Editorial D esde que foi concebida pelos idealizadores da República, em 1889, a Justiça Federal tem-se destacado no cenário político nacional como uma peça-chave no equilíbrio entre as distintas forças que compõem o sistema federativo. Agraciada com um quadro de eminentes juízes e juízas federais que sempre souberam entender a grandeza de sua missão, a Justiça Federal tem-se recusado a desempenhar o papel de mero foro exclusivo da União. Mais que isso, tem-se colocado, ao longo dos anos, no centro das grandes decisões políticas e econômicas do país, atuando de forma incisiva na garantia e manutenção do Estado Democrático de Direito. Assim, os membros do Conselho da Justiça Federal e da Justiça Federal de primeira e segunda instâncias têm motivos de sobra para se orgulhar de tão digna trajetória histórica. Não por acaso, a edição inaugural desta revista elegeu a importância política da Justiça Federal como tema principal. O momento é oportuno para que se promova a reflexão a respeito da real contribuição dessa instituição judiciária para o desenvolvimento político, econômico, social e cultural da Nação. A consciência e o culto à própria história são, por sinal, elementos essenciais à afirmação e consolidação da identidade institucional. E é justamente este o propósito maior deste mais novo produto de comunicação: reforçar a identidade da Justiça Federal e procurar traduzir em palavras e imagens seu autêntico valor. A comunicação tem sido um valoroso instrumento de integração entre os órgãos componentes da Justiça Federal desde que foi instituído o Centro de Produção da Justiça Federal (CPJUS), coordenado pelo Conselho da Justiça Federal, com a participação dos tribunais regionais federais. O primeiro produto elaborado conjuntamente no âmbito do CPJUS foi o programa de TV Via Legal, hoje indiscutivelmente uma referência de qualidade na grade de programação da TV Justiça e das afiliadas da Rede Cultura. Com o mesmo espírito agregador e disposição para levar ao conhecimento do cidadão brasileiro, de forma simplificada, a atuação da Justiça Federal, o CPJUS lançou em seguida o programa Rádio Cidadania Judiciária, mediante acordo de cooperação com a Radiobrás. Na esteira do sucesso e credibilidade alcançados pelo programa Via Legal, o CPJUS avança agora no campo editorial, com este primoroso periódico, que promete mais uma vez honrar e elevar aos merecidos patamares o nome da Justiça Federal. Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL Ministro Raphael de BARROS MONTEIRO Filho Presidente Ministro Humberto GOMES DE BARROS Vice-Presidente Ministro GILSON Langaro DIPP Coordenador-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de Estudos Judiciários Ministro HAMILTON CARVALHIDO Ministra ELIANA CALMON Alves Desembargadora Federal ASSUSETE MAGALHÃES Desembargador Federal Joaquim Antonio CASTRO AGUIAR Desembargadora Federal MARLI Marques FERREIRA Desembargadora Federal SÍLVIA Maria Gonçalves GORAIEB Desembargador Federal JOSÉ BAPTISTA de Almeida Filho Membros efetivos Ministro PAULO Benjamin Fragoso GALLOTTI Ministro FRANCISCO Cândido de Melo FALCÃO NETO Ministra LAURITA Hilário VAZ Desembargador Federal CARLOS OLAVO Pacheco de Medeiros Desembargador Federal FERNANDO JOSÉ MARQUES Desembargadora Federal SUZANA de CAMARGO Gomes Desembargador Federal JOÃO SURREAUX Chagas Desembargador Federal PAULO de Tasso Benevides GADELHA Membros suplentes Revista Via Legal – Ano I – número 1 – jan./abr. 2008 Contato: Revista Via Legal – Assessoria de Comunicação Social – Conselho da Justiça Federal SAFS – Quadra 6 – Lote 1 – Trecho III - Ed. Sede do Superior Tribunal de Justiça Prédio Ministros I – 3º andar CEP 70095-900 – Brasília – DF Telefones: (061) 3319-6447/6443 e-mail: [email protected] Alcides Diniz da Silva Secretário-Geral CENTRO DE PRODUÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL (CPJUS) Assessoria de Comunicação Social - CJF Assessora de Comunicação e Editora-Geral: Roberta Bastos Cunha Nunes –- FENAJ 4235/14/12/DF; Coordenadora de Comunicação Impressa: Cláudia Lucena Aires Moura; Coordenador de Multimídia: Alexandre Fagundes; Chefe da Seção de Imprensa: Ana Cristina Sampaio Alves; Chefe da Seção de Planejamento Visual: Raul Cabral Mera; Chefe da Seção de Edição e Produção: Edson Queiroz; Chefe da Seção de Rádio e TV: Paulo Rosemberg Prata da Fonseca; Servidor da Coordenadoria de Multimídia: Paulo Alberto da Silva; Repórteres: Camila Cotta e Thais Del Fiaco Rocha; Fotógrafa: Rayssa Coe;Estagiários: Lucas von Glehn Santos Filgueira, Bruno Humberto Diniz e Thais Paz de Lima. Equipe Via Legal: Diretora de programas: Dione Aparecida Tiago; Editora-Chefe: Natália Leite de Oliveira; Repórter: Viviane Rosa; Editora e Assistente de Direção: Elisa Castro; Editora de imagens: Roberta Chaves de Araújo Souza; Repórter Cinematográfico: José Antonio Ferreira Gomes; Ouvidor: Tércirger Mendes Coelho; Produtor: Guilherme de Oliveira Marinho; Auxiliar de Cinegrafia: Sidney Santos de Jesus; Figurinista: Eduardo Braga. Assessoria de Comunicação Social – TRF1 Conselho Editorial: Deyr Gomes Júnior (Secretário-Geral da Presidência);Ivani Morais (Chefe da Assessoria de Comunicação Social e Editora Regional) – DF 2747/JP; Gilbson Alencar – DF 3658/JP; Lucimar de Melo – 2561/13/18/DF;Vera Carpes – 3725/RS; Mara Bessa; Jornalistas Redatores: Chico Camargo – 7350/DF; Gilbson Alencar – DF 3658/JP; Juliana Corrêa – 7261/DF; Vera Carpes – 3725/RS; Fotógrafos: Ana Clédia Zorzal P. Moreira;Carlos Rodrigues; Luiz C.B.Xavier; Mauro Putini. Equipe Via Legal: Editora Regional: Vera Lúcia Teixeira Carpes Azevedo; Repórter Cinematográfico: Uanderson Soares Pontes; Editor de Imagens: André Cardoso. Seções Judiciárias: DF: Supervisora de Comunicação Social: Vanessa Siqueira; Jornalista: Larissa Jansen; Cerimonialista: Hélio Albuquerque; Fotógrafo: Denir Pereira; Servidora: Flávia Maurício; Estagiária: Isabela Villefortes; RO: Assessor de Comunicação Social: Antônio Serpa do Amaral Filho; Assistentes: Vanessa Duarte Barbosa; Mauro Alves de Lima Júnior; PI: Supervisora de Comunicação Social: Francisca Zelma Lima Cavalcanti; PA: Supervisor de Comunicação Social: Paulo Sérgio Bernerguy; MA: Supervisora de Comunicação Social: Ana Maria Turolla da Silva Estrela; Jornalistas: Sônia Aparecida Jansen; Francisco José Florêncio; AM: Supervisora de Comunicação Social: Andréa Silveira; BA: Supervisora de Comunicação Social: Nancy de Souza Leão; Assessor: Luiz Carlos Bittencourt Goulart; Técnica: Gisélia Mara Alencar Libório; TO: Supervisora de Comunicação Social: Iracele Barros Leite; RR: Supervisor de Comunicação Social: Fernando Quintella; MG: Supervisora de Comunicação Social: Christianne Callado de Souza; Publicitária: Carla Costa Popp; Designer: Ana Clédia Zorzal Moreira; Socióloga: Genita Terezinha Souza; GO: Supervisor de Comunicação Social: Carlos Eduardo Rodrigues Alves; Técnica: Kássia Martins de Carvalho; MT: Supervisora de Comunicação Social: Almerinda Barros; GO: Supervisora de Comunicação Social: Carmem Carvalho. Assessoria de Comunicação Social – TRF2 Assessora de Comunicação e Editora Regional: Ana Sofia Gonçalves; Repórteres: Adriana Dutra; André Camodego; Marcelo Ferraz; Sérgio Mauricio Costa; Servidores: Antonio Carlos Esteves; Libanita Araújo. Equipe Via Legal: Editora Regional: Ana Claúdia Paixão; Repórter Cinematográfico: Carlos Eduardo de Oliveira; Editor de Imagens: Luiz Roberto Marins. Seções Judiciárias: RJ: Supervisora de Comunicação Social: Carmen Varella; Jornalistas: Bruno Costa; Jane David; Maria do Socorro; Soraya Calheiro; ES: Supervisora de Comunicação Social: Ana Paola Dessaune Carlos Vidal; Jornalista: Patrícia Del Piero de Almeida; Fotógrafo: José Augusto Magnago. Assessoria de Comunicação – TRF3 Assessora de Comunicação Social e Editora Regional: Mônica Paula da Silva; Repórteres: Ana Cristina Eiras, Andrea Moraes, Ester Laruccia e Selma Alcântara; Assistentes: Daniela Benedete e Rosana Álvares; Fotógrafos: José Edgard Catão e João Fábio Kairuz; Cinegrafista e Editor de Imagens: Eduardo Silveira Costa; Estagiários: Danilo de Albuquerque Júlio e Letícia Mendes Gouveia. Equipe Via Legal: Editora Regional: Regina Cecilio Fonseca; Repórter Cinematográfico: Décio Ciappini; Editor de Imagens: Renato Primo Comi. Seções Judiciárias: SP: Supervisor de Divulgação Social: Hélio Martins Júnior; Assistente: Ricardo Acedo Nabarro; Assistente de Editoração e Criação: Christiane Amelia Martins Fonseca; Equipe de editoração e criação: Gerrinson Rodrigues de Andrade; Equipe da Assessoria: Dorealice de Alcântara e Silva; Viviane Ponstinnicoff; Elizabeth Branco Pedro; MS: Assessor da Comunicação Social: Aldo Cristino. Assessoria de Comunicação – TRF4 Assessor de Comunicação Social e Editor Regional: Sylvio Sirangelo; Jornalistas: Luciana Tornquist; Diego Beck; Estagiários: Juliana Athanasio; Guilherme Rios. Equipe Via Legal: Editora Regional: Analice Bolzan; Cinegrafista: Ricardo Nunes; Editor de Imagens: Daniel Bernardes. Seções Judiciárias: PR: Supervisora de Comunicação Social: Maria Augusta Ciavatta; Jornalista: Paula Caroline Ciavata Ferreira; Estagiária: Hélia Escrimin de Souza Germano; SC: Supervisor de Comunicação Social: Jairo Cardoso; RS: Supervisora de Comunicação Social: Gabriela Cardoso Oliveira; Estagiária: Fernanda Laguna. Assessoria de Comunicação – TRF5 Supervisora da Seção de Comunicação Social e Editora Regional: Cristina Ramos; Supervisora Assistente: Josilene Silva; Analistas: Getúlio Lourenço Bessoni de Melo; Woney Mororó; Técnicos: Francisco Macena; Carlos Costa; Estagiários: Hugo Bling; Mirrele Gordeiro; Taciana Catanho; Maria Eduarda Pinto; Débora Alves. Equipe Via Legal: Editor Regional: Juliano Domingues; Repórter Cinematográfico: Silvano Prysthon; Editor de Imagens: Willian Gerson de Lima Siqueira. Seções Judiciárias: AL: Assessora de Imprensa: Ana Márcia da Costa Barros; RN: Supervisora de Comunicação Social: Anna Ruth Dantas de Salas; Estagiário: Léo Valente Santiago; CE: Supervisor de Comunicação Social: Luiz Gonzaga Feitosa do Carmo; Assistente Técnica de Divulgação e Editoração: Lorena de Paula Pessoa Sá; PB: Supervisora de Comunicação Social:Silvana Sorrentino Moura de Lima; Estagiária: Ana Paula da Silva; SE: Assessor de Comunicação Social: Gilton Lobo Menezes; Estagiário: Diego Martin Fonseca Menezes; PE: Supervisor de Comunicação Social: Marcelo Schimitz; Estagiária: Juliana Lins. Projeto Gráfico e diagramação: Raul Cabral Méra - CJF Impressão: Coordenadoria de Serviços Gráficos do Conselho da Justiça Federal Sumário Gestão Novo método de gestão melhora atendimento nos JEFs/SP Juízes da 4ª Região aprendem receita empresarial de sucesso Especial Patrimônio da cidadania A estabilidade da ordem política, o equilíbrio do sistema econômico-financeiro e social, a segurança jurídica nos negócios nacionais e internacionais. Nessas e em outras grandes questões da vida nacional a Justiça Federal exerce a sua influência. Magistrados e estudiosos avaliam a dimensão dessa “jóia” republicana. p.23 8 A saga de um juizado itinerante no interior da Amazônia Juízes colombianos vêm ao Brasil conhecer os juizados 8 10 Conciliação 11 Desapropriações para construir rodovia acabam em paz Projeto do TRF1 está mudando a cultura institucional 11 12 Previdenciário Catadores de caranguejo ganham direito a seguro nos dias parados Súmula dos JEFs da 4ª Região legitima prova testemunhal Aos 102 anos, dona Hermínia passa a acreditar na Justiça Prisão de prostituta em PE foi considerada discriminatória Como uma juíza mudou o destino de um jovem traficante Reconhecimento de união homoafetiva gera direito a pensão Um dos primeiros juízes federais nomeados após a recriação da Justiça Federal, em 1967, o ministro aposentado do STF, Carlos Mário Velloso, fala sobre a sua experiência e a evolução histórica da instituição. p. 28 Especial - capa A importância política da Justiça Federal na visão de quem entende Entrevista Ministro Carlos Velloso analisa papel da Justiça Federal ao longo da história Conciliação “O futuro dos conflitos na sociedade passa pela conciliação”, afirma a presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que investe em projeto para disseminar a prática na sua jurisdição. p.12 Responsabilidade Social Uma idéia simples com resultados grandiosos. A Central de Penas e Medidas Alternativas da Justiça Federal do Rio de Janeiro aplica o dinheiro das penas pecuniárias em projetos sociais, como o Criam Bangu, que recupera menores infratores. p.34 Gestão Tecnologia Instituições da Justiça Federal compartilham suas tecnologias em sistema único Responsabilidade Social Campanha investe na recuperação de presos através da leitura Recursos oriundos de penas alternativas são aplicados em projetos sociais no RJ Responsabilidade Ambiental A reciclagem do lixo pode gerar idéias surpreendentes Serviço Protocolo Postal economiza viagens na 1ª Região da JF Metodologia inovadora de gestão nos juizados de SP está aumentando a produtividade. p.4 Em Porto Alegre, o megaempresário Jorge Gerdau Johanpeter dá aos juízes a receita de uma gestão de sucesso. p.6 Comunicação O que pensam os jornalistas que fazem a cobertura do Judiciário Rotina Forense Sociedade Desembargadora federal do TRF da 5ª Região, em Recife (PE), considera discriminatória prisão de prostituta, que foi para a cadeia sobretudo em razão do seu ofício. p.18 4 6 Juizados Sociedade Entrevista 4 O dia-a-dia dos tradutores que assistem os réus estrangeiros 14 14 16 17 18 18 20 22 23 23 28 28 30 30 32 32 34 36 36 38 38 40 40 42 42 Institucional 44 Giro pelas Decisões 47 Gestão Rodízio de tarefas Projeto inédito, que implantou uma secretaria única e gestão compartilhada entre os juízes, trouxe mais eficiência ao Juizado Especial Federal de São Paulo Andrea Moraes e Ester Laruccia - São Paulo (SP) O s Juizados Especiais Federais foram instalados em 2002 para dar mais agilidade à Justiça, cuidando de processos mais simples e com valor até 60 salários mínimos. Com este ponto de partida, os próprios juizados tiveram de buscar maneiras de trabalhar com rapidez para que esta sua principal carac- terística não se perdesse em meio a uma avalanche de processos. Uma experiência bem-sucedida nesse sentido vem do Juizado Especial Federal de São Paulo. No final de 2006, a juíza federal Marisa Cucio, presidente do JEF-SP, implantou a Gestão Compartilhada. Ela mesmo explica que isso “nada mais é do que a divisão de ta- refas e responsabilidades administrativas entre os juízes que integram o órgão”. O JEF-SP tem uma particularidade: todos os processos estão concentrados em uma secretaria única, subordinada à Presidência. As 12 varas-gabinetes, criadas em 2005, inicialmente cuidariam apenas da parte jurisdicional (decisão e sentença), Foto: José Edgard Catão Gestão d Catão sé Edgar Foto: Jo Gestão compartilhada permite atendimento mais ágil Foto: José Edgard Catão Marisa Cucio, juíza-presidente do JEF-SP: “Divisão de tarefas trouxe melhora jurisdicional” enquanto a Presidência ficaria responsável por toda a administração, que comporta uma estrutura de 200 servidores, 60 estagiários, 100 funcionários terceirizados e mais de 1 milhão de processos. “Assim que eu tomei posse, constatei que seria impossível administrar tudo isso sozinha”, conta Marisa Cucio. Segundo ela, a Resolução nº 259, artigo 19, permite que o juiz presidente convide outros juízes para compartilhar a gestão. “E foi o que eu fiz: chamei os meus colegas do juizado para ajudar. Em seis meses conseguimos uma melhora jurisdicional muito boa”, relata a juíza. Os resultados não demoraram mesmo a aparecer: o setor de Processamento Inicial teve um aumento de 200% no número de processos despachados antes da sentença. Ao mesmo tempo, no setor de Processamento de Recursos, a padronização dos procedimentos e decisões tornou mais eficiente o encaminhamento de processos à Turma Recursal. No Atendimento I (protocolo e distribuição), em 30 dias foram distribuídas quase 3.800 ações com pedido de concessão de benefício previdenciário atrasado. Além disso, 2.900 ações de revisão de beneficío e outros 1.300 processos cíveis foram distribuídos no mesmo período, alcançando 8.000 processos distribuídos no mês. No Atendimento III (informações processuais às partes sem advogados), o tempo médio de espera na fila, antes de três horas, caiu para uma hora, no máximo. Foi implementado também um sistema de controle eletrônico de filas que permite o redirecionamento de servidores para auxílio entre os setores de atendimento. Da Contadoria vem a boa notícia de que a identificação dos processos em que o juiz pretende pedir a realização de cálculos livrou os contadores de perderem tempo com a análise prévia. No setor de Perícias, a evolução veio com a regulamentação das atividades dos peritos médicos e sociais mediante publicação de portarias para cadastramento e desligamento desses profissionais. Foram também identificados quem são os peritos com pendências na entrega de laudos ou apresentação de laudos incompletos. O controle mais rigoroso de recebimento de laudos nas datas de vencimento permitiu o adiantamento das audiências de instrução e julgamento, além da significativa melhora na comunicação entre médicos e juízes. Detectadas com mais precisão as ausências das partes aos exames periciais, os processos foram extintos quando não houve justificativa, aliviando assim a pauta de audiências. No tocante ao setor de Execuções, foi adotada uma padronização no que se refere à habilitação de sucessores. De forma simultânea, foi realizado um mutirão para a expedição de requisições de pequeno valor (RPVs). Em apenas dois meses, saíram de lá nada menos do que 28 mil requisitórios. Outra conquista foi a criação de mecanismos de controle de fraude no levantamento dos valores depositados na Caixa Econômica Federal (CEF). Força-tarefa Desde sua abertura, em 14 de janeiro de 2002, o Juizado Especial Federal de São Paulo recebeu mais de 1 milhão e 200 mil ações. Estão em tramitação no momento 270 mil ações. Comparando com o início da gestão compartilhada, quando estavam em andamento cerca de 730 mil processos, o sucesso da experiência é comprovada: redu- ção de quase 460 mil processos em pouco mais de um ano. O resultado expressivo se deve ao empenho de uma equipe de 360 pessoas liderada pelo grupo de magistrados que administra o Juizado Especial Federal de São Paulo: os juízes federais Marisa Cucio (Presidência), Alessandra Medeiros (Perícias), Leonardo Safi de Melo (Processamento II/Recursos), Luciana Ortiz (Atendimento III) , Marisa Cassetari (Contadoria), Omar Chamon (Distribuição e Atendimento I), Raecler Baldresca (Expedição de Precatórios e Requisições de Pequeno Valor), Valéria Cabas Franco (Execução e Obrigações de Fazer) e Vanessa Vieira de Melo (Processamento I/Inicial). Foto: Diego Beck Gestão O empresário Gerdau e o vice-presidente do TRF4, desembargador federal João Surreaux Chagas. Visão de empresário Juízes federais voltam às salas de aula para aprenderem aquilo que o Direito não proporciona: noções de gestão e planejamento, em curso promovido pela Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região. Em uma quebra de barreiras, eles aprendem a transpor conceitos da iniciativa privada para a administração pública. Analice Bolzan - Porto Alegre (RS) E les discutem metas e analisam a melhor estratégia para satisfazer o cliente, otimizar custos, gerenciar processos e atingir a qualidade total. A cena poderia ser de qualquer reunião de negócios, mas são, na verdade agentes públicos aplicando métodos de gestão para melhorar o serviço. Para mudar a imagem do Poder Judiciário, que é lembrado por muitos como uma instituição lenta e burocrática, os juízes federais da Região Sul voltaram à sala de aula. Eles participam do primeiro curso do Judiciário brasileiro de administração da Justiça, com foco em gestão e planejamento. Promovido pela Escola da Magistratura (Emagis) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o curso faz parte de uma política de atualização constante dos juízes. A Emagis promove diferentes módulos sobre assuntos jurídicos durante o ano todo. Mas desta vez o desafio é aprender a administrar. Transpor os conceitos da iniciativa privada para a administração pública não é uma tarefa fácil. A meta de resultado e eficiência a qualquer preço ainda é vista com reserva por muitos alunos. O juiz Nicollau Konkel Júnior, que responde pela Vara Federal Ambiental de Curitiba, no Paraná, alerta que as exigências legais para administrar o bem público, como editais e licitações, e a própria legislação processual impedem uma resposta mais rápida da Justiça para o cidadão. Ele acredita que “a legalidade é um freio para a eficiência.” Gestão Já o vice-presidente do TRF da 4ª Re- descendência alemã. Para ele, a receita do gião, desembargador federal João Surre- sucesso é trabalho e técnica de gestão. aux Chagas, é mais otimista e, mesmo com Na palestra que ministrou para juízes as limitações impostas pela legislação, ele e desembargadores, ele disse que no pridiz acreditar que muitas práticas típicas da meiro quesito o Judiciário está aprovado, iniciativa privada podem ser adaptadas à mas no segundo, tem muito a aprender. esfera pública. “Se nós não podemos nos “O Poder Judiciário brasileiro tem alta espelhar integralmente nas iniciativas do qualidade, tem estrutura com liderança. O setor privado, pelo menos devemos adotar problema é a sistemática e a metodologia, o entendimento das Foto: Diego Beck técnicas de gestão do setor, que estão muito à frente”, afirma. É este o desafio proposto: usar o que a iniciativa privada tem de bom para administrar melhor varas, secretarias e gabinetes de magistrados. O juiz federal Anderson Furlan, que atua no Paraná, lembra que , assim como ele, os demais alunos do curso não foram preparados para geGerdau: renciar. Estudaram muito para o con“Num processo de curso de juiz, onde 10 anos, duvido que a exigência é conheum servidor utilize cimento técnico. “A mais de 10 dias úteis gestão pública é feita por pessoas que não trabalhando. O resto são são administradoras. prazos e manobras” Quando se aproveita o conhecimento de profissionais da área empresarial para gestão pública, o traba- que são os prazos. Eu diria que uma justilho fica mais produtivo”, analisa Furlan. ça tão demorada como a nossa, que não consegue atingir o objetivo da justiça, não existe,” resumiu. Professor nota 10 A saída apontada pelo empresário é Conhecimento não falta para Jorge justamente simplificar. Para ele, o JudiciGerdau Johannpeter. O empresário gaúcho ajudou a família a construir um ver- ário deveria tomar a iniciativa de propor dadeiro império do aço. O negócio, que aos poderes Executivo e Legislativo uma começou em 1901 com uma fábrica de alteração da lei para reduzir instâncias. pregos, em Porto Alegre, se tornou o se- “Ninguém conhece melhor o tema do que gundo maior fabricante de aços especiais o Judiciário. Ele deveria criar grupos de do mundo, com um faturamento de R$ trabalho com as melhores cabeças para 21,5 bilhões e um lucro líquido de R$ 3,4 mobilizar a opinião pública. Uma Justiça bilhões só em 2007. Junto com o seu fi- competente é o que a sociedade precisa”. Independentemente da alteração lelho, Gerdau administra o grupo de 36 mil gislativa, Jorge Gerdau Johannpeter gafuncionários e 272 unidades industriais e comerciais ao redor do mundo, mas fala rante que o caminho da avaliação técnica com simplicidade e um forte sotaque de é inevitável para detectar os problemas e fazer o que ele chama de “arrumar a casa”. Perguntado sobre o que faria se assumisse a administração do Judiciário, foi categórico: “Primeiro, uma medição das demoras, uma pesquisa para quantificar horas trabalhadas de cada servidor num processo, por exemplo, e saber porque estão demorando, para que houvesse uma transparência absoluta. Num processo de 10 anos, duvido que um servidor utilize mais de 10 dias úteis trabalhando. O resto são prazos e manobras”, avalia. O empresário vai adiante. “Com dados para enfrentar onde estão as dificuldades para satisfazer o cliente – leia-se: o cidadão, o segundo passo seria estudar as melhores práticas do Judiciário no mundo”. A visão de homem de negócios não o deixa esquecer que isto é muito importante “dentro da competitividade global”. Todos esses ingredientes – mudança legislativa, pesquisa, transparência, técnica de gestão – podem até parecer “receita de bolo pronto”, mas não podem faltar para que “o bolo” cresça. A idéia de que basta seguir as instruções para facilmente atingir a sonhada qualidade total tem lá seus percalços. A tarefa do Judiciário é adaptar a receita e dar aquele toque pessoal. O empresário lembra que muita coisa já foi feita no Judiciário federal. “O movimento das conciliações foi importante, um exemplo de simplificação e redução de instâncias”. O fato de os juizes voltarem às cadeiras escolares para aprender a gerenciar também é um importante passo. Gerdau, que encara a administração como uma grande procura por resultados, sejam eles a satisfação do cliente que utiliza o Judiciário ou o lucro da empresa, demonstrou que sabe fazer. Juizados N a Amazônia as distâncias são medidas por horas de vôo ou dias, se o meio de transporte for um barco de linha. Nossa aventura começa em Manaus. A viagem até Tabatinga, na fronteira com a Colômbia e o Peru, pode durar até sete dias num desses barcos ou duas horas de avião. Tabatinga fica no meio da selva Amazônica. Os traços indígenas predominam em uma população de cerca de 40 mil habitantes, num município onde o principal meio de transporte é a motocicleta, a maioria delas contrabandeadas do Peru ou da Colômbia. A cidade faz divisa com o município de Letícia, na Colômbia. Como ambas ficam isoladas de seus países, a troca de mercadorias é intensa. As duas cidades formam uma ilha povoada no meio da Amazônia, sem nenhum contato com os grandes centros produtores e consumidores. Por isso, a fronteira nessa região é livre. O comércio vira contrabando quando não passa pelo controle da Receita Federal. Tabatinga é também uma das portas de entrada do tráfico de cocaína no Brasil. De 2005 a 2007, a Polícia Federal incinerou no município mais de uma tonelada de cocaína, mais de quatro quilos de heroína e quase oito quilos de maconha. A instalação de uma vara federal nessa fronteira tem contribuído para reduzir os crimes de contrabando e o tráfico internacional de drogas na região. Desde que a Vara Federal de Tabatinga foi instalada, em 2004, foram processados 148 réus: 89 brasileiros, 29 colombianos e 23 peruanos. Saindo de Tabatinga, juízes e servidores da Justiça Federal, procuradores do INSS e defensores públicos da União se dividiram entre helicópteros da Força Aérea Brasileira e uma moderna lancha da Receita Federal. Assim começou mais um Juizado Federal Itinerante realizado em 2007, na 1ª Região da Justiça Federal. Nossa equipe de reportagem escolhe a lancha. Saímos de Tabatinga ao cantar do galo: quatro horas da manhã. Nosso destino: São Paulo de Olivença. Quando o sol nasce no alto do rio Solimões, a imagem desse mar de água doce amedronta e fascina. Serão seis horas de viagem apreciando a bela paisagem amazônica. Chegamos a São Paulo de Olivença, uma pequena aldeia em volta de uma Igrejinha. Casas coloridas e povo sorridente, que aguarda ansioso a Justiça que vem pela águas. São mais de 31 mil habitantes, a maioria descendente de índios tikuna que habitam toda a região. Para o diretor do Foro da Seção Judiciária do Amazonas, Agliberto Gomes Machado, o estado é um “verdadeiro continente”. “Como o acesso às cidades só pode ser feito por barco ou avião, a chegada do juiz onde a pessoa reside é um momento especial na vida daquelas comunidades. Naquele momento o cidadão tem acesso total ao estado vivo, presente na vida dele como forma de resolver seus problemas”, diz. A sede da Secretaria Municipal do BemEstar e Cidadania ficou pequena para tanta gente, a maioria em busca de benefícios previdenciários, como aposentadoria rural e salário-maternidade. A bordo da moderna lancha da Receita Federal adquirida para coibir o contrabando na região e guiados pela índia tikuna Deusenira Félix Rosindo, subimos o alto Solimões para conhecer uma aldeia tikuna. Foto: Carlos Rodrigues da Silva Rio Solimões No coração da Amazônia A equipe de reportagem do programa Via Legal acompanhou a realização de juizados especiais federais itinerantes no interior da Amazônia, em comunidades ribeirinhas. A repórter Vera Carpes conta como foi a experiência de viajar pelo mágico universo da floresta Vera Carpes - Manaus (AM) Juizados Cultura Indígena Foto: Carlos Rodrigues da Silva Deusenira conta que um dos aspectos culturais mantidos até hoje é a festa da Moça Nova, um ritual importante que marca uma tradição milenar. A festa caracteriza-se como um ritual de passagem, referindo-se à transição de menina à mulher. O ponto alto da cerimônia é a pelação – momento em que os cabelos da moça são arrancados fio-a-fio. A pergunta é óbvia: “Não dói? Não pega infecção?” Deusenira, que já passou pela pelação, responde: “Doer dói, mas é passado um anestésico natural no momento da cerimônia quando o cabelo é retirado”. Depois da pelação segue a cerimônia de purificação, que consiste no banho de rio. A Dança de boas-vindas cerimônia encerra quando a moça coloca o vestido de mulher, marcando dos índios tikuna simbolicamente sua entrada no mundo dos adultos. Para manter suas referências culturais, as crianças recebem aula em professores indígenas para atuarem nas aldeias - uma fortikuna. O material pedagógico é repassado por meio da Organização dos ma de garantir o direito dos indígenas a um processo eduProfessores Tikuna Bilíngües, entidade criada com a finalidade de formar cacional compatível com suas peculiaridades culturais. Os tikuna são atualmente o povo indígena mais numeroso do Brasil. Segundo dados do Instituto Sócio-Ambiental, são cerca de 32.613 só no território brasileiro. Eles se concentram nos municípios de Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença e Santo Antonio do Içá. Um levantamento feito pelo Conselho Geral da Tribo Tikuna aponta que no Peru a população de tikuna é de 4.200 índios e, na Colômbia, 4.535. A soma da população tikuna dos três países é de 41.348 índios. Em São Paulo de Olivença existem 28 aldeias tikuna. Seguimos o caminho das águas em uma hora de lancha, até que avistamos a pequenina aldeia. Da margem eles nos observam desconfiados. Como a tribo não fala português, Deusenira, nossa intérprete, apresenta nossa equipe de televisão e somente então temos permissão para desembarcar na aldeia. Quebrada a resistência inicial, somos cercados por curiosos e barulhentos indiozinhos que serão nossos guias durante nossa permanência na aldeia. Somos então recebidos com uma dança de boas-vindas. Embora tenham um intenso contato com a comunidade local, os tikuna preservam a língua materna e mantém a cultura de seus antepassados. Pergunto se sabem da vinda da Justiça Federal até São Paulo de Olivença e, para minha surpresa, o índio tikuna Manoel Isaac da Silva, a mulher e um pequeno indiozinho estão com a canoa pronta para seguir até a cidade. Eles vão tentar obter o amparo assistencial para o filho doente. Manoel explica que o casal não teria recursos para custear uma viagem até Manaus. Assim, as canoas vão chegando, uma a uma, atracando no Porto da Cidadania, em busca de direitos que muitos desconhecem, mas que vão sendo passados boca-aboca. Depois de uma semana em São Paulo de Olivença, a caravana segue pelo rio Solimões para Santo Antonio do Içá. O juiz federal Manoel Ferreira Nunes leva com ele a certeza do dever cumprido:“eu me sinto mais leve, mais realizado profissionalmente como juiz, porque vejo que é nessa situação que a justiça é mais efetiva e corrige injustiças sociais”. A Coordenação dos Juizados Especiais Federais da Amazônia estima que em 2007 cerca de R$ 613 mil foram injetados na economia de São Paulo de Olivença e R$ 543 mil em Santo Antônio do Içá. A maioria das ações nos dois municípios foi de cunho previdenciário (auxílio-doença, pensão por morte, amparo social ao idoso e deficiente). Segundo dados do COJEF, dos 972 processos que estavam sob jurisdição da Subseção Judiciária de Tabatinga, 773 tiveram acordos celebrados e 31 processos tiveram sentenças procedentes. A instalação dos juizados especiais federais, além de atender a uma antiga demanda da população de tornar a Justiça Federal mais ágil, abriu as suas portas para uma camada da população que ficava à margem. As causas previdenciárias, em geral de baixo valor, começaram a levar todos os anos milhares de pessoas a procurarem a Justiça para garantir seus direitos. O funcionamento dos juizados, sem a criação de cargos e funções, exigiu desde o início um esforço grandioso de todos os envolvidos para cumprir seus objetivos. Apesar dessa precariedade estrutural, desde abril de 2003 os juizados especiais federais itinerantes vêm levando a cidadania às populações dos municípios abrangidos pela 1ª Região. Foto: Carlos Rodrigues da Silva Equipe do juizado itinerante Juizados Juiz José Alfredo Escobar (esq.) e ministro Gilson Dipp (dir.), reunidos com a delegação colombiana e anfitriões brasileiros Foto: Rayssa Coe O Brasil dá o exemplo Juízes da Colômbia reconhecem sucesso da experiência dos juizados especiais brasileiros Ana Cristina Sampaio Alves - Brasília (DF) A entrada em funcionamento, no dia 1° de fevereiro deste ano, dos primeiros juizados especiais criminais na Colômbia e o reconhecimento do êxito da experiência brasileira neste campo levaram o Conselho Superior da Judicatura daquele país a enviar no dia 21/2 delegação de juízes para conhecer de perto o funcionamento dos juizados especiais federais. Recebidos pelo coordenador-geral da Justiça Federal, ministro Gilson Dipp, os juízes colombianos José Alfredo Escobar, Núbia Ângela Burgos Diaz, Luís Fernando Contreras e Carlos Moreno realizaram programa de visitas para conhecer o funcionamento dos juizados especiais federais ( JEFs) da Seção Judiciária do DF e um juizado especial do Tribunal de Justiça, além de visitarem o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Ministério da Justiça. Estavam presentes à reunião, realizada no Conselho da Justiça Federal, a juíza federal Gilda Maria Carneiro Sigmaringa Seixas, coordenadora dos JEFs do DF, e os juízes Giselle Raposo e Flávio Fernando Almeida Fonseca, dos juizados especiais do DF, além do secretário da Reforma do Judiciário, Rogério Favreto. Atento à explanação dos magistrados brasileiros sobre o sucesso dos juizados especiais, o juiz José Escobar falou sobre o interesse da Colômbia em conhecer o “modelo revolucionário e eficaz para solucionar as causas dessa natureza”, tendo em vista o objetivo do país em ampliar gradualmente a atuação dos juizados especiais também para a área cível. A comitiva ouviu do ministro Gilson Dipp que os juizados especiais são “o que há de mais importante na Justiça brasileira”. O ministro ressaltou o baixo custo dos juizados, em comparação com os benefícios por eles proporcionados à sociedade. Segundo as estatísticas apresentadas aos magistrados colombianos, 60% das demandas do TJ/DF são dirigidas a um dos 40 juizados 10 especiais existentes. Eles se mostraram impressionados com o elevado índice de conciliação na área cível, que chega a mais de 50% na primeira audiência, as quais são conduzidas por conciliadores. Os aspectos práticos na adoção dos princípios da oralidade, informalidade e efetividade na prestação jurisdicional, pelos quais se pauta a atuação dos juizados especiais, despertou o interesse da delegação colombiana, que questionou em detalhes o seu funcionamento e se impressionou com a rapidez na solução dos processos: entre três e cinco meses. Segundo a juíza Gilda Sigmaringa Seixas, o DF conta hoje com 60 mil ações tramitando nos JEFs, fato que não reduziu o volume de ações nas demais varas federais. “Isso significa que estas 60 mil pessoas não tinham acesso ao Judiciário, era uma demanda reprimida que agora dispõe de um serviço gratuito”, disse a juíza. Ela acrescentou que em 2007, dos R$ 60 milhões pagos pelos JEFs, mais da metade foi por meio de requisições de pequeno valor, pelas quais o Estado paga sua dívida ao cidadão em até 60 dias. Interessados no trâmite processual dos juizados especiais criminais – os quais recebem causas cujas penas não excedem dois anos de acordo com o Código Penal -, a delegação ouviu dos juízes Giselle Raposo e Flávio Ronseca que quase 100% dos processos passíveis de conciliação têm solução consensual. “Nós buscamos a pacificação social, não a pena”, disse a juíza Giselle, ao explicar que a composição civil põe fim ao processo criminal. Eles consideraram “excelente” a oferta de atendimento psicológico e de assistência social neste sentido. A experiência de implantação do processo virtual – que nos JEFs do DF já representa 60% do total de ações – e a instalação de juizados itinerantes fluviais na Amazônia e de juizados especiais em cinco aeroportos brasileiros também foram relatadas aos magistrados da Colômbia. Conciliação Acordo pela rodovia Iniciativa pioneira da Justiça Federal gaúcha permite solução rápida e eficiente das ações de desapropriação para duplicar a BR 101 Gabriela Oliveira - Porto Alegre (RS) Local das audiências: clima de informalidade Foto: Imprensa / JFRS N Inspeção judicial em área desapropriada Foto: Imprensa / JFRS o início são expressões desconfiadas ou francamente agressivas, figuras encurvadas, tímidas, humildes ou perdidas. Mas elas chegam e encontram quem tenha disposição para escutá-las, compreendê-las, traduzi-las, fazer com que suas vozes sejam ouvidas. No final, são rostos cansados, mas felizes, apertos de mão enérgicos, agradecidos, emocionados e a sensação de que a meta foi atingida. E o resultado de tudo isso é ver a satisfação estampada nos rostos das pessoas que celebraram acordo durante a 5ª etapa do mutirão de audiências de conciliação. O mutirão envolveu ações de desapropriação para as obras de duplicação do trecho do litoral gaúcho da BR 101. Realizado no final de novembro de 2007, o mutirão reuniu seis juízes federais de Porto Alegre, que se deslocaram a Torres (RS) em busca de um acordo entre o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) e proprietários das terras que estão sendo desapropriadas ao longo da rodovia. Durante esses dias, foram muitas negociações. Em alguns casos, os magistrados foram até os locais desapropriados para inspeções judiciais. Em outros, foram feitas novas vistorias pelo Dnit. Os encontros foram marcados pela simplicidade. No Centro ...a indenização que inicialmente era de R$ 174,00 passou a ser de R$ 59 mil. Foto: Imprensa / JFRS Obra de duplicação da BR Municipal de Cultura e Artesanato, local do mutirão, as mesas ficavam em cima do palco e as pessoas que esperavam atendimento, na platéia. Ao longo de todas as cinco edições do projeto, idealizado pela Seção Judiciária da capital gaúcha, o mutirão de desapropriação da BR 101 realizou, aproximadamente, 700 audiências, com índice de 90% de acordo. Os valores negociados ultrapassaram R$ 20 milhões. Para Luiz Carlos, um dos proprietários que participou do projeto, a primeira reação foi negativa. Ele disse que não aceitava o valor oferecido pelo Dnit porque a desapropriação atingiria a sua casa. A autarquia reavaliou o imóvel e a indenização que inicialmente era de R$ 174,00 passou a ser de R$ 59 mil. Ele foi embora contente: “se não fosse a Justiça...”. José Luiz Lumertz, por sua vez, afirmou nunca ter sido tão bem tratado em uma instituição pública. Quanto ao acordo, ele garantiu, satisfeito: “Não vou ficar rico em cima de um pedacinho de terra. Fechei o negócio porque eu sei que é o que vale”. O juiz federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, diretor do Foro da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul e coordenador do Sistema de Conciliação no Estado, considera que a experiência dessas audiências caracterizaram um marco inédito. “Trata-se da Justiça saindo dos gabinetes, dos foros e indo ao encontro do cidadão”. O magistrado lembrou que em momento algum se sentiu tão próximo do cidadão, “motivo fundamental da existência e da legitimidade do Poder Judiciário”. 11 Conciliação Foto: Mauro Puttini Presidente do TRF da 1ª Região, Assusete Magalhães entrega, em Belém (PA), baixa de hipoteca à mutuária Ângela Azevedo A palavra é conciliar Mais cidadãos satisfeitos nas ruas, menos processos nas prateleiras: este é o resultado do projeto iniciado em 2005 pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região Chico Camargo - Brasília (DF) A o tomar posse como presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em 19 de abril de 2006, a desembargadora federal Assusete Magalhães falava, em seu discurso, sobre a descoberta do Poder Judiciário por parte do cidadão, como fonte de solução de conflitos individuais e coletivos. Não sem causa, a Constituição Federal de 1988 dá substância àquelas palavras. Apoiada na Carta, a desembargadora referia-se a uma palavra de forte significado que gostaria de fazer valer. A palavra era “conciliação”. Os dicionários dizem que significa boa harmonia, ficar em paz, ou estar de acordo. Magistrados, já de algum tempo, haviam percebido que a quantidade de processos e 12 a complexidade de recursos que os envolviam, emperravam a solução dos conflitos. Segundo explicou o juiz federal em auxílio à Presidência, Reynaldo Soares da Fonseca, que coordena o Projeto de Conciliação no âmbito do TRF da 1ª Região, “a diretriz da transação tem sido um grande instrumento para a composição dos litígios judiciais, e a reforma processual brasileira, que vem sendo feita por etapas e ao longo dos anos, consolidou a idéia da conciliação como importante mecanismo de resolução de tais conflitos”. Na visão da desembargadora, à época recém-chegada à Presidência, este era o modo de levar a Justiça àqueles que a orbitavam sem, no entanto, alcançar o objetivo pretendido, isto é, a solução de seus problemas. Rapidamente, a palavra saiu do papel e transformou-se em realidade. De pronto, voluntariamente, 39 magistrados se prontificaram a encarar o desafio. Em maio de 2006, de forma pioneira, a Seção Judiciária de Minas Gerais viveu a primeira experiência do Projeto de Conciliação. Lá, ao inaugurar as atividades de conciliação, o desembargador federal Carlos Olavo Pacheco de Medeiros, vice-presidente do TRF, foi taxativo ao dizer que “é mais fácil chegar a um consenso pelo assentimento das partes do que pela sentença judicial. Havendo disposição das pessoas de chegar a este acordo, abrindo mão de alguma parcela de seus interesses, o resultado é mais satisfatório”. Naquele primeiro momento, os acordos foram feitos em torno de processos do antigo Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Foram realizadas dezenas de audiências conciliatórias entre mutuários do Sistema e a Caixa Econômica Federal. As partes, que aguardavam pelo julgamento dos recursos que haviam interposto no TRF da 1ª Região, contra as sentenças de 1° grau, tiveram a oportunidade de negociar e chegar a um consenso. Em apenas uma semana de negociações houve 82% de acordos, índice que animou ainda mais o prosseguimento do Projeto de Conciliação nas demais seccionais da 1ª Região. “Todos ganham. O mutuário, o agente financeiro, a Justiça Federal e a sociedade. O resultado inicial do projeto é extremamente gratificante e mostrou que o futuro dos conflitos na sociedade passa pela conciliação”, afirmou a presidente Assusete Magalhães, após entregar documento de baixa de hipoteca a um mutuário. Logo, o projeto alcançou todas as seções judiciárias integrantes da 1ª Região. Em agosto de 2006, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o intuito de alcançar maior parcela da sociedade, lançou o Movimento pela Conciliação, estendendo-o a todo território nacional. A iniciativa teve imediato apoio da presidente do TRF. Em oficio à presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie, a desembargadora Assusete Magalhães, com o objetivo de estimular, dizia sobre o sucesso obtido com a adoção do procedimento: “Nesse diapasão, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que vem de- Conciliação Foto: Luiz C. B. Xavier Semana da Conciliação na Seção Judiciária do DF - 08/12/2007 senvolvendo tal projeto no âmbito do SFH desde 2005, tem a certeza de que o caminho da conciliação e da mediação é uma importante ferramenta para a realização da efetiva Justiça, devendo ser trilhado e estimulado por todo o Poder Judiciário. Em suma, o paradigma do litígio é substituído pela transação, onde todos são vencedores”. Ainda no mesmo documento, a desembargadora noticiava que naquele momento a Coordenação dos Juizados Especiais Federais (Cojef ) da 1ª Região acabara de implantar outro Projeto de Conciliação. Desta vez, voltava-se para matérias relacionadas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), a concessão de reajustes de benefícios previdenciários e a servidores públicos. Tal iniciativa estava inserida na campanha nacional “Conciliar é legal”, promovida pelo CNJ. O projeto logo estava implantado em todas as varas das 14 seções judiciárias da 1ª Região e os juizados especiais estavam definitivamente integrados à idéia da conciliação. O Dia da Justiça, 8 de dezembro, passou a ser também instituído pelo CNJ como o “Dia Nacional da Conciliação”. Esta feliz associação trouxe mais representatividade e relevo para a data. Naquele dia, do ano de 2006, com todos os tribunais do País de portas abertas, as seções judiciárias da 1ª Região realizaram 7.646 audiências. Estas, por sua vez, envolveram cerca de 15 mil pessoas, entre magistrados, servidores e voluntários. Nos Juizados Especiais Federais ( JEFs), a junção de esforços produziu 6.574 audiências, tendo sido homologados 4.812 acordos, 73% do total. Para que se tenha uma idéia do significado desses números, em toda a Justiça Federal foram realizadas aproximadamente 13.900 audiências e 9.198 acordos. Em Belém (PA), uma das beneficiárias, a mutuária Ângela de Azevedo, 54 anos, que há 15 lutava pela aquisição de um imóvel da falida Encol, recebeu a carta de quitação de débito das mãos da presidente Assusete Magalhães. Ao longo de 2007, o Projeto de Conciliação firmava-se a cada mês. Em outubro, magistrados e procuradores reuniram-se em Teresina (PI) no 1º Seminário sobre Conciliação nos Juizados Especiais Federais da 1ª Região. Ali, discutiram propostas sobre a conciliação, como um dos mecanismos para dar mais agilidade aos JEFs. Em palestra, o juiz federal Marcelo Dolzany, da Seção Judiciária do Maranhão, propôs que fossem desenvolvidas novas formas de co- municação e revistos os padrões rígidos de conduta processual, a fim de que se obtenha mais alternativas para alcançar a conciliação. Em dezembro de 2007, o que antes era dia passou a ser “Semana da Conciliação”. A mudança reflete a importância adquirida. A abertura da Semana, que teve início no dia 3, na sede da Seção Judiciária de Minas Gerais, em Belo Horizonte, contou com a presença da presidente do STF e do CNJ, ministra Ellen Gracie, que juntamente com a desembargadora Assusete Magalhães, entregou os certificados de baixa de hipoteca de imóveis a mutuários do SFH que haviam optado pela conciliação. Os números do TRF da 1ª Região repetiram o sucesso daqueles alcançados no ano anterior. Das 6.945 audiências marcadas, foram realizadas 6.157 e efetuados 4.337 acordos. Em conjunto, as seções judiciárias atenderam 8.746 pessoas. O montante negociado ficou em torno dos R$ 26 milhões. “Desmistificou-se o dogma de que os entes públicos não podem transigir. Hoje a CEF, a União, o INSS e as demais autarquias e empresas públicas federais compreenderam a importância da cultura da conciliação”, constata a desembargadora federal Assusete Magalhães. 13 Previdenciário Na lama, mas com dignidade Foto: Diego Martin Justiça Federal em Sergipe determina retomada do pagamento de segurodesemprego a catadores de caranguejo durante período de defeso. O benefício havia sido suspenso por uma portaria do Codefat. A decisão do juiz federal Edmilson da Silva Pimenta vale para todo o Brasil Juliano Domingues - Aracaju (SE) O escritor pernambucano Josué de Castro conheceu e denunciou ao mundo o chamado “ciclo do caranguejo”, trágica realidade vivida nos mangues do Nordeste. “O ciclo da fome devorando os homens e os caranguejos, todos atolados na lama”, escreveu em Homens e Caranguejos. Os pescadores que vivem dessa atividade mal conseguem prover o seu sustento, principalmente depois que o Ibama instituiu o período de defeso, durante o qual é proibida a coleta e a comercialização do caranguejo Nos mangues de Sergipe, uma comunidade de pescadores conseguiu romper com esse ciclo de miséria, obtendo na Justiça Federal o direito a receber seguro-desemprego nos períodos de defeso. No caso do caranguejo-uça (Ucides cordatus), comum no Nordeste brasileiro, o defeso é dividido em três etapas: cinco dias em janeiro, cinco em fevereiro e cinco em março. Trata-se da chamada “andada”, quando os animais deixam suas tocas para acasalar. Quem infringir o que determina a portaria do Ibama está sujeito à multa de R$ 700, além do acréscimo de R$ 10 por quilo apreendido. Como não pode capturar o caranguejo e Josué de Castro fica sem essa fonte de renda, o pescador tem direito ao benefício do seguro-desemprego referente aos dias de defeso. É o que determina a Lei nº 10.779/2003. Durante quase três anos, porém, os catadores de caranguejo-uça da comunidade de Robalo, a 20 Km de Aracaju, deixaram de receber o seguro. A interrupção do pagamento desestruturou financeiramente várias famílias de pescadores, como a de Sirlene da Silveira, 42 anos. “Ficou muito difícil. A pessoa fica confiando naquele dinheiro, comprando fiado, esperando. Chega na data e não recebe”, lamenta. “O ciclo da fome devorando os homens e os caranguejos, todos atolados na lama” 14 Previdenciário Vizinhos dela, como Gerson Pereira, 59 anos, tiveram de mudar de ramo para conseguir se sustentar. “Fui trabalhar de pedreiro. Mas tem sido muito complicado. Depois de 50 anos pescando, não sei fazer outra coisa”. Para os idosos, a situação é ainda mais difícil. “Ficou muito ruim, rapaz. Ficou triste. Quem é jovem ainda se vira. E eu?”, pergunta Neuza da Silveira, 65 anos. Segundo os moradores, a Delegacia Regional do Trabalho em Aracaju só estava concedendo seguro-desemprego para pescadores e catadores de espécies cujo defeso fosse de, no mínimo, 30 dias. A restrição se baseava na Resolução de nº 394/2004, do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat). “A Delegacia Regional do Trabalho alegou que, pelo fato do defeso do caranguejo ser fracionado, eles (os pescadores e catadores) perderiam esse direito”, conta Ademir da Silva, presidente da Associação de Moradores do Robalo. A queixa dos robalenses chegou ao Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE). A procuradora da República Gicelma Santos do Nascimento questionou a exigência feita pela Delegacia Regional do Trabalho. Para o MPF, a resolução é inconstitucional. “A lei que prevê esse seguro aos catadores não estabelecia prazo para o defeso. A resolução do Codefat estava extrapolando a lei vigente”, afirma. Com base nesse argumento, o MPF ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal em Sergipe, pedindo a retomada do pagamento do benefício. O juiz da 3ª Vara Federal de Sergipe acatou o pedido do Ministério Público na íntegra. Edmilson da Silva Pimenta determinou o pagamento do seguro-desemprego proporcionalmente aos dias de defeso. “Evidente que, se o defeso é de 15 dias em três períodos de cinco dias, o pescador vai receber 15 dias de seguro-desemprego”, argumenta o juiz federal. A decisão de primeira instância vale para todo o Brasil. “Já dá para pagar alguma coisinha, já é pão de cada dia a mais recebendo aquele dinheirinho”, comemora a catadora Austéria do Sacramento, 52 anos, ao saber do resultado do julgamento. Ela e o restante dos moradores do Robalo ficaram ainda mais satisfeitos quando souberam que vão poder comunitário Ademir da Silva. “Os moradores do Robalo podem voltar a preservar o futuro da comunidade”, completa. Agora, o homem simples que encontra na lama escura do mangue seu meio de sobrevivência está mais forte para enfrentar o ciclo da fome – cada vez menos silencioso – que devora homens e caranguejos. Homens e caranguejos A comunidade do Robalo não está no roteiro turístico do litoral de Aracaju, nem é residência temporária de veranistas em busca de casas para alugar. Longe disso. É uma vila de pescadores, daquelas bem tradicionais. Nos terraços das casas simples, uma cena corriqueira: homens e mulheres confeccionam o próprio material de pesca. Não à toa, a comunidade leva o nome de um peixe comum nos manguezais. A diversidade do ecossistema atraiu os primeiros moradores e proporcionou o crescimento da vila, à beira do rio Santa Maria. Arnaldo Bispo Rodrigues, 82 anos, foi um deles. “As pessoas completavam seu pão de cada dia com a pesca. E para ajudar meu pai a sobreviver, eu passei a pescar com meu cunhado e com outros que assim me solicitavam”. Os robalenses pescavam de tudo até perceberem o quanto o caranguejo era mais rentável, tanto no comércio quanto nas refeições da família. “Ele sempre foi útil, porque ajuda muito na alimentação. Pescávamos o ano todo”, relembra Rodrigues. Na época em que ele enfrentava a lama em busca de caranguejo não havia o defeso. A sentença repara um erro. O não-pagamento do benefício colocava em risco a preservação do caranguejo-uça. reivindicar o acumulado dos valores não-recebidos desde a interrupção do pagamento, há três anos. Para Gerson Pereira, é a chance de se livrar das dívidas. “Com o dinheiro que vamos receber, já pago a quem devo”. A sentença repara um erro. Além de prejudicar financeiramente dezenas de famílias e atingir a identidade e a auto-estima do catador, o não-pagamento do benefício colocava em risco a preservação do caranguejo-uça. “Entre correr o risco de ser multado ou passar fome, você acha que essas pessoas escolheram o quê?”, indaga o líder Foto: Diego Martin Fotos: áreas do manguezal entre os povoados de Robalo e Mosqueiro, Aracaju (SE) 15 Previdenciário Para os nossos pais Entendimento pioneiro dos JEFs vai beneficiar muitas pessoas da Região Sul que lutam para conseguir pensão por morte Analice Bolzan e Luciana Tornquist - Porto Alegre (RS) Sessão da Turma Regional de Uniformização dos JEFs da 4º Região Foto: Sylvio Sirangela U m ataque cardíaco tirou a vida de Jair, funcionário de uma fábrica de calçados no interior do Rio Grande do Sul. A morte do jovem de 31 anos tirou também de seus pais, seu Auri e dona Natália Vargas, além da convivência com o filho, o sustento da casa – era ele quem garantia a comida na mesa e os remédios para a saúde delicada da mãe. Sem amparo e com dificuldades para sobreviver, o casal resolveu então entrar com um pedido de pensão por morte no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Frente à negativa da Previdência, que alegou falta de provas, o caminho foi buscar a Justiça Federal. Como a única maneira de comprovar que Jair bancava as despesas era o depoimento de amigos e vizinhos, a pensão foi negada em primeira instância. Faltavam provas mate- riais, como recibos e comprovantes. O caso desta família, como o de tantas outras pelo país afora, foi a origem de uma decisão pioneira da Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (JEFs) da 4ª Região. Durante sessão realizada em Porto Alegre, em setembro de 2007, os integrantes da turma de uniformização elaboraram uma súmula, a de número 8, determinando que a prova material pode ser substituída pelo depoimento de testemunhas que comprovem a relação de dependência financeira. O coordenador dos JEFs da Região Sul, desembargador federal Néfi Cordeiro, que presidiu a sessão, explica que a partir da edição da súmula aqueles que não têm a dependência presumida pela lei “podem fazer a prova da dependência por qualquer meio – por testemunhas, informantes, pes- SÚMULA Nº 08 A falta de prova material, por si só, não é óbice ao reconhecimento da dependência econômica, quando por outros elementos o juiz possa aferi-la. 16 soas próximas – não sendo preciso a prova documental”. O entendimento uniformiza o julgamento de ações sobre a questão em varas de juizados da 4ª Região (que engloba os estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná). A medida é especialmente importante por abranger ações dos juizados, que julgam processos envolvendo no máximo 60 salários mínimos. Muitas vezes as pessoas que ingressam com ações nesses juízos, como destaca o juiz federal Guilherme Pinho Machado, da 1ª Turma Recursal do RS, são humildes e seguidamente não têm documentação, comprovação bancária ou relação com medicina privada que possa provar a existência de uma relação de dependência. No caso do seu Auri e da dona Natália, foi o dono do mercado onde a mãe de Jair fazia compras que testemunhou, comprovando a dependência: “Quando eu não tinha dinheiro, eu comprava igual e depois o meu filho, quando recebia, ia lá pagar”, lembra dona Natália. A partir da uniformização da jurisprudência, o longo caminho percorrido pelos pais de Jair para garantir seu direito pode ficar mais curto para outras pessoas. Previdenciário Fé na vida TRF3 reconhece direito de idosa de 102 anos a pensão por morte da filha Andrea Moraes, Mônica Paula e Regina Fonseca - São Paulo (SP) “M aria, Maria/É um dom/Uma certa magia/Uma força que nos alerta (...)/Mas é preciso ter graça/É preciso ter sonho sempre/Quem traz na pele essa marca/Possui a estranha mania/De ter fé na vida”. A música dos “mineiros da esquina” Milton Nascimento e Fernando Brant é uma boa pista que pode explicar o que levou Hermínia Rozim a acreditar na Justiça – e vencer ! Com 102 anos, viúva e sem o sustento providenciado por Maria Aparecida, a única dos quatro filhos que até cinco anos atrás ainda estava viva, a aparente frágil senhora decidiu ir buscar o que acreditava ser seu direito: a obtenção de uma pensão por morte. Vendo-se só e sem recursos suficientes para pagar as contas, já que Cida arcava com as despesas com água, luz, aluguel e não deixava faltar nada para a mãe até morrer, em 2003, esta corajosa “Maria” recorreu ao INSS para conseguir seu benefício. Para sua tristeza, a cruel resposta: pedido negado. Nascida em uma fazenda de Campinas, cidade 100 quilômetros distante da Capital pau- lista, esta filha de imigrantes italianos que traz a teimosia nas veias não desistiu: sua advogada entrou com recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região contra a decisão do Instituto que regula a seguridade social no Brasil. Católica fervorosa, que reza todas as noites na língua que aprendeu com os pais quando criança, dona Hermínia venceu mais esta batalha em sua longa vida pelas mãos de uma Maria autêntica: a desembargadora federal Anna Maria Pimentel. Ao falar sobre o caso, a juíza revela um misto de admiração e respeito pela coragem desta senhora de ir contra todas as evidências e chegar até o fim. “Com esta idade, ela tem necessidades e carências maiores do que grande parte dos idosos e por isso vai receber, sim, a pensão pela morte de sua filha. dona Hermínia é um grande exemplo por ter acreditado na Justiça, com muita força e coragem”. Aos 102 anos, dona Hermínia acreditou na rápida ação da Justiça Fotos: José Edgard Catão Dona Hermínia venceu mais esta batalha em sua longa vida pelas mãos de uma Maria autêntica: a desembargadora federal Anna Maria Pimentel. LONGA VIDA Os avanços da medicina permitem que um número cada vez maior de pessoas desfrute por muito tempo da chamada “Terceira Idade”. Gente como o arquiteto Oscar Niemeyer e a atriz Dercy Gonçalves são dois grandes exemplos de brasileiros que já deixaram a barreira dos 100 anos. O último recadastramento do INSS revelou a existência de 160 aposentados com inacreditáveis mais de 100 anos. Eles fazem parte de um grupo um pouco maior, mas não menos espantoso: os registros do órgão contabilizam 490 mil aposentados e pensionistas com mais de 90 anos. 17 Sociedade Decisão do TRF5 combate a discriminação O mais antigo dos ofícios foi alvo de decisão polêmica no interior de Pernambuco. Presa em flagrante com três notas falsificadas de R$ 50 no comércio de Porto de Galinhas (litoral Sul de PE), a profissional do sexo M. F. L, residente no local, foi acusada pela prática do crime de moeda falsa e condenada à pena de reclusão de três anos. Cristina Ramos - Recife (PE) A paradisíaca praia de Porto de Galinhas, considerada um dos mais belos cartões-postais do litoral brasileiro, recebe todo ano milhares de turistas do País e do exterior, ávidos para conhecer seus encantos. Localizada no município de Ipojuca, a 53 km do Recife, a localidade desfruta de uma ampla oferta de acomodações (de pousadas a hotéis de luxo) e um bom centro comercial, sobretudo nas áreas de lazer e gastronomia. Arrecifes e piscinas naturais de águas mornas e claras com um azul indescritível, formadas entre corais, são alguns atrativos da praia, que atrai pessoas de toda parte e deram a Porto, como é chamada pelos moradores, posição de destaque em publicações especializadas em turismo. Proporcionalmente ao interesse despertado e para atender à crescente demanda, surgem problemas de grandes cidades, a exemplo de comércio alternativo e prostituição. A fama que traz visitantes também atrai pessoas em busca do turismo sexual. Ao mesmo tempo, a sedução do dinheiro “fácil” tem levado jovens de todas as idades a negociar a troca de favores sexuais, trabalhando por conta própria na rua, em bares, boates, hotéis ou rodovias. Atuam em ambiente a céu aberto ou fechado e em horários irregulares. Apesar de oferecer riscos de contágios de doenças sexualmente transmissíveis, maus-tratos, violência e morte, a atividade 18 ainda é muito atraente para pessoas pobres, que aproveitam a presença do turista desacompanhado, especialmente o estrangeiro, em busca de um “programa” para reforçar o orçamento doméstico. Profissionais do sexo ainda enfrentam discriminação social e muitas histórias não terminam bem. Foi o que aconteceu em Porto de Galinhas. M. F. L foi detida em flagrante ao adquirir uma blusa de R$ 10 no comércio local, no momento em que entregou a nota falsa de R$ 50. Ela ainda tinha mais duas notas Foto: Getulio Lourenço Bessoni de Melo Prostitutas em Porto de Galinhas do mesmo valor, igualmente falsificadas. Foi parar no banco dos réus e condenada a três anos de prisão por repassar dinheiro falso. A acusação do Ministério Público Federal era de que a ré teria introduzido em circulação ao menos uma nota falsa de R$ 50 e afastou a alegação de boa-fé na posse do dinheiro. Na fixação da pena, a primeira instância da Justiça Federal não quis substitui-la por restritiva de direitos (trabalho alternativo) sob o argumento de que “a ré é dedicada ao meretrício e sem profissão definida”. Foto: Getulio Lourenço Bessoni de Melo Sociedade Profissionais do sexo ainda enfrentam discriminação social e muitas histórias não terminam bem Mesmo afirmando que recebeu o dinheiro de um italiano de identidade desconhecida, fato normal na atividade do meretrício, a defesa da acusada não conseguiu obter a substituição do regime fechado para uma pena alternativa, pela conversão de penalidade em execução de trabalho social. Para a advogada Jacinta Coutinho, Defensoria Pública, a argumentação de se tratar de ré primária, com residência e trabalho fixos, não conseguiu convencer o juízo da primeira instância, que não aceitou a conversão para restrição de direitos. A defesa ingressou com uma apelação criminal no Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Numa decisão unânime, a Quarta Turma do TRF5 concedeu parcial provimento à apelação da acusada, que teve garantida a substituição da pena. A relatora do processo, desembargadora federal Margarida Cantarelli, discordou da decisão do primeiro grau, que classificou como discriminatória. A magistrada considerou o direito à pena alternativa para condenados a menos de quatro anos. “Como a pena de M.F.L foi inferior a esse período, no caso três anos, não se justifica mantê-la em regime fechado, negando-lhe o benefício da progressão”, argumentou a relatora. Em seu voto, a desembargadora alegou que a prostituição tem, inclusive, “reconhecimento do Ministério do Trabalho, podendo contribuir para a Previdência Social”. A prática da prostituição não pode servir de prejuízo ou demérito ao homem ou mulher que dela sobrevivem, até porque a conduta é lícita, apesar de historicamente mal vista por todas as sociedades. Isso não pode induzir à conclusão de que a meretriz está mais sujeita ao crime”, lembrou Margarida Cantarelli. A modificação da sentença foi acompanhada pelos demais componentes da Quarta Turma do TRF5, desembargadores federais Lázaro Guimarães e Marcelo Navarro, que seguiram o voto da relatora, considerando que a discriminação fere a Constituição. No Brasil, as prostitutas lutam por direitos de forma organizada há 20 anos e o reconhecimento da atividade em decisões judiciais é um avanço no combate ao preconceito. Na opinião de Gabriela Leite, uma das fundadoras da Rede Brasileira de Prostitutas, “ser profissional do sexo não é motivo de vergonha”. A Associação Pernambucana de Profissionais do Sexo reúne 80 associadas, que têm orgulho do que fazem. “O termo prostituta dá à mulher a sua identificação, sua atividade, que é uma das mais belas e antigas do mundo”, diz a presidente da associação, Vânia Rezende. Na entidade é possível se informar sobre a luta pelos direitos de quem vive do sexo, além de ter acesso a cartilhas com dicas para prevenir doenças sexualmente transmissíveis. “A Associação foi basicamente criada para combater as DSTs, AIDS e a violência contra a prostituta” , resume Vânia. Na visão do antropólogo Russell Parry Scott, a Justiça Federal tem contribuído para o fim da discriminação. “A decisão recente que ocorreu em Pernambuco é uma boa demonstração de como o reconhecimento da profissão conseguiu diminuir penalidades a uma mulher que não era criminosa. Ela era muito mais vítima de um cliente criminoso”, afirma Russell. Vista aérea de Porto de Galinhas Foto: ASCOM / TRF5 19 Sociedade Punição exemplar O produtor cultural João Estrella, que inspirou o filme Meu nome não é Johnny, emocionou-se ao participar de evento no Centro Cultural Justiça Federal em homenagem à desembargadora federal Marilena Franco, que o condenou. Maria do Socorro Branco - Rio de Janeiro (RJ) S ucesso de bilheteria, o longa-metragem Meu nome não é Johnny, inspirado no livro homônimo do jornalista Guilherme Fiúza, trouxe de volta à cena a memória da desembargadora federal Marilena Soares Reis Franco, falecida em 1998. O grande público foi apresentado a uma juíza que lidou de forma singular com um caso complexo e controvertido de tráfico de entorpecentes, protagonizado pelo extraficante e atual produtor cultural João Guilherme Estrella. Para familiares, amigos e colegas, o filme reavivou lembranças e aumentou a saudade de Marilena Franco. No dia 21 de janeiro, no Centro Cultural Justiça Federal, a Direção do Foro da Seção Judiciária do Rio de Janeiro promoveu uma homenagem à desembargadora. O evento incluiu a exibição do longa e um debate com a participação dos desembargadores federais Sérgio Feltrin e Abel Gomes, do juiz federal Alexandre Libonati, vice-diretor do Foro, da produtora do longa, Mariza Leão, e do próprio João Estrella. A mediação foi feita pelo professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e coordenador de Artes Cênicas do CCJF, Sérgio Mota. Com fama de rigorosa e implacável, Marilena Franco foi a juíza responsável pelo 20 processo de João Estrella, tendo desempenhado um papel decisivo na sua recuperação. O fato não surpreende aqueles que a conheceram, unânimes em destacar seu equilíbrio, brilhantismo e eficiência. Bem-nascido A partir de 1995, João Estrella, preso por tráfico de drogas, teve seu destino nas mãos da juíza Marilena Franco, então titular da 13ª Vara Federal Criminal. Nascido em uma família de classe média, filho de um diretor do extinto Banco Nacional, ele cresceu no Jardim Botânico, freqüentou os melhores colégios e teve amigos entre as famílias mais influentes do Rio de Janeiro. Viveu com intensidade os efervescentes anos 80 e 90. E foi exatamente nessa época que descobriu o universo das drogas. Sem jamais precisar pisar em uma favela, tornou-se um dos maiores provedores das altas rodas da sociedade carioca. Preso em 1995, desceu aos infernos do sistema carcerário brasileiro, passando dois anos internado em um manicômio judiciário. Chegou ao fundo do poço, mas sobreviveu e refez-se. Livro A trajetória de João Estrella é narrada no longa metragem Meu nome não é Johnny, que tem Selton Mello no papel principal. Cássia Kiss interpreta a magistrada Marilena Franco. O longa é dirigido por Mauro Lima, que ainda assina o roteiro, escrito em parceria com a produtora Mariza Leão. Segundo o autor do livro que inspirou o filme, jornalista Guilherme Fiúza, João aceitou na hora quando recebeu a proposta de publicar sua história. O destemor do produtor cultural em expor o seu caso, a despeito dos traumas e sofrimentos, foi destacado pelo diretor do Foro da SJRJ, juiz federal Mauro Braga. João pegou pesado. Houve períodos em que cheirou 100 gramas de cocaína por semana. No dia da prisão, tinha mais de seis quilos da droga em seu poder. Para o Ministério Público Federal, ele era um traficante perigoso e um empresário da droga com ramificações internacionais, merecendo a pena máxima. Seu advogado de defesa, Renato Tonini, tentou convencer a juíza de que João não acumulara riqueza com o tráfico - a poucos dias da prisão, seu carro sequer funcionava - e desqualificar a acusação de formação de quadrilha. Na busca desenfreada pelo prazer imediato e inconseqüente, João gastava e cheirava tudo que ganhava. No julgamento, a juíza Marilena Franco considerou o réu um adicto, que se iniciou no tráfico de drogas para sustentar o vício. Embora sua sentença o condenasse por tráfico de entorpecentes, a magistrada não aceitou a acusação de que ele era também um grande empresário da droga. No seu julgamento, ela esclareceu que “fica difícil imaginar um punhado de pessoas com graves problemas de dependência a entorpecente, martirizados por dolorosos problemas pes- Sociedade Violão O manicômio era horrível mesmo, como pode constatar quem assistiu ao filme, mas, para João, era melhor que qualquer dos presídios da cidade. Ali, ele fez amizades e trabalhava. O acesso era fácil para amigos e parentes. Algumas vezes precisou escapar da fúria de colegas em surto, mas com seu jeito simpático e espírito de liderança, participou das partidas de futebol e de improvisadas sessões de música. Nesse aspecto Marilena também teve uma participação decisiva. Ela autorizou a entrada de um violão no manicômio. João, que flertava com a música há muito tempo, começou ali a preparar as composições para um futuro disco. Mas o estresse e a an- siedade não estavam fora de questão. João enfatizou a importância do indulto de Natal e das autorizações para sair em alguns finais de semana como fundamentais para aliviar o estresse e combater a tentação de fugir. Ele cumpriu a condenação, resistiu ao assédio do tráfico para retornar ao crime e começou a duras penas uma nova vida profissional. Para o Abel Gomes, “João demonstrou um notável senso de responsabilidade e de consciência ao receber a sentença. É um vencedor.” Reincidência Mas há uma pergunta que perpassa corações e mentes: numa sociedade em que a maioria dos condenados volta a reincidir no crime, por que João Estrela se recuperou? O desembargador Abel Gomes aposta na família bem-estruturada, na boa educação e nas oportunidades sócio-culturais a que o condenado teve acesso. Mariza Leão, também. Na avaliação da produtora e roteirista, graças à educação que recebeu, João Estrela tinha capacidade de se expressar, diferentemente da grande maioria dos réus oriundos dos extratos mais pobres da sociedade. De acordo com Abel Gomes, João tinha condições de olhar para si mesmo, refletir sobre sua situação. Segundo João Estrela, ele se fez enxer- gar pela juíza quando, em audiência para interrogatório, confessou que a cocaína apreendida era dele. “Isso teve um impacto muito grande sobre mim. Comecei a me enxergar. E ela ficou bem impressionada.” Recuperação Na avaliação da produtora Mariza Leão, a relação pessoal que Marilena estabeleceu com João foi decisiva para a sua recuperação. “Ela foi ao manicômio, viu que as condições eram degradantes, conversou com ele. Ela exerceu na plenitude o sentido da palavra juiz, que julga, mas também busca exercer uma influência positiva sobre aquele que julgou. Foi como se dissesse: eu estou aqui fora esperando por você,” disse. Meses depois de ter deixado o manicômio, João reencontrou Marilena nos corredores do Foro. Ela acabava de ser promovida para o Tribunal Regional Federal da 2ª Região. A desembargadora, então, convidou-o a entrar no gabinete para um café e apresentou-o ao seu substituto na 13ª VFC, o juiz federal Alexandre Libonati de Abreu. Relatou para o colega em poucas palavras a trajetória de João, arrematando com a frase que ficou famosa depois do filme: “João Guilherme é a prova viva de que é viável recuperar as pessoas. É o atestado de que a nossa luta não é em vão”. A juíza Marilena Franco, rigorosa e implacável, teve papel decisivo na recuperação de João Estrella Foto: ASCOM/SJRJ soais, conseguirem no delito a estabilidade que jamais conseguiram em suas vidas”. Fiúza resume com precisão o valor dessa sentença no livro: “João estava de volta à vida. (...) A sensibilidade de uma juíza, o talento de um advogado, algumas falhas dos adversários e uma série impecável de circunstâncias, tudo reunido no tempo e no espaço por uma dose descomunal de sorte, tinha sido o presente do destino para ele”. Na homenagem, João declarou que a magistrada deu-lhe a chance de renascer e que vai dedicar a ela seu primeiro disco, que será lançado em fevereiro. Na observação do desembargador Sérgio Feltrin, embora Marilena fosse conhecida pela severidade, ela tinha uma rara sensibilidade para os dramas sociais e pessoais que se encontram nos processos. “As ações não eram para ela apenas uma amontoado de papéis,” disse. Em consonância com as suas convicções, a magistrada acompanhou diretamente a execução da pena, estabelecendo uma relação pessoal com João Estrella. Duas semanas após emitir a sentença, fez uma inspeção no Manicômio Judiciário, em companhia dos colegas Abel Gomes e Sérgio Feltrin. Quando viu as precárias condições do hospital, ficou horrorizada. O encontro dela com João Estrella está registrado no livro:“João Guilherme, como é que você pode estar tão bem, com essa cara tão boa, num lugar como esse? Se eu tivesse visto este lugar antes, não te mandava para cá de jeito nenhum. Era melhor te mandar para uma cadeia aí qualquer”. Ao que ele respondeu: “Não, Excelência. Acho que a senhora fez a coisa certa”. 21 Sociedade Pensão por morte na união homoafetiva, uma questão de Justiça Um tabu que até alguns anos atrás não podia sequer entrar nas pautas de discussão, hoje está sendo tranqüilamente enfrentado pelos juízes Ana Márcia - Maceió (AL) 22 Foto: Narciso Lins Juíza federal Cíntia Brunetta pessoas também procurem os seus direitos de cidadãs. “Mais de 38 anos de vida em comum não são 38 dias. Eu desejo a todos que vivem situações como esta que procurem os seus direitos na Justiça”, recomenda. Segundo relatou, os últimos sete anos foram de pura “agonia”. “Minha companheira foi atropelada e perdeu um braço, além de ser cardíaca e diabética. Após o acidente entrou em depressão. Foi tudo muito difícil”, confessou Maria José. Para o coordenador administrativo da Associação de Homossexuais, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Transexuais de Alagoas, a ONG Pró-Vida GLBT/AL, Dino Alves, o direito à pensão por morte de companheiro ou companheira independe da orientação sexual. “Todos são iguais perante a lei. Por que nessa situação me sentiria diferente?”, indaga. Dino Alves considera a decisão um avanço para o movimento contra as desigualdades sociais no País. “É uma questão de Justiça, pois somos todos sujeitos de direito”, afirma. Segundo informações do procurador do INSS Ricardo Carvalho, apesar de não haver lei específica para casos de benefícios previdenciários em uniões afetivas envolvendo pessoas do mesmo sexo, existe instrução normativa do Instituto, além de jurisprudência com decisões judiciais favoráveis. “Já é pacífico na jurisprudência o reconhecimento e a proteção legal aos casais do mesmo sexo, que em sua forma mais ampla e constitucional também estão garantidos pelo princípio da igualdade”, ressalta o procurador do INSS. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu pela primeira vez o direito de pensão previdenciária por morte de companheiro em dezembro de 2005. Os ministros classificaram como discriminatório o argumento de não haver previsão legal para a hipótese e deram a pensão por morte para o companheiro que teve uma união estável comprovada por 18 anos. Dino Alves: “todos são iguais perante a lei Foto: Kely Oliveira P essoas de mesmo sexo que se unem para uma vida em comum, baseada em afeto e consideração mútua, também podem ser amparadas pelo Direito. Em Alagoas, durante quase quatro décadas, duas senhoras viveram juntas as alegrias e as dores do cotidiano até a morte de uma delas. O sofrimento da separação só se ampliou, pois aquela que partiu levou também as condições de subsistência que as mantinham. Mas um acordo inédito, homologado neste início de ano pela Justiça Federal em Alagoas, concedeu benefício previdenciário de pensão por morte à companheira de uma união estável homossexual. Maria José Marques Ferreira, 67 anos, conviveu por mais de 38 anos com a exsegurada e aposentada do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) Josefa Lopes Ferreira, 72, falecida em setembro de 2006. As duas dividiam o teto e o benefício desde a década de 60. Como era dependente da companheira falecida, a requerente solicitou a pensão para ela ao INSS, mas o benefício foi indeferido sob o argumento de que os documentos apresentados não comprovavam a união estável. Maria José comprovou, porém, a união de fato do casal, ao juntar fotografias das duas senhoras com dedicatórias datadas de 1985, comprovantes de mesmo endereço desde o início da união, correspondências, além da escritura de lote de terreno financiado e procuração para recebimento do benefício no INSS. O direito de Maria José, garantido pela Lei nº 8.213/91 e pelo Decreto nº 3.048/99, artigo 16, foi legitimado pelo 2º Juizado Especial Federal de Alagoas em conciliação presidida pela juíza federal Cíntia Menezes Brunetta, com a participação do procurador do INSS Ricardo Patriota Carvalho, e a parte. Mesmo sem querer ser fotografada, Maria José quis dar o seu testemunho para que outras Especial Patrimônio da CIDADANIA Criada para consolidar o sistema federativo inaugurado no Brasil juntamente com o regime republicano, a Justiça Federal cresceu, ganhou força e independência e se afirma hoje como um dos mais sólidos pilares do Estado de Direito Democrático Roberta Bastos - Brasília (DF) “N o âmbito do Poder Judiciário, a Justiça Federal destaca-se por ser o foro exclusivo da União, seja quando esta é autora da ação, seja quando é ré, o que lhe confere a faculdade de apreciar alegações de abusos acaso cometidos pelo poder público federal”, afirma o presidente do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho. Como presidente do CJF, órgão central de supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal, o ministro conheceu de perto o valor da instituição para a sociedade brasileira. “A presença da Justiça Federal no território nacional possibilita ao cidadão garantir os seus direitos perante o Estado”, diz. Embora pouco conhecida, a Justiça Federal interfere cada vez mais nas políticas públicas de âmbito federal. “Pela amplitude dos temas tratados na Constituição, vê-se que os interesses da União estão inseridos praticamente em todas as grandes questões que possam ser levadas ao Judiciário por parte do cidadão contra o poder público ou do poder público em relação ao cidadão. Este é o timbre da Justiça Federal”, resume o coordenador-geral da Justiça Federal, ministro Gilson Dipp. O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), juiz federal Walter Nunes, concorda: “A Justiça Federal ajudou a construir com sua jurisprudência as políticas previdenciária, tributária e habitacional do país”. De acordo com a professora Maria Teresa Sadek, do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, a Constituição de 1988 pode ser considerada um marco na consolidação do poder da Justiça Federal, já que ampliou o seu rol de competências. 23 Barros Monteiro: “execução das sentenças representa injeção de recursos na economia” “Ela incorporou muitas funções que antes eram da Justiça Estadual”, explica. O processo de redemocratização do país iniciado com a promulgação da Carta de 1988, para Walter Nunes, também teve um papel fundamental na sua afirmação. Um caso emblemático, segundo ele, foi a responsabilização da União pela morte do jornalista Vladimir Herzog, que foi morto nas dependências do DOI-CODI, órgão de inteligência ligado ao governo militar da década de 60. Walter Nunes observa que foi também a partir da Constituição de 1988 que teve início o processo de regionalização da Justiça Federal, quando a sua segunda instância foi dividida entre cinco tribunais regionais federais – sediados nas capitais do Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco. “Não obstante isso, ela manteve o seu caráter nacional”, afirma. A presença da Justiça Federal no imenso território nacional garante a uniformidade na aplicação da legislação federal. “Ela faz com que a Constituição seja efetivamente cumprida”, ressalta a professora Sadek. A sedimentação da confiabilidade da Justiça Federal pode ser creditada, em grande parte, à disseminação de varas federais em cidades do interior. Isso porque, na medida em que não precisa mais se dirigir à capital para ajuizar uma ação, o cidadão se sente mais amparado nos seus direitos. Na sua primeira instância, a Justiça Federal conta atualmente com 743 varas e juizados especiais federais, sendo 346 deles localizados em cidades do interior. Fazem parte da Justiça Federal 1.293 juízes federais titulares e substitutos, na primeira instância, e 138 desembargadores federais, nos cinco tribunais regionais fede- 24 rais. Juntando o CJF, os cinco TRFs e respectivas seccionais, atuam na instituição cerca de 23.000 servidores públicos. A integração e a uniformização entre todas essas unidades dependem do trabalho do CJF, que além do seu presidente, ministro Barros Monteiro, do vice-presidente, ministro Gomes de Barros, e do coordenador-geral, ministro Gilson Dipp, tem um colegiado composto por mais dois ministros do STJ (Hamilton Carvalhido e Eliana Calmon) e pelos presidentes dos cinco TRFs (desembargadores federais Assusete Magalhães, Castro Aguiar, Marli Ferreira, Sílvia Goraieb e José Baptista de Almeida). O ministro Gilson Dipp lembra que o CJF, criado em 1966, é órgão pioneiro na centralização administrativa de instituições do Judiciário, inspirando a criação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e até mesmo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “É um privilégio da Justiça Federal, pois foi através do Conselho que se criaram mecanismos para a unidade de procedimentos administrativos e orçamentários”, comenta. Além de exercer o cargo de coordenadorgeral, o ministro dirige outra unidade do CJF, o Centro de Estudos Judiciários, que na sua opinião é também uma referência pioneira no âmbito do Judiciário. “É o primeiro órgão ligado a uma instituição nacional do Judiciário a dedicar-se à pesquisa e difusão de temas do interesse institucional”. Atualmente, a Justiça Federal de primeira instância possui 6.315.016 processos em tramitação em todo o país. A cada ano, as instituições da Justiça Federal recebem uma média de 2.500.000 novas causas, julgando aproximadamente 2.000.000 a cada período. Causas A maior quantidade de causas refere-se a processos de execução fiscal, pelos quais a Fazenda Nacional faz a cobrança judicial de tributos em débito, a chamada Dívida Ativa da União. Do total de processos em tramitação na Justiça Federal, quase a metade - 2.844.520 são de execução fiscal. Sua importância econômica pode ser demonstrada pelas cifras envolvidas. Até outubro de 2007, de acordo com dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nada menos do que R$ 437,6 bilhões constavam como valores inscritos na Dívida Ativa da União na esfera judicial. “A Justiça Federal traz mui- tos recursos aos cofres públicos”, enfatiza a professora Sadek. “A importância econômica da Justiça Federal também se evidencia na real execução de suas sentenças”, lembra o ministro Barros Monteiro. Em todas as ações nas quais a União ou qualquer uma de suas entidades figure como ré, se ela perde a causa e esta envolve pagamento de valores, esse pagamento é feito por meio de precatórios ou requisições de pequeno valor – títulos emitidos pela União especificamente com esse objetivo. “No orçamento da União, o controle da emissão e do pagamento desses títulos é feito pelo Conselho da Justiça Federal, fator de grande credibilidade, já que tem sido uma garantia do pagamento”, declara o ministro. Ele acrescenta que a emissão desses títulos representa “uma significativa injeção de recursos na economia, quando não de distribuição de renda”. Em 2007, a despesa da União com o pagamento de precatórios e RPVs chegou a R$ 7,4 bilhões. Outro aspecto a ser considerado, segundo o presidente do CJF, é a sua importância social. “O segundo maior volume de ações em trâmite na instituição refere-se a ações movidas por segurados da Previdência Social”, destaca. Do total de precatórios e RPVs expedidos para pagamento de dívidas judiciais da União e suas entidades em 2007, 73% (R$ 5,4 bilhões) são referentes a benefícios previdenciários, sendo R$ 2,9 bi em RPVs, que beneficiam sobretudo pessoas de baixa renda. “A garantia desses benefícios tem gerado grande impacto na composição da renda de famílias carentes, em todo o Brasil”, assinala Barros Monteiro. “Outra relevante conquista social da Justiça Federal são os juizados especiais fede- Gilson Dipp: “chegou o momento de repensar a jurisdição delegada” Foto: Rayssa Coe Foto: Rayssa Coe Especial Sadek: “A Justiça Federal faz com que a Constituição seja efetivamente cumprida” rais, criados para proporcionar ao cidadão de baixa renda o acesso gratuito, rápido e efetivo à Justiça”, acentua o ministro. Eles são competentes para receber causas cujo valor não ultrapasse 60 salários mínimos, ou na esfera penal, cuja pena seja inferior a dois anos, sem necessidade de advogado e com trâmite mais simplificado. “As RPVs, a propósito, foram instituídas para viabilizar, de modo mais ágil, o pagamento decorrente das condenações havidas nessas causas mais simples, via de regra movidas nos juizados”, observa o presidente do CJF. Os juizados serviram para dar vazão a uma demanda antes reprimida – a daqueles cidadãos que antes não procuravam a Justiça devido à falta de condições de pagar um advogado e à ausência de defensores públicos em número suficiente. Sua relevância é medida pelas cifras: existem no país 741 varas federais instaladas na primeira instância, sendo 602 varas comuns e 139 juizados especiais – ou seja, eles correspondem a apenas 18,7% do total de unidades. Enquanto isso, do total de 6.315.016 processos em tramitação na Justiça Federal, os juizados respondem por 30,6% - 1.935.380 processos. A competência ambiental da Justiça Federal tem sido uma forma de garantir a de- fesa de reservas ambientais federais. Cabe à Justiça Federal a tutela dos bens ambientais considerados como patrimônio da União. Nesse campo ela vem desempenhando, ao lado do Ministério Público Federal, decisivo papel na prevenção a possíveis danos, proteção de reservas e mananciais, e punição de crimes cometidos contra o patrimônio ambiental. O ministro Gilson Dipp chama ainda a atenção para o desempenho da Justiça Federal no campo penal, segundo ele outro motivo de grande prestígio. Os juízes federais são competentes para julgar os crimes cometidos contra a Administração Pública federal – peculato, corrupção, desvio de verba pública – os chamados “crimes do colarinho branco”. Como são delitos com alto grau de sofisticação, exigem um grande preparo técnico, não apenas da Justiça Federal, mas dos demais órgãos envolvidos (Polícia Federal, Ministério Público Federal, Receita Federal, Coaf etc). O Conselho da Justiça Federal especializou 24 varas federais no julgamento dos crimes de “lavagem de dinheiro” e aqueles praticados contra o Sistema Financeiro Nacional, que estabelecem uma espécie de força-tarefa com esses órgãos. Trata-se de uma medida inédita no mundo e que tem rendido elogios de governos e organismos internacionais. A proposta de especialização dessas varas partiu de comissão mista presidida pelo ministro Gilson Dipp, que até hoje coordena reuniões periódicas entre os juízes titulares dessas varas. Nesse quesito, Maria Teresa Sadek acredita residir uma das maiores fontes de credibilidade da Justiça Federal. “Ela vem cumprindo um papel relevante no controle das autoridades públicas, e vem-se tornando mais visível, particularmente em relação a processos de improbidade administrativa”. Walter Nunes, por sua vez, considera como de “vanguarda” a política judiciária da Jus- Walter Nunes: “políitica de vanguarda no combate à criminalidade ” Foto: Rayssa Coe Foto: Narciso Lins Especial tiça Federal de combate à criminalidade. “Hoje em dia não podemos mais dizer que a Justiça se ocupa unicamente dos pobres, porque essa criminalidade envolve pessoas dos mais diversos segmentos sociais”, afirma. Outro passo de grande importância no campo criminal, segundo o ministro Dipp, foi a especialização de varas federais para o processamento de crimes praticados por organizações criminosas, medida recomendada pelo CNJ, usando o conceito de organizações criminosas da Convenção da ONU contra o Crime Organizado. Já foram especializadas nessa modalidade varas federais em Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis e Foz do Iguaçu. “A Justiça Federal foi a primeira a definir a competência baseada não em lei e sim em uma convenção internacional, que tem a mesma força. Isso é inédito no Brasil”, ressalta Dipp. O ministro acentua ainda o papel da Justiça Federal no campo do Direito Internacional, que só tende a crescer e ganhar relevo. “No mundo globalizado, em que são cada vez mais constantes os acordos de cooperação de trânsito de pessoas, os tratados internacionais são necessários. E cabe à Justiça Federal dirimir qualquer controvérsia Números • • • • • 743 varas e juizados especiais federais 1.293 juízes federais titulares e substitutos, na primeira instância 138 desembargadores federais, nos cinco tribunais regionais federais 6.315.016 processos em tramitação R$ 7.419.551.070,00 bilhões desembolsados em precatórios e RPVs em 2007 25 Especial relativa a tratados e convenções internacionais firmados pelo Brasil”, esclarece. “Destaque especial, igualmente, deve ser dado ao grau de informatização da Justiça Federal, cujo estágio de avanço tem chamado a atenção de autoridades judiciárias de toda a América Latina e de países como a França, a Espanha e o Canadá”, ressalta o ministro Barros Monteiro. De acordo com ele, muitas delegações estrangeiras já enviaram missões ao Brasil para conhecer melhor o sistema de processo eletrônico desenvolvido com tecnologia totalmente nacional. O processo eletrônico, que automatizou todas as fases do processo judicial, desde a autuação até o arquivamento, está sendo utilizado sobretudo nos juizados especiais federais. “A única autoridade certificadora no mundo composta apenas por órgãos ligados à Justiça, a Autoridade Certificadora da Justiça - (AC-JUS)”, segundo o presidente, é outro motivo de orgulho. A AC-JUS foi criada por iniciativa do Conselho da Justiça Fe- deral, em parceria com o Superior Tribunal de Justiça e os tribunais regionais federais e reunindo, por adesão, os órgãos de cúpula do Judiciário brasileiro, como parte da Infra Estrutura de Chaves Públicas do Brasil. O Conselho, atualmente, está trabalhando para que todos os juízes federais e uma boa parte dos servidores tenham os seus “smart cards”, cartões com as suas assinaturas digitais, o que permitirá a autenticação e a confiabilidade de documentos eletrônicos. Competência delegada O período relativamente longo de estabilidade econômica do país resultou em uma “trégua” entre o cidadão e a Justiça Federal, já que não há mais “esqueletos” de planos econômicos a serem questionados. Para o ministro Dipp, este é um bom momento para se refletir sobre o fim da competência delegada, que hoje retira da Justiça Federal uma boa parte dos processos de sua competência originária. Em relação às causas previdenciárias, a própria Cons- tituição autoriza as comarcas estaduais a julgarem processos contra a Previdência Social nos municípios onde não há vara federal. No caso das execuções fiscais, é a Lei n. 5.010/66, que regulamenta a Justiça Federal, que autoriza essa delegação. “Chegou o momento de repensarmos a competência delegada, que não está servindo a nenhum dos dois (nem à Justiça Federal nem à Estadual), até porque os juízes estaduais não são obrigados a ter familiaridade com as matérias afetas à União”, afirma o ministro. Em novembro do ano passado, sob a coordenação do ministro, o CJF realizou audiência pública para discutir a conveniência de transpor a execução fiscal para a esfera administrativa, ocasião em que foi levantado o problema da competência delegada. Ele anuncia que a próxima audiência pública, a ser realizada neste ano, discutirá o fim dessa delegação. “Na minha visão, ela é um desserviço para a prestação jurisdicional”, afirma. O que pensam os presidentes dos TRFs “A Justiça Federal brasileira, que renasceu sob severas críticas no período de exceção, transformouse, na verdade, em instrumento efetivo de resgate da cidadania do povo brasileiro, com manifesta responsabilidade ético-social”. Desembargadora federal Assusete Magalhães – presidente do TRF da 1ª Região “A Justiça Federal, como protetora das normas constitucionais e legais que garantem os direitos da União e, também, do cidadão brasileiro, é força eficaz nos momentos singulares, em que surgem ameaças à ordem e à paz públicas. É na Justiça Federal que se deslindam ações que têm por objeto o meio ambiente, a segurança pública, a seguridade social, o patrimônio cultural e artístico nacional, o sistema financeiro e outros tantos interesses cruciais do povo deste país.” Desembargador federal Castro Aguiar – presidente do TRF da 2ª Região “A Justiça Federal é a garantidora do Estado Democrático de Direito porque regula as relações Estado-cidadão”. Desembargadora federal Marli Marques Ferreira – presidente do TRF da 3ª Região “Historicamente, a Justiça Federal brasileira tem-se revelado garantidora de posições jurídicas fundamentais. Em uma sociedade democrática e pluralista, o principal papel da Justiça Federal é o de aproximar o cidadão de seus direitos, concretizando, com eficiência e celeridade, os primados do Estado Democrático de Direito, em sua acepção material”. Desembargador federal Silvia Goraieb – presidente do TRF da 4ª Região “Sendo o Brasil uma república federativa, notoriamente o Judiciário Federal tem o mesmo peso político que possuem o Legislativo federal e o executivo Federal para o delineamento do regime federativo”. Desembargador federal José Baptista de Almeida Filho – presidente do TRF da 5ª Região 26 Especial HISTÓRIA Foto: Rayssa Coe Quando o ministro da Justiça do pri- mav a a diminuição de incertezas no pro- niza ndo a Justiça Federal”, explicou Axt. meiro governo republicano, Campos Salcesso decisório” e a “crescente pressão Em 30 de maio de 1966, foi editada les, elaborou a exposição de motivos do dos setores populares” exigiu maior abera Lei nº 5.010, considerada, segundo o Decreto n. 848, em 1890, estava na verdatura por parte do poder público, o Judiciprof essor “a Lei Orgânica da Magistratura de lavrando a certidão de nascimento de ário ampliou sua independência. Federal”, que até hoje regulamenta o funuma das mais significativas instituições do Uma importante conquista na afir- cion amento da Justiça Federal. A lei tamEstado brasileiro. Na concepção do novo mação dessa independência deu-se com bém criou as primeiras 44 varas federais sistema republicano, inspirado no prestio efetivo exercício da competência de no país, designando para cada uma um giado modelo norte-americano, o Judicicontrolar a constitucionalidade das leis, juiz titular e um substituto. As primeiras ário dividiu-se em duas esferas distintas, conferida pela Constituição de 1891. “A nomeações desses juízes foram feitas delimitando o âmbito de atuação dos conquista da aceitação política desta nova por indicação do presidente da Repúbliestados-membros e da União. Com um competência, no quadro do conturbaca, com a ratificação do Senado Federal. território de grandes dimensões, e imerso do federalismo coronelista brasileiro, foi Na opinião de Axt, o fato de terem sido em um caldo de cultura política no qual o construída a duras penas”, conta o histoindic ados politicamente não resultou no poder das oligarquias regionais impunha riador. A construção de uma doutrina prócomprometimento desses juízes com claros limites ao poder central, o Brasil pria para o habeas corpus, segundo Axt, o governo. “Não acho que os primeiros necessitava de um braço forte que garantambém contribui para a afirmação do Jujuíze s nomeados tenham sofrido com a tisse a coesão nacional e a manutenção do diciário como poder. O remédio jurídico intervenção do Executivo em sua rotina”. pacto federativo. passou a ser amplamente utilizado pelos Mas ele observa que a adoção do sistema “A dupla jurisdição era algo tão impor- juíze s brasileiros como forma de coibir de concursos públicos para ingresso na tante para aqueles republicanos, que foi abusos de poder. carr eira de juiz federal, a partir da décaestabelecida por decreto, antes mesmo da “Por revolucionária, a teoria brasilei- da de 70, foi positiva para a instituição, na promulgação da Constituição. República, ra do habeas corpus foi enterrada pela medida em que reforçou sua independênnaquele momento, era sinônimo de fedeReforma Constitucional de 1926, tocada cia. ralismo e a dupla jurisdição, uma garantia durante o Governo Bernardes, que esteve A Lei n. 5.010 instituiu também o Conformal a este projeto”, observa o doutor a maior parte do tempo sob estado de síselho da Justiça Federal, que funcionava em História Social pela Universidade de tio”, assinala Axt. A situação piorou ainda junto ao Tribunal Federal de Recursos, ao São Paulo, Gunter Axt, especialista em mais no Estado Novo, em 1937, quando qual coube a supervisão administrativa e História do Direito e da Justiça. a Justiça Federal e conseqüentemente a orçamentária da Justiça Federal de primeiAxt observa que, mesmo gozando de dual idade da jurisdição foram extintas. O ro e segundo graus. grande prestígio desde sua criação, a JusJudiciário, nesse período, teve sua auto“O grande salto de qualidade veio tiça Federal da chamada República Velha, nomia esvaziada. com a Constituição Federal de 1988 e a na mesma linha do que ocorria em todo Um resgate parcial dessa autonomia legis lação infraconstitucional posterior, o Poder Judiciário, tinha uma autonomia foi dado pela Constituição de 1946, que com o o Código do Consumidor e o Códirelativa. “Se a Justiça da República Velha restaurou apenas a segunda instância da go do Meio Ambiente, que garantiram amainda se misturava com a política e o JudiJustiça Federal, com a criação do Tribupla gama de novos direitos civis e fixaram ciário podia sofrer intervenções de outros nal Federal de Recursos, permanecendo o paradigma dos direitos indisponíveis e Poderes, já estava em curso, contudo, o inativa a primeira instância. Paradoxalcoletivos na sociedade brasileira”, ressalgerme da autonomia”, afirma o especiamente, a Justiça Federal de primeiro ta Axt. Ele acrescenta que a partir desse lista. De acordo com ele, à medida em grau foi restaurada em um regime milimarco a Justiça Federal se afirmou de vez que o desenvolvimento capitalista “reclatar, por intermédio do Ato Institucional como um “instrumento de construção da n. 2, de 1965. Para o professor, o ato não democracia”. foi assim tão paradoxal: “Acredito que As garantias funcionais e institucionais os militares foram movidos por uma estabelecidas pela Constituição, inclusive honesta preocupação com relação à soa iniciativa de lei e orçamento indepenbrecarga da Justiça comum quando redente, segundo o professor, foram tamcriaram a jurisdição federal de primeira bém conquistas importantes da Justiça instância. Também acho que eles tinham Federal. “Prova mais cabal disto foi a extantos problemas na Justiça comum que plosão de judicialidade dos anos 1990. O imaginaram poder contribuir para a mobrasileiro passou a confiar mais em sua dernização da Justiça no Brasil, reorgaJustiça”, finaliza. Axt: “A partir da Constituição, a Justiça Federal se afirmou de vez como instrumento da construção da democracia” 27 Foto: Rayssa Coe Entrevista: Ministro Carlos Velloso Um belo caminho Roberta Bastos - Brasília (DF) E le foi um dos primeiros juízes federais nomeados logo após a recriação da Justiça Federal, em 1967. Dos seus 72 anos de vida, 39 foram dedicados à Magistratura – 11 como juiz federal da 3ª Vara Federal de Minas Gerais, 12 como ministro do antigo Tribunal Federal de Recursos e 16 como ministro do Supremo Tribunal Federal. O mineiro Carlos Mário da Silva Velloso, hoje aposentado, orgulha-se dessa trajetória: “foi um belo caminho”, resume. Convidado a fazer um balanço desses 40 anos de atuação da Justiça Federal, o ministro acentua que a instituição, nos momentos de maior turbulência econômica, protagonizou grandes decisões, atuando de forma decisiva nos rumos trilhados pelo país. Quanto ao fato de ter sido reinstalada, em 1967, na vigência de um regime ditatorial, ele garante que jamais foi intimidado em sua independência. “Algumas autoridades federais se sentiam até ofendidas, mas não foram poucos os mandados de segurança que deferimos na época”, conta. 28 Via Legal – O senhor foi um dos primeiros juízes federais a entrar em exercício depois da recriação da Justiça Federal, em 1967. Como foi esse reinício? Velloso – Foi interessante. A metodologia adotada copiava a norte-americana: os juízes federais eram nomeados pelo presidente da República, que remetia os nomes ao Senado Federal para aprovação. Interessante notar que não foram poucos os nomes que o Senado recusou. Eu, particularmente, tive a indicação do ministro da Justiça, Milton Campos, que foi governador de Minas Gerais e senador da República, um grande nome mineiro. A Justiça Federal foi recriada em um momento difícil, porque tínhamos um governo militar. Podia parecer que ela havia sido criada para defender os interesses da União. E claro que não era isso. Em Minas Gerais, por exemplo, onde as pessoas desconfiam sempre, ela nasceu com uma certa desconfiança por parte de advogados e magistrados. O trabalho desenvolvido a partir daí foi inten- so para demonstrar que os juízes federais não tinham comprometimento com a política. Em pouco tempo a sociedade mineira passou a acreditar na Justiça Federal. Com um número de magistrados muito reduzido, a Justiça Federal fazia o que podia. Em Minas, julgávamos um mandado de segurança em 60 dias. As ações ordinárias, nós as encerrávamos em menos de um ano. Tínhamos apenas três varas no início, com um juiz titular e outro substituto em cada, ou seja, apenas seis juízes. Hoje temos certamente mais de 50 varas em todo o estado. Veja como essa justiça cresceu, acompanhando o crescimento do país. Foi um belo caminho. Via Legal – A Justiça Federal exerce o controle sobre poder do Estado, e foi justamente em um Estado autoritário que ela começou a funcionar. Não houve pontos de atrito durante esse período? Velloso – Eu não tive nenhum problema com isso. Autoridades federais se sentiam de certa forma até ofendidas porque Entrevista a Justiça Federal foi rigorosa na defesa dos direitos fundamentais. Não foram poucos os mandados de segurança que os juízes federais de Minas deferiram. Algumas autoridades não estavam acostumadas a serem vencidas. Tivemos alguns casos, logo no início, nos quais tivemos de ameaçar de prisão certas autoridades coatoras em mandados de segurança. Em Minas Gerais, por exemplo, havia uma delegacia do imposto de renda cujo delegado era um cidadão honesto, mas que primava pela prática de arbitrariedades. Nos mandados de segurança em que foi vencido ele protestava sempre, mas cumpria as decisões, de uma feita até sob ameaça de prisão. Foi assim, vencendo essas dificuldades iniciais, que a Justiça Federal se impõs ao respeito da sociedade brasileira. Via Legal – E quanto ao Tribunal Federal de Recursos, na época a segunda instância da Justiça Federal, como foi sua passagem por ele? Velloso - O Tribunal Federal de Recursos era muito abarrotado de processos, porque além de ser a segunda instância de toda a Justiça Federal brasileira, ainda tinha competência de tribunal da Federação e resolvia conflitos de competência e de jurisdição. A Justiça Federal naquela época também tinha uma competência trabalhista muito grande e havia apenas o TFR para decidir em segunda instância todas essas questões. Era um tribunal muito ocupado, mas conseguia dar conta do seu recado. Quando entrei no TFR, em 1977, ele era considerado pelos advogados um dos grandes tribunais do país. Havia até uma certa comparação com o Supremo Tribunal Federal, o que gerava um pequeno ciúme. Os ministros do antigo TFR é que substituíam os ministros do STF. Tivemos grandes ministros no TFR, como por exemplo o Oscar Saraiva, que quando substituía no STF, em matéria de Direito Público, costumava mudar a jurisprudência do Supremo, porque ele era um eminente publicista. Lembrome dos ministros do TFR com muita admiração. Eram homens muito preparados sob o ponto de vista do Direito e daquilo que é muito importante na magistratura, a conduta ilibada. Aliás, os ministros do Superior Tribunal de Justiça, tribunal que o sucedeu, vêm mantendo essa mesma linha. Via Legal – Como o senhor avalia a evolução histórica da Justiça Federal? Velloso – Nós vivemos momentos intensos de intervencionismo no domínio econômico. Vivemos o milagre econômico, com um crescimento que chegava a quase 10% ao ano, e tivemos vários planos econômicos, muitos deles com violação de direitos individuais. Isso colocava a Justiça Federal no vórtice das grandes decisões em termos de políticas públicas. E os juízes federais sempre estiveram na linha de frente, julgando mandados de segurança, ações ordinárias, dando razão àqueles que tiveram seus direitos violados. É por isso mesmo que essa justiça tem crescido, o número de magistrados tem aumentado, porque ela tem sabido cumprir com o seu papel. “Tivemos vários planos econômicos, muitos deles com violação de direitos individuais. Isso colocava a Justiça Federal no vórtice das grandes decisões em termos de políticas públicas.” Via Legal – E quanto à magistratura federal, qual a sua avaliação? Velloso – Eu participei de cinco comissões examinadoras de concurso para juiz federal e posso atestar a qualidade dos magistrados aprovados. Foram concursos muito rigorosos. Em todas as comissões de que participei nunca conseguimos preencher todas as vagas. Procurávamos sempre aprovar aqueles que realmente tinham condições de ocupar o cargo. Conheço portanto grande número de juízes que hoje estão integrando os tribunais regionais federais e o Superior Tribunal de Justiça. São homens preparados que desde o primeiro grau têm sabido honrar, sob todos os aspectos, a toga que legitimamente conquistaram. Via Legal – O que significou para o nosso sistema federativo e, em particular, para o nosso Judiciário a adoção do modelo norte-americano de sistema judiciário? Velloso – Nós copiamos dos norteamericanos a forma do estado federal, na qual a justiça é dual - há uma justiça da União e uma justiça dos estados-membros. Aliás, no Brasil, temos uma forte centralização, que é natural, porque o federalismo brasileiro se fez pela desagregação. Tínhamos um estado unitário até a República e a partir dela esse estado desagregou-se em estados-membros. Quer dizer, a Federação foi obra de um estado unitário. Nos Estados Unidos foi o contrário: houve uma agregação de estados soberanos e independentes. As treze colônias constituíram em um primeiro passo uma confederação de estados e depois perceberam que esses laços precisavam ser reforçados, e estabeleceram laços federativos. É natural que em um federalismo constituído dessa forma os estados-membros tenham uma autonomia maior. Nos EUA, a Justiça estadual é efetivamente estadual. Há uma lei penal estadual, um direito civil estadual, um direito administrativo também estadual. No Brasil, quase toda a legislação é federal - a Justiça estadual não é tão estadual como possa parecer. Via Legal – A adoção do modelo norte-americano, no seu ponto de vista, foi positiva para o nosso Judiciário? Velloso – O estado que eminentemente constituiu o seu Poder Judiciário em termos de poder político foram os Estados Unidos. Não há, por exemplo, nos países europeus, um Poder Judiciário com esse poder político. E nós tivemos a sorte, em 1889, de termos na época juristas - o maior deles Rui Barbosa - que entendiam, que estudavam o sistema judiciário norte-americano. Então, em termos de independência do Poder Judiciário não ficamos devendo nada a ninguém. No dia em que os congressistas brasileiros puserem juízo na cabeça, no dia em que fizerem uma reforma para valer, que vai acabar com a mazela da lentidão na prestação jurisidiconal, nós teremos talvez o melhor Judiciário do mundo. 29 Tecnologia Integração Digital Projeto desenvolvido conjuntamente permitirá criação de um sistema processual único na Justiça Federal para registro, acompanhamento e movimentação de processos físicos e eletrônicos Camila Cotta e Roberta Bastos - Brasília (DF) Foto: Rayssa Coe Comissão Nacional para Desenvolvimento do E-JUS, coordenada pelo ministro Gilson Dipp (centro) T odas as funcionalidades e informações referentes aos processos judiciais reunidos em um só sistema. Todas as instituições, que antes utilizavam sistemas diferentes, adotando uma solução única. Essa meta, há muito almejada pelos órgãos que compõem a Justiça Federal, saiu do plano das intenções e tornou-se projeto, já em desenvolvimento. Acordo assinado em fevereiro, entre o Conselho da Justiça Federal (CJF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os cinco tribunais regionais federais, instituiu uma comissão nacional que está gerenciando e acompanhando o desenvolvimento desse sistema processual único. “A iniciativa representa um marco na modernização da prestação jurisdicional”, afirma o presidente do CJF, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho. 30 A postura de integração dos órgãos participantes do acordo, segundo o presidente do CJF, é uma “salutar demonstração de que, embora independentes, podem atuar em harmonia, sempre que o propósito for o bem comum”. “Toda a justiça brasileira poderá falar a mesma linguagem. Este modelo seguirá as bases da Justiça Federal, que está mais avançada em termos de tecnologia da informação”, informou o presidente da comissão nacional e coordenador-geral da Justiça Federal, ministro Gilson Dipp. Ele observa ainda que o desenvolvimento do sistema pelos servidores e técnicos dos órgãos participantes representa maior autonomia institucional. “Seremos detentores da tecnologia, que hoje está delegada a empresas particulares terceirizadas, o que não é bom para a Justiça Federal”, enfatizou. De acordo com juiz federal Alexandre Libonati, um dos membros da comissão nacional, o sistema é um anseio antigo dos usuários e dos próprios técnicos dos quadros de tecnologia da informação. “A crescente informatização da Justiça Federal, ao mesmo tempo em que diminui recursos humanos e materiais antes empregados em atividades burocráticas, gera exponencial demanda de novos serviços de TI, sem que as unidades disponham de infra-estrutura e planejamento adequados à nova realidade”, contou. O sistema, segundo ele, permitirá um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis e uma economia de escala, na medida em que as unidades de tecnologia não se dispersarão no desenvolvimento e manutenção de sistemas distintos, criados para solucionar coisas semelhantes. Tecnologia Ministro Barros Monteiro assina acordo ao lado da presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie Foto: Rayssa Coe O secretário da Tecnologia da Informação do CJF, Lúcio Melre da Silva, acrescenta que o sistema será híbrido, ou seja, permitirá o acompanhamento dos processos físicos e dos digitais, e abrangerá varas comuns, criminais, de execução fiscal, juizados especiais federais, turmas recursais e tribunais. Além disso, contemplará diversas funções, tais como o controle da execução de penas e suspensão processual penal, o controle de emissão de precatórios e requisições de pequeno valor, o cadastro de bens penhorados, a jurisprudência e o arquivamento. “A idéia é que seja um único sistema para todas as instâncias, cuja manutenção será gerenciada por um comitê nacional com desenvolvimento descentralizado”, explicou. Melre observou que atualmente cada tribunal regional federal utiliza um sistema processual diferente, o que dificulta a integração, o compartilhamento de dados e a geração de estatísticas. “Todos os tribunais estão atuando em três frentes de trabalho: proposta de padronização do processo de desenvolvimento de software da Justiça Federal, proposta de arquitetura para o sistema e-Jud e análise do levantamento de requisitos do TRF da 4ª Região”, relatou. Ele contou que ainda faltam algumas premissas necessárias para o desenvolvimento desse sistema, que são a adequação total à Lei nº. 11.419, que regulamenta a utilização do processo eletrônico, e ao Modelo de Requisitos para Documentos e Processos Eletrônicos da Justiça Federal (MoReq-Jus), além da aprovação da Política de Segurança da Justiça Federal e utilização de boas práticas de governança de TI. O ministro Gilson Dipp observa que o CNJ participa da comissão por considerar a perspectiva de integrar as bases processuais dos órgãos da Justiça estadual. O sistema único também deve facilitar a conexão com os sistemas de outros órgãos federais, tais como o Ministério Público Federal e a Advocacia-Geral da União. “Vislumbra-se a integração dos tribunais de justiça com a Justiça Federal, principalmente no que se refere ao ponto comum que une esses órgãos: a competência delegada”, disse o ministro. “O maior beneficiário desse projeto será, em última análise, o cidadão, que terá uma Justiça mais rápida e eficaz”, resume o presidente do CJF, ministro Barros Monteiro. TRFs O diretor da STI do TRF da 1ª Região, Marcio Cruz de Souza, disse que o tribunal ofereceu apoio imediato. “Não estamos medindo esforços para a concretização do feito. Vou lutar para que o desenvolvimento e a manutenção sejam feitos por grupos de profissionais de TI nomeados para isso, pois assim será possível garantir a unicidade do e-Jus e o emprego racional dos recursos públicos”, enfatizou. Carlos Eduardo Guimarães Martellet, diretor da STI do TRF da 2ª Região, explica que o tribunal criou dois grupos de trabalho, o primeiro para o 2º grau e outro para o 1º grau. “O que já podemos perceber e comentar é que o projeto está sendo fortemente patrocinado pelos presidentes dos órgãos envolvidos e muito bem conduzido, de forma organizada e bastante colaborativa por todos os representantes regionais e dos demais órgãos da Justiça Federal”, descreveu. A diretora da STI do TRF da 3ª Região, Graciela Kumruian Tanaka, explica que estão sendo formadas comissões no tri- bunal que atuarão na elaboração de documentos com a proposta de requisitos do sistema. “Vamos comparar as especificações da 3ª Região com o material elaborado pela 4ª Região. Essas comissões estão sendo formadas considerando os grupos de assuntos que deverão compor o sistema. Assim daremos maior agilidade ao trabalho”, disse. Para o secretário da TI do TRF da 4ª Região, Sérgio Ery, esta unificação só trará benefícios para o tribunal, uma vez que ele já trabalha com dois sistemas, sendo um eletrônico e outro físico. “Já tínhamos vontade de integrar os dois sistemas. Estamos ansiosos por essa inovação, pois precisamos muito desse sistema aqui”, contou. Já o diretor de TI do TRF da 5ª Região, Massanori Takaki, observa que o tribunal está estudando o comparativo utilizando como referência os sistemas da 5ª Região: Esparta, Tebas e Creta, respectivamente sistemas do 2º grau, 1º grau e juizados especiais federais. “Esse estudo tem como objetivo a definição do escopo do sistema único”, finalizou. 31 Responsabilidade Social Educação que liberta Campanha pretende preencher o tempo ocioso do preso com leitura. A intenção é devolver à sociedade cidadãos com uma nova formação cultural e intelectual. Viviane Rosa e Dione Tiago - Brasília (DF) Q Foto: Rayssa Coe 32 uase meio milhão de pessoas vive hoje atrás das grades no Brasil. O número faz parte de um levantamento do Ministério da Justiça, divulgado em junho de 2007. O mesmo estudo revelou uma realidade que, se por um lado não chega a surpreender, por outro chama a atenção para a necessidade de providências urgentes: a baixa escolaridade da população carcerária. De acordo com a pesquisa, a maioria não completou o ensino fundamental e mais de 20 mil sequer sabem ler ou escrever. Uma multidão que precisa de ajuda para aumentar as chances de escrever uma história diferente quando deixar os presídios. Ajuda que pode vir de iniciativas como a Campanha Nacional de Arrecadação de Livros. Lançado no fim do ano passado, o projeto é uma parceria entre o Conselho da Justiça Federal, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e o Movimento Nacional de Direitos Humanos. Os postos montados em locais estratégicos de todo o país já receberam mais de 10 mil obras. Os temas são variados, exploram do universo jurídico até a literatura nacional e estrangeira, passando pelos manuais de auto-ajuda. Aos doadores são feitas apenas duas recomendações: os livros precisam estar em bom estado de conservação e devem incentivar o bom comportamento. A intenção dos organizadores da campanha é mudar um quadro que contraria a legislação. A própria Lei de Execução Penal Responsabilidade Social Vida nova A tentativa de resgate de um preso levou Joaquim Ramalho, 45, para a cadeia. Na fuga, um policial foi morto. Responsabilizado pelo crime, o mecânico de máquinas pesadas foi condenado a 10 anos de prisão. Ele conta que praticamente não tinha o que fazer e para passar o tempo, começou a ler. O hábito transformou Joaquim numa espécie de contador de histórias. Os colegas de cela eram o público. “Quando eles estavam começando a aprender eu parava de ler e falava que agora ele sabia ler, que ia ter que ler. Se você quiser saber a história, leia”, relembra o presidiário. Foi também no presídio que o motorista Gabriel Tavares, 52, descobriu o mundo dos livros. Condenado a 15 anos de prisão por assalto, ele hoje conta os dias que faltam para voltar à liberdade. Na cadeia, Gabriel estudou, começou a compor músicas e já tem propostas para gravar um CD. Ele lembra que no início tinha dificuldades até para escrever uma carta aos familiares. “Eu não sabia escrever direito, colocava as palavras erradas. Eu me sentia envergonhado com isso e então eu procurei estudar”, explica. Gabriel e Joaquim cumprem pena no Centro de Progressão Penitenciária de Brasília (CPP-DF), que abriga ao todo 900 detentos em regime semi-aberto. A instituição foi a primeira a receber livros arrecadados na campanha. O acervo entregue no fim de 2007 será usado na biblioteca que está sendo construída da unidade. Para o diretor do Sistema Penitenciário de Brasília, Carlos César Ferreira, a iniciativa é louvável não só porque permite que o preso use o tempo ocioso para aprender, mas também pela possibilidade concreta de recuperação de um cidadão. “Isso vai contribuir para que esse preso, quando sair do presídio, volte à sociedade e, em conseqüência, não vá praticar crimes”, resume. Na cadeia, Gabriel estudou, começou a compor músicas e já tem propostas para gravar um CD Foto: Rayssa Coe (Lei n. 7.210/84) prevê que todo presídio tenha uma biblioteca - um ideal distante da realidade brasileira. A maior parte dos 1.855 estabelecimentos penais do país não disponibiliza sequer espaço de estudo aos detentos. Os poucos livros que chegam aos 419.551 presidiários estão rasgados e mal conservados. Uma das idealizadoras da campanha, a pesquisadora do Centro de Produção da Justiça Federal, Cristiane Szynwelski, lembra a importância da participação de toda a sociedade neste processo. “Todos querem um país mais seguro. E essa campanha é uma oportunidade para o cidadão colaborar com o poder público para que o sistema penitenciário melhore”, argumenta. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Luiz Couto (PT-PB), faz questão de ressaltar o poder transformador da leitura. Para ele, o livro pode ajudar a combater a ociosidade que toma conta da maioria dos presos brasileiros. “A leitura faz com que o apenado deixe de ficar com a mente vazia. Nós consideramos, sim, que este é um instrumento para que ele possa ser ressocializado”, completa. Especialistas confirmam o poder da leitura Reflexos de experiências bem-sucedidas de incentivo à leitura podem ser constatados no mundo inteiro. A Colômbia é o exemplo mais recente. Depois de colocar em prática um programa educacional que incluiu a instalação de bibliotecas e centros culturais nos pontos de maior movimentação, o governo comemora a queda de 70% nos índices de violência. Uma alternativa que poderia ter reflexos positivos no Brasil, segundo o doutor em Ciência da Informação, Emir Suaiden. De acordo com o especialista, o baixo índice de instrução aliado à falta de leitura acaba gerando uma reação em cadeia. Sem formação, o indivíduo não encontra oportunidade no mercado de trabalho e, dessa forma, muitas vezes se rende à criminalidade. “O livro hoje é o mais completo instrumento de inclusão social. Nos lugares onde há leitura, há menos desemprego e menos violência”, ressalta. A afirmação pode ser confirmada também pelo histórico inglês. A Inglaterra, onde está a maior concentração de leitores, é também um dos países que apresentam as menores taxas de criminalidade do mundo. Para Suaiden, se aproveitar o tempo livre na cadeia para cultivar o hábito da leitura, o presidiário pode dobrar as chances de conseguir um emprego quando retornar às ruas. “Ele já vai adquirindo um capital intelectual para sair da prisão e ser absorvido pelo mercado”, afirma. Para o sociólogo e professor da Universidade de Brasília, Lúcio de Brito Castelo Branco, mais do que contribuir para a instrução ou qualificação do indivíduo, um bom livro pode ser capaz de desenvolver habilidades, conscientizar e transformar vidas. “O poder da capacidade de pensar, de desenvolver a inteligência, de se educar. Há livros que têm um efeito extraordinário de transformação, de sensibilização do sujeito”, conclui. Campanha Nacional de Doação de Livros para Presídios Informações: www.camara.gov.br/cdh ou 0800 619619 33 Responsabilidade Social Destino nobre Parceria entre a Central de Penas e Medidas Alternativas da Seção Judiciária do Rio de Janeiro e instituições voltadas à recuperação de pequenos infratores está abrindo as portas do mercado de trabalho para jovens carentes. “E u cometi um ato infracional na rua, traficava ali na comunidade em que eu morava”, conta D.* “Fui para o Instituto Padre Severino, e aí fizeram duas audiências e me mandaram para cá, para cumprir minha medida sócio-educativa aqui no Criam”, diz. O Criam Bangu é uma das instituições parceiras da Central de Penas e Medidas Alternativas da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Funcionando há seis anos, a CPMA vem aumentando a credibilidade do Judiciário junto à população. “Ela é uma grande vitrine da Justiça Federal, sobretudo para a população carente”, comenta o juiz federal Marcos Bizzo, titular da 1ª Vara Federal Criminal. “Ela representa o Órgão de Execução Penal no âmbito da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, onde nós temos a execução de penas não privativas de liberdade, as cha- madas penas alternativas”. D. tem o mesmo perfil de milhares de jovens brasileiros que ingressam no universo criminoso antes de alcançar a maioridade: criado em uma comunidade carente, acabou cedendo ao lucro fácil oferecido por traficantes. No entanto, agora ele é um exemplo de que o investimento na formação e recuperação do menor deve ser valorizado no país. Com o primeiro emprego garantido em uma lanchonete, ele conseguiu dar a volta por cima. “Na minha mente eu vi que o Criam Bangu era um lugar para me recuperar do ato infracional que eu cometi”, ele comenta. “Daqui a pouco, quando menos esperar, estou indo embora, de cabeça erguida, para a comunidade ver que eu sou uma pessoa mudada”. O Criam Bangu atende a jovens infraFoto: Acervo Criam Bangu Menores do Criam Bangu na escola de garçons 34 tores em regime de semi-liberdade, em sua maioria na faixa dos 16 anos. Apesar da pouca idade, a vivência nas ruas traz uma maturidade aparente. Quietos, quase desconfiados, eles batem bola no campo de futebol nas horas vagas e, durante a semana, participam dos cursos de formação profissional oferecidos pelo instituto - uma oportunidade para que eles aprendam uma profissão, seja nas aulas de instalação elétrica, na escola de garçons ou mesmo na de padeiros. “Eu acho que na rua eu não ia enxergar essa oportunidade. Aqui você reflete, pára, pensa na família, você vê que lá fora não tem nada a ver traficar, roubar...,” diz F. A possibilidade de dar um novo rumo à vida desses jovens só existe porque, em alguns casos, a pena imposta a quem praticou crimes sem violência, como sonegação de impostos, por exemplo, é transformada em multa, e o dinheiro, aplicado em projetos sociais como esse. A CPMA coordena a aplicação dessas penas no Rio de Janeiro, seja encaminhando os condenados às instituições onde prestarão serviços à comunidade, seja gerenciando a utilização do dinheiro das multas pagas por determinação judicial. Mas o que já era bom ficou ainda melhor. Para aumentar a transparência na aplicação desses recursos, ampliar o número de pessoas beneficiadas e garantir a regularidade nos atendimentos foi criada, em 2006, a Conta Projeto - uma iniciativa pioneira que já rendeu bons resultados. Trata-se de uma poupança aberta na Caixa Econômica Federal onde é depositado todo o dinheiro das multas pagas por condenados. Controlado pela 1ª Vara Federal Crimi- * Divulgaremos apenas as iniciais dos menores, para preservar sua privacidade Ana Cláudia Paixão e Zoraya Calheira, com a colaboração de Adriana Dutra - Rio de Janeiro (RJ) Responsabilidade Social nal no Rio, o sistema procura direcionar os recursos principalmente para projetos de geração de renda. “Aqui surge uma nova perspectiva de vida porque eles mudam mesmo e vêem que não vale a pena continuar numa vida de infração. Vale a pena sim ter a família junto e ter um retorno com dignidade, trabalhando, estudando e mudando o rumo da sua história”, comemora a psicóloga Janaína Abdalla, que trabalha no Criam. “As instituições com as quais a CPMA trabalha têm uma série de carências e recebiam as prestações pecuniárias de uma forma pingada, um pouco aqui, outro ali. Diante de um projeto maior, não havia como gerenciar esses recursos”, lembra Marcelo Maia, coordenador da CPMA. A proposta é ir além da realização de ações isoladas, formando novos profissionais e criando condições para que, ao entrar no mercado de trabalho, essas pessoas possam melhorar as condições de vida da família e da comunidade onde vivem. Os números confirmam o sucesso: até hoje, a Central não registrou nenhum caso de reincidência entre os réus que cumpriram penas ou medidas alternativas. “Na medida em que as pessoas que estão cumprindo pena vêem que os recursos da prestação pecuniária estão sendo tão bem aproveitados, é enriquecedor para elas: ajuda na reflexão do ato infracional”, conta a psicóloga Sheila Brum Fonseca, chefe do Setor de Apoio Técnico da CPMA. “O mais gratificante é ver a coisa acontecendo. Eu estive lá e a sensação de ver as pessoas realizadas e o maquinário funcionando foi fantástica”, resume Marcelo Maia. “Eu olhei para o rosto das pessoas e pensei que aquilo tudo está saindo do papel e está virando uma realidade e a gente acaba se envolvendo. Tem sido muito gratificante”. Quatro anos de justiça social Quando soube do fato, o juiz federal Marcos André Bizzo Moliari quase desanimou: ser o juiz de uma vara criminal não é uma tarefa fácil sob nenhum ponto de vista. Principalmente se a vara tiver de acompanhar e fiscalizar o cumprimento das penas e medidas alternativas da capital. Mas não demorou muito e o juiz, em pouquíssimo tempo, assumiu a nova atribuição de corpo e alma. Hoje, afirma que ser o responsável pela Central de Penas e Medidas Alternati- vas é uma das maiores gratificações de sua vida profissional e também pessoal. “A CPMA é o braço da Justiça Federal de distribuição de justiça social, e não somente de cumprimento de pena”, explica. E completa: “É uma maneira de aplicar a pena de modo mais inteligente e eficaz”. No início, diversos foram os percalços: não havia assistentes sociais e psicólogos concursados, o que provocava descontinuidade do trabalho. Também, logo nas primeiras audiências, Bizzo notou algumas impropriedades, e cita a famigerada cesta básica. Ele diz que a entrega de cestas avilta o instituto da pena alternativa, pois não inibe novos crimes, não reeduca e não pune. Por fim, afirma que fiscalizar esse tipo de doação é impossível. dos que fizeram prestação pecuniária mantêm a contribuição financeira. Há casos ainda de prestadores que foram contratados pela instituição como auxiliar de enfermagem, designer gráfico, professor e auxiliar de serviços gerais. A boa relação entre prestador e instituição é cuidadosamente tecida pela equipe da CPMA. Os psicólogos e assistentes sociais atuam perante a instituição para que o prestador seja acolhido sem preconceitos. Para Sheila, a experiência é uma oportunidade para “as pessoas atuarem em sociedade com outro olhar, enquanto as instituições se potencializam com os recursos de penas alternativas”. A psicóloga cita o caso da ONG Reciclarte, que atua na comunidade da Grota do Surucucu, em Niterói, e oferece aulas de música gratuitas para crianças e adolescentes entre 10 e 16 anos, preferencialmente alunos da rede pública de ensino e moradores do local. A ONG mantém a Orquestra de Cordas da Grota, que já se apresentou em Portugal e nos Estados Unidos. Beneficiada pela conta-projeto, a Reciclarte pôde contratar alunos previamente selecionados para trabalharem como monitores dos cursos. Projetos Nas visitas institucionais às entidades cadastradas, a equipe técnica da CPMA – formada por psicólogos e assistentes sociais – orienta sobre a apresentação de projetos de acordo com as necessidades da instituição (geração de renda, reforma, aquisição de bens, entre outros). Atualmente, são mais de 100 instituições cadastradas no Rio de Janeiro e Região Metropolitana: há abrigos para mulheres, idosos, Foto: Maria do Socorro Branco menores infratores ou carentes, portadores de problemas de saúde mental e comunidades carentes. Se a instituição apresenta um projeto, a equipe avalia seus objetivos e alcance social. Experiências Na opinião da psicóloga Sheila Brum, o instituto das penas e medidas alternativas revelou-se um fator “enriquecedor, tanto para as pessoas quanto para as instituições”. A psicóloga chamou a atenção para o fato de, em geral, os prestadores tornaremse voluntários nas instituições conveniadas. Assim, após o cumprimento da pena, muitos continuam a prestar trabalhos voluntários e vários Juiz titular da 1ª Vara Federal Criminal, à qual é vinculada a Central de Penas e Medidas Alternativas, Marcos Andre Bizzo Moliari. 35 Responsabilidade Ambiental H á seis anos a busca de outra utilidade para o lixo produzido diariamente por mais de duas mil pessoas envolve os servidores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Pelos 22 andares do prédio na Rua Acre, no centro da cidade do Rio de Janeiro, circulam pessoas que produzem uma quantidade expressiva de resíduos, seja papel, plástico ou metal. Pensando no destino correto de todo esse material e, ao mesmo tempo, em colaborar com a preservação do meio ambiente, o Tribunal investiu na coleta seletiva. A implementação foi mais fácil do que se esperava originalmente e o resultado pode ser visto em todos os andares, com cestos destinados a materiais específicos espalhados pelo prédio. “Temos recipientes separados por cores de acordo com a categoria do material: plástico, metal, pilhas e baterias jornal e papel branco”, explica o coordenador do projeto, Luiz Felipe Fernandes, diretor dos Serviços Gerais do TRF da 2ª Região. “Diariamente, funcionários terceirizados recolhem esse material separadamente e o destinam aos contêineres, no subsolo. Duas vezes por semana uma cooperativa cadastrada pela Comlurb recolhe este material e o leva para o centro de processamento”. Os números animam. A média mensal de recolhimento tem sido de 400 quilos de resíduos plásticos, quatro mil quilos de jornal e dois mil de papelão. Outros tipos de papéis giram em torno de 2.400 kg por mês. Uma iniciativa que contribui para mudar um quadro que, segundo o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, está longe de ser o ideal no combate ao desperdício no país, onde a média de coleta seletiva ainda é de apenas 2%. Sérgio César transforma papelão usado em obra de arte Foto: Arquivo pessoal 36 O lixo Aprender a reciclar e aproveitar o lixo é uma prática que vem-se disseminando nos mais variados setores da sociedade. Iniciativas como a do Tribunal Regional Federal da 2ª Região podem ser o ponto de partida para grandes idéias. Ana Cláudia Paixão, com a colaboração de Adriana Dutra Rio de Janeiro (RJ) Arquiteto do papelão Uma realidade que depende da contribuição individual de cada cidadão para mudar o quadro. Algo que o ex-jogador de futebol, transformado em artista plástico, Sérgio César, se empenha em divulgar. Ele se auto-define como “arquiteto do papelão” e já expôs peças feitas com 100% de material recolhido nas ruas até no exterior. “Quando eu falei para o meu pai que não ia mais jogar futebol ele quase teve um treco,” conta. “Depois ele viu que as pessoas têm que fazer o que acreditam. Eu faço o que acredito, e pago o preço pelo que faço, de viver minha arte”. O atelier de Sergio César fica no alto de uma ladeira em Laranjeiras, numa área onde todos na rua apontam com orgulho onde é. Ele diz que foi a arte que o fez prestar mais atenção ao Rio de Janeiro e na atitude das pessoas com o meio ambiente. “Me levou a prestar atenção ao que está sendo feito com a Terra, o que o ser humano está conseguindo fazer com esse espaço maravilhoso que nós temos. As coisas estão acabando, o clima está mudando, a quantidade de lixo é maior...” lamenta. A arquitetura de papelão nasceu por acaso, como hobby, quando Sérgio improvisou uma peça que recriava sua casa de infância. Aos poucos foi se desenvolvendo e hoje são os detalhes que fazem a diferença em cada obra, que nasce das ruas, de um material que ele recolhe até hoje pessoalmente, desde o tempo em que a palavra reciclar ainda não estava na moda. “Quando eu via a caixa no lixo, eu olhava para um lado, para outro, esperava ninguém estar mais perto para ir lá pegar a caixa de papelão. Hoje em dia não, as pessoas trazem para mim, às vezes eu acho caixas enormes no meio da rua e vou trazendo, e é legal por- Responsabilidade Ambiental é um luxo Equipe do projeto de coleta seletiva do TRF Foto: Sérgio Maurício Costa que não foi fácil ter um reconhecimento. Mas, ao mesmo tempo, eu falo para os meus alunos nas exposições que não tem que ter vergonha. Vergonha é sujar, e não você transformar...” conta ele, que com este trabalho teve a oportunidade de se reaproximar de jovens de comunidades carentes. “Nunca tive pretensão de formar ninguém na minha arte, mas eu tenho uma obrigação de poder passar para esses meninos que estes espaços são deles. Acho que você tem que mexer muito com a estima deles, que o poder da mente é muito maior que você estar usando o poder da arma...” diz. Museu do Lixo No ano do bicentenário da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, o pequeno e escondido prédio construído no século XVIII, no bairro do Caju, zona portuária do Rio de Janeiro, deve ganhar atenção especial. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), a casa é hoje mantida pela Comlurb, que executou os trabalhos de restauração e instalou ali o Museu do Lixo, um local para registrar a história da limpeza urbana. Embora hoje esteja cercado por viadu- tos e carros, era ali que Dom João VI ia se banhar enquanto viveu na Colônia, já que, naquela época, o mar chegava pertinho da casa. “Nós contamos um pouco da história do bairro do Caju, da história de D. João, de quem não podíamos deixar de falar, e da limpeza urbana: como foi evoluindo, como os garis foram ganhando o espaço deles, até a gente chegar na própria transformação desse lixo, com o reaproveitamento desse resíduo urbano”, explica a diretora do Museu, Vera Paiva. Além de apresentar um histórico detalhado e cheio de histórias curiosas no Museu do Lixo, a Comlurb também investe na arte. No Galpão de Artes Urbanas, o lixo vira luxo. Localizado na Gávea, zona sul da cidade, esse espaço da Comlurb abriga oficinas e escolas onde a matéria-prima sai direto das lixeiras das casas. “O objetivo é envolver as pessoas com o reaproveitamento do nosso próprio lixo, que não é lixo,” diz Lenora Vasconcellos, diretora do Galpão de Artes. “Às vezes o que eu descartei pode ir para sua casa de uma outra forma. Ele passa a ter uma forma diferente e uma outra utilidade”. Exemplos como esses são a inspiração para lembrar que não importa onde aconteça, a coleta seletiva é um passo que pode ser decisivo para mudar a vida de muita gente e, ao mesmo tempo, garantir um pouco mais de cuidado com o meio ambiente tão maltratado pelo homem. Foto: Acervo Museu do Lixo 37 Serviço C om uma jurisdição que se expande desde o Norte do Brasil, passando por parte do Nordeste e do Sudeste, além de todo o Centro-Oeste, o equivalente a 80% do território nacional, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) busca alternativas para vencer essas distâncias e facilitar o acesso de seus jurisdicionados à Justiça Federal. Diante desse desafio, o TRF1 celebrou, em novembro do ano passado, convênio de cooperação técnica com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Por meio dessa parceria, agora é possível que os interessados em acionar a Justiça Federal encaminhem petições e recursos por meio das agências dos Correios espalhadas por todo o País. Batizado de “Protocolo Postal”, o novo serviço permite às partes interessadas protocolizar documentos sem a necessidade de deslocamento até onde está instalado o órgão destinatário da Justiça Federal da 1ª Região, seja em seção judiciária, subseções judiciárias ou no próprio TRF1, em Brasília. A maior dentre as cinco regiões da Justiça Federal, a 1ª Região compreende 194 varas federais funcionando em 14 seções judiciárias (nas capitais dos estados e no DF) e 42 subseções judiciárias (no interior) – estas últimas atendendo um total de 1.551 municípios. Na prática, por exemplo, um cidadão morador de Minas Gerais pode ajuizar ação na Justiça Federal de Rondônia sem precisar ir à capital, Porto Velho. Ou, ao contrário, morador de Rondônia ajuíza na Justiça Federal mineira sem se deslocar a Belo Horizonte. A única viagem que a pessoa deverá fazer é sair de sua casa com destino à agência da ECT mais próxima. As petições e recursos são enviados em envelopes ou caixas do Serviço de Encomenda Expressa dos Correios (Sedex). A descentralização promovida pelo Protocolo Postal também se estende aos estados que não fazem parte da 1ª Região. Caso um morador do Rio Grande Sul queira ingressar com uma ação na Justiça Federal do Acre, poderá assim proceder sem ter que ir a Rio Branco, capital acreana. A iniciativa foi aprovada por advogados. “O Protocolo Postal significa a compreensão substantiva de que nós vivemos num mundo que tem de ser contemporâneo. É a contemporaneidade do mundo chegando ao processo e ao procedimento, algo que facilita a vida do jurisdicionado e do profissional do direi- 38 Recebimento de petição, através do Protocolo Postal, por servidor da Seção Judiciária de Minas Gerais. Foto: Ana Clédia Zorzal P. Moreira O Protocolo Postal está permitindo que advogados do interior entreguem suas petições aos órgãos da Justiça Federal da 1ª Região, sem que eles precisem viajar até a subseção judiciária mais próxima Distâncias mais curtas Gilbson Alencar e Juliana Corrêa to, à medida que permite acelerar processos, cumprindo prazos com o recurso alternativo da utilização dos Correios”, enfatiza Rossini Corrêa, advogado que atua em Brasília. Segundo o advogado mineiro Cláudio Márcio Rezende, a grande dificuldade enfrentada pelos advogados do interior é o acesso aos recursos de Brasília. “Principalmente quando é preciso entrar com um recurso especial ou extraordinário que somente através dos tribunais de Brasília é possível de ser atendido”, afirma. O recebimento de petições de forma descentralizada traz maior comodidade às partes, além de rapidez processual. “O Protocolo Postal encurtou distâncias em um Tribunal com jurisdição continental, facilitou o acesso dos usuários da Justiça Federal, especialmente aquela parcela mais carente da população que muitas vezes não tem recur- sos financeiros suficientes para financiar o deslocamento de um advogado”, ressaltou a presidente do TRF1, desembargadora federal Assusete Magalhães. A presidente do Tribunal também afirma que o novo serviço reforça a democratização do acesso à Justiça Federal e a racionalização do tempo, de recursos materiais e humanos. “A Justiça Federal não se expandiu, não criou novas instalações e nem novos cargos de servidores, ela está utilizando toda a estrutura material e de RH dos Correios para que essa estrutura funcione como protocolo oficial. A celeridade processual é hoje objetivo de todos, magistrados e servidores. Temos obrigação de buscá-la. O Protocolo Postal é uma inovação para que a sociedade brasileira seja mais bem atendida pelo Poder Judiciário Federal no âmbito da 1ª Região”, salientou Assusete Magalhães. Serviço Foto: Rayssa Coe Assusete Magalhães: “O Protocolo Postal encurtou distâncias em um Tribunal com jurisdição continental” Segurança e sigilo A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos garante a segurança do serviço efetuado por meio de Sedex. De acordo com o diretor de Tecnologia e Infra-Estrutura dos Correios, Menassés Leon Nahmias, o sigilo e a garantia são feitos dentro dos centros operacionais da ECT. “Utilizamos sistemas de rastreamento via satélite e de monitoramento via internet. O cliente pode a qualquer momento ter esse serviço rastreado”, garante o diretor. Prazo judicial O Protocolo Postal segue as mesmas regras do protocolo oficial da Justiça Federal de primeiro e de segundo graus com relação ao prazo judicial. São consideradas a data e a hora da postagem nos Correios e observado o horário de funcionamento da unidade destinatária. A Justiça Federal da 1ª Região funciona, de maneira ininterrupta, das 9h às 19h. Nesse ínterim, em dias úteis, as agências podem receber documentos. Ao entregar documentos, deve-se exigir que os servidores dos Correios consignem não só a data, mas também a hora do protocolo. A parte interessada pode acompanhar o andamento da peça processual por meio do número do registro do Sedex, no site do Tribunal (www.trf1.gov.br). s; mpleta o c n i s , o nú o içõe i t r e á t p a s n a esti ção aceit juízo d não seja peti sendo o r a a f m o (cas infor stal é rocesso s partes. colo Po ilidade p o t o o d r P b ro o da sponsa ação d - me l) e o nome os a A utiliz e exclusiva re sive em situ i c rocess i p n i e d u l d c ae s, in lução undo cultativ s processuai ência. a devo imeiro e seg toa d a d e g t r r e r Év l de p do Pro das pa e envolvam u Federa o por meio u a ç q i t s s e açõ à Ju egiã rte: da 1ª R e da pa ão referens d a u d a i r l i g b aç stal. ndo sponsa ument É de re inhar a doc essual, conte ão colo Po encam a peça proc ais a ela, n pectiv ssenci te à res elementos e os todos Os comprovantes A comprovação do envio da peça processual, via Protocolo Postal, será feita por Como funciona o envio recibo emitido eletronicamente pelos CorAs petições e recursos deverão ser en- reios, o qual deverá conter, no mínimo, o caminhados em envelopes ou caixas do Ser- CEP da unidade da Justiça Federal de destiviço de Encomenda Expressa dos Correios no, a data e o horário da postagem e o nú– Sedex. Deverá ser remetida apenas uma mero do Sedex. peça processual por envelope ou caixa SeÉ recomendável que a parte mantedex. nha em seu poder o recibo dos Correios, até que tenha certeza do recebimento e O preenchimento da aceitação da peça processual pelo juízo Na peça processual: destinatário. No momento da postagem, o usuário deA seu critério, a parte poderá utilizar o verá solicitar que o atendente dos Correios Aviso de Recebimento – AR, que permite lance, na primeira página da peça processu- comprovar ao remetente quem recebeu o al a ser remetida, a qual deverá conter: objeto postado. No caso de utilização desse a) carimbo datador da agência dos Cor- serviço, é obrigatório o preenchimento de reios; formulário próprio, com a devida identificab) horário em que ocorreu a postagem; ção do conteúdo do Sedex encaminhado. c) nome, matrícula e assinatura do atendente. Os custos No envelope Sedex: Os custos de remessa de petições via Os envelopes ou caixas sedex utilizados Protocolo Postal são de responsabilidade para o envio das petições e recursos devem, do usuário, independentemente do gozo obrigatoriamente, ser endereçados da se- de assistência judiciária gratuita. guinte forma: O cálculo e o recolhimento das custas 1 – no campo “Destinatário”: das peças processuais, se sua admissibilidaa) nome da unidade da Justiça Federal de estiver condicionada a prévio preparo, da 1ª Região (Seção, Subseção Judiciária ou são de responsabilidade da parte. Tribunal); b) expressão “PROTOCOLO POSTAL”; Como acompanhar c) endereço completo da unidade da O sistema de consulta do andamento Justiça Federal com o respectivo Código de da peça processual por meio do número Endereçamento Postal – CEP; de registro do Sedex está disponível na pá2 – no campo “Remetente”: nome e en- gina do Tribunal. Acesse o site www.trf1. dereço completos do usuário, com o CEP. gov.br, clique no menu “Judicial” – “AcomAs informações relativas às unidades da panhamento Processual”. Em seguida, Justiça Federal da 1ª Região, como endereço escolha o órgão da 1ª Região destinatário. completo e CEP, podem ser encontradas no Após, clique em “Protocolo - SEDEX” e insite www.trf1.gov.br, clicando no estado pre- forme o número da encomenda. Por fim, tendido, no mapa do Brasil. clique em “Pesquisar”. 39 Comunicação Eles transformam a Justiça em notícia Vídeo preparado pelos assessores de comunicação da Justiça Federal traz depoimentos dos profissionais da imprensa sobre suas dificuldades no relacionamento com o Judiciário Selma Alcântara, com a colaboração de Dione Tiago- São Paulo (SP) D Foto: Edgard Catão iariamente, jornalistas do Brasil todo procuram as assessorias de comunicação de órgãos ligados ao Judiciário e Ministério Público com pedidos de informações e entrevistas. O caminho inverso é feito apenas em ocasiões muito especiais. Equipes do Centro de Produção da Justiça Federal (CPJUS) e da Assessoria de Comunicação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) acionaram câmera, microfone, papel e caneta para saber o que pensam os repórteres que cobrem o dia-adia do Judiciário. São 4h da tarde e a redação do jornal Folha de São Paulo já está em ritmo acelerado. Telefones tocam o tempo todo. Diante dos computadores, olhos compenetrados na tela e dedos agitados no teclado. A equipe do TRF3 se instala procurando não alterar em nada este cenário. Décio Ciappini, cinegrafista, pousa suavemente o equipamento e começa a ajustar a câmera ao mesmo tempo em que o fotógrafo Edgard Catão dispara alguns “flashes” para testar o equipamento. Com meu bloquinho de anotações em mãos, observo Mônica Paula, assessora do Tribunal, se ajeitando na cadeira. Na entrada do jornal, um relógio “personalizado” 40 Foto: Edgard Catão Mário César dá entrevista à equipe do TRF3 O foco das entrevistas é colher depoimentos que indiquem as principais dificuldades da imprensa no relacionamento com a Justiça. Com este material, o CPJUS produziu um DVD, distribuído durante o III Encontro dos Assessores de Comunicação da Justiça Federal, realizado agora em março em Brasília. É um precioso material para ser exibido em eventos direcionados a ministros, desembargadores, juízes e dirigentes da instituição. O entrevistado é o repórter Mário César Carvalho. Com 24 anos de profissão, há cinco cobre acontecimentos ligados à Justiça. Na sua visão, além da dificuldade de entender a linguagem rebuscada usada nas sentenças, o segredo de justiça é outra barreira difícil de superar. “A mídia não tem acesso às falcatruas daqueles que cometem um crime financeiro, por exemplo. Eu já tive que ir pegar documentos na Justiça americana para apurar crimes de doleiros brasileiros. O que é segredo no Brasil, nos Estados Unidos é aberto a todos”, critica. Comunicação Mário César Carvalho, jornalista da Folha de S.Paulo, critica o segredo de Justiça Foto: Edgard Catão Prioridade da cidadania O segundo jornalista que falou com a equipe do TRF3 foi Márcio Chaer, diretor da revista eletrônica Consultor Jurídico. Contabilizando 31 anos de profissão, 12 à frente do Conjur, Chaer também faz um paralelo entre a Justiça brasileira e a norte-americana. Concordando com o colega da Folha, aponta o uso exagerado do segredo de Justiça em nosso País. “O interesse público deve prevalecer. Na sociedade americana, as regras são mais claras e definidas. Existe também uma relação muito mais natural e aberta entre o Judiciário e os cidadãos”. Sempre com um paletó e gravata por perto para o caso de ter de sair rapidamente para ir a alguma Corte, Chaer traz à tona uma interessante observação: “Na década de 70, o principal foco das coberturas jornalísticas eram os militares; nos anos 80, foi a vez dos economistas. A partir dos anos 90, as informações relativas ao Direito e à Justiça ganharam mais relevância.” Perguntado sobre sua principal dificuldade em relação ao Judiciário, diz sem pestanejar: a falta de acesso à íntegra das decisões judiciais. “A interpretação da sentença dificilmente será precisa e é por isso que necessitamos do texto integral para conhecer a essência da tese defendida pelo julgador”. Para minimizar os obstáculos, Chaer afirma que sempre se vale das assessorias de comunicação, elogiando a crescente profissionalização entre elas. “À medida que os tribunais contrataram jornalistas para facilitar sua comunicação com a sociedade, nós passamos para um novo patamar. E justifica sua afirmação: “Hoje, os sites de tribunais são verdadeiros noticiários, vantagem que temos em relação aos EUA, que tem apenas departamentos de relações públicas”, exemplifica. Foto: Edgard Catão Márcio Chaer, criador do site Consultor Jurídico: “O interesse público deve prevalecer” Valorosas contribuições A equipe do CPJUS foi a campo ouvir outros experientes profissionais da imprensa brasileira. A editora Dione Tiago e o cinegrafista José Antonio Gomes se deslocaram de seu habitual QG na Capital Federal para ouvir em São Paulo jornalistas do porte de Carlos Nascimento, atual editor e apresentador do Jornal do SBT; e Heródoto Barbeiro, âncora da rádio CBN e do Jornal da Cultura. Com 22 anos de experiência, Heródoto Barbeiro faz questão de lembrar que o país já avançou muito quando o assunto é a relação entre Imprensa e Judiciário. Para o jornalista, o mais importante é que o magistrado entenda que ao falar com o repórter, ele está conversando com a população. Bem humorado, o âncora do principal programa da emissora é otimista ao lembrar que o Brasil só tem a ganhar com o amadurecimento da relação juiz/repórter. O apresentador Carlos Nascimento esbanjou bom humor ao falar das dificuldades diárias na hora de fechar uma reportagem. Com 40 anos de atividade, ele não tem dúvidas de que o estudo constante e a troca de informações são o único caminho capaz de permitir que a população tenha acesso às informações de forma correta. Para o jornalista, assim como o repórter aprende as regras de um campeonato de futebol, ele deve procurar entender as etapas de um processo judicial. Ao produzir o vídeo, o CPJUS espera que os operadores do Direito compreendam melhor o que é a mídia e como se relacionar com ela da melhor maneira. A sociedade agradece! 41 Foto: ASCOM/TRF3 Rotina Forense Torre de Babel Tradutores usam bom senso e equilíbrio no difícil trabalho com réus de todo o mundo Andrea Moraes, Mônica Paula e Regina Fonseca - São Paulo (SP) A cada prisão de um estrangeiro acusado de porte ou tráfico de drogas, os intérpretes da Justiça Federal de São Paulo ficam sabendo que terão um trabalho a mais. Sempre muito difíceis, os casos transformam as audiências em enormes desafios para os servidores que se dedicam a transmitir palavras e sentimentos de quem se vê privado da liberdade e sem perspectiva de voltar para casa tão cedo. Mediador do diálogo entre réu, de um lado; e de juiz, promotor e advogado de defesa, do outro, o profissional que domina pelo menos o universal inglês tem uma missão e tanto: “É muito importante uma primeira aproximação para que o preso saiba que eu estou aqui para ajudá-lo”, conta Waldo Mermelstein, tradutor da Escola de Magistrados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Emag). E não é só isso. “Não basta traduzir o idioma, mas também o palavreado jurídico, que não é fácil”, enfatiza. Os números mais recentes do Ministério da Justiça somam 2.626 detidos de várias nacionalidades. Sob as asas da lei brasileira estão 2.073 homens e 553 mulheres espalhados em 1.036 42 prisões. É o trabalho dos intérpretes que garante o amplo direito de defesa de quem responde a processos judiciais no território nacional. O relevante trabalho é possível graças a um acordo entre a Justiça Federal de São Paulo, Polícia Federal e várias embaixadas e consulados. Além do trabalho do intérprete nas audiências, os servidores se encarregam de fazer a versão dos documentos expedidos. O mais comum é a carta rogatória, que Clarice Michelan conhece tão bem após 13 anos de prática. “Este é o instrumento que permite que um réu ou uma testemunha possa ser ouvida por um juiz em outro país”, explica a profissional, que tem como companhia uma infinidade de livros e dicionários. “Com a tradução da nossa escola de magistratura, a pessoa recebe a nota de culpa e o auto de prisão em flagrante já em sua língua original”, confirma a presidente do TRF3, desembargadora federal Marli Ferreira, responsável pelo aprimoramento da atividade em seus dois anos como corregedora, entre maio de 2005 e 2007. Rotina Forense No topo O idioma mais requisitado é o inglês: em quase um ano, aconteceram pelo menos 143 audiências. O espanhol aparece no vácuo, com 140. “Depois desse caso do ( Juan Carlos Ramírez) Abadía e dos outros integrantes da quadrilha, houve um crescimento da procura de servidores que dominam a língua”, revela Ricardo Canale, assessor da Escola de Magistrados. Neste universo, a diversidade também impera. Não são poucos os estrangeiros que trazem de berço idiomas exóticos como tailandês, búlgaro e turco, “de modo que, sem o auxílio deste profissionais, a justiça estaria inviabilizada”, na constatação de André Gustavo Piccolo, defensor público da União. Mundo afora A origem judaica denunciada pelo sobrenome tornou Waldo Mermelstein um cidadão do mundo por excelência. Tradutor de inglês e espanhol, exerceu o ofício durante muito tempo fora do Tribunal, quando morou muito tempo no exterior. Atuando na Emag há dois anos, bate na tecla de que este trabalho “é sempre um desafio. A gente nunca sabe exatamente o que vai encontrar”. É preciso mesmo muita experiência e jogo de cintura desde o momento em que se recebe a pauta de julgamento, distribuída entre o grupo de tradutores, e o contato com o acusado. “Existe uma primeira parte que a gente chama de “quebrar o gelo” para depois transmitir, da melhor maneira possí- Foto: João Fábio Kairuz vel, o que ele tem a dizer e o que deve ouvir, levando em conta o equilíbrio na utilização do vocabulário jurídico para que possa compreender o que está sendo decidido”. Alguns tradutores são também bacharéis em Direito, o que não é o caso de Waldo, que foi se familiarizando com termos que aparecem com freqüência. “As surpresas ficam por conta da vida pessoal, dos fatos e dos motivos de cada um”, relata este profissional estudioso, que sabe “um pouquinho” de hebraico e também se defende bem com o francês. Clarice Michielan, tradutora da Escola de Magistrados há 13 anos Imprescindível Mais uma sessão de julgamento tem início no Fórum da Justiça Federal de Guarulhos, na Grande São Paulo. A sala de audiências está equipada com o sistema de videoconferência. Por estar pertinho do Aeroporto Internacional de Cumbica, o réu típico é aquele que foi apanhado carregando algum tipo de entorpecente. O juiz Fabiano Lopes Carraro, titular de uma das cinco varas com competência criminal, chega a realizar pelo menos 30 audiências por mês. O segredo de justiça impede a divulgação de maiores detalhes sobre o caso e de imagens do réu que estava sendo ouvido no dia da reportagem, um jovem nigeriano. O flagrante normalmente leva a condenações nada leves. “É um momento tenso porque o acusado fica inconformado ou triste. É a hora em que o sentimento vêm à tona e o intérprete acaba sendo imprescindível para acalmar os ânimos”, reconhece o juiz. Waldo vê o réu por videoconferência e fala com ele pelo telefone Foto: José Edgard Catão 43 Institucional Gomes de Barros e Cesar Rocha, eleitos presidente e vice-presidente do CJF Ministro Gomes de Barros Foto: Sandra Fado O ministro Humberto Gomes Barros e o ministro Cesar Asfor Rocha foram eleitos pelo Pleno do Superior Tribunal de Justiça presidente e vice-presidente, respectivamente, do STJ e do Conselho da Justiça Federal (CJF) no dia 06 de março. Gomes de Barros, que sucede o ministro Raphael de Barros Monteiro Filho no cargo, e o ministro César Asfor Rocha tomam posse nos cargos no dia 06 de abril próximo. Natural de Maceió, capital do estado de Alagoas, o ministro Gomes de Barros bacharelou-se em Direito pela Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, tendo-se especializado em Direito do Trabalho pelo Instituto Social dessa mesma Universidade. Iniciou sua carreira como advogado, tornando-se em seguida procurador do Distrito Federal, promovido posteriormente a Procurador-Geral. No STJ, também atuou como diretor da Revista e por um breve interregno, exerceu o cargo de coordenador-geral da Justiça Federal. Atualmente, além de vice-presidente do STJ e do CJF, é vicediretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM). O cearense Cesar Asfor Rocha é corregedor Nacional de Justiça desde junho de 2007. Advogado de carreira, integra o STJ desde 22 de maio de 1992, indicado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O novo vice-presidente do STJ já exerceu, entre outros, os cargos de coordenador-geral do Conselho da Justiça Federal, de ministro e corregedor-geral eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral e de diretor da Escola Judiciária Eleitoral. É também diretor da Revista do STJ, principal meio de consolidação e divulgação da jurisprudência do Tribunal. Foto: Ilkens Souza Ministro Cesar Rocha Reabre a biblioteca do TRF3 A Biblioteca Ministro Geraldo Barreto Sobral, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, reabriu as portas após uma grande reforma. O novo layout aumentou a acessibilidade, beneficiando os usuários com restrições de locomoção. Especializado em Direito, seu acervo conta 30 mil livros e 40 mil periódicos (jornais e revistas), que atende principalmente à comunidade jurídica – de desembargadores a servidores da Justiça -, mas as publicações também estão disponíveis para o público externo. O usuário pode consultar os catálogos de todas as publicações da biblioteca, além de ter acesso à internet. Raridades A Biblioteca também tem em seu acervo obras leigas. Recentemente foram incorporados 248 livros de literatura e qualidade de vida. Em breve chegam mais 700 livros de áreas diversas. O local também dispõe de um acervo especial, com livros anteriores a 1960. Por exemplo, pode-se consultar a 1ª Edição de Leis do Brasil e o 1º ato de D. João VI no Brasil, ambos datados de 1808, dentre outras raridades. Serviço A reserva de livros pode ser feita pelo email [email protected]. A Biblioteca funciona das 11h às 19h, de segunda a sexta-feira, na Avenida Paulista, 1.842 - Torre Sul - 7º Andar. Telefone: (11) 3012-1450. Na internet - www. trf3.gov.br - clique em “Setores” e, em seguida, em “Biblioteca”. Advogados da Florida Bar Association conhecem o TRF2 Os advogados norte-americanos Pamela desembargadora federal Liliane Roriz. Seay, Gilbert Squires e Nancy Stuparich, da A respeito do julgamento, a advogada PaFlorida Bar Association (instituição compa- mela Seay ressaltou a preocupação dos marável à brasileira OAB), visitaram em setembro do ano passado o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, onde assistiram ao julgamento do pedido de habeas corpus apresentado pelos dirigentes da Indústria Matarazzo de Papéis, acusados de serem co-responsáveis por um dos maiores acidentes ambientais já ocorridos no Brasil. A causa foi apreciada pela 2ª Turma Especializada do Tribunal, que, por No Plenário, entre brasileiros e norte-americanos, magistrados, unanimidade, negou o pedido, nos advogados e membros do Ministério Público Federal termos do voto da relatora da causa, Foto: André Camodego 44 gistrados com a clareza dos relatórios, bem como das fundamentações que cada um dos membros do colegiado apresentou em seu voto. Para ela, isso dá um tom didático ao julgamento: “Os juízes americanos têm uma postura excessivamente formal. Lá não se vê, como eu vi aqui, o magistrado explicando sua fundamentação para o público”, declarou. Após assistirem à sessão, os visitantes, recebidos pelo presidente do TRF, desembargador federal Castro Aguiar, conheceram o Plenário da Corte, onde obtiveram informações sobre a estrutura e a organização do Tribunal. Institucional Com a palavra, a juventude Foto: ASCOM/JFSC Um encontro inédito entre juízes federais e estudantes de ensino médio para discussão de temas do interesse da juventude aconteceu em novembro do ano passado, no Auditório A partir da direita: Mr. Pi!, Jairo Schäfer, da Justiça Federal em Eduardo Didonet, Luísa Gamba, Florianópolis (SC). O Jorge Maurique e Marina Vasques evento reuniu mais de 100 alunos de quatro escolas, das redes pública e privada da Capital. O mediador do debate foi o radialista Everton Cunha, o “Mr. Pi!”, que apresenta o programa Pijama Show, da Rádio Atlântida de Porto Alegre. Com a dinâmica de um programa de auditório, os jovens conversaram livremente com os juízes, que responderam a várias perguntas. Os temas mais debatidos foram a legislação referente a drogas, o sistema de cotas nas universidades públicas e a redução da maioridade penal. O objetivo foi oferecer à juventude a oportunidade de obter informações que contribuam para a sua formação pessoal e profissional. O encontro foi aberto pela diretora do Foro da Justiça Federal em SC, juíza federal Eliana Paggiarin Marinho e as perguntas foram respondidas pelos juízes federais Jorge Antonio Maurique, que também é conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Jairo Gilberto Schäfer, Luísa Hickel Gamba, Marina Vasques Duarte de Barros Falcão e Eduardo Didonet Teixeira. Estagiários voluntários Jovens que cursam o ensino médio em escolas públicas do Distrito Federal estão prestando estágio voluntário na Seção Judiciária do DF. A diretora do Foro da seccional, juíza federal Solange Salgado, vê positivamente esse projeto “por ser uma oportunidade para os jovens de ter o primeiro contato com a vida profissional futura e, nós, de recebemos uma mão-de-obra que contribui com nosso trabalho”. Os alunos realizam o estágio no Juizado Especial Federal e no Núcleo Judiciário. Em dezembro passado, a Justiça Federal no DF entregou certificados a esses estagiários. A aluna Ana Paula Oliveira explica porque gostou do tempo que passou na SJDF: “Através do estágio decidi o que quero fazer da minha vida, que a carreira que mais se encaixa com meu perfil é a de Direito”. Ana Paula também lembrou que o estágio voluntário é bom porque não se pensa só em ganhar dinheiro, mas também na experiência que se está ganhando. Ângela de Lima Prado, diretora de Secretaria da 24ª Vara Federal e atual coordenadora do projeto na seccional, fala sobre a experiência: “O trabalho, apesar de voluntário, proporciona um ganho imenso em aprendizado, não só no que diz respeito ao conhecimento da rotina laboral, mas também no que tange à convivência com outras pessoas”. Ela acrescenta que a experiência oportuniza aos jovens - em sua maioria carentes - a obtenção de outros estágios ou trabalhos remunerados. Foto: ASCOM/JFRN Banco de Sentenças A Justiça Federal do Rio Grande do Norte instalou um novo serviço na internet: o Banco de Sentenças, que permite consulta rápida e facilitada. No site www.jfrn.gov.br o internauta pode fazer a pesquisa inserindo o período, o assunto ou o nome do magistrado. “O Banco de Sentenças é mais uma ferramenta em prol da racionalização dos serviços, facilitando a pesquisa e o acesso ao pensamento dos juízes, bem como evitando o retrabalho na elaboração das decisões judiciais. Constitui, também, um excelente meio de assegurar a divulgação dos julgados”, afirmou o diretor do Foro da Justiça Federal no RN, juiz federal Ivan Lira de Carvalho. Juiz federal Ivan Lira de Carvalho Inclusão social As obras do conjunto habitacional para onde serão transferidos os moradores da Vila Chocolatão, em Porto Alegre (RS), devem começar ainda neste semestre. Localizada ao lado dos prédios do TRF da 4ª Região e da Justiça Federal do RS, a vila abriga quase 600 pessoas – das quais mais de 200 são crianças – que convivem com problemas como a sujeira, a fome e a falta de saneamento básico. Desde 2005, o TRF4 desenvolve projeto de inclusão social dessa comunidade, formada principalmente por catadores de resíduos sólidos. São realizadas visitas semanais para a verificação de problemas na área da saúde, atuando na prevenção de doenças como leptospirose, meningite, Aids e hepatite. Em relação às crianças, em parceria com a Prefeitura da capital gaúcha, o tribunal atua na prevenção contra as drogas e o trabalho infantil e escravo. Órgãos federais vizinhos à vila, como o Serpro e o IBGE, também são parceiros no projeto. O reassentamento da vila e a criação de uma unidade de reciclagem de lixo, como uma forma de geração de renda, são os principais objetivos do projeto de inclusão. Também está prevista a construção de uma creche. As obras serão feitas e custeadas pela prefeitura de Porto Alegre, com recursos da Caixa Econômica Federal. A licitação para escolha da empresa que construirá o conjunto habitacional já foi realizada. 45 Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4 Institucional Mutirão de Conciliação do SFH no Rio de Janeiro Direito Penal em discussão O 5°mutirão de audiências de conciliação entre mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e a Caixa Econômica Federal (CEF) acontece entre os dias 07 a 11 de abril no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro (RJ). As audiências, desta vez, envolvem 115 contratos. O atendimento começará sempre às 11 h na sede do TRF (rua Acre nº 80, centro do Rio). Em outubro de 2007, a 4ª edição do mutirão foi concluída com 105 audiências realizadas, das quais 59,04% resultaram em acordos. A Escola da Magistratura (Emagis) do TRF da 4ª Região promove durante este semestre mais uma edição do seu curso de Currículo Permanente, agora abordando o Direito Penal. A aula inaugural do módulo aconteceu no final de março, em Porto Alegre. Os demais encontros, mensais, serão realizados nas três capitais da Região. Dirigido a magistrados federais da Região Sul, os currículos perma- Cigarro exterminado Saúde preventiva O charmoso e sexy cigarro de outros tempos é agora um inimigo do estilo de vida saudável. Não são poucas as iniciativas que visam acabar de vez com o tabaco e recuperar a saúde de seus adeptos. Pensando no bem-estar de magistrados e servidores, a presidente do TRF3, desembargadora Marli Ferreira editou a Portaria nº 5.141, que proibiu em definitivo o cigarro em todas as dependências do Tribunal. Desde maio de 2007, os fumantes são obrigados a sair do prédio para dar um traguinho. O incômodo tem levado muitos deles a procurar a Divisão de Assistência Médico-Odontológica (Dame), que montou um programa para quem quer se livrar do vício. O reconhecimento à atitude veio rápido: em dezembro de 2007, a Secretaria Estadual da Saúde concedeu ao Tribunal o “Selo Ambiente Livre de Tabaco”. O prêmio comprova a efetiva existência de um local 100% livre da fumaça. O Programa de Promoção de Saúde do Magistrado e Servidor da Justiça Federal do Paraná, implementado em outubro de 2007, visa à aplicação de ações de prevenção de doenças, direcionadas à qualidade de vida. A proposta inclui o aperfeiçoamento de ações já existentes – como o Projeto de Ergonomia e o Programa de Avaliação de Risco Cardiovascular e Saúde Mental – e a reativação de algumas propostas, como a atualização do Curso de Primeiros Socorros. Será implementado também Programa de Saúde Bucal. Uma pesquisa, com a finalidade de identificar como anda a saúde dos magistrados e “Wellness – seu guia de bem-estar e qualidade de vida” Alberto Ogata e Ricardo de Marchi Editora Campus Elsevier Diretor do Departamento Médico (Dame) do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o médico Alberto Ogata é co-autor desta obra que fala sobre qualidade de vida em todas as suas dimensões. Mestre em Medicina e Economia da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dr. Ogata liderou iniciativas recentes como a erradicação do fumo, que permitiu ao Tribunal conquistar o prêmio “Selo Ambiente Livre de Tabaco”. 46 nentes são cursos de especialização que buscam, entre outros objetivos, propiciar atualização nas matérias enfocadas e uma melhor instrumentalidade para condução e solução de questões referentes a casos concretos. Mais informações sobre os currículos podem ser obtidas na página da Emagis no site do TRF4 (www.trf4.gov.br). servidores, será realizada dentro do projeto. Uso contínuo do computador A Direção do Foro pretende colocar em prática ações para que o risco de doenças relacionadas ao trabalho seja reduzido nos casos em que os processos são 100% virtuais, como ocorre com a implementação do processo eletrônico nos juizados especiais federais. Para evitar os desgastes físicos, orientações serão disponibilizadas permanentemente, seja em visitas da Seção Médica, seja por meios informativos, como guias com demonstrações de exercícios de ginástica laboral. LANÇAMENTOS “Justiça Federal - Organização, Competência, Administração e Funcionamento” Vera Lúcia Feil Ponciano - juíza federal da Seção Judiciária do Paraná Editora Juruá A obra analisa os órgãos do Poder Judiciário e respectivas competências; como se organiza a Justiça Federal em primeira e segunda instâncias; causas relativas às competências cível e criminal; tipos de varas federais existentes; a organização e competência do juizados especiais federais, turmas recursais e a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência. Também trata da organização e atribuições das funções essenciais à Justiça Federal: Advocacia, Advocacia-Geralda União, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a Procuradoria-Geral Federal e a Defensoria Pública da União. A administração da Justiça Federal, envolvendo o Conselho da Justiça Federal, tribunais regionais federais e primeira instância são outro tema abordado. Analisa ainda o funcionamento da Justiça Federal e as ferramentas tecnológicas que estão sendo utilizadas na Justiça Federal, incluindo comentários sobre a Lei n. 11.419/2006. Giro pelas Decisões Regras para juízes federais Quintos Correção monetária Entrou em vigor a Resolução n. 1 , de 20/02/2008, do Conselho da Justiça Federal, que regulamenta regras para lotação, atribuições e funções, vitaliciamento, promoção, remoção e trânsito de juízes federais. O ingresso na magistratura não restringe o direito dos juízes federais que exerceram cargo em comissão antes desse ingresso, à incorporação de quintos. Não se trata, neste caso, de concessão de vantagem e sim de manutenção de um direito adquirido. O entendimento, expresso no voto do relator, ministro Gilson Dipp, fundamentou decisão CJF, em sessão do dia 11/02. Os efeitos financeiros desse direito ficam limitados ao dia 30 de março de 2006, data da publicação da Resolução nº 13 do Conselho Nacional de Justiça, que trata do subsídio dos magistrados. Em sessão de 11/02 o CJF decidiu que nos pagamentos de valores com atraso a magistrados e servidores da Justiça Federal e nas reposições e indenizações destes ao erário é devida atualização monetária. Os índices de correção são a UFIR, até outubro de 2000, e o INPC, a partir de novembro de 2000. Na hipótese de reposições e indenizações, a data limite para atualização é 30/06/1994. Os índices só valem para reposições determinadas pela Administração a partir da vigência da MP 2.225-45, de 5/9/2001. Os valores a serem devolvidos em decorrência de decisão judicial devem ser atualizados até a data da reposição. Pensão ou proventos A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região concedeu pedido para que seja garantido a beneficiária de pensão temporária o direito de optar pela pensão ou pelos proventos a que tem direito como servidora pública. Pensionista de servidor público civil, a filha mais velha passou em concurso público e, ao assumir o cargo, teve a pensão cortada. Incidência da Cofins Em julgamento que examinou a possibilidade de incidência da Cofins sobre receitas advindas de contratos de arredamento mercantil, a desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF1, reconheceu em seu voto o direito de a empresa Belgo Siderurgia S/A não ter os valores provenientes desses contratos inseridos na base de cálculo da contribuição. Abono de férias Por decisão da TNU, o empregado não está obrigado a comprovar a necessidade do serviço para obter a restituição do Imposto de Renda incidente sobre as férias indenizadas. Perdimento de bem importado A 7ª Turma do TRF1 decidiu pela pena de perdimento de motocicleta importada dos Estados Unidos, por estar o veículo sem documento idôneo de comprovação da importação. O réu argumentou que o bem deveria ser devolvido, pelo fato de ter sido esgotado o prazo para aplicação da penalidade, que teria se iniciado com o fato gerador, a importação. A relatora, magistrada Anamaria Reys, explicou que o prazo de decadência não retroage à data do fato gerador, por não se tratar de lançamento de tributo, mas sim de aplicação da pena de perdimento. Restituição do IR por precatório O contribuinte com direito a compensar os valores decorrentes de tributos cobrados indevidamente pode escolher entre a compensação e a restituição via precatório. Foi o que decidiu a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TNU) ao julgar incidente de uniformização movido por contribuinte que teve reconhecido o direito de devolução do imposto de renda recolhido a maior no resgate de contribuições de previdência privada. Saldo do FGTS A 5ª Turma do TRF1 concedeu a mãe de paciente direito de utilização do saldo do FGTS para tratamento de enfermidade grave e incurável de sua filha, por caracterizar situação excepcional a justificar o provimento de urgência. Deficiente com pais idosos O presidente da TNU, ministro Gilson Dipp, manteve o acórdão da Turma Recursal do RN que concedeu benefício assistencial a deficiente cujos pais, maiores de 65 anos, já recebem um salário mínimo. A decisão foi proferida com base na interpretação do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, o qual prevê a exclusão de benefício assistencial concedido a outro membro da família idoso no cômputo da renda familiar per capita mensal a que se refere a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Base de cálculo da Cofins A Sétima Turma do TRF1 decidiu admitir a exclusão do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A decisão segue tendência do STF, no julgamento do RE nº 240.785. Com a mudança de entendimento da Sétima Turma, o TRF1 passou a ser o primeiro tribunal federal do país a ter entendimento uniforme quanto à questão. Bloqueio para adquirir medicamento O juiz federal substituto Leonardo Augusto Nunes Coutinho, da Subseção Judiciária de Picos (PI), determinou o bloqueio de valores em contas da União e do Estado do Piauí para custearem solidariamente a compra de medicamentos de alto custo a pessoa carente portadora de moléstia grave - cistite intersticial. A medida foi concretizada pelo sistema Bacen Jud, que permite interação on-line com o Banco Central para a efetivação direta de ordens de bloqueio. Dívida de mutuária inválida Em decisão proferida pela juíza federal substituta Cláudia Brunelli, da Vara Federal do Sistema Financeiro de Habitação de Curitiba (PR), foi reconhecido o direito da mutuária S.M.S. de ter sua dívida imobiliária com a Caixa Econômica Federal quitada pelo pagamento da cobertura securitária existente para os casos de morte e invalidez permanente pela Caixa Seguros S/A. A mutuária foi aposentada por invalidez permanente. 47 Giro pelas Decisões Diploma obtido na Argentina Ex-prefeito condenado A 3ª Turma do TRF4 confirmou que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) deve revalidar o diploma de uma médica formada em Buenos Aires, Argentina. A universidade estava exigindo que a médica fizesse uma prova para obter a revalidação do título, apesar de considerada suficiente a equivalência dos currículos. A juíza da 8ª Vara Federal de Petrolina (PE), Danielle Souza de Andrade e Silva, condenou o ex-prefeito de Lagoa Grande, Jorge Roberto Garziera, a restituir à União o valor de R$ 92.070,00. O dinheiro, desviado e aplicado irregularmente, é referente aos repasses àquele município para o Programa de Combate às Carências Nutricionais (PCCN). Além da condenação, o ex-prefeito também terá que pagar multa de R$ 46.035,00 (correspondente a 50% do valor do dano causado ao erário) e mais R$ 100 mil por danos morais coletivos, a serem revertidos para o Fundo Nacional de Direitos Difusos. Repercussão geral O presidente da TNU, ministro Gilson Dipp, não admitiu recurso extraordinário cuja autora deixou de formular preliminar formal e fundamentada sobre a existência de repercussão geral, conforme exige o artigo 543-A, parágrafo 2º do Código de Processo Civil. Segundo a legislação, repercussão geral é a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Vítima de bala perdida A 8ª Turma Especializada do TRF2, por unanimidade, decidiu manter sentença da 15ª Vara Federal do RJ, que condenou a União Federal a reajustar pensão vitalícia e a pagar indenização por danos morais e estéticos a uma mulher atingida dentro de casa por uma bala perdida. Segundo a vítima, que teve seu pé esquerdo parcialmente amputado, o tiro teria sido disparado pela artilharia do Comando Militar do Leste, que realizava exercícios em local próximo a sua residência. Estilo não resguardado Segundo a Quinta Turma do TRF1, o Direito brasileiro não resguarda a exclusividade de estilo, método ou técnica criada por artista, mas tão-somente sua obra. A Turma reformou sentença que julgou parcialmente procedente pedido de indenização por violação de direito autoral. A autora havia postulado indenização em face da extinta Fundação Roquete Pinto que, sem sua permissão, utilizou o estilo de arte denominado “fragmentismo” em painéis expostos no programa “Sem Censura”. 48 Afastada restrição etária A Sexta Turma do TRF1 manteve segurança concedida a menor, nascido em 5 de novembro de 1999, visando garantir matrícula em concurso para ingresso em Escola Fundamental do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O edital do concurso previa que somente poderiam concorrer às vagas candidatos nascidos entre 1º de julho de 2000 e 30 de junho de 2001. A UFMG explica que o Centro Pedagógico não tem por objetivo o atendimento ao comando constitucional de direito à educação, mas sim formar profissionais para atuar na área educacional. O relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, no entanto, entendeu que a restrição viola diversos princípios constitucionais, dentre eles o da igualdade e o do direito subjetivo ao ensino fundamental e gratuito. MS contra juiz de JEF A TNU admitiu incidente de uniformização interposto contra decisão da Turma Recursal do RS que não conheceu de mandado de segurança impetrado contra juiz federal daquela Seção Judiciária. A TNU anulou a decisão recorrida e determinou a remessa do processo à Turma Recursal para a apreciação do mérito do mandado de segurança. Segundo a decisão, embora o art. 3°, § 1° da Lei n° 10.259/01, que criou os juizados especiais federais, tenha excluído de sua competência as ações de mandado de segurança, não vedou que as turmas recursais as apreciem quando impetradas em razão de decisões proferidas no âmbito dos JEFs e contra as quais não caiba recurso. Net Rio proibida de exigir provedor Uma sentença do juiz da 10a Vara Federal do Rio de Janeiro, Fábio Tenenblat, determinou que a Net Rio não condicione ou imponha a contratação de provedor adicional aos usuários do serviço de banda larga Virtua. Matrícula em duas graduações Não fere o princípio constitucional da universalização do ensino o ato normativo interno de universidade pública que veda a matrícula simultânea de estudante a dois cursos de graduação.Com esse entendimento, o juiz federal substituto Leonardo Augusto Nunes Coutinho, da Subseção Judiciária de Picos (PI), indeferiu liminar a aluna do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Piauí que, aprovada em vestibular, desejava cursar Nutrição concomitantemente àquela graduação. Vítima de golpista A Caixa Econômica Federal (CEF) terá que indenizar um cidadão do Rio de Janeiro em R$ 10 mil, por danos morais, porque seu nome foi incluído no Serasa pelo banco, em razão de ele supostamente ter emitido 15 cheques sem fundos. Mas os cheques, na verdade, foram emitidos por outra pessoa, que se utilizou do número de CPF do autor para abrir uma conta na CEF. A indenização foi garantida por uma decisão da 6ª Turma Especializada do TRF2. Questão de natureza processual O debate acerca da existência ou não de coisa julgada possui natureza processual, não sendo possível a apreciação da matéria pela TNU em sede de incidente de uniformização. Por este motivo, o presidente da Turma, ministro Gilson Dipp, não admitiu incidente movido por autora que teve extinto o processo sem resolução do mérito, no qual pedia a aplicação de correção monetária sobre montante estabelecido em sentença definitiva.