dimensões e representações do mundo,
do espaço e tempo, do movimento, bem
como a experiência sobre o próprio corpo no
espaço. Essa linguagem convida ao brincar,
ao jogo lúdico com o vazio e o cheio, com
o duro e o mole, com o áspero e o liso, com
a mistura de cores e formas, com o ar e
183
sua apreensão. Convida ainda a estabelecer
relações entre repouso e movimento, entre
espaço e tempo, capturados e expressos na
linguagem da escultura.
Ao realizarem esse trabalho,
nossas crianças vivenciaram todas as
possibilidades que a linguagem da escultura
oferece, e o resultado dessa experimentação
pôde ser apreciado numa bela exposição que
realizamos no início de agosto de 2010.
Ana Christina Nebó, Andréa Assumpção,
Fernanda Campanhã, Monica Conte e Paloma
Jordão são professoras do Infantil 5. Maria de
Remédios F. Cardoso é diretora da Educação
Infantil e coordenadora do Infantil 5.
185
A investigação científica
no Ensino Fundamental
Alunos do 8º ano do Ensino Fundamental aventuram-se em pesquisa científica.
Assim, além de conhecer
Iniciar-se nas ciências – O trabalho de Iniciação Científica
uma série de conceitos,
do 8º ano do Ensino Fundamental estruturou-se nas bases
os estudantes também
apresentadas anteriormente e permitiu uma experiência
precisam entrar em
investigativa bastante importante para nossos alunos.
contato com determinado
A ideia foi proporcionar uma sistemática de trabalho similar
procedimento investigativo
ao cotidiano dos cientistas, considerando o contexto escolar,
para, então, compreender
de forma que os estudantes vivenciassem diferentes etapas
uma atividade que ocupa
do ato de investigar.
grande parte do tempo dos
Formar cientistas mirins
A ciência é uma forma de
A maneira particular
não é, definitivamente, um
compreender o mundo,
pela qual a ciência se
dos objetivos do ensino de
de explicar a natureza.
faz, com o método de
Ciências Naturais da Móbile.
Ciências são óculos que,
produção e validação do
Mas isso não quer dizer
uma vez colocados por
conhecimento científico,
que, ao longo do Ensino
sobre os olhos, possibilitam
permite agrupar disciplinas
Fundamental, nossos alunos
enxergar o mundo de outro
tão diferentes, como
não possam ser iniciados
modo. Naturalmente, há
Química, Biologia, Física
nas ciências.
outros óculos, além dos
e Geologia em um único
científicos, que podem
grande grupo denominado
também nos mostrar tudo à
Ciências Naturais. Uma das
nossa volta, mas é por meio
características centrais da
dos “óculos da ciência”
produção do conhecimento
que os fenômenos naturais,
científico é a investigação,
como os trovões, por
que deve ser considerada
exemplo, ganham dimensão
como conteúdo estruturante
mais complexa. A ciência
na formação fundamental
entende o mundo buscando
dos alunos.
explicações passíveis de
testes e validações e, por
isso, confiáveis.
cientistas.
Tudo se iniciou com a definição dos grupos de trabalho e a
proposição de um desafio único para a série: realizar uma
pesquisa sobre saúde e alimentação na adolescência que
contemplasse, no mínimo, uma amostra de 100 pessoas.
Num primeiro momento, o tamanho dessa amostra pareceu
assustador ou impossível para os alunos, todavia percebeuse que, na verdade, isso se constituiu num dos fatores de
motivação para a realização do trabalho.
A partir de um grande tema vinculado à vivência dos alunos
(saúde e alimentação), oito subtemas foram escolhidos
e distribuídos entre as classes: “Consumo de fast food”;
“Alimentação e mídia”; “Consumo de doces”, “Uso da
cantina”; “Prática de atividades físicas”; “Alimentação
diária”; “Cuidados básicos com a saúde”; “Alimentação no
recreio”.
Partindo dos subtemas, cada quarteto de alunos elaborou
duas grandes “perguntas de investigação” (perguntas
científicas). Essas questões seriam respondidas apenas
na etapa final do trabalho, após uma coleta de dados
que contemplasse entrevistas com os adolescentes da
escola e pesquisa bibliográfica. Para cada “pergunta de
187
investigação”, o grupo ainda elaborou uma metodologia
da metodologia adotada, dos resultados obtidos e das conclusões elaboradas, assim como
adequada à sua resolução, e todas essas informações foram
a replicação do estudo por outros pesquisadores – característica fundamental no processo
reunidas num produto intermediário denominado “Projeto
de validação do conhecimento científico.
de Pesquisa”.
A etapa seguinte do trabalho envolveu orientação, o que se deu nas correções comentadas
de cada projeto de pesquisa e nas conversas entre os professores e os grupos de trabalho.
A orientação, com base na correção dos projetos de pesquisa, permitiu ajustes na
metodologia de cada “pergunta de investigação” e, assim, os grupos estavam preparados
para iniciar a coleta de dados. Cada classe do 8º ano ficou responsável por analisar uma
O que leva os adolescentes à pratica de atividades físicas?
série que compõe o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano).
70
60
Para tabular e analisar estatisticamente os dados coletados, inicialmente os alunos
50
participaram de duas oficinas para tratamento de dados fictícios, utilizando-se do programa
Excel. Durante as aulas destinadas à análise das informações, os grupos de trabalho
puderam discutir e decidir, com maior embasamento, as melhores estratégias gráficas para
58
número de
adolescentes
40
30
representar seus objetos de estudo. Todo o trabalho de investigação foi finalizado na forma
20
de um “relatório científico”, gênero textual trabalhado, em Língua Portuguesa, ao longo
10
de todo o 8º ano, que permitiu, de uma maneira objetiva, o registro escrito da descrição
0
22
3
obrigação
diversão
outros
A Iniciação Científica do 8º ano proporcionou o aprofundamento de conteúdos específicos
estudados nas disciplinas de Ciências Naturais e Matemática e, acima de tudo, fez com
que nossos alunos pensassem cientificamente sobre um tema. Além disso, o mote que
sustentou todas as pesquisas possibilitou discussões e reflexões sobre comportamentos
e hábitos pessoais e de grupo, atitudes preciosas para a manutenção do bem-estar
individual e coletivo.
Para que o aprendizado de Ciências ocorra, não basta construir um acesso aos conceitos
e fenômenos, é também necessário formar o aluno para que ele possa se expressar e pensar
cientificamente. É nesse sentido que o trabalho de Iniciação Científica do 8º ano se justifica
e passa a ser fundamental.
A poesia está
nas palavras
Alunos do
2º ano do Ensino
Fundamental
estudam poemas,
enquanto
brincam com
as palavras
Palavra: unidade da língua formada por um ou mais fonemas, matéria-prima
do poeta, pedra valiosa em estado bruto. O ofício daquele que exerce a arte
de dizer muito em poucas palavras não é fácil, mas uma prática engenhosa,
de muita pesquisa e reflexão. Ele faz com que seres inanimados tornem-se
animados, transpõe o sentido objetivo de um termo a outro, figurado; cria
musicalidade combinando sons, une, enfim, todos esses elementos para
formar um poema que, como uma janela aberta, evoca realidades por vezes
inimagináveis, reveladas somente àquele que “penetra surdamente no reino
das palavras”, como disse Drummond.
Valorizar o texto poético como uma forma artística de expressão escrita é o
que faz a disciplina de Língua Portuguesa na Móbile. Como é possível ensinar
João Carlos Micheletti Neto é professor de Ciências e Silmara Parra é professora
de Matemática, ambos do Ensino Fundamental II.
tal gênero de tamanha complexidade a crianças de apenas sete anos? Quem
responde a isso é o poeta José Paulo Paes em sua obra Poemas para Brincar,
adotada pelo 2º ano.
Ao receberem o segundo livro de poemas, Rimas animais,
de César Obeid, os alunos já estavam familiarizados com a
Convite
organização gráfica do texto formado por versos e estrofes,
bem como já sabiam reconhecê-lo devido ao ritmo
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
característico do gênero. Contudo, as criações de Obeid
reforçaram o caráter oral da poesia por tratar-se de uma
literatura de cordel, profundamente ligada à cantoria
dos repentistas que usam a viola para embalar seus
versos improvisados. Os poemas escritos em forma
rimada e metrificados em sextilhas, setilhas, oitavas
192
e décimas apresentavam alguns animais, suas
Só que
bola, papagaio,pião
de tanto brincar
se gastam.
características, seu modo de vida e curiosidades
acerca deles. Além disso, o escritor registrou em
seu livro palavras ligadas ao universo da ciência
para que o leitor tivesse mais informações
sobre o tema.
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
Após lerem os poemas em voz alta nas
rodas de leitura e se divertirem com as
descobertas sobre os animais, os alunos,
que há pouco haviam passado pelo
processo de alfabetização, elaboraram,
em duplas, os seus “ensaios” na arte
Como a água do rio
que é água sempre nova.
Como cada dia
que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?
de fazer poesia. As produções sobre
os animais surpreenderam pela
O envolvimento com esse gênero literário foi
diversidade de imagens criadas.
estimulado nos alunos pelo prazer de recitar
Também não faltou criatividade
os poemas em voz alta – guiando-se pela
para fazer as ilustrações utilizando
musicalidade dos versos –, pelos jogos de
a técnica da colagem, a partir
memória (troca-letra, adivinha-onomatopeia),
da referência de Andréia Vieira,
entre outras possibilidades relacionadas ao
ilustradora do livro Rimas
rico universo da poesia.
animais.
193
Clara Sampaio Laranjeira e Camila Rozenblit Tiferes.
194
195
Arthur Zanini de Salles Aguiar e Luana Kitagawa Cunha Soares.
196
197
Juliana Nakano Myazaka e Mariana Marques Alves Bocuzzi.
199
Amanda Leal Netto Campos e Gisele da Costa Dubois.
201
Visita poética – A última palavra do projeto
ficou com o poeta César Obeid. Em um
animado encontro com os alunos da Móbile,
ele mostrou que a poesia está no dia a
dia. Rimando, brincou com as palavras, ao
cantar repentes a partir dos nomes das
crianças, e criou histórias usando barbantes.
Ao final da reunião, César foi presenteado
com os ensaios poéticos feitos pelos alunos.
202
Os olhos vibrantes, as risadas escancaradas,
os ouvidos atentos foram traços de uma
experiência única entre o poeta, a palavra
e o leitor.
Sem mais palavras.
Márcia Ruiz é assessora de Português
do 2º ano e trabalhou em conjunto com a
coordenadora Lucelena M. de Souza Lee
e com os professores do 2º ano Bárbara A.
Pozas, Débora M. Zardi, Priscila M. Ribeiro,
Rodrigo L. de Castro e Talita D. Fagundes.
Entes mágicos
e histórias fantásticas
3º ano do Ensino Fundamental trabalha com universo imaginário nacional.
Quem nunca ouviu histórias sobre as estripulias do Saci-Pererê
e sobre a maldição da Mula-sem-Cabeça? Quem nunca sentiu
204
medo do Lobisomem, aquele ser estranho, metade homem e
metade lobo? Quem nunca se encantou com o Boitatá e com
seu corpo flamejante? Esses e outros seres fantásticos que
povoaram o imaginário infantil brasileiro durante décadas são
reavivados nas aulas de Português do 3º ano.
Com o objetivo de ampliar o universo cultural de nossos alunos
e de aprofundar o contato com histórias da tradição oral, que
constituem a identidade de um povo, trabalhamos com as
narrativas mitológicas, gênero que procura explicar a existência
do mundo e seus mistérios.
Inspirados pelas histórias e pelas ilustrações de Marcelo
Xavier, organizadas no livro Mitos (Editora Formato), os alunos
se encantaram pelo universo mítico e rechearam suas mentes
de histórias protagonizadas por seres fantásticos, repletos de
poderes e transformações. O encantamento se estendeu para
o campo de outras sensações ao experimentarem os sons
produzidos por esses seres enigmáticos cercados pela natureza
e seus mistérios.
Mestre André – Embalados por Mestre André, um contador de histórias típico do interior
brasileiro, as crianças percorreram diferentes cenários e conheceram diversas narrativas
fantásticas de nosso folclore. As ações das personagens e as características físicas e
psicológicas de seres singulares e fascinantes foram exploradas nas discussões em sala e
nas rodas de leitura promovidas pelas professoras.
Do primeiro contato com o livro, passando pelas sessões de “contação de histórias”, os alunos
vivenciaram a experiência de explorar o exercício de autoria e utilizaram os conhecimentos
adquiridos no decorrer do trabalho, além da intuição, para criar as características de seus
206
próprios seres.
207
O exercício de inventar, de dar existência ao que não existe,
coaduna-se, portanto, no processo de produção, com capacidades
artísticas e intelectuais que o aluno, no decorrer das situações de
aprendizagem, tem a oportunidade de desenvolver e aprimorar.
Ana Lúcia Ribeiro de Almeida é orientadora do 3º ano do Ensino
Fundamental. Adriana Caravieri Rosa, Aluani Tordin de Oliveira,
Fábia de Cássia B. dos Santos, Lara Portes Oliva e Marina Callil
Voos são professoras do 3º ano do Ensino Fundamental.
Há muito tempo, aprender uma língua estrangeira deixou de
Atualmente, passou a incorporar em seu processo de ensino contextos
sociais que permeiam o uso do idioma e a herança cultural que faz da
língua um objeto de estudo vivo e dinâmico.
O ensino da literatura busca retratar e recriar as questões
humanas universais, numa linguagem esteticamente trabalhada e
transgressora que possibilita ao aluno, entre outras coisas, descobrir-se
e reconhecer-se. Por essa razão, o uso de recursos literários no ensino
de línguas estrangeiras (em nosso caso, mais especificamente da língua
inglesa) vem ganhando espaço na sala de aula, pois eles aproximam
os alunos das múltiplas faces da linguagem, colocando-os em contato
com diferentes aspectos de uma língua. Os textos literários são, por
natureza, um recurso vasto e muito rico que abarca uma diversidade
de manifestações culturais, sociais e histórias específicas de uma
sociedade. Quando inseridos no processo educacional, possibilitam
que o aluno desenvolva uma leitura crítica e transfira para a sua
realidade, eventualmente, os valores veiculados nas obras. Dessa
forma, é possível desenvolver uma consciência crítica que permitirá ao
C.S. Lewis
our lives have already become.
and provides; and in this respect, it irrigates the deserts that
It enriches the necessary competencies that daily life requires
Literature adds to reality, it does not simply describe it.
ser o simples estudo de códigos e treino de habilidades específicas.
educando avaliar, julgar e ler o seu próprio mundo, tornando-se assim
um sujeito pensante, questionador e reflexivo, com espírito crítico e
ativo em aspectos sociais, políticos ou emocionais.
contextos de comunicação e expansão do conhecimento sobre a
língua estrangeira aprendida. Por meio da literatura, possibilitam-se
discussões, troca de experiências e opiniões. Ao examinar os valores
contidos nos textos literários, leitores estabelecem conexões com o
mundo fora da sala de aula e ampliam seus universos culturais.
Os autores Carter e Long (1991) desenvolveram três modelos
de abordagens para a inserção da literatura nas aulas de línguas
estrangeiras. No modelo cultural, a literatura é vista como fonte de
informação, pois ela é capaz de aproximar o leitor de diferentes culturas
e ideologias contidas nas obras literárias. Esse modelo parte do estudo
de aspectos biográficos, sócio-históricos e culturais presentes nos
textos literários. No modelo de linguagem, a literatura é abordada como
instrumento de aprendizagem da língua estrangeira. É a partir desse
modelo que acontece a aquisição de vocabulário e novas estruturas
linguísticas que se fazem presentes no texto literário. Já o modelo de
crescimento pessoal propicia a apreciação da literatura como forma de
compreensão de nossa sociedade e cultura. Esse modelo permite que o
leitor se aproprie do texto literário e estabeleça conexões entre a obra
e o seu próprio mundo.
Oscar Wilde
A inserção de literatura nas aulas de língua inglesa propicia
contato com materiais autênticos, observação da linguagem em diversos
“Literature always anticipates life. It does not copy it, but moulds it to its purpose.”
208
Por que usar textos literários nas aulas de língua estrangeira?
Além da história:
a ampliação do universo
cultural nas aulas
de Inglês por meio
da literatura
Nas aulas de Inglês do Ensino Fundamental II e do Médio da
Móbile, propomos a integração dos três modelos teóricos propostos por
Carter e Long. Esse trabalho se inicia com a escolha da obra a ser lida,
209
que é feita levando-se em conta o nível linguístico e de maturidade dos alunos. Os clássicos
da literatura de língua inglesa sempre encabeçam nossas opções, pois colocam os alunos em
contato com um tipo de narrativa ficcional distante de seus universos, fazendo da leitura algo
motivador e desafiador.
Depois de feita a escolha, começamos a abordar o primeiro dos três modelos
mencionados (modelo cultural), que acontece mesmo antes da leitura da obra literária.
Nessa etapa do trabalho, os alunos entram em contato, por meio de uma palestra em língua
inglesa, com o contexto histórico da obra para que possam estabelecer eventuais relações
com a contemporaneidade, além de promover uma reflexão sobre as marcas expressivas
de determinada geração. É nesse momento, também, que a biografia do autor é apresentada
aos alunos.
Uma vez que o conhecimento acerca do contexto de produção da obra esteja
garantido, os alunos começam a sua aventura para desvendar a obra sugerida, entrando no
segundo modelo, o da linguagem. Um dos objetivos, nesse momento, é colocar os aprendizes
em contato com o uso da linguagem em suas diversas formas para que possam construir
discursos bem elaborados estando em contato com elementos linguísticos que visam à
expressão de sentimentos e ideias de maneira clara e coesa. Além disso, o contato com uma
Momentos de Reflexão
modalidade privilegiada de comunicação possibilita a instauração do diálogo entre textos e
leitores de todas as épocas, visando à compreensão do indivíduo em relação aos valores de
determinados contextos sociais.
“By knowing how Edgar Allan Poe suffered in life and all he went through, it´s
213
easier to understand why he writes about death and pain. It made it easier to
understand the tales.”
(Thais Branco, 9º ano)
Momentos de Reflexão
“I understand the reason of sadness in Poe´s stories. So the stories made
“With information about the author I could understand why he wrote those
more sense to me, they weren´t just stories made to scare people, they were
important for Poe because they helped him go through his hard life.”
(Mariana Stefani, 9º ano)
“The information about the author made me understand the story better
because when I understand John Steinbeck´s life, I understand his opinions
and consequently the book.”
stories; I could understand his style of writing.”
(Gabriela Vianna, 9º ano)
“I could understand how the characters had been created. The characteristics
of the characters were similar to people that Lewis Caroll used to know.
(Daniela Machado, 8º ano)
(Cristiana Pietracola, 9º ano)
“The information about the author helped me read the book and understand
how Lewis Carol’s characters were created.”
(Henrique Caldas Oliveira, 8º ano)
Alguns teóricos defendem que a literatura possibilita o desenvolvimento de
habilidades de leituras de épocas e da cultura de um país. Permite também o aprimoramento
da capacidade expressiva, artística e interpretativa, promovendo o diálogo entre textos de
diferentes épocas e autores.
Momentos de Reflexão
Apropriar-se do texto literário para estabelecer conexões entre a obra e o seu
próprio mundo é um dos objetivos do trabalho desenvolvido com literatura nas aulas de
“I could learn the influence of Victorian era in the story.”
(Stephanie Haspo, 8º ano)
Inglês.
Como fechamento para a análise literária, foi proposta aos alunos de 8º e 9º ano
uma reflexão sobre a importância da contextualização da vida do autor, do seu estilo e dos
“Now I know how Charles Dickens lived and how the social condition influenced
the book.”
aspectos sócio-históricos que permearam o momento de produção da obra literária. Algumas
das citações produzidas, a visão sobre como cada aluno percebeu a leitura proposta e os
ganhos obtidos são ilustrados a seguir:
(Mariana Araújo, 8º ano)
“I could deeply see the characteristics of the characters and besides that I
could understand the situation of England at that time.”
(Daniela Taouil, 8º ano)
É sabido que o ensino da literatura contribui efetivamente para o desenvolvimento
da capacidade leitora, indispensável ao exercício da cidadania. O mergulho numa boa obra
literária permite a ampliação das habilidades básicas de análise e interpretação de textos
(levantamento de hipóteses interpretativas, considerando os recursos, tanto estilísticos
How did the information about the author and his piece
of writing contribute to your reading of the book?
“It contributed to my understanding of who the characters were based on.”
(Henrique Ferreira, 8º ano)
“By knowing the style and the birth place of Lewis Caroll, I could understand
things related to the habits of his country”
“You can see that many acts from the book are a kind of mirror to Poe´s
life. Throughout his life, he had a lot of deaths and in his stories we can see
that too.”
E. M. Forster
(Isabela de Angelis, 9º ano)
wrote.
condition of the man who
who reads it towards the
it transforms the man
(Thais Bianchini, 8º ano)
great literature is that
What is wonderful about
Literatura
como forma
de compreensão
de nossa sociedade
e cultura: o olhar
dos alunos
quanto semânticos e expressivos).
215
“The context of the story was the context of Steinbeck´s life.”
(Luiza Bucker, 9º ano)
“I could understand the mind of the writer better, and his thoughts when he
Conheça mais
wrote those tales. That helped me understand the characters’ minds too.”
• Carter, R. & Long, M. (1991). Teaching Literature. Longman
(André Salem, 9º ano)
• Savvidou, C. An Integrated Approach to Teaching Literature in the EFL Classroom
http://iteslj.org/Techniques/Savvidou-Literature.html
They motivated me to read the book because I became curious.
(Andrea Moutinho, 9º ano)
Links - Literatura em língua inglesa
• http://www.online-literature.com/
• http://classiclit.about.com/od/bycountry/By_Country_Language_Find_Writers_From
216
Esse projeto possibilitou aos alunos fazer leituras mais complexas, contextualizadas
e significativas, além de ampliar seu repertório linguístico e cultural e estabelecer relações
entre a leitura e seus próprios mundos.
_Around_the_World.htm
• http://www.classicliterature.net/
• http://www.bartleby.com/cambridge/
• http://www.classic-literature.co.uk/classic-literature.asp
“I´ve tried to read the book as if I were Lewis Caroll.”
(Renata Batista, 8º ano)
Cláudia Colla de Amorim é coordenadora geral de Inglês da Móbile;
Livros lidos pelos alunos dos 8os e 9os anos
no 1º semestre de 2011:
• Christmas Carol (Charles Dickens)
• Through the Looking-Glass (Lewis Carroll)
• The Pearl (John Steinbeck)
• Tales of Mystery (Edgar Allan Poe)
Paulo Rogério Rodrigues é professor de Inglês do Ensino Fundamental II
e coordenador do curso opcional Inglês Móbile.
217
Prática outrora restrita
Os alunos do Ensino Médio
A primeira turma do projeto
às boas universidades,
que participam do projeto
(2008/2009) produziu
passou a compor o quadro
de Iniciação Científica
um conjunto de Objetos
de projetos realizados
pesquisam temas de seu
Virtuais de Aprendizagem
pelos alunos do Colégio
interesse e de reconhecido
sobre temas relacionados
Móbile desde 2008. Trata-
valor cultural sob a
às Ciências Exatas e
se do projeto de Iniciação
orientação dos professores.
desenvolveu blogs sobre
Científica.
Eles iniciam suas pesquisas
importantes temas das
quando cursam o 2º ano
Humanas.
do Ensino Médio e, depois
218
de um ano, apresentam os
resultados em formato de
componentes virtuais que
podem vir a ser socializados
a outras pessoas
interessadas nos temas,
sejam elas da comunidade
Móbile ou não.
Trens, casas sustentáveis,
anarquismo, cinema
e muito mais
Alunos do Ensino Médio apresentam seus trabalhos de Iniciação Científica.
Jogos virtuais
Os alunos que fizeram parte da segunda turma do projeto de Iniciação Científica (2009/2010)
produziram Jogos Virtuais sobre temas relacionados a várias áreas do conhecimento.
A seguir, descrevemos os trabalhos realizados pelos alunos em Ciências e em Humanas:
219
Nas Ciências...
O aluno João Frederico Paredes, interessado em aspectos de Química, resolveu aplicá-
A aluna Natália Mello tinha por interesse cursar Engenharia Civil, como de fato o faz hoje.
los na produção de um jogo envolvendo mistério na solução das causas de um acidente
Não foi à toa, portanto, que se dedicou a pesquisar a respeito das características de
automobilístico. Para tanto, o usuário precisa colocar-se no papel de um perito criminal
construções residenciais que pudessem ser classificadas como “sustentáveis”. O resultado
que utiliza procedimentos clássicos de Química Forense. Aliás, Química Forense é o título
de sua pesquisa gerou uma simulação interativa, intitulada Construções Sustentáveis,
que João Frederico deu a seu jogo.
na qual o usuário projeta uma casa e, para tanto, deve escolher uma região do país,
materiais e equipamentos adequados. Dependendo das escolhas que realiza, sua obra
recebe uma classificação que pode ou não ser próxima, de fato, de uma construção
sustentável.
Trens de todos os tipos, desde as mais simples locomotivas a vapor até os modernos trens
magnéticos, sempre foram tema de interesse do aluno Jorge Luiz Moreira Silva. Quando
surgiu a oportunidade de estudá-los a fundo, Jorge a agarrou e realizou uma pesquisa
O interesse pela Biologia fez com que o aluno Henrique Rubira resolvesse pesquisar
de alta qualidade que resultou em um complexo jogo sobre o tema. Nesse jogo, intitulado
as condições que permitiram o surgimento da vida na Terra. Ao final de sua pesquisa,
Trens, para sair-se bem, um jogador precisa aprender um pouco do que Jorge estudou por
Henrique havia produzido uma interessante simulação, A origem da vida, em que o usuário
meio de interações sucessivas com as rotinas que ele mesmo programou.
escolhe determinadas características e, em função dessas escolhas, a vida surge e
se perpetua ou, em caso contrário, definha e desaparece. Como se vê, não foi pouco o
conhecimento de Biologia necessário para que Henrique produzisse algo tão complexo.
Música sempre é algo que atrai qualquer jovem, mas alguns deles, além de cantar e tocar
algum instrumento, preferem estudar os princípios científicos que norteiam os fenômenos
sonoros. Esse foi o caso do aluno Raphael Vianna, que pesquisou, concebeu e programou
um jogo intitulado Matemática e a música do violão. Convidamos a quem desejar conhecer
as regras de proporcionalidade envolvidas na construção da escala musical a interagir com
o jogo que Raphael produziu.
Nas Humanas...
Na área de Humanidades, os projetos versaram sobre temas relacionados à História e suas
O cinema sempre foi a grande paixão de Ana Carolina Balam Sebe. Ela escolheu estudar
fronteiras com outros espaços de produção de conhecimento. Os três alunos pesquisadores
a relação de um filme com o momento histórico em que foi produzido. Mais do que isso:
a seguir aproveitaram a oportunidade oferecida pela Iniciação Científica para ampliar seus
queria compreender o impacto que um filme pode ter na sociedade, assim como o retrato
conhecimentos sobre temas de seu interesse que envolvessem História, Arte e Política.
que uma obra cinematográfica pode fazer da sociedade na qual foi criada. Para isso, Ana
escolheu como foco de sua pesquisa a sociedade norte-americana e sua produção. A partir
de diversas listas feitas por críticos de cinema reconhecidos, elegeu obras representativas
das décadas de 1970, 1980 e 1990, assim como momentos históricos emblemáticos de cada
uma dessas décadas. O jogador transita, então, pelos diferentes momentos históricos
Pedro Loureiro Porto iniciou sua participação no projeto interessado em conhecer mais
e é levado a participar de cenas icônicas dos filmes escolhidos para cumprir uma missão
a fundo os processos de relação entre o surgimento de um movimento literário e o momento
que envolve uma máquina do tempo, testes e o resgate de um cientista maluco.
histórico no qual ele aconteceu. Partiu das profundas alterações sociais e econômicas
provocadas pela Revolução Industrial na Inglaterra no século XVIII para entender como
as manifestações literárias tinham reagido a essas transformações. Encontrou não apenas
uma, mas duas vertentes importantes que foram geradas pelo contexto histórico
da industrialização: a literatura policial e o Romantismo. De modo a restringir sua pesquisa
e estabelecer relações mais precisas, focou seus estudos em um representante
de cada movimento. O poeta Lord Byron (1788-1824) foi escolhido como representante
do Romantismo, enquanto o escritor Edgar Allan Poe (1809-1849) teve esse papel na literatura
policial. Seu jogo apresenta a cidade de Londres nas diversas fases da Revolução Industrial.
O jogador, que inicia o jogo como um camponês que procura trabalho na cidade, recebe
uma série de missões a serem cumpridas para auxiliar no desenvolvimento do processo
da industrialização e compreender as transformações que esse processo provocou
na sociedade inglesa. Para poder cumpri-las, é auxiliado pelos dois escritores, entrando
em contato com suas produções literárias.
O interesse de Caroline Cury sempre foi voltado para a política. Quando teve aulas sobre
anarquismo no 2º ano do Ensino Médio, ficou fascinada pelas propostas dos teóricos
anarquistas e sua atuação ao longo do século XIX. Porém, tinha dificuldade em imaginar
como seria possível – se é que seria – o desenvolvimento de uma sociedade naqueles
moldes, por isso escolheu esse tema para tratar ao longo de sua Iniciação Científica.
Focou seus estudos em dois teóricos, o russo Mikhail Bakunin (1814-1876) e o francês Pierre
Joseph Proudhon (1806-1865), para criar um jogo que simula uma sociedade anarquista após
o processo revolucionário, orientada pelas ideias desses dois pensadores. O jogo revelou-se
uma ferramenta didática extremamente interessante e funcional: os alunos do 2º ano de 2011
iniciaram seus estudos sobre anarquismo a partir dele. Puderam, assim, compreender
as teorias de Proudhon e Bakunin de forma lúdica, exercitando os limites da imaginação
e da construção de hipóteses.
Conheça esses trabalhos acessando http://www.escolamobile.com.br/?page_id=1885
A ciência vista com arte
Novas turmas: novos desafios
No segundo semestre de 2010, uma nova turma de alunos ingressou no projeto de Iniciação
Científica do Colégio Móbile. De 2008 – quando o projeto foi iniciado – até o final do ano
passado, dobrou o número de interessados em pesquisar e construir conhecimento
sobre temas que tangenciam os conteúdos curriculares, mas que não são tratados
especificamente durante as aulas. Para a turma que concluiu seus trabalhos em 2011,
o desafio foi a transformação de suas complexas pesquisas em vídeo-aulas dinâmicas
e acessíveis ao público. Os trabalhos resultantes dessas pesquisas poderão ser conhecidos
por você na próxima edição da Revista da Móbile.
Walter Spinelli é professor de Matemática do Ensino Médio (e coordenador geral do
projeto de Iniciação Científica) e Teresa Chaves é professora de História do Ensino Médio
(e coordenadora dos projetos de Humanidades).
Projeto interdisciplinar em Ciências da Natureza aproxima ciência e fotografia
no I Concurso Fotográfico da Móbile.
No início de 2010, os alunos do Ensino
Com o retorno positivo de alunos de
Fundamental II e do Médio foram instigados
diferentes idades sobre as exposições Mundo
a criar ângulos para retratar a ciência que
Vegetal e Mundo Animal, os professores
vêm conhecendo em sala de aula. De acordo
e coordenadores de Ciências do Ensino
com a série em que se encontravam, alguns
Fundamental e Médio imaginaram um evento
temas científicos foram propostos e os alunos
que envolvesse do 6º ano (EF II) ao 3º ano (EM)
puderam, então, representá-los por meio de
de forma a estimular o registro fotográfico
fotografias que foram inscritas no I Concurso
dos conteúdos científicos trabalhados.
Fotográfico da Móbile – Olhares da Ciência.
No contexto da aprendizagem científica,
A resposta foi surpreendente e gratificante:
essa relação entre arte e ciência facilita a
mais de 200 fotos inscritas. A comissão
sistematização de conteúdos científicos e o
organizadora do evento selecionou cerca
exercício do uso de uma linguagem específica
de 60 obras finalistas, de acordo com os
possibilita a expressão dos conhecimentos
critérios estabelecidos no regulamento
sobre esses conteúdos.
do concurso. Em seguida, dois fotógrafos
profissionais, Édson Grandisoli e Deco Cury,
A fotografia constitui, como se sabe, uma
Espaço virtual – A comissão organizadora
analisaram essas imagens e selecionaram os
linguagem extensamente utilizada no fazer
do concurso fotográfico reuniu informações
vencedores de cada série.
e no comunicar científicos: imagens de
sobre
o
trabalho
numa
ferramenta
satélite, imagens de microscopia, imagens
complementar, o blog http://olharesdaciencia.
Arte e Ciência – O concurso fotográfico
de fenômenos físicos e químicos, imagens
wordpress.com. Estimulando a interatividade
surgiu tendo como base as experiências
de seres vivos e ambientes naturais e tantas
e a pesquisa em ambiente virtual, o blog serviu
bem-sucedidas do projeto de exposição
outras permeiam o cotidiano da produção
de suporte para o concurso ao apresentar
de fotografias científicas realizado pelos
do conhecimento científico e de sua
o regulamento, disponibilizar um espaço
professores Carlos Eduardo Godoy e João
aprendizagem.
para que os alunos sanassem suas dúvidas,
divulgar as datas das oficinas fotográficas,
Carlos Micheletti Neto (Ensino Fundamental) a
partir de seus acervos pessoais. Inicialmente,
Com a realização do concurso fotográfico,
além de hospedar o link para a ficha de
as exposições pretendiam aproximar os
a Móbile reafirmou seu compromisso de
inscrição. Mais que isso, o blog funcionou
alunos das fotografias de elementos da
também formar cidadãos capazes de utilizar
como um espaço virtual de aprendizado
natureza, apresentando imagens de grande
diferentes linguagens para interpretar
ao propiciar referências aos estudantes,
beleza e possíveis de serem feitas com
conceitos científicos e comunicar suas ideias
apresentando imagens científicas diversas,
máquinas digitais simples.
tendo, ao mesmo tempo, prazer na criação
muitas delas participantes de concursos
artística e no aprendizado dos conteúdos.
fotográficos de prestígio internacional,
além de fornecer “dicas” fotográficas
oferecidas para outras situações, fato que
e informações científicas. No período do
ficou comprovado com a inscrição de muitas
Fotógrafo: Leonardo Gandur Giovanelli
concurso fotográfico, foram disponibilizadas
fotografias, produzidas em datas posteriores
Título da fotografia: Raios em dias sem chuva
mais de 70 postagens divididas em 4
às oficinas.
categorias (“Ciência e Arte”, “Concursos de
Fotografias Científicas”, “Dicas Fotográficas”
Álbum de fotos – As fotos submetidas ao
e “Galerias de Imagens”).
concurso foram exibidas em uma exposição
1º lugar – 3º ano – Ensino Médio
Tema: Eletricidade
Na foto é possível observar a presença de um raio entre
os dois polos do aparelho. O aquecimento deste se dá
pela rotação de uma manivela que faz com que as esferas
fiquem carregadas eletricamente; quando o campo elétrico
entre elas vence a rigidez dielétrica do ar, ele se torna um
meio condutor e ocorre a formação do raio.
Para obter a luz desejada, foi utilizado um anteparo preto.
Para obter o momento exato da foto, foi utilizado o modo
da câmera que tira foto-sequências enquanto o disparador
está pressionado.
no átrio da entrada da Diogo Jácome, a qual
Oficinas fotográficas – Cerca de 150 alunos
foi prestigiada por pais e alunos na segunda
participaram de oficinas que ofereceram
quinzena de novembro de 2010. Essas fotos
a eles a possibilidade de conhecer alguns
estão, agora, organizadas em um álbum de
dos recursos fundamentais da linguagem
fotos na Biblioteca da Móbile e disponíveis
fotográfica, como enquadramento, iluminação
para apreciação de todos.
e movimento. As oficinas fotográficas foram
divididas em duas sessões. A primeira parte
versou sobre esses fundamentos básicos da
linguagem fotográfica. Na segunda parte,
de cunho prático, os alunos estiveram
divididos em grupos que se revezaram em
três estações de trabalho: fotografia still,
fotografia de paisagem e fotografia macro.
As estações de trabalho fotográfico foram
estruturadas para que os alunos colocassem
Os trabalhos vencedores e suas respectivas
a “mão na massa”, ou melhor, nas câmeras!
descrições
Explorando os tipos de enquadramento
fotógrafos podem ser contempladas aqui.
elaboradas
pelos
alunos-
mais simples, a preparação de cenários,
de iluminação e fixação da câmera, os
adolescentes puderam praticar e elaborar
as primeiras imagens de conteúdos das
diferentes ciências da natureza. A partir
desses momentos de prática, muitos alunos
conseguiram transferir as sugestões técnicas
A flor retratada é uma típica angiosperma monocotiledônea,
com 3 pétalas, 3 sépalas, anteras, filete e um estigma.
A fotografia foi produzida durante uma caminhada ao
Parque do Ibirapuera, em um dia de sol, com uma câmera
com 10.1 megapixels.
O brinquedo Katapul é um exemplo de
movimento retilíneo uniforme, pois possui
o looping por meio do qual podemos
analisar a reação centrípeta, aceleração
centrípeta e frequência, entre outros
conceitos importantes desse tipo de
movimento.
A foto foi produzida na excursão de Física
ao parque Hopi Hari. Esperei o início
do pôr do sol para obter o efeito do céu
colorido. A câmera utilizada foi a Sony
DSC-T70.
Tema: Movimento
Tema: Botânica
1º lugar – 2º ano – Ensino Médio
2º lugar – 3º ano – Ensino Médio
Fotógrafa: Letícia Toldi de Carvalho
Título da fotografia: Fiat fiore (faça-se a flor)
Título da fotografia: De cabeça para baixo
Fotógrafa: Giuliana Uchôa Carrieri
torná-la mais colorida?
Tema: Energia nas transformações químicas
Título da fotografia: Se fogo é vida, por que não
Título da fotografia: À deriva
3º lugar – 2º ano – Ensino Médio
Tema: Zoologia
A foto mostra um dos representantes do Filo Cnidaria,
a anêmona.
A foto foi tirada em um aquário no Guarujá-SP com uma
câmera Sony HDR-CX7. A luz não era natural.
2º lugar – 2º ano – Ensino Médio
Fotógrafo : Caio Cirello Rezende
Fotógrafo: Daniel de Araújo Pereira
Uma boa forma de evidenciar reações
de combustão é por meio da mudança de
coloração da chama quando adicionamos
sais metálicos, como o cobre e o estrôncio.
A fotografia foi produzida no Laboratório
de Química da Móbile com o uso de
ácido clorídrico, um bico de Bunsen e
sais contendo cobre e estrôncio que, em
contato com o fogo, produziam as cores
verde e vermelha respectivamente. E como
o cobre estava contaminado, havia uma
maior variação de cores especialmente
quando as chamas coloridas entravam
em contato umas com as outras.
Fotógrafa: Gabriela Pereira Prado
Fotógrafa: Daniela Guimarães Boanova
Título da fotografia: Danúbio Azul
Título da fotografia: Luz da vida
1º lugar – 1º ano – Ensino Médio
Tema: Biodiversidade
2º lugar – 1º ano – Ensino Médio
Tema: Luz
Animal: medusa (nome popular), Cyanea lamarchi (nome
científico). Ordem: Semaeostomeae. Família: Ulmaridae.
de predação utilizadas contra possíveis predadores
ou contra suas presas.
A fotografia mostra a mais importante fonte de luz que
existe, o Sol.
A medusa possui tentáculos que são capazes de causar
sérias queimaduras. Esse é um exemplo de estratégias
A fotografia foi produzida no Aquário de Valência
(L’Oceanogràfic) durante as férias de julho.
A fotografia foi produzida em Minas Gerais, ao amanhecer,
quando o Sol ainda estava nascendo. Utilizei uma câmera
fotográfica profissional e procurei um ângulo no qual o Sol
se enquadraria no espaço entre os troncos da árvore.
Tema: Luz
A foto representa a reflexão de uma escultura em um chão
cuja superfície é quase perfeita, como um espelho.
Para que essa foto fosse tirada, foi necessária uma fonte
de luz, porque sem ela não haveria reflexão.
A fotografia foi tirada em setembro de 2010 durante um
show no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Foi necessária
apenas a câmera de um celular, que tirava fotos de boa
resolução.
iluminada
1º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental
Tema: Luz e Calor
Título da fotografia: Reflexos de uma mente
Título da fotografia: Reflexão
3º lugar – 1º ano – Ensino Médio
Fotógrafa: Camila Damião Farah
Fotógrafa: Maria Paula Rameh Guilger
A vela é um meio de luz e calor
simultaneamente. Além disso, o espelho
e o vidro criam um efeito de reflexão.
A fotografia foi produzida com uma
câmera Sony Cybershot digital. Usei uma
estrutura com um espelho plano e um
vidro, paralelos, com uma vela no meio.
Fotógrafa: Débora Duarte Nunes Leite
Fotógrafo: Rodrigo Siuffi Abbud
Título da fotografia: On/Off
Título da fotografia: Propagação da luz
2º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental
Tema: Energia elétrica
3º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental
Tema: Luz
O botão de ligar e desligar de um aparelho elétrico
se relaciona com o tema escolhido porque é ele que ativa
a passagem da energia para o funcionamento do aparelho.
A fotografia foi produzida em ambiente interno com
iluminação natural e uso de flash embutido da câmera
Canon 1000D, lente 50 mm.
A foto ilustra a propagação da luz, que aconteceu por
estímulo externo.
A fotografia foi feita com uma câmera amadora durante
a Oficina de Fotografia da Móbile.
Fotógrafo: Maurício Gioachini Tardochi da Silva
Fotógrafa: Isabella Pavani Scuotto
Título da fotografia: Uma tigela de cereal
Título da fotografia: Rochas versus Ácido
para acompanhar uma noite fria
1º lugar – 8º ano – Ensino Fundamental
Tema: Propriedades e transformações dos materiais
2º lugar – 8º ano – Ensino Fundamental
Tema: Corpo humano
Devido à urbanização, este local é muito poluído e há
ocorrência de chuvas ácidas, inclusive nessas ruínas maias.
As erosões são uma transformação química
nas rochas.
A fotografia foi produzida nas ruínas maias em Chichén Itzá,
no México. Foi necessário apenas apoiar a câmera em
uma rocha.
A foto está relacionada ao tema da alimentação e digestão
dos alimentos.
A foto foi tirada em uma bancada no meu quarto.
Centralizada na foto está uma tigela de cereal, leite e uma
colher. Foi utilizada uma câmera Samsung WB550, ISSO 400,
4 mm, 0ev, f/3.3, 1/15.
1º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental
Tema: Vida: origem e biodiversidade
A relação da foto com o tema é que a flor representa
a biodiversidade. Trata-se de uma das flores dessa espécie,
que tem diversas cores.
A fotografia foi produzida no Jardim Botânico de Madri,
em julho de 2010, com uma câmera digital Lumix Panasonic
DMC-TZ10.
dos materiais
Tema: Propriedades e transformações
Título da fotografia: Transparência e Florescência
Título da fotografia: Camadas de cor
3º lugar – 8º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafa: Andrea Lasevicius Moutinho
Fotógrafa: Marina Antunes Kasa
Nas pulseiras e colares “de neon”,
frequentemente distribuídos em festas,
ocorre uma reação química que produz
luz visível. O tubo plástico contém em seu
interior um componente fluorescente,
algum oxalato dissolvido em um líquido
viscoso, como ftalatos orgânicos, além
de água oxigenada, separados por um
capilar de vidro. Quando esse tubo capilar
é quebrado, as substâncias entram em
contato e reagem liberando energia sob a
forma de radiação eletromagnética visível.
A fotografia foi produzida na cozinha da
minha casa. Com uma tesoura, cortei as
pontas de várias pulseiras neon de cores
diferentes para que o líquido caísse no
cálice. Usei uma tábua preta como fundo.
Fotógrafa: Luísa Prado Betti Guarnieri
Fotógrafo: Nicolas Vana Santos
Título da fotografia: Verso
Título da fotografia: Folhagem
2º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental
Tema: Vida: origem e biodiversidade
3º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental
Tema: Vida: origem e biodiversidade
Esta flor é um exemplo de biodiversidade da flora e chama
a atenção por não estar em seu ângulo usual.
A foto foi feita no Parque do Ibirapuera. Procurei um ângulo
diferente daquele em que as flores são normalmente
fotografadas. Utilizei uma câmera Nikon D700 com uma
lente macro.
O Jardim Botânico é um lugar perfeito para vermos
plantas vindas de diferentes locais do mundo. Na parte
que representa a floresta tropical, encontrei esta folhagem
que me chamou a atenção pela forma. Lá pude ver como
existem plantas de todos os tipos, tamanhos, cores e formas
e como elas podem ser incrivelmente diferentes.
A foto foi tirada no United States Botanical Garden,
em Washington, em julho de 2010, com uma Nikon D90.
1º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental
A Árvore da Preguiça é um ser vivo que nos mostra
uma interessante relação entre os elementos da natureza:
ao se alimentar dos nutrientes retirados do solo
arenoso, sofreu a ação dos ventos intensos e “se deitou
preguiçosamente” para admirar o mar.
Fotógrafa: Luísa Roman de Oliveira Toledo
Fotógrafo: Rodrigo Miksian Magaldi
Título da fotografia: Árvore da Preguiça
Título da fotografia: Reflexão Natural
Tema: Planeta Terra: elementos da natureza
Tema: Planeta Terra: elementos da natureza
e uso dos recursos naturais
A fotografia foi produzida em Jericoacoara-CE, pela manhã,
com uma câmera DSLR-A230 com abertura f/10.0 ISO 100.
2º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental
A fotografia mostra elementos da natureza.
e uso dos recursos naturais
A fotografia foi produzida em Windermere, Inglaterra, em
uma viagem turística, com uma câmera digital Casio EX-H10.
Fotógrafa: Victoria Liebert Piscopo
Título da fotografia: Antes que o céu desabe
Tema: Planeta Terra: elementos da natureza
3º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental
e uso dos recursos naturais
Carlos Eduardo Godoy e João Carlos Micheletti Neto são professores de Ciências do Ensino
Fundamental e Tatiana Rodrigues Nahas é professora de Biologia do Ensino Médio.
A relação de minha foto com o tema escolhido é que
a formação de chuva é um modo de renovação do recurso
natural água.
A fotografia foi produzida na varanda do meu apartamento
no bairro do Brooklin com um celular LG GT360. Foi em um
dia antes de uma chuva, aproximadamente às quatro horas
da tarde.
Questões que (re)velam...
“A terapia literária consiste em desarrumar
a linguagem a ponto que ela expresse
nossos mais fundos desejos.”
(Manoel de Barros)
Foi no final da década de 1980 que caiu em minhas mãos, pela primeira vez, um “Caderno de questões”,
elaborado por uma curiosa menina bastante introspectiva de minha classe do tempo do ginásio. O tal
caderno continha perguntas das mais ordinárias (cor preferida, melhor dia da semana, melhor amigo) até
aquelas de cunho, digamos, mais existencialista (quem sou eu, o que espero da vida, o que é o amor).
Alguns (bons) anos depois, já durante o mestrado, caiu em minhas mãos – por razões bastante diversas
– um texto intitulado “Perguntas e respostas para um caderno escolar”, e qual não foi minha surpresa
quando descobri que a autora dele era Clarice Lispector. Deparei-me, novamente, com perguntas de
toda ordem, das mais prosaicas até as mais “perigosas”. Por argumentos educacionais, literários e
f u t u r o s
p r o f i s s i o n a i s
afetivos, propus aos alunos do 3º ano do Ensino Médio de 2010 a elaboração de respostas para algumas
questões complexas. Relendo as perguntas e, posteriormente, as respostas escritas pelos nossos
alunos, pude perceber a existência de alguns muitos “seres atônitos”, nas palavras do poeta Manoel
de Barros, que ainda buscam um espaço no mundo por meio do qual possam exercitar a magia de
transformá-lo em algo mais interessante; aliás, sensação muito próxima daquela vivida por um menino
nos idos dos anos 1980 quando respondia a um questionário para o qual tinha poucas respostas.
Conheça o que estava se passando na cabeça de nossos meninos e meninas ao final do 3º ano do Ensino
Médio.
Wilton Ormundo
Coordenador pedagógico e cultural
Caroline Cury
O psicanalista Lacan defende que o Universo
de interrompida e não concretizada imediatamente, perdura por mais de cinquenta anos. E esta é
Simbólico, o das palavras, é o que nos
exatamente a ideia que me conforta e organiza: os elementos da vida que de fato são importantes não
“coloca” no mundo. Que palavras traduzem
se esgotam, apenas se somam a novas experiências e situações. Tudo o que meu período escolar me
seu momento presente? Um momento
ensinou e me propiciou não vai desaparecer em nostalgia, vai sempre fazer parte de mim e da minha
marcado por expectativas, sonhos, anseios,
formação como cidadã.
rupturas...
Muitas são as pessoas que nos servem de referência ao longo
A palavra que melhor se aplica a este momento
da vida. A pensadora Hannah Arendt, por exemplo, teve
da minha vida é sensibilidade. Deixar a escola
como referência seu mestre e amor Heidegger, o filósofo
envolve mais do que um simples desenvolvimento
alemão; o escritor Caio Fernando Abreu tinha Clarice
natural, como passar de ano, por exemplo. Esta
Lispector como grande inspiradora; Platão foi um
mudança é feita agora com a nossa vontade, da
discípulo de Sócrates; Caetano Veloso, quando
maneira que nós mesmos escolhemos, decidindo
garoto, sonhava ser um pensador como “aqueles
pelo curso, pela universidade, ou inclusive por dar
existencialistas de Paris”, chegando a fazer
um tempo nos estudos escolares e nos conhecer
uma referência explícita ao filósofo Jean-Paul
melhor. E é claro que para realizar esta escolha
Sartre em sua canção “Alegria, alegria”, um
da melhor maneira possível é importante que
dos hinos do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s)
estejamos atentos, sensíveis a nós mesmos, aos
grande(s) referência(s) hoje? Por quê?
nossos próprios anseios e também ao mundo ao
Não possuo uma figura em especial que me inspire.
nosso redor.
Neste momento da minha vida, todos que estudaram, se
O crítico literário Antonio Candido, num
dedicaram e atingiram sucesso profissional fazendo aquilo
ensaio intitulado “Direito à literatura”, credita
à arte das palavras o poder de “organizar o
que gostam me servem de inspiração.
Não deve haver arte que melhor “imite” a realidade do que
caos” que habita as pessoas. Que poema,
o cinema, dada a possibilidade técnica de verossimilhança que
romance, conto, crônica você acredita que
a sétima arte possui, mesmo quando inventa mundos fantásticos. Qual é
poderia servir como “organizador de seu
o grande filme de sua vida? Por quê?
caos”?
Um filme que nunca me canso de pensar sobre e assistir é Diários de Motocicleta, do diretor brasileiro
Acho que neste momento da minha vida, deixando
Walter Salles. O filme conta uma passagem da vida de Che Guevara na qual ele faz uma viagem com seu
o 3º ano, consigo pensar apenas em um livro que
amigo Alberto Granado, partindo da Argentina rumo à Venezuela. O que mais me agrada no filme não é
li logo no início do meu Ensino Médio, O amor
apenas conhecer um lado diferente de um dos maiores líderes revolucionários da América Latina, mas,
nos tempos do cólera, de Gabriel García Márquez.
principalmente, o conceito de liberdade abordado na trama de maneira nada superficial ou vazia. Dois
O livro conta uma história de amor que, apesar
jovens livres em um continente fascinante, perseguindo suas aspirações. É esta a ideia que me encanta.
253
254
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
não me conformar, principalmente ao pensar
que sempre me toca é “Paciência”, do Lenine.
estará fazendo daqui a 15 anos?
que, nos dias de hoje, o saber é uma questão
Esta foi uma das músicas que fizeram parte do
Definitivamente me imagino realizada como
socioeconômica. Depois de aprender tudo o que
repertório da peça de teatro Mimesis, encenada
mulher, independente, talvez casada e com filhos.
aprendi em dezenas de aulas de História, Literatura
pela turma da 8ª série de 2007 da Escola Móbile.
Não penso na minha carreira tendo um enfoque
e Filosofia, tudo o que consigo pensar é como
Naquele momento estávamos em um período de
corporativo ou empresarial. Pretendo me formar
o conhecimento é cruelmente negado a grande
transição e, hoje, estamos novamente, não para
em Direito, prestar um concurso púbico e, quem
parte da população, a parte que justamente mais
uma nova fase escolar, mas para a vida adulta.
sabe, até me envolver com política. Quero fazer
precisa dele para poder fazer valer seus direitos.
Em 2007 a vida não parava e, hoje, três anos
alguma diferença para um número significativo
Que marcas da Móbile ficam em sua vida e
depois, continua, e daqui para frente continuará
de pessoas.
que farão parte de sua existência daqui para
não parando.
Em cada uma das etapas que compõem nossa
frente?
Que palavras você deixa para si mesmo(a)
vida, prometemo-nos jamais abandonar
Hoje vejo que ter me mudado para a Móbile na
quando ler este livro depois de concluído
determinadas pessoas que nos são caras e
7ª série foi uma das melhores decisões que já
seu curso universitário e de ter ingressado
que fazem nossa existência mais grandiosa.
tomei, até agora, em minha vida. Depois de cinco
na carreira de trabalho?
Quem são as pessoas que você gostaria de
anos estudando aqui, percebo que esta é uma
Espero que você consiga tudo o que você deseja,
levar para sua vida toda neste momento?
escola que valoriza não só o ensino de todas as
que sempre esteja evoluindo, que seja mais
Por quê?
disciplinas exigidas no vestibular, mas também
madura, mais forte e lide com seus problemas
Certamente quero levar comigo para sempre meus
a formação de seus alunos como seres curiosos
com mais qualidade do que você lidou até agora.
amigos e familiares. Além disso, levaria também
e questionadores, que pensam em Geografia e
Mas, para isso, nunca abandone sua essência e
todos meus professores da Escola Móbile. Seria
Matemática tal como pensam em política brasileira
seus valores para que possa, de fato, se orgulhar
excelente receber por toda a vida orientações
e suas relações com a comunidade internacional.
de tudo aquilo que você sonhou e conseguiu
com tanta qualidade como as que eu recebo hoje
E é isto que vou definitivamente levar para minha
construir.
estudando nesta instituição.
existência, um interesse no mundo e na vida
O semioticista italiano Umberto Eco
atrelado às habilidades acadêmicas.
afirmou recentemente, após anunciar sua
Os simbolistas acreditavam no poder que
aposentadoria na universidade, que não
a música tem de nos chegar à alma. Que
acredita na felicidade, mas na inquietação.
música(s) o “toca(m)” especialmente?
Que inquietações o conhecimento trouxe
Acho que blues e MPB são gêneros que possuem
para você?
um grande número de artistas de muita qualidade,
Acho que a maior inquietação causada em mim
que pensam em todos os aspectos de se criar uma
Caroline Cury está cursando o primeiro ano
pelo conhecimento é a minha capacidade de
letra e uma música. Mas uma música em especial
de Direito na FGV.
255
Rodrigo
256
Rossi Mora Brusco
O psicanalista Lacan defende que o Universo
figuras de linguagem muito bem exploradas.
seus escritos influenciado diretamente os eventos
Simbólico, o das palavras, é o que nos
Assim, ver como o protagonista encarou todas
do século XX. Ao teorizar o socialismo e o
“coloca” no mundo. Que palavras traduzem
as questões existenciais pelas quais passou
comunismo, Marx contribuiu para dar melhores
seu momento presente? Um momento
me dá fôlego e calma para entender que este
condições de vida aos trabalhadores, já que, com
marcado por expectativas, sonhos, anseios,
momento é uma grande transição, por isso traz
o medo da expansão dos ideais marxistas, até
rupturas...
problemas, naturalmente. A passagem do campo
mesmo diversos países capitalistas na Guerra
Creio que uma palavra que pode traduzir meu
de centeio para o abismo da perda da inocência
Fria acabaram melhorando a qualidade de vida
momento é dúvida. Isso porque não sei na verdade
com a fase adulta tem de ocorrer, podendo ser
das populações, estipulando jornada de trabalho,
o que eu quero para minha vida. Somos muito novos
mais complicada para alguns, como foi para o
salário mínimo etc. Outro pensador que é uma
para levar certezas conosco, e é nesse momento
protagonista, ou mais simples.
enorme referência para mim é Gilles Lipovetsky.
que eu realmente começo a me perguntar qual é
Muitas são as pessoas que nos servem de
Suas teorias, estudadas a fundo nas aulas
meu papel como ser humano aqui neste planeta.
referência ao longo da vida. A pensadora
de Filosofia, permitiram que eu começasse a
Dúvida essa que passa desde a escolha por um
Hannah Arendt, por exemplo, teve como
pensar sobre o declínio social no qual vivemos e
curso universitário até o ingresso numa vida de
referência seu mestre e amor Heidegger, o
também me fizeram perceber que precisamos de
responsabilidades próprias, individuais, não mais
filósofo alemão; o escritor Caio Fernando
mudanças.
atreladas aos pais e familiares.
Abreu tinha Clarice Lispector como grande
Não deve haver arte que melhor “imite”
O crítico literário Antonio Candido, num
inspiradora; Platão foi um discípulo de
a realidade do que o cinema, dada a
ensaio intitulado “Direito à literatura”, credita
Sócrates; Caetano Veloso, quando garoto,
à arte das palavras o poder de “organizar o
sonhava ser um pensador como “aqueles
caos” que habita as pessoas. Que poema,
existencialistas de Paris”, chegando a fazer
romance, conto, crônica você acredita que
uma referência explícita ao filósofo
poderia servir como “organizador de seu
Jean-Paul Sartre em sua canção
caos”?
“Alegria, alegria”, um dos hinos
Acredito que um romance que marcou muito
do Tropicalismo. Quem seria(m)
esse período do Ensino Médio, me trazendo
sua(s) grande(s) referência(s)
uma enorme reflexão, podendo então “organizar
hoje? Por quê?
o caos”, é O Apanhador no Campo de Centeio,
Tenho duas grandes referências.
de J. D. Salinger. Esse livro mostra como um
A primeira é Karl Marx. Esse
jovem pode ter anseios com os quais muitas
pensador conseguiu mostrar e
vezes são dificílimos de lidar, além de fazer
propor um caminho diferente para
uso de uma linguagem extremamente bela, com
as sociedades do mundo, tendo
258
possibilidade técnica de verossimilhança
O semioticista italiano Umberto Eco
deseja, foi muito maior do que apenas as matérias obrigatórias em todas as escolas, que “caem” no
que a sétima arte possui, mesmo quando
afirmou recentemente, após anunciar sua
vestibular. A Móbile me formou como ser humano, e é por esse motivo que pretendo que meus filhos,
inventa mundos fantásticos. Qual é o grande
aposentadoria na universidade, que não
se os tiver, estudem nessa escola.
filme de sua vida? Por quê?
acredita na felicidade, mas na inquietação.
Os simbolistas acreditavam no poder que a música tem de nos chegar à alma. Que música(s)
Para mim, o grande filme de minha vida é À Espera
Que inquietações o conhecimento trouxe
o “toca(m)” especialmente?
de um Milagre. Esse filme, além de ser uma obra-
para você?
Essa é, sem sombra de dúvidas, a pergunta que terei maior dificuldade em responder. Sou muito ligado
prima, com cenas magníficas, me lembra muito de
O conhecimento me trouxe diversas inquietações.
ao universo musical, gosto de diversas bandas e diferentes gêneros. Vou então citar artistas, como Chico
meu avô, já que assisti a esse filme com ele.
Posso citar desde a Física, que me fez compreender
Buarque, que, em minha opinião, é um dos melhores músicos que este país já teve. Além de Chico, uma
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
melhor o funcionamento de nosso universo, até a
banda que me marca muito e me transformou como gente foi os Beatles. Suas músicas conseguem ser
estará fazendo daqui a 15 anos?
Filosofia, que me fez compreender melhor a
de diferentes estilos musicais, mesmo se tratando de uma mesma banda. Além desses, gostaria de citar
Não sei, mesmo. E nem quero saber, porque
complexidade humana. Mas creio que a principal
o álbum de minha vida, isto é, aquele apanhado de músicas que, juntas, formaram uma obra-prima:
se algo que eu quero hoje já é diferente do
inquietação deixada pelo conhecimento foi a
The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, que é genial porque consegue criar uma sequência entre suas
que eu queria ontem, como vou imaginar o que
de entender o porquê de nossa sociedade ser
músicas, além de fazer uso de diversos instrumentos musicais, o que cria um som incrível.
vou querer daqui a quinze anos? O meu grande
organizada da maneira como é atualmente. Ainda
Que palavras você deixa para si mesmo(a) quando ler este livro depois de concluído seu
objetivo é estar fazendo o que eu realmente
não encontrei essa resposta, e é por isso que
curso universitário e de ter ingressado na carreira de trabalho?
queira, independentemente das implicações que
quero estudar mais e mais o funcionamento das
Viva intensamente, nunca deixando para traz seus sonhos simplesmente por normas sociais.
tais desejos possam trazer.
nossas estruturas sociais, para que um dia seja
Se quiser seguir a área do conhecimento, mesmo que isso não lhe dê muito dinheiro, siga, porque o mais
Em cada uma das etapas que compõem nossa
capaz de alterar, de alguma maneira, o modo
importante é que, ao morrer, quero ter me realizado como ser humano por meio da concretização dos
vida, prometemo-nos jamais abandonar
como vivemos.
meus desejos, que serão muito diferentes daqui uns anos, tenho certeza.
determinadas pessoas que nos são caras e
Que marcas da Móbile ficam em sua vida e
que fazem nossa existência mais grandiosa.
que farão parte de sua existência daqui para
Quem são as pessoas que você gostaria de
frente?
levar para sua vida toda neste momento?
Acho que a Móbile me trouxe uma enorme
Por quê?
bagagem em todas as áreas do conhecimento, o
Gostaria de levar para toda a minha vida meus
que qualquer escola deve se esforçar para fazer.
familiares mais próximos, que me dão enorme
Mas, principalmente, a Móbile me trouxe cultura,
apoio em todas as escolhas que eu faço, e meus
e isso é o que eu acho diferente nessa escola.
amigos, também, que fizeram com que este último
Fomos ao teatro, ao cinema, tivemos densas
ano da minha vida fosse muito mais divertido e
discussões nas aulas de Ética e de Filosofia. O
fácil. Espero mesmo que eu mantenha todas essas
que a Móbile nos passou, mesmo querendo que
pessoas por perto, para sempre.
cada um de seus alunos entre na universidade que
259
Rodrigo Rossi Mora Brusco está cursando o 1º ano de Ciências Sociais na USP.
palavras, é o que nos “coloca” no mundo. Que palavras traduzem
seu momento presente? Um momento marcado por expectativas,
sonhos, anseios, rupturas...
A palavra que traduz meu momento é revolução. Até hoje, nunca passei por
uma mudança tão grande, significativa e rápida quanto a que passarei neste
ano: tudo mudará! Em apenas um mês! A escola se tornará universidade,
pessoas velhas irão embora, pessoas novas irão chegar. Sinto a alegria e a
felicidade de alcançar uma nova fase: um sentimento de missão cumprida.
E, simultaneamente, sinto a melancolia de abandonar uma antiga.
O crítico literário Antonio Candido, num ensaio intitulado “Direito
à literatura”, credita à arte das palavras o poder de “organizar o
caos” que habita as pessoas. Que poema, romance, conto, crônica
você acredita que poderia servir como “organizador de seu caos”?
Lembro-me especialmente da série Harry Potter. Essa história marcou
minha infância: eu era simplesmente viciado. Hoje já terminei a série,
então a releitura seria apenas a repetição dos fatos já sabidos, mas, mesmo
assim, acho surpreendente a história e sinto a necessidade de terminar a
leitura quando recomeço um livro dessa série. Não sei explicar o porquê
dessa identificação, mas sei que ela promove em mim uma sensação
positiva, talvez a “organização de meu caos”.
Muitas são as pessoas que nos servem de referência ao longo da
260
vida. A pensadora Hannah Arendt, por exemplo, teve como referência
seu mestre e amor Heidegger, o filósofo alemão; o escritor Caio
Fernando Abreu tinha Clarice Lispector como grande inspiradora;
Platão foi um discípulo de Sócrates; Caetano Veloso, quando
garoto, sonhava ser um pensador como “aqueles existencialistas
de Paris”, chegando a fazer uma referência explícita ao filósofo
Jean-Paul Sartre em sua canção “Alegria, alegria”, um dos hinos
do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s) grande(s) referência(s) hoje?
Por quê?
Jorge Luiz Moreira Silva
O psicanalista Lacan defende que o Universo Simbólico, o das
Para mim, um jovem de 17 anos, é muito difícil
definir uma ou algumas poucas grandes referências.
Mas, neste momento, penso que tive várias nas
quais me baseei e me baseio. Dentre elas, se
encontram, primordialmente, meu pai e minha mãe.
O primeiro, pela história de vida e inteligência, e
a segunda, pela sabedoria e competência. Além
deles, tenho como referência alguns professores.
Estes, por motivos diversos, desde suas áreas de
atuação, sua capacidade de se expressar bem
em público, pelo dom de transmitir conhecimento
ou pela sua enorme compreensão. Algumas das
minhas amizades são também referências para
mim, sendo cada uma por um determinado motivo,
por uma capacidade ou habilidade específica a
qual admiro. Não tomei como referência grandes
filósofos, escritores ou pesquisadores, pois, até
hoje, não tive um contato tão intenso com o mundo
acadêmico a ponto de torná-lo um referencial.
Não deve haver arte que melhor “imite”
a realidade do que o cinema, dada a
possibilidade técnica de verossimilhança que
a sétima arte possui, mesmo quando inventa
mundos fantásticos. Qual é o grande filme de
sua vida? Por quê?
Não tenho um grande filme, mas alguns que me
fizeram compreender melhor a realidade na qual
existo. Deram-me recursos para responder algumas
perguntas e buscar novas respostas.
Eles são
As Melhores Coisas do Mundo, Tropa de Elite 2
e Na Natureza Selvagem.
261
262
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina
Que inquietações o conhecimento trouxe
As músicas que gosto de ouvir são muito variadas.
que estará fazendo daqui a 15 anos?
para você?
Há vários gêneros, nacionalidades, cantores,
Daqui a quinze anos, já terei me graduado.
O conhecimento me fez ver o mundo de forma
bandas etc. Todas elas, de alguma forma, por
Profissionalmente, espero estar trabalhando em
diferente. De forma mais lógica e racional. Ele me
algum motivo, despertam uma reação em mim que
um setor relacionado às Ciências da Tecnologia
fez tomar minhas decisões e meus caminhos com
varia, podendo ser de tristeza a alegria, de raiva a
ou à pesquisa. Paralelamente, gostaria de ser
mais calma: pensando sobre eles. Isso, por um
afeição e assim por diante. Uma das músicas que
professor: passar conhecimento e educação.
lado, penso que seja positivo, pois teoricamente
considero importantes é “Disparada”, de Geraldo
No âmbito pessoal, espero poder realizar meus
estaria escolhendo de forma mais consciente.
Vandré. Quando a ouço, penso em temas que
desejos, aproveitando a vida e vivendo com
Porém, simultaneamente, isso me causa uma
considero áridos, que me “tocam”.
felicidade e satisfação os momentos.
espécie de aflição por causa da dúvida. Fico
Que palavras você deixa para si mesmo(a)
Em cada uma das etapas que compõem nossa
pensando em uma coisa por muito tempo: isso
quando ler este livro depois de concluído
vida, prometemo-nos jamais abandonar
ou aquilo. E, na maioria das vezes, termino onde
seu curso universitário e de ter ingressado
determinadas pessoas que nos são caras e
comecei: sem resposta.
na carreira de trabalho?
que fazem nossa existência mais grandiosa.
Que marcas da Móbile ficam em sua vida
Jorge, viva de forma bem vivida essa vida, pois
Quem são as pessoas que você gostaria de
e que farão parte de sua existência daqui
ninguém sabe se há outra! Aproveite todos os
levar para sua vida toda neste momento?
para frente?
momentos, pois eles não vão se repetir! Utilize-os
Por quê?
A Móbile me instruiu e me passou muitas coisas
para formar uma história! Uma passagem neste
Se dependesse de mim, levaria grande parte
essenciais para minha formação atual, que vou
planeta! Se estiver insatisfeito, mude! Não tenha
das pessoas que compuseram minha vida, mas
levar para a vida. Ela me formou como pessoa,
medo ou receio devido à comodidade – não vale
infelizmente isso é impossível. Então, fazendo
como cidadão. Ensinou-me o dever de agir em
a pena!
uma seleção, como prioridade levaria minha
harmonia com o próximo, atingir meus desejos
família. Ela me deu conselhos, me ajudou, me
sem prejudicá-lo. Ela me fez ver o mundo através
fez feliz, me fez quem eu sou. Além deles, levaria
não mais somente de meus olhos, mas dos outros
comigo meus amigos, pois são muito importantes
também. Do mesmo modo, me ensinou a amar
para mim. Eles me auxiliaram nos momentos
o conhecimento, a ter interesse por aprender
de necessidade e tornaram os momentos de
mais, e não simplesmente visualizá-lo de forma
felicidade ainda melhores e inesquecíveis.
pragmática, ou seja, como uma mera garantia de
O semioticista italiano Umberto Eco
sucesso no mercado de trabalho.
afirmou recentemente, após anunciar sua
Os simbolistas acreditavam no poder que
Jorge Luiz Moreira Silva está cursando
aposentadoria na universidade, que não
a música tem de nos chegar à alma. Que
o 1º ano de Engenharia na Escola
acredita na felicidade, mas na inquietação.
música(s) o “toca(m)” especialmente?
Politécnica da USP.
Bruno Amá Stephan
O psicanalista Lacan defende que o Universo
O crítico literário Antonio Candido, num
Simbólico, o das palavras, é o que nos
ensaio intitulado “Direito à literatura”,
“coloca” no mundo. Que palavras traduzem
credita à arte das palavras o poder de
seu momento presente? Um momento
“organizar o caos” que habita as pessoas.
marcado por expectativas, sonhos, anseios,
Que poema, romance, conto, crônica
rupturas...
você acredita que poderia servir como
A palavra que melhor representa meu momento
“organizador de seu caos”?
presente é conflito. Espiritualmente, parece-
Um livro que li recentemente e que me marcou de
me que estou, pouco a pouco, partindo-me ao
modo profundo foi a obra-prima de Milan Kundera,
meio. Uma parte de mim desesperadamente
A Insustentável Leveza do Ser. A maneira pela
quer se segurar aos meus valores, meus amigos,
qual o autor trata da contradição mais mórbida
minha rotina presente, enquanto a outra está
da natureza humana – a do peso da rotina e
curiosíssima com o que os anos seguintes guardam
da repetição contra a leveza das escolhas e do
para mim. Escrever essa mensagem já se mostra
passar do tempo – me fascinou de uma forma
um desafio, visto que é a prova concreta de que
que poucos livros conseguem. A ideia da antítese
o mundo, como eu conheço, está desabando, o
no homem, apresentada no romance, realmente
que catalisa a sensação de separação. Trata-se
funcionou como “organizador do meu caos”, pois
de uma situação insustentável: quero partir,
provavelmente não compreenderia o sofrimento
quero descobrir, quero apreender o mundo e, ao
pelo qual passo sem essa leitura. De certa
mesmo tempo, quero ficar, quero sentar todos
maneira, todos nós, estudantes no fim do Ensino
os dias nas grandes carteiras da Móbile (que,
Médio, somos como a personagem Sabina da obra.
na minha cabeça, são maiores do que todas as
À medida que todos nós somos impulsionados
demais) e quero contar com a segurança de que
pelas nossas escolhas e determinações para
sempre, sempre haverá um orientador para me
locais desconhecidos e possibilidades novas e
ajudar a resolver qualquer crise. A batalha entre
estranhas, provavelmente muito promissoras,
um futuro incerto e o presente corriqueiro é o
deixamos para trás, abandonamos, sempre parte
que marca o meu agora, e, talvez o mais triste,
do que nos formou até então. Outras obras
contudo mais belo, é que sei, apesar de tudo, que
marcantes e organizadoras foram Tudo Depende
o que está por vir sempre será o vencedor nessa
de Como Você Vê as Coisas, de Norton Juster,
guerra dos tempos.
que me ensinou que há mais mistérios no mundo
do que eu acreditava; os diversos romances
265
266
de Júlio Verne, pela criatividade imensurável;
um objetivo nobre e um ideal que gostaria de
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina
a pouco estou corrigindo a mim mesmo, embora
Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac, com sua
levar comigo para toda a minha vida. Outro
que estará fazendo daqui a 15 anos?
“corrigindo” não seja a palavra ideal, já que não
linguagem mórbida sensacional; e A Elegância do
ídolo pessoal é Júlio Verne, já citado, pela
No futuro, me imagino sendo um profissional
estou “errado” como um todo – vou me fazendo
Ouriço, de Muriel Barbery, que mostrou para mim
sua criatividade e inventividade vanguardista,
liberal, desvinculado de uma rotina maçante,
e desfazendo. Só com esses incômodos, advindos
que vale a pena viver.
o valor que mais prezo em um indivíduo. Além
ainda que com cargas consideráveis de trabalho.
da sabedoria, é que tenho essa sensação, e é ela
Muitas são as pessoas que nos servem de
deles, também faço menções honrosas a Oscar
Quero ser um arquiteto que tenha tempo de
que me move, que me guia, e é a que considero
referência ao longo da vida. A pensadora
Niemeyer, George Harrison e ao duo Daft Punk.
assistir a filmes e passear com o cachorro
a mais bela entre todas elas.
Hannah Arendt, por exemplo, teve como
Não deve haver arte que melhor “imite”
durante as tardes. De preferência, gostaria de
Que marcas da Móbile ficam em sua vida
referência seu mestre e amor Heidegger, o
a realidade do que o cinema, dada a
morar no exterior, de maneira nenhuma me vejo
e que farão parte de sua existência daqui
filósofo alemão; o escritor Caio Fernando
possibilidade técnica de verossimilhança
morando em São Paulo – agitado demais.
para frente?
Abreu tinha Clarice Lispector como grande
que a sétima arte possui, mesmo quando
Em cada uma das etapas que compõem
A maior marca que a Móbile deixou em minha
inspiradora; Platão foi um discípulo de
inventa mundos fantásticos. Qual é o grande
nossa
jamais
vida foi aprender que não estou sozinho no mundo
Sócrates; Caetano Veloso, quando garoto,
filme de sua vida? Por quê?
abandonar determinadas pessoas que nos
e que a convivência e a coexistência fazem parte
sonhava ser um pensador como “aqueles
Durante meus meros 17 anos de vida, diversos
são caras e que fazem nossa existência
de ser humano, no sentido mais pragmático da
existencialistas de Paris”, chegando a
filmes já são classificados por mim como os
mais grandiosa. Quem são as pessoas que
palavra. Foi na Móbile que aprendi a argumentar,
fazer uma referência explícita ao filósofo
grandes filmes da minha vida. Um que gostaria
você gostaria de levar para sua vida toda
discutir, debater as minhas ideias e minha visão
Jean-Paul Sartre em sua canção “Alegria,
de citar é, sem dúvida, 500 Dias com Ela. O filme
neste momento? Por quê?
de mundo, e ainda aprendi a respeitar e viver
alegria”, um dos hinos do Tropicalismo.
narra de maneira genial um amor de um homem
Eu não levo as pessoas para a minha vida – a
com aqueles que não compreendem ou não
Quem seria(m) sua(s) grande(s) referência(s)
apaixonado pela indecisa e, de certa maneira,
minha vida que passa por cada uma delas, e
concordam com ela. Foi um percurso difícil
hoje? Por quê?
etérea Summer. A película me marcou pelo fato
prefiro que continue assim.
– no começo não conseguia entender como
vida,
prometemo-nos
Atualmente, uma pessoa que se mostra uma
de usar uma boba história de amor para, na
O semioticista italiano Umberto Eco
poderia haver tantas diferenças em um espaço
grande referência para mim é a chamada “rainha
verdade, descrever como é difícil o processo de
afirmou recentemente, após anunciar sua
tão delimitado, não conseguia me misturar.
indie”, a cantora e atriz Zooey Deschanel. Além
construção de um homem como indivíduo e pelo
aposentadoria na universidade, que não
Hoje, vejo que foi necessário, nunca teria feito
de ser deslumbrante esteticamente, tem uma
modo sarcástico, e ainda assim mórbido, que trata
acredita na felicidade, mas na inquietação.
amigos tão divertidos de se conversar e tão
belíssima voz. Ela canta o que sente, o que
a questão da solidão. Um segundo filme muito
Que inquietações o conhecimento trouxe
diversificados caso não tivesse passado por esse
pensa, sem se aliar a qualquer tendência musical
interessante foi Em Busca da Terra do Nunca,
para você?
processo. A Móbile me tornou uma pessoa, não
ou gravadora – faz suas músicas e seus filmes de
um dos poucos que trouxe lágrimas aos meus
Muitas inquietações... Ninguém imagina o meu
um autômoto perfeito, simplesmente uma pessoa
forma independente, ou seja, por outro ângulo.
olhos nitidamente. Outras muitas animações da
choque ao descobrir que Mona Lisa já teve
melhor, um melhor cidadão, melhor filho, melhor
Por meio de seus produtos culturais, conta lindas
Pixar me encantaram, principalmente Toy Story
sobrancelhas, ou que o verde da bandeira do
amigo, melhor homem.
histórias de amor ou promove um pensamento
e Monstros S.A., dois filmes que nunca poderei
Brasil não é a mata do país, ou ainda que Freud
mais reflexivo, livre de qualquer grafia. Considero
rever sem ficar deveras nostálgico.
nunca curou um paciente! Parece-me que pouco
267
Os simbolistas acreditavam no poder que
para ali, pois tudo parecia novo – e digno de ser
a música tem de nos chegar à alma. Que
tentado.
música(s) o “toca(m)” especialmente?
‘Bem, até que gostaria de fazer outra viagem’,
Uma música que me toca especialmente e está
disse ele, pondo-se de pé em um salto, ‘mas
relacionada de modo íntimo ao momento em
realmente não sei quando vou ter tempo para
questão é “All Things Must Pass”, de George
isso. Há tanta coisa para fazer aqui mesmo!’”
Harrison, na qual é descrita essa sensação
(Tudo Depende de Como Você Vê as Coisas.
pela qual passo no presente: a de que a beleza,
Norton Juster).
infelizmente, só surge porque tudo está aos
poucos se deteriorando. Outras canções, como
“In My Life”, dos Beatles, e “Paciência”, de
Lenine, também simbolizam perfeitamente esse
momento e me emocionam diversas vezes. Mas
uma música que ecoa na minha cabeça como
um tema de filme nesses últimos dias como
estudante é “Folding Chair”, de Regina Spektor,
que definitivamente para sempre me lembrará
dessa época.
Que palavras você deixa para si mesmo(a)
quando ler este livro depois de concluído
seu curso universitário e de ter ingressado
na carreira de trabalho?
268
“(...) Fora da janela havia tanta coisa para ver e
ouvir e tocar – passeios a fazer, morros a subir,
lagartas para observar no seu trajeto deslizante
r e s e n h a
pelo jardim. Havia vozes para ouvir e conversas
a escutar com atenção maravilhada, sem falar no
cheiro especial de cada dia.
E, ali mesmo no quarto onde estava sentado,
havia livros que poderiam levá-lo a mil lugares
Bruno Amá Stephan está cursando o 1º ano
(...) Seus pensamentos saltaram ávidos daqui
de Arquitetura na USP.
O far
270
oeste
e o an
ti-he
rói
Quando nos referimos ao gênero faroeste, imediatamente nos lembramos das figuras do
herói, o “mocinho” da história, e dos caras maus, os “bandidos” da trama, como costumávamos
denominar esses personagens em nossas brincadeiras infantis de cowboy. Aliás, em épocas
“politicamente incorretas”, muita vez, esse “bandidos” eram representados por povos indígenas,
“os verdadeiros ocupantes da América” (que, bem sabemos, apenas reagiam à invasão do
homem branco). Em filmes de faroeste, na maioria das vezes, o bem e o mal estavam muito bem
caracterizados em personagens-tipo. (Tudo com o charme do preto e branco.)
Coube ao diretor norte-americano John Ford mostrar uma nova face do mocinho, por meio de
sua trilogia do faroeste, que se iniciou com Nos tempos da diligência, seguida de sua verdadeira
obra-prima, O homem que matou facínora. Uma pequena digressão (necessária): foi nessa
película que Ford cunhou uma frase representativa, em muitos contextos, do papel bastante
dúbio que a imprensa pode assumir: “Quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda.”
(É imprescindível que o leitor assista ao filme para compreender o contexto desse verdadeiro
aforismo da sétima arte.)
O terceiro filme que compõe a trilogia fordiana é Rastros de ódio (obra máxima do diretor,
juntamente com Vinhas da ira). No filme, o diretor apresenta o personagem Ethan Edwards (vivido
por John Wayne), soldado do exército confederado que retorna derrotado para a casa fraterna.
Com índios rondando os arredores da fazenda de seu irmão, Ethan e um grupo de patrulheiros
do Texas decidem dar uma busca pela região para verificar onde os comanches se encontravam
acampados. A saída dos patrulheiros é a oportunidade perfeita para que a família do irmão
de Ethan seja massacrada pelos índios. Ele sai, então, em busca de vingança e, a essa altura,
“mocinhos” e “bandidos” estão devidamente configurados. Ao contrário disso, o filme mostra,
inicialmente de forma sutil, um herói com ações bastante questionáveis. Logo que Edwards
retorna – cena marcada pela impressionante paisagem do Monument Valley ao fundo –, sua
cunhada vai ao seu encontro e torna-se impossível não perceber a tensão presente nos olhares
trocados pelos dois personagens, o que sugere uma relação mal resolvida. Ethan, então, revê o
irmão (sim, a primeira pessoa a recebê-lo é a cunhada e não o irmão!) e os sobrinhos, incluindo
um garoto mestiço (vivido pelo ator Jeffrey Hunter), que tem ascendência indígena, e que foi
271
272
273
resgatado de outro massacre.
o preconceito e o ódio que
isso se confirmar. É neste
em um mundo bárbaro, habitado por diferentes povos e culturas: norte-americanos, índios,
Na cena de reencontro entre
Ethan nutre pelos índios.
ponto que Ford mostra o
mexicanos. Esse convívio com o sobrinho e com outras etnias acaba por transformar Ethan,
esses dois personagens, fica
Aliás, John Ford expõe para
quanto o personagem de
imerso numa viagem de autoconhecimento e catarse, numa espécie de Odisseia do oeste. E
clara a pouca simpatia que
quem quiser ver uma das
Wayne está longe de ser
como a Odisseia implica o necessário retorno do herói ao seu ponto de origem – transformado,
Ethan nutre pelo menino.
facetas mais questionáveis
a figura clássica do herói,
por certo, pela luta com os deuses ou consigo mesmo –, o filme termina da mesma maneira
Avisados pelo pastor da
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da história da formação do
marcada pela concepção
como começou: uma porta se abre, mostrando mais uma vez a paisagem belíssima, mas, ao
região, que também é líder
povo
a
de que os vilões devem ser
mesmo tempo, desolada do Monument Valley, para, em seguida, fechar-se, deixando Ethan do
dos patrulheiros, da presença
intolerância e o racismo,
punidos, embora sempre
lado de fora, ao relento, e longe do convívio com o que lhe restou da família. O diretor Martin
indígena, Ethan e o sobrinho
motivos de guerras e conflitos
exista a possibilidade de
Scorsese chama a atenção para a cena final: assim como Ethan amaldiçoou o indígena morto,
postiço saem à procura dos
sangrentos daquele país.
norte-americano:
redenção deles. Para Ethan, a
ele mesmo agora está condenado a vagar sem rumo, entre os ventos. É a história do cinema
o
única coisa que resta para os
sendo feita diante de nossos olhos.
a caçada, os patrulheiros
rancho e encontrar a família
índios é seu extermínio! Um
descobrem um túmulo de
morta, a vingança já está
sentimento impensável para
um índio comanche que
definida, sendo apenas uma
a figura do herói clássico
Ethan faz questão de violar,
questão de tempo. Apenas a
estadunidense.
além de atirar nos olhos do
sobrinha mais nova (Natalie
Ao longo de cinco longos
cadáver. Na sequência da
Wood, uma das atrizes
anos, Ethan e o sobrinho
cena, o pastor pergunta qual
mais belas do cinema) não
postiço buscam encontrar
o sentido daquele ato, ao que
é encontrada no local, o
Debbye
Ethan responde: “Pela sua
que significa que os índios
propósitos: um, de matar
fé, pastor, nenhum, mas pela
devem tê-la levado com vida.
a própria sobrinha se esta
fé comanche, alguém que
Isso complica ainda mais a
estiver vivendo entre os
não tem os olhos não pode
jornada do protagonista. A
índios; e outro, de resgatá-
entrar na terra dos espíritos.
simples possibilidade de ter
la e ainda impedir que o
Terá que vagar para sempre
um membro de sua família
tio enlouquecido leve a
entre os ventos.” Essa cena
vivendo entre os índios é
cabo o seu propósito cruel.
serve como metonímia da
inaceitável, o que faz com
Durante esse tempo, os dois
essência de Rastros de ódio:
que ele decida matá-la, se
enfrentam neve e deserto
peles-vermelhas.
Durante
Ao
retornar
para
com
diferentes
Hugo Carneiro Reis é professor de Física do Ensino Médio.
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Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011