UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DISCIPLINA PRÁTICA DE PESQUISA INTOLERÂNCIA.COM: AS EXTREMAS DIREITAS COLOMBIANA E VENEZUELANA NA INTERNET (2005-2013) SÃO CRISTÓVÃO 2014 2 ANAILZA GUIMARÃES COSTA INTOLERÂNCIA.COM: AS EXTREMAS DIREITAS COLOMBIANA E VENEZUELANA NA INTERNET (2005-2013) Artigo apresentado à disciplina Prática de Pesquisa como requisito parcial à conclusão do curso de História Licenciatura do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de Sergipe. Professor orientador: Dilton Cândido Santos Maynard SÃO CRISTÓVÃO 2014 3 INTOLERÂNCIA.COM: AS EXTREMAS DIREITAS COLOMBIANA E VENEZUELANA NA INTERNET (2005-2013) Anailza Guimarães Costa1 Curso de História Orientador: Dilton Cândido Santos Maynard RESUMO O presente trabalho teve como objetivo investigar a apropriação da internet pela extrema-direita para divulgar suas ideias intolerantes entre os anos de 2005-2013. Para tanto, selecionamos dois sítios sul-americanos: o colombiano Terceira Fuerza: Herencia - Tierra- Comunidad (http://www.tercerafuerzanacion.org/) e blog venezuelano Nacional Grupo Socialista pro liberación de Venezuela (http://nacionalsocialismovenezuela.blogspot.com.br/). Analisamos estes sites através da História Comparada por nos permitir ver como um mesmo problema – a ressurgência de organizações fascistas na América do Sul e as relações desses com a cibercultura – atravessa duas realidades distintas. Os métodos de pesquisa empregados incluíram levantamento, visitação, classificação, catalogação, arquivamento e análise dos sites. O estudo sobre extrema-direita através dos sites selecionados, nos proporcionou ver que o fascismo ressurgiu de forma adaptada, com novos símbolos e discursos que se adequam a realidade de cada país. Além disso, percebemos que estes grupos se apropriam das facilidades que a internet proporciona – anonimato, baixo custo, rapidez – para divulgarem seus ideais intolerantes. PALAVRAS-CHAVE: Neofascismo – Intolerância - Internet Introdução Esta pesquisa resulta da participação como bolsista do projeto “Cibercultura & Intolerância: a Extrema –Direita Sul Americana na Internet (1996-2007)”, financiado pelo PPP/2/ FAPITEC/CNPq. 1 4 O século XX foi marcado por mudanças sociais, políticas e econômicas. Foram, sobretudo, tempos de guerra, genocídios e extremismos. Segundo Silva (2000:01), foram tempos sombrios, no sentido de que as luzes brilhavam de forma intermitente, obscurecidas por períodos de escuridão e sombrio, no sentido de que a luz foi sempre possível, contudo adiada. Neste século, o mundo assistiu aos dois maiores conflitos mundiais, a I (1914-1918) e a II Guerra (1839-1945), assim como a emergência de líderes fascistas na Itália com Benito Mussolini e na Alemanha com Adolf Hitler. Porém, apesar dos horrores provocados pelas práticas das ideias fascistas e de toda repercussão dentro da História, estas ideologias emergiram com força e têm atraído principalmente a jovens. Mas, ao contrário dos primeiros fascistas, estes novos foram educados, tiveram acesso a revistas, filmes, livros, aulas de História e provas concretas dos horrores provocados por esses ideais. A conjuntura mundial hoje é outra, pois, não temos mais uma crise econômica nos moldes de 1929. Mas, o que vemos são indivíduos que repercutem os discursos e até mesmo colocam a violência em prática ao atacarem fisicamente judeus, negros, homossexuais, estrangeiros, etc. Assim, considerando essa emergência de novos grupos fascistas e sobretudo, o significativo uso da internet pela extrema-direita como meio de propagandear suas ideologias, neste artigo analisaremos através do monitoramento e arquivamento das páginas dos sites selecionados, como grupos de extrema-direita sul-americanos se apropriam da internet para expandirem sua atuação no século XXI. Para tanto, selecionamos dois sítios: o colombiano Tercera Fuerza “Herencia - TierraComunedad” (http://www.tercerafuerzanacion.org) e o blog venezuelano Grupo Nacional Socialista pro liberación de Venezuela (http://nacionalsocialismovenezuela.blogspot.com.br/). Através dos dados obtidos na análise desses sites, buscamos perceber o uso que estes grupos fazem das ferramentas que a Web proporciona para difundir seus ideais de intolerância. Assim, este artigo analisa que tipo de relação se constrói entre o espaço virtual e a defesa de ideologias extremistas. Como método, escolhemos o uso da História Comparada por nos possibilitar analisar como um mesmo problema – a ressurgência de organizações fascistas na América do Sul, e as relações desses com a cibercultura – atravessa duas ou mais realidades distintas. Segundo Neyde Theml e Regina Maria Bustamante, “o 5 conhecimento dos fenômenos sociais amplia-se com o diálogo e a comparação dos resultados das pesquisas” (2007, p.2). Conforme Barros, comparar é uma forma de propor e pensar questões. É uma prática que o homem exercita em suas atividades cotidianas, e que surge com maior intensidade quando ele se depara com situações novas. “A comparação nos ajuda a precisamente compreender a partir de bases mais conhecidas e seguras aquilo que nos é apresentado como novo, seja identificando semelhanças ou diferenças” (BARROS, 2007). Tendo essa definição em mente, a comparação nos possibilita fazer analogias, identificar semelhanças e diferenças, perceber as variações entre os movimentos neofascistas na América do Sul, neste caso, da Venezuela e Colômbia. A História Comparada, conforme Marc Bloch, deve ser uma história que problematiza e formula questões (BLOCH, 1963). Um método que nos possibilita enxergar novos problemas e encontrar respostas que talvez de outro modo não conseguíssemos, visto que a comparação obriga o historiador a buscar mais de uma realidade de estudo, o que lhe dá o privilégio de enxergar mais de um problema na pesquisa. Vale ressaltar que Bloch foi um dos principais defensores da abordagem comparada. Ele chegou a fazer uma crítica aos historiadores que se dedicavam exclusivamente à história nacional. Para Bloch, estes mantinham um diálogo de surdos, pois migravam de uma história nacional para outra sem que se ouvissem mutuamente (BLOCH, 1992). Bloch distingue dois tipos fundamentais de comparações possíveis: 1) Aquele que apresenta similaridades entre os fatos observados, ou seja, estudar sociedades separadas no tempo e no espaço por distâncias; 2) Estudar sociedades às vezes vizinhas e contemporâneas, constantemente influenciadas umas pelas outras, submetidas, em seu desenvolvimento, precisamente por suas proximidade e seu sincronismo. Bloch define sua preferência pela segunda opção, pois, para o autor é o mais rico cientificamente (BLOCH, 1963). Deteremos nossas análise usando este segundo tipo de comparação. Escolhemos duas sociedades vizinhas, Venezuela e Colômbia e buscamos compreender como os grupos neofascistas destes dois países utilizam o ciberespaço como um recurso para expandir suas ações no século XXI. Mas, antes de analisarmos comparativamente os sites escolhidos, levando em conta o uso significativo da internet por grupos intolerantes, discorremos sobre as 6 formas que os extremistas têm se aproveitado das ferramentas que a Web proporciona para divulgar suas ideologias. Além disso, faremos uma revisão de literatura, buscando evidenciar trabalhos que trazem uma reflexão sobre o problema da intolerância. Em seguida, dialogaremos com os autores Robert Paxton e Francisco Carlos Teixeira da Silva buscando uma definição para o que seriam fascismos e neofascismos e, por fim, analisaremos comparativamente o site colombiano e o blog venezuelano. A emergência da internet A Internet é fruto da evolução da antiga rede de computadores criada pela ARPA- Advanced Research Projects Agency - em 1969, Arpanet, instituição formada em 1958 pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Essa rede de computadores foi criada para realizar pesquisas com o objetivo de conseguir a superioridade tecnológica, militar e foi uma resposta ao Sputinik, lançado pela União Soviética em 1957, em plena Guerra fria (MAYNARD, 2011:17-18). Porém, a Internet só é viabilizada para fins comerciais nos anos de 1990. Essa emergência se dá em dois mundos: primeiro o cenário bipolarizado da Guerra Fria e depois em um mundo descentralizado que passa por mudanças - queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da União Soviética no ano de 1991- onde o mapa da Europa é remodelado e a política ganha um cenário descentralizado. Entre os motivos que fizeram a Internet se popularizar, estão as evoluções na Interface, ou seja, as transformações contínuas da Internet, desde mudanças no design até a criação de navegadores mais rápidos, trazendo diversificação, interatividade, facilidade e tornando-a acessível e atraente para usuários domésticos, como afirma Pierre Levy: “A diversificação e a simplificação das interfaces, combinadas com os progressos da digitalização, convergem para uma extensão e uma multiplicação dos pontos de entrada no ciberespaço” (LÉVY, 1999, p: 38). Com a ascensão da Internet mais pessoas tem acesso ao ciberespaço. Nele, se expressam modos de pensamento, ideias, valores que se desenvolvem, a chamada cibercultura. Essa facilidade de acesso junto ao interesse crescente fez com que a Internet fosse utilizada, entre outras coisas, também como palco de combates políticos. A rede foi apropriada por partidos políticos, sindicatos, organizações nãogovernamentais que buscam expandir suas ideias, atrair seguidores e simpatizantes para suas causas. 7 Assim, o surgimento da Internet revelou-nos um mundo novo, repleto de possibilidades e facilidades. Podemos afirmar que a partir desse momento, as relações sociais, políticas e econômicas tomaram novos rumos e sofreram significativas mudanças. Segundo Cohen e Rosenzweig (2005) o mundo começou a ser estruturado em torno da web. Políticas governamentais, campanhas publicitárias, economias e atividades culturais passaram a ser pensadas a partir de sua inserção na Internet. A Internet por proporcionar tudo isso, acaba se transformando em palco de ativismo político. Os extremistas aproveitam a rapidez, o anonimato e a economia que este ambiente proporciona para divulgar seus ideais intolerantes. Na web, eles conseguem alcançar um público amplo, divulgam facilmente suas ideologias e praticamente qualquer pessoa que possua um dispositivo tecnológico consegue acessálas. Assim, ao mesmo tempo que a Internet se desenvolve, o mundo presencia o fortalecimento de ideias fascistas que, por volta dos anos 1980/1990, ganharam mais força dentro do espaço político. Dessa forma, na segunda década do século XXI, temos o ressurgimento em muitas sociedades, de ideologias fascistas, que se reestruturaram e se fortaleceram. Mesmo após o fim da Segunda Guerra Mundial, da queda de Hitler e Mussolini e ainda assim, após os constantes esforços significativos empreendidos pela Educação, para que este tipo de ideologia jamais se repetisse, o fascismo ganha nova cara, se modifica e ressurge com fortes influências na política, ganhando cada vez mais espaço. Entre os estudos sobre a emergência de novos grupos fascistas, mostraremos a seguir, alguns trabalhos que fazem uma análise e reflexão sobre o problema da intolerância. Num primeiro bloco, será feita uma revisão sobre os estudos de extremadireita a partir das pesquisas que o Grupo de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal de Sergipe têm feito. Num segundo bloco, veremos leituras que foram essenciais nesta pesquisa e que tratam a ressurgência do fascismo, como o Robert Paxton, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Helena Salem e Antonio Salas. Revisão de Literatura Dentre as produções sobre extremismos de direita, podemos destacar o trabalho de Luyse Moraes Moura (2014), “Nazis no ciberespaço: Brasil, Chile e extremismos de direita no Tempo Presente (2009-2012)”. Nesta pesquisa, a autora investiga o processo de ocupação do ciberespaço por grupos de extrema-direita sul-americanos do Chile e do 8 Brasil entre os anos de 2009 e 2012. Moura analisa o site neofascista chileno Frente Orden Nacional ( http://www.chilens.org/ ) , o site do Movimiento de Acción NacionalSocialista de Chile (http://www.manschile.org/), e o site do Partido Nacional-Socialista Brasileiro 88 (http://www.nacional-socialismo.com/index.htm). A autora mostra como estes grupos, em especial, fazem uso da internet como ferramenta para propagandear seus ideais intolerantes. Conclui que ao estudar sites de grupos neofascistas do Chile e do Brasil, pode-se compreender que o ressurgimento do fascismo se deu forma atualizada, e não como uma repetição exata dos regimes que dominaram a Europa entres as décadas de 1920 e 1940 e que, estes grupos sulamericanos promovem a difusão de um fascismo contemporâneo, com novos uniformes, saudações, símbolos e meios de propaganda. Por sua vez, Pedro Carvalho Oliveira (2013) em “O som da intolerância: a hate music e os fascismos na América do Sul (1990-2010)”, evidencia que a extrema-direita investe fortemente no mercado musical e que a música é uma estratégia para mantê-los unidos. O autor destaca o hate music ou “musica do ódio” como um elemento pertinente para compreender não apenas o ressurgimento dos fascismos num contexto diferente do que foram gerados, mas, também como uma forma de compreender as suas novas faces, seu novo jeito de se comportar e se adaptar ao tempo presente. Assim, seu trabalho tem a preocupação de analisar como que a hate music, têm servido para propagandear o ressurgimento do fascismo sobretudo na América do Sul. Natália Abreu Damasceno (2011) investigou o complexo e expressivo grupo skinhead neonazista Blood and Honour (B&H), fundado em fins de 1980 e que segundo a autora, se auto-intitula como a voz independente do movimento de resistência da extrema-direita. O Blood and Honour, assim como outros grupos de extrema-direita, a partir da comercialização da internet em 1990, se aproveita deste recurso para divulgar seu movimento. Damasceno mostra que através do ciberespaço, eles conseguem atrair jovens por meio de páginas interativas, onde é possível integrar-se à comunidade, conhecer suas músicas, estar informado sobre os shows e eventos organizados pelo movimento. Outra autora que podemos destacar é Karla Karine de Jesus Silva (2011), que analisou em “Extrem@-Direita On_Line: História, Cibercultura e Revisionismo (19962009)”, os sites Radio Islam (EUA, Suécia / http://www.radioislam.org), Nueva Orden (Espanha / Portugal, http://www.nuevorden.net) e Nacional Frente Integralista Brasileira (Brasil, http://www.integralismo.org.br). Silva observou, através destes 9 espaços virtuais, as estratégias argumentativas e a pregação da teoria revisionista, principalmente pelo portal Radio Islan, que contam com textos de vários autores, como Robert Faurisson, um revisionista há mais de quarenta anos e que se tornou um dos negacionistas mais expressivos e atuantes a partir dos anos 1970. Irlan Mark Elias Vieira (2011) em “Intolerância On-Line: História e ExtremaDireita no site Valhalla88.com (1997-2007)”, investigou o site www.valhalla88.com, considerado o maior site neonazista brasileiro, mas que foi retirado do ar pela Polícia Federal brasileira, em agosto de 2007. Segundo o autor, as diferentes páginas do web site apresentavam forte apologia ao racismo e à ideologia nazista e ofereciam farto material propagandístico sobre o Nacional-Socialismo. Neste trabalho, Vieira, assim como os autores já citados nesta análise, mostrou como a extrema-direita utiliza o ciberespaço para divulgar seus ideais de intolerância. Além dos estudos sobre a atuação da extrema-direita em sites na Internet, temos produções cinematográficas que apresentam o problema da intolerância. Paulo Roberto Alves Teles (2014) em “As representações de intolerância e de grupos juvenis no século XXI a partir da produção cinematográfica contemporânea” tomou como estudo os filmes Hooligans (Green Street Hooligans - 2005), de Lexis Alexander, e This is England (2006), de Shane Meadows. Teles questionou o papel do cinema no entendimento das manifestações recentes de intolerância contra minorias (imigrantes, negros, judeus e homossexuais) ocorridas nos anos 2000. Todos estes trabalhos são frutos de pesquisas do Grupo de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal de Sergipe, coordenado pelo professor Dr. Dilton Cândido Santos Maynard. Além dessas obras citadas anteriormente, vale ressaltar também o livro “História, Neofascismos e Intolerância: Reflexões Sobre o Tempo Presente” organizado pelo professor Dilton C. S. Maynard e que foi essencial para esta monografia. Neste livro, são apontadas várias reflexões sobre o uso da Internet pela extrema-direita, o que nos ajudou a pensar este fenômeno amplamente. Entretanto, vale ressaltar que apesar de estarmos avançando, alguns historiadores se mantém distantes quanto ao estudo da Internet e também existe uma carência de pesquisas que tratem da ressurgência fascista e das apropriações feitas por estes da cibercultura. Ainda há espaços que devem ser explorados pelos historiadores. Outras obras também foram essenciais para entendermos o ressurgimento do fascismo, com suas particularidades e tendências dos diversos movimentos neofascistas. Francisco Carlos Teixeira da Silva (2004; 2005) e Robert Paxton (2007) corroboram na 10 ideia de que o fascismo não é um fenômeno puramente histórico, ou seja, aprisionado no passado ou como algo restrito à Alemanha hitlerista. A leitura do fascismo como algo datado e limitado à história de determinadas nações é criticada por estes autores. Paxton e Silva preferem utilizar o termo fascismos ao invés de fascismo, porque consideram que existe variação entre estes movimentos. Helena Salem em “As Tribos do Mal: O Neonazismo do Brasil e no Mundo” (1995)” discutiu a ressurgência do fascismo no mundo e no Brasil. Nesta obra, a autora mostra que este fascismo pode ser adaptado ao país ou local onde ressurge e que o contingente de excluídos diversificou, podendo ser o judeu, o negro, o comunista, nordestino, imigrante e etc. A autora também se dedicou a falar sobre grupos de extrema-direita brasileiros, como os Carecas do Subúrbio e os Carecas do ABC. Já a obra “Dário de um Skinhead”, de Antonio Salas, narra a sua experiência como como um infiltrado em um movimento skinhead neonazista no período de um ano. A investigação permitiu ao jornalista observar como grupos neonazis utilizam a música e a Internet, como veículos de propagação de seus ideais. O autor da obra também constatou, durante sua experiência, a vinculação existente entre grupos neonazistas, partidos políticos e clubes de futebol. Além disso, teve a oportunidade de entrevistar ideólogos de movimentos de extrema-direita, políticos e filósofos que exercem uma poderosa influência sobre os jovens nazistas. Os fascismos e a sua ressurgência O fascismo enquanto movimento político nasceu oficialmente em Milão em 23 de março de 1919, num discurso de Mussolini na sala de reuniões da Aliança Industrial e Comercial de Milão. Porém, a palavra fascismo já tinha sido apropriada anteriormente, desde antes de 1914 e, só ao fim da Primeira Guerra Mundial o termo foi cunhado por Mussolini2. Portanto, esse regime acabou dando seus primeiros passos na Itália, com Benito Mussolini e, só anos mais tarde surgiu um outro partido fascista na Alemanha, o Partido Nazista (PAXTON, 2007). Muitos autores preferem utilizar o termo no plural, fascismos, considerando que dele existiu uma grande variedade, não só o alemão e italiano. Segundo Francisco 2 O termo fascismo deriva de uma antiga expressão italiana, fascio, que denominava o feixe de varas carregado pelo litores na antiga Roma e com os quais se lhe aplicava a justiça (SILVA, 2005:112). 11 Carlos Teixeira da Silva, fascismo ou fascismos é o “conjunto de movimentos e regimes de extrema direita que dominou um grande número de países europeus desde o início dos anos 20 até 1945”. Ainda segundo este autor, a palavra fascismo tornou-se uma denominação genérica por causa da primazia cronológica do regime italiano e também porque este movimento serviu de modelo para a maioria dos regimes de extrema-direita que surgiu depois (SILVA, 2005:112). Considerando que existem vários fascismos, uma definição exata do que seria, torna-se difícil. Cada um desses movimentos possui suas particularidades. No entanto, todos eles tem aquilo que Robert Paxton chama de “paixões mobilizadoras”, ou seja, características gerais que nos levam a identificar esse fascismo, como por exemplo: um senso de crise catastrófica, além do alcance das soluções tradicionais; a primazia de um grupo, no qual têm deveres superiores a qualquer direito e subordinação do indivíduo a esses deveres; a crença de que o próprio grupo é vítima, o que justifica qualquer ação violenta contra seus inimigos (PAXTON, 2007:358-360). Dentro dessas características, podemos destacar a falta da alteridade social e a frieza perante o outro. A falta de amor foi o que permitiu os horrores praticados, como o holocausto, o assassinato de gays, homossexuais, ciganos, comunistas, entre outras minorias. Conforme Francisco Carlos Teixeira da Silva, No fascismo não há espaço para o outro, mesmo o outro hierarquizado e subordinado, tampouco para sua educação e conversão num homem novo, como o comprova o extermínio de judeus e gays. Uma idéia força, raça ou nação, torna-se o único valor moral em torno do qual ergue-se um poderoso código de ação. Assim, armado com um sistema ideológico e mental adequado, o fascismo identifica em si mesmo valores absolutos e qualquer diferença tornar-se-á objeto de eliminação violenta (SILVA, 2005:149). Havia uma crença que o fascismo tinha acabado com o fim da Segunda Guerra Mundial. Os horrores apresentados após a derrota da Alemanha e Itália, juntamente com as novas condições do mundo moderno, fizeram muitos estudiosos acharem que esse fascismo não mais voltaria a existir. Principalmente os autores que fizeram uma análise historicista, ou seja, que ligaram a existência do fascismo apenas aos acontecimentos específicos da História, como o tratado de Versalhes ou a crises econômicas, afirmavam que este fascismo havia terminado com a queda de Mussolini e Hitler. No entanto, 12 sobretudo a partir das décadas de 1990, o fim desse regime foi posto em dúvida quando uma série de acontecimentos3 começou a preocupar. As condições para esse ressurgimento existem até os dias de hoje, como, a radicalização do individualismo, a crise dos projetos sociais coletivos, das utopias, o fim dos anteparos sociais representados pelas garantias do Estado (SILVA, 2004). Porém, esse fascismo não é mais o mesmo da Segunda Guerra Mundial. Ele se adaptou as condições do mundo moderno, sendo um renascimento atualizado que se adequa a cada realidade nacional e não como uma repetição exata. Esse renascimento – também chamado por alguns autores como neofascismo e neonazismo - apesar da Europa ter tido as condições mais propícias, surgiu também fora dela, principalmente nos territórios colonizados por europeus. Segundo Paxton (2007: 312-321), a América Latina, entre 1930 e inícios da década de 1950, chegou mais perto que qualquer outro continente que não a Europa do estabelecimento de algo próximo a regimes fascistas. Como exemplo, o autor cita o governo de Getúlio Vargas no Brasil com o regime do Estado Novo4, a Ação Integralista Brasileira (AIB)5, fundada por Plínio Salgado e o governo de Juan Péron6 na Argentina que tomou o poder em 1943. Ao mesmo tempo que temos a ressurgência dos fascismos, sobretudo a partir das décadas de 1990, a internet explode para usuários domésticos. Diferentes organizações de extrema-direita passaram a utilizar a web para atrair novos adeptos. Na Internet eles 3 Limpeza étnica dos Balcãs; a exacerbação dos nacionalismos excludentes do Leste Europeu pós-comunista; a disseminação da violência dos skinheads contra os imigrantes em vários países europeus; a primeira participação de um partido neofascista num governo europeu; a chegada do líder de extrema-direita Jean-Marie Le Pen em segundo lugar nas eleições presidenciais na França em 2002 (PAXTON, 2007). 4 Foi um período em que Getúlio Vargas governou o Brasil de forma autoritária dos anos 19371945. Caracterizado pela centralização do poder, nacionalismo e anticomunismo. Porém, Vargas não governou por meio de um partido fascista (PAXTON, 2007). 5 Também conhecidos como Camisas Verdes, fundada em 7 de outubro de 1932 por Plínio Salgado e colocada na ilegalidade durante o Estado Novo. Alguns autores, como Robert Paxton (2007), afirmam que foi a coisa mais próxima do fascismo. Eles conseguiram mesclar itens brasileiros, como a da cultura indígena com aspectos fascistas: nacionalismo extremado, protecionismo, antissemitismo, ditadura. Até hoje existem adeptos do Integralismo, como o movimento Nacional Frente Integralista Brasileira (PAXTON, 2007). 6 Juan Domingo Péron governou a Argentina de 1846-1955 e de 1973-1974. A ditatura de Péron foi o regime externo à Europa que mais foi chamado de fascista. Ele adotou uma economia corporativista, uma imprensa controlada, um único partido (peronista), uma polícia repressiva, uma violência periódica contra a esquerda (PAXTON, 2007). 13 conseguem divulgar facilmente seus ideais de maneira rápida, segura - por promover o anonimato - econômica e alcançam um público amplo. Dentre as características destes novos fascistas, estão a desconfiança perante o outro, a violência e a agressividade como uma forma de linguagem, a recusa da alteridade social e um nacionalismo extremado. A falta de amor e a frieza permanecem como elementos centrais. Mas, outras características foram acrescentadas, como novos símbolos, uniformes, novos meios de propaganda, além de um leque maior de “inimigos”. Como diz Helena Salem, esse leque cresceu e diversificou: Aos judeus somaram-se os turcos, os árabes, os africanos e toda a mão-de-obra barata procedente do Terceiro Mundo que buscou a rica Europa e os Estados Unidos como mercado de trabalho nas últimas décadas. No Brasil, os preconceitos dos neonazistas e neofascistas foram adaptados a realidade local: em vez de turcos, o alvo são nordestinos – mão-de-obra miserável que migram em massa para o Sul do país -, incluindo negros, homossexuais, além dos judeus (SALEM, 1995). Dessa forma, hoje o “inimigo” pode ser também o homossexual, o negro, o nordestino, o africano, dentre outros. Na verdade, o fascismo acabou ganhando novas formas e se adaptou à realidade do país. Como diz Paxton, “Cada cultura especifica seu próprio inimigo nacional” (2007:72). Assim, através de uma propaganda atraente, que veicula ideias de progresso, de superioridade racial e de combate aos “inimigos”, esses grupos expandem seu espaço de atuação, atraindo pessoas do mundo inteiro. Como exemplos desses novos grupos e dessas novas formas de atuar e divulgar suas ideologias, destacaremos dois sites de movimentos de extrema-direita: o Tercera Fuerza Herencia, Tierra, Comunidad (http://www.tercerafuerzanacion.org), e o Grupo Nacional Socialista pro liberación de Venezuela (http://nacionalsocialismovenezuela.blogspot.com.br/). Porém, antes veremos alguns aspectos gerais sobre as pátrias destes grupos que nos ajudarão a conhecer um pouco dos dois países e a perceber as variações dos movimentos. Assim, abordaremos algumas informações sobre a história, a sociedade e a política de ambos os países. Colômbia e Venezuela: aspectos gerais 14 Começaremos pela Venezuela, que possui uma população de 27.657 milhões de pessoas, sendo que 93,4% desse total vive nas cidades. O desemprego do país gira em torno de 8,8% da População Economicamente Ativa (PEA) e há três países em torno de sua fronteira: Colômbia, Brasil e Guiana. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,844 e 95% da população é alfabetizada. Economicamente o país se destaca na produção de petróleo, sendo que praticamente toda a economia venezuelana está atrelada ao ouro negro. Não há como falar da Venezuela no tempo presente sem lembrar do chavismo, época que ficou conhecida pelo governo de Hugo Chávez, que assumiu a primeira presidência em 1999 com 56% dos votos e ficou até o ano de 2012. Durante seu governo, seu discurso esteve atrelado à busca de um maior equilíbrio internacional e na promoção de uma integração regional mais abrangente, tendo suas ações voltadas para a defesa dos direitos humanos e de combate à desigualdade e a exclusão social. Conforme Rafael Araújo, Os 14 anos de chavismo se fundamentaram na presença de executivo forte e centralizador. Não houve decisão política ou econômica realizada no país sem a anuência de Hugo Chávez. Sua gestão também foi marcada por forte intervenção estatal na economia. Ao longo de sua presidência ocorreram nacionalizações de cinco companhias siderúrgicas, empresas de comunicação e eletricidade, da faixa petrolífera do Orinoco (maior reserva de petróleo da Venezuela), cimenteiras, bancos (como o Banco da Venezuela pertencente ao espanhol Banco Santander), redes de supermercado e a indústria petroleira (ARAÚJO, 2013: 03). Isso tudo fazia parte daquilo que Chávez pregou como a “revolução bolivariana”, utilizando-se do “Bolívar revolucionário” para legitimar o “socialismo bolivariano chavista” ou também chamado de “Socialismo do século XXI”. Segundo Francisco das Chagas Leite Filho (2012), consiste na nacionalização dos setores estratégicos, começando pelo petróleo (que antes da ascensão de Chávez estava quase terceirizado) depois a eletricidade, a telefonia e o setor alimentar. Porém, este Socialismo pregado pelo ex-presidente venezuelano não abolia a propriedade privada e nem pendia para a ditatura de classes. Além desses aspectos já citado por Rafael Araújo sobre as características do governo chavista, os anos de Hugo Chávez na presidência ficaram marcados por uma 15 retórica clara anti-Estados Unidos, o que acabou dando a Chávez notoriedade mundial, transformando o presidente venezuelano em uma das figuras políticas mais comentadas do cenário internacional. Vale ressaltar que, muitos países temiam uma maior aproximação com a Venezuela, tendo em vista a relação instável que Hugo Chávez manteve com os Estados Unidos. Apesar de polêmico e das acusações de ditador, Chávez manteve durante seus anos de governo grande popularidade, comprovada na grande comoção popular quando se deu a notícia de seu falecimento em 2013. Os dados mostraram que Hugo Chávez fez uma mudança social na Venezuela, com melhorias na taxa de desemprego, no crescimento econômico do país, na saúde e na educação7, através de programas sociais gratuitos, chamadas de Missões Bolivarianas. Atualmente, quem governa a Venezuela é Nicolas Maduro, que foi indicado pelo próprio Hugo Chávez. A Colômbia faz fronteira a leste com a Venezuela e Brasil, e ao sul com o Equador e Peru. Tem uma população de mais de 45 milhões de habitantes, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,719 (2012) e possui 90,5% da população alfabetizada, sendo que 85% da população vive em áreas urbanas. Na Colômbia, o governo enfrenta há anos o combate as guerrilhas como as FARC – Forças Revolucionárias da Colômbia - e os ELN – Exército de Libertação Nacional e também contra o tráfico de drogas, especialmente a cocaína, porém, sem muito sucesso. Durante o governo de Avaro Uribe (2002-2010), foi adotada uma política de enfrentamento e tolerância zero com as guerrilhas, que infringiu sérias perdas às FARC e os ELN e até mesmo chegou-se a pensar que as guerrilhas haviam sido derrotadas. Porém, já no governo do sucessor de Uribe, Juan Manuel Santos, as guerrilhas voltaram a mostrar força. Essas guerrilhas surgiram como resultado de sangrentos conflitos entre trabalhadores e pequenos proprietários contra setores da oligarquia que já se desenvolviam desde 1946. Porém, a FARC só surgiu em 1962 e os ELN em 1964. Inicialmente o governo os percebeu como grupos isolados, sem organização. Porém, depois seu poder de organicidade foi notado pelas ações violentas e cada vez mais 7 Em 28 de outubro de 2005 a Venezuela foi declarada pela Unesco território livre de analfabetismo. A educação na Venezuela é gratuita e obrigatória entre os 6 e 20 anos de idade e o estado assegura gratuidade do ensino maternal, básico, secundário, especial e universitário. É considerada por várias organizações internacionais como um dos países com maior número de matrícula universitária e qualidade nos outros níveis de ensino (FILHO, 2012:201-205). 16 ousadas de sequestros de políticos e grandes proprietários, assaltos a bancos e ocupações de cidades (FILHO, 2012:192). Se tratando da relação Colômbia e Venezuela, embora dividam as fronteiras, os dois possuem políticas diferentes e já entraram diversas vezes em conflitos, principalmente durante parte do governo de Hugo Chávez (1999-2012) na Venezuela e de Álvaro Uribe Vélez (2002-2010) na Colômbia. Os dois países mantiveram relações atribuladas por conta de posições político ideológicas bem distintas de seus governos. A começar pela estreita relação que a Colômbia mantinha com o governo dos Estados Unidos, enquanto que a Venezuela tinha uma política externa distinta, se distanciando do governo norte-americano, que empunhava severas críticas ao governo chavista. Políticas tão diferentes que fizeram com que Hugo Chávez cortasse relações com o governo de Álvaro Uribe em 2010, chegando até mesmo a cogitar um enfrentamento armado. Uma das questões mais delicadas foi o tratamento dado às FARC. As tentativas de Chávez de tentar intermediar entre os militares e as FARC gerou desconfiança por parte de Avaro Uribe que acusava o presidente venezuelano de dar cobertura à guerrilha. No entanto, o governo venezuelano continuou nas negociações por meio de intermediações, como a que aconteceu em julho de 2008, quando Chávez assumiu um papel crucial nas negociações para a libertação da ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, sequestrada em 2002. Mas, mesmo assim as relações entre os dois países continuaram difíceis e Chávez continuou sendo acusado por Uribe de ajudar as guerrilhas colombianas. Só com a chegada de Juan Manuel Santos à presidência da Colômbia que houve diminuição dessas tensões. Em pouco tempo, Santos restabeleceu as relações com a Venezuela e restaurou o diálogo e a colaboração entre os dois países. Esse panorama geral é essencial porque nos proporciona o entendimento da história e política dos países em que o movimento de extrema-direita se encontra, neste caso Venezuela e Colômbia, além de nos auxiliar no entendimento das ligações que estes sítios fazem com a história e a atual política de seus países. Adiante, na análise comparativa que faremos dos dois sítios, perceberemos que eles se colocam como uma alternativa política para solucionar os problemas econômicos e sociais de seus respectivos países diante de governos que eles criticam ferozmente, através de notícias e textos tendenciosos, que revelam o seu verdadeiro apreço pelas ideologias fascistas. 17 Site Tercera Fuerza e blog Nacional Socialista em perspectiva comprada Figura 1: Primeira página do site Tercera Fuerza (Fonte: http://www.tercerafuerzanacion.org/index_1.html, acesso: 02/04/2013) Da Colômbia, selecionamos o site Tercera Fuerza (http://www.tercerafuerzanacion.org), uma organização neofascista que possui grande respaldo entre os grupos skinheads locais adeptos desta ideologia e políticos de tendências de extrema-direita no país. Nascida em 2005, pertencente a um grupo homônimo, que tem como lema “Herencia, Tierra, Comunedad” e também chamada pelos criadores como “asociación cultural y centro de estudios sócios-politicos”. Segundo a própria descrição, em seu site, é a continuação de um projeto que nasceu na cidade colombiana de Pereira e que permaneceu adormecido por anos, graças ao regresso de seus idealizadores à Espanha, país considerado por eles como à “mãe da Colômbia”. Eles têm como princípio restabelecer o espírito nacional-socialista na Colômbia e um de seus principais objetivos é a preservação da herança hispânica. Eles definem da seguinte maneira seu movimento: 18 Comunidade militante de ideias de um setor juvenil, nem esquerda, nem direita (...) Tercera Fuerza liderada por jovens Nacional Socialistas, uma organização composta por homens e mulheres de diferentes idades e condições sociais, comprometidos com seu dever histórico e um sonho real de coesão e de pátria8 (TERCERA FUERZA, 2005). Como o próprio site descreveu, o Tercera Fuerza - assim como em outros grupos de extrema-direita - é um movimento composto em sua maioria por jovens. Isso se deve ao fato de que a maioria desses estão ávidos para fazerem parte de algo. A pouca idade também significa um período de formação do indivíduo, um momento de absorção que precisa de modelos e que sente a necessidade de fazer parte de uma comunidade que partilhe de interesses em comum. Esses grupos neonazis acabam satisfazendo a muitos destes jovens, que veem uma maneira de interagir politicamente com a sociedade e até mesmo de despejar seus desejos e anseios. Ainda segundo o movimento, dentre as formas de ser formam um novo homem do século XXI estão a firme disciplina, onde se deve obedecer à ordem das autoridades sem discussão, o espírito comunitário, o desprezo pelo dinheiro, não devendo haver discussões entre os seus membros sobre questões econômicas e, ainda precisam ter um espírito desportivo, sempre se preocupando com a forma física. Segundo o sítio, também é necessário que se preocupem com a formação cultural, lendo livros, se interessando pelas artes e por fim, uma ética de luta, onde eles defendem que a violência terá sentido quando o movimento for atacado injustamente. Logo percebemos que se trata de um movimento bem organizado com um site sofisticado e com muitas imagens que nos remetem ao nazismo de Adolf Hitler. Seu principal símbolo é uma águia e uma bandeira vermelha, lembrando a bandeira do Partido Nazista. Na primeira página, temos espaços para propaganda de eventos organizados pelo movimento, fotos de reuniões e vários textos divididos da seguinte forma: “Arte y Cultura”, “Biografias”, “Doctrina y Fundamentos”, “Esoterismo y 8 Comunidade militante de ideias de un sector juvenil, ni izquierda, ni derecha (...) Tercera Fuerza impulsada por los jovens Nacional Socialistas, una organización compuesta por hombres y mujeres de diferentes edades y condiciones sociales, comprometidos con su deber histórico y un sueño real de cohesión y de pátria (TERCERA FUERZA, 2005). 19 Paganismo”, “Historia”, “Libros e Archivos”, “Mujer Nacional Socialista”, “Naturaleza”, “Reza” e por último textos sobre o “Revisionismo”. Algo que chama atenção no sítio é a declaração baseado na lei da Colômbia e na declaração dos direitos humanos presentes na primeira página e em qualquer texto disponível no sítio. Lá encontramos o seguinte: “O centro de estudos sócio-políticos tercera fuerza se ampara no artigo 20 da constituição política da Colômbia e no artigo 19 da declaração universal dos direitos humanos”. Sobre os textos, destacamos os da categoria “Revisionismo”, onde encontramos várias acusações contra os judeus. Eles os colocam como grupos que tem organizações e clubes que mantém uma política constante de agressão à identidade e cultura ariana. Invertem a situação, ou seja, para o movimento, as vítimas foram os nazistas e os judeus são causadores de calúnias. Eles dizem que fazem análises da História e colocam argumentos que desmentiriam a versão de que houve a morte de 6 milhões de judeus nos campos de concentração. Tudo isso com base na defesa de que na História, nenhuma verdade é absoluta. Além de serem antissemitas, apesar de negarem, são extremamente nacionalistas, se consideram como o sangue puro por serem de herança hispânica. Além dos textos, no site também estão dispostas fotos de vários eventos que o movimento cria para seus participantes, alguns em comemoração ao aniversário de Adolf Hitler ou em homenagem a algum integrante do movimento que foi preso ou morto. Também é possível encontrar fotos do grupo em shows com bandeiras com a suástica, imagens de membros em acampamentos e treinamentos com uniformes militares fazendo alusão ao exército do III Reich. A seguir seguem alguns exemplos dessas fotos disponíveis no site: Figura 2: Treinamentos militares do Tercera Fuerza (Fonte: http://www.tercerafuerzanacion.org/galeria.html, acesso em: 07/07/2013) 20 Figura 3: Um dos eventos do Tercera Fuerza, membros fazendo a saudação nazista, com uniformes militares e símbolos neonazis (fonte:http://www.tercerafuerzanacion.org/galeria.html, acesso 08/07/2013) Em relação aos eventos, são muitos aqueles que o movimento organiza. Pelo acompanhamento no site, é possível ver que os cartazes com as propagandas desses shows estão sempre sendo atualizados. Alguns deles nos chamaram mais atenção, como o do dia de 12 de outubro, chamado de o “Dia de la raza”, quando a organização comemora com muita festa a data que simboliza a chegada de Cristovão Colombo à América. Entretanto, estes jovens vão mais além. Eles se reúnem para reverenciar a chegada do homem branco ao continente americano. Sentem-se orgulhosos de serem descendentes hispânicos. Conforme diz Pedro Carvalho, “para os jovens o 12 de outubro celebrava o processo civilizador europeu, a herança branca trazida por seus viajantes e desbravadores, o sangue puro do Velho Continente” (CARVALHO, 2013). Dessa maneira, percebemos que é forte no movimento a presença do hate music, ou música do ódio. Trata-se de um ritmo acelerado, violento, que se completa com letras intolerantes e de apologia aos fascismos, com bandas compostas por skinheads alinhados à extrema-direita que unem o pensamento fascista a um estilo de rock concebido para esta proposta. Uma das bandas que estão constantemente presentes nos eventos organizados pelo Tercera Fuerza é a Quinta Coluna, banda originária da capital colombiana Bogotá. No próprio site da organização neonazi é possível ouvir músicas do hate music através de sua rádio emissora (CARVALHO, 2013). Vale ressaltar que assim como em outros grupos, os integrantes do Tercera Fuerza possuem uma indumentária própria, com botas militares, cadarços brancos, tatuagens com símbolos neonazis do movimento espalhadas pelo corpo, se preocupam 21 com a formação física e geralmente possuem a cabeça raspada, como ocorre com outros Skinheads. Figura 2: Página do blog Nacional Socialista (Fonte: http://nacionalsocialismovenezuela.blogspot.com.br/, acesso em: 07/07/2013) Da Venezuela, o internauta pode encontrar o blog intitulado Grupo Nacional Socialista pro Liberación de Venezuela (http://nacionalsocialismovenezuela.blogspot.com.br/). É um grupo fundado em agosto de 2006, que diz que tem como intuito divulgar o nacional-socialismo e que o blog é um meio para propagandearem suas ideias. Também se afirmam claramente como anticomunistas, antiliberais, nacionalistas e que são “uma alternativa política que convoca e é dirigida a todos os venezuelanos”. No blog encontramos textos que fazem críticas à “Revolução Bolivariana” proposta pelo ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez e aos regimes de esquerda. Nesses mesmo textos, eles colocam os valores nazistas como a solução para problemas 22 do mundo de hoje, como observamos nesse trecho que descreve bem a ideologia do movimento: Os valores NS são muito bons um deles é o valor da família: valor que se tem perdido totalmente hoje em dia .. e não é só esse, também se tem perdido o valor de amar a sua pátria, coisa que é importante porque, se não ama à sua pátria a quem amará? (...) A honestidade, valor importante no NS, valor que agora está perdido totalmente, um nacional-socialista sempre enfrenta com valentia os acontecimentos, a desonestidade é uma característica marcante do inimigo, que tem falsificado a concepção da vida humana, passada e presente, o nacional-socialismo representa a verdade na vida; em sua forma mais pura (GRUPO NACIONAL SOCIALISTA, 2006)9. Navegando nesse site, o internauta também vê a descrição de um Adolf Hitler como “um grande homem valoroso e sábio, um homem como poucos hoje em dia” e a comemoração do aniversário de figuras nazistas como Rudolf Hess descrito como “O grande Rudolf Hess”. Tudo que Hitler e seus apoiadores fizeram durante a Segunda Guerra desaparece e tudo que resta para eles são os valores ditos como honestos, de amor à pátria e de bons gestores. Para o movimento, Adolf Hitler, Rudolf Hess, Joseph Goebbels10 entre outros, foram homens bons e exemplos a serem seguidos. Em termos de estrutura física do site, não há grandes recursos, como o Tercera Fuerza, até por ser constituir num blog. Porém, é rico em textos tendenciosos que distorcem a verdade dos fatos e que se apoiam no uso do direito à liberdade de expressão para defenderem suas ideias intolerantes. Além dos textos, também é possível encontrar links de outros sites que comportam a ideologia extremista e intolerante, 9 Los valores NS son muy buenos uno de ellos es el valor de la familia: valor que se ha perdido totalmente hoy en dia .. y no solo eso, tambien se ha perdido el valor de amar a tu patria, cosa que es importante por que, si no amas a tu patria a quien amaras? (...) La honestidad, valor importante en NS, valor que ahora esta perdido totalmente, un nacional-socialista siempre comfrota con valentia los hechos, la deshonestidad es un distintivo del enemigo, el cual ha falsificado la conceocion de la vida humana, pasada y presente, el nacional-socialismo representa la verdad en la vida; en su forma mas pura (GRUPO NACIONAL SOCIALISTA, 2006). 10 Foi um político alemão e Ministro da Propaganda do Reich na Alemanha Nazista de 1933 a 1945. Um dos principais associados, e grande seguidor, de Adolf Hitler, ficou conhecido pelos seus discursos públicos e pelo violento antissemitismo, que o levaram a apoiar o extermínio dos judeus e a ser um dos mentores da Solução Final. 23 como por exemplo, o “Tercera Fuerza”, já analisado aqui, o “Metapedia” e o “Nueva Orden”, entre outros. Ainda que os dois grupos selecionados para o estudo estejam situados em países com histórias diferentes, políticas dessemelhantes, possuem muitas características e ideias similares. Nos dois, os grupos justificam a divulgação de suas ideias no direito de liberdade de expressão, se auto-afirmam como nem da esquerda e nem da direita e se colocam como uma nova alternativa para estabelecer a igualdade, justiça e dignidade. Comparando com o Tercera Fuerza, o Nacional Socialista da Venezuela, até mesmo por se constituir em um blog, é mais simples, sem tantos recursos e imagens quanto o sítio colombiano. Porém, nos dois sites, vemos uma ideologia inspirada no fascismo que prepondera em todos os conteúdos dos textos. Em ambos, há a preocupação de mostrar um Hitler “amoroso”, há tentativas de justificar as ações dos nazistas durante a II Guerra Mundial, principalmente em relação ao holocausto e é forte a presença de textos revisionistas, onde se nega que morreram 6 milhões de judeus nos campos de concentração. Dentre os muitos textos, aqueles que colocam a culpa nos judeus para os problemas que afetaram a Alemanha durante os anos de guerra ganharam mais espaço. Outro aspecto que se repetiu nos dois sítios, é a defesa de um nacional-socialismo, que Moyano define da seguinte forma as características: Se identificam com os postulados clássicos do nacional socialismo e sua simbologia. Herdeiros do espírito do III Reich, não renunciam a sua parafernália e anunciam sem reservas a bandeira da suástica, as SS y a estátua de Hitler (...) Elaboram um discurso ideologicamente muito elaborado capaz de conectar com as distintas classes sociais. Sua dinâmica responde a uma estratégia de expansão propagandística – difusão de literatura, negação do holocausto (MOYANO, 2004:42).11 Nos dois, além de haver a xenofobia, o racismo, o antissemitismo, também se manifestam contrários aos imperialismo imposto por países da União Europeia e principalmente dos Estados Unidos, valorizando sua identidade nacional São adeptos 11 Se identifican com los postulados clássicos del nacionalsocialismo y su simbologia. Herederos del espíritu del III Reich, no renuncian a su parafernália y abanderan sin reservas los estandartes de la svástica, las SS y la efige de Hitler (...) Enarbolan un discurso ideologicamente muy elaborado capaz de conectar com as distintas clases sociales. Su dinâmica responde a uma estratégia de expasión propagandística – difusión de literatura, negación del holocausto (MOYANO, 2004:42). 24 desse Nacional Socialismo, entretanto, ele é adaptado à realidade de cada país e de cada movimento. Considerações Finais Ao estudarmos a ressurgência dos fascismos através de sites na internet, concluímos que isso se deu de forma adaptada, atualizada e não como uma repetição do que ocorreu nas décadas de 1920 e 1940. Hoje, esses fascismos se adequam ao local onde ressurgem. Os símbolos, uniformes, músicas e discursos foram adaptados e, como vimos, o leque de inimigos ampliou, podendo ser o negro, o judeu, o homossexual, o nordestino, cigano, entre outras minorias. Entretanto, a essência do fascismo - a falta de amor ao próximo e a frieza - permanecem como elementos centrais. Nessa pesquisa, percebemos que a extrema-direita se apropria do ciberespaço para divulgar seus ideais de ódio ao outro que não se encaixa em seus padrões de raça e sociedade. Assim como no passado, os fascistas utilizavam dos meios mais modernos disponíveis para propagandear suas ideologias, hoje os neofascistas fazem uso das facilidades que a internet proporciona – rapidez, acessibilidade, baixo custo, anonimato - para ganharem cada vez mais adeptos. Em ambos os sites, através da História Comparada, vimos semelhanças e diferenças nesses movimentos de extrema-direita. O colombiano Tercera Fuerza é mais ativo, promove principalmente na capital colombiana Bogotá, eventos com grande número de participantes, passeatas nas ruas onde divulgam seus ideais, inclusive deixando símbolos e frases fascistas pintados pelas cidades. Percebemos que o site do movimento Tercera Fuerza é uma comunidade muito organizada, atualizada com as notícias de seu país e vemos que eles investem fortemente na propaganda de seus ideais, com músicas, cartazes e redes sociais. Já o movimento venezuelano é menos ativo e, ao contrário do colombiano, não é um sítio que está sempre sendo atualizado com notícias referentes a Venezuela, tanto que sua última publicação, até o momento de encerramento deste texto 29/07/2014, data de 07 de setembro de 2013. Nosso método escolhido, a História Comparada, por fazer o historiador sair do seu conforto e analisar mais de uma sociedade, nos permitiu conhecer alguns aspectos ligados às realidades política e social da Venezuela e Colômbia e, isso oportunizou observar que mesmo existindo diferenças - por ser dois países com histórias e culturas 25 distintas – a capacidade de adaptação dessas ideologias fascistas é muito ampla. Esses movimentos conseguem absorver os problemas de seus países, das suas sociedades e transformam isso num discurso elaborado, colocando as ideias de Hitler, Mussolini como uma alternativa e solução para seus problemas. Portanto, o estudo comparativo desses movimentos nos mostrou diferenças que vão desde estrutura dos sites até a própria movimentação dos grupos em seus respectivos países. Entretanto, notamos também muitas similaridades que demonstram que esse neofascismo, apesar de atravessar duas realidades distintas, na sua essência continua um só: intolerante, frio e visceral. Assim, fica evidente que o fascismo não terminou com o fim da II Guerra Mundial, que ainda hoje existem adeptos que divulgam com força esta ideologia. Referências: BARROS, José D’ Assunção. História Comparada – Um novo modo de ver e fazer história – volume 1, número 1, 2007. BLOCH, Marc. Por una historia comparada de las sociedades europeas. In: GODOY, Gigi; HOURCADE, Eduardo. Marc Bloch: una historia viva. Estudio preliminar y seleccion de textos. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1992. CARVALHO, Pedro. O som da intolerância: a hate music e os fascismos da América do Sul (1990-2010). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2013. CHAUVEAU, Agnès, Tétart, Philippe. Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999. p.7-38. COHEN, Dan; ROSENZWEIG, Roy. Promises and Perils of Digital History. In: Digital History: a guide to gathering, preserving and presenting the past on the Web. CASTELLS, Manuel. A Galáxia Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Trad. Maria Luiza X. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. DAMASCENO, Nathália Abreu. Sobre corações e mentes: o movimento Blood and Honour e o ativismo neonazista. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2011. FILHO, LEITE. Quem tem medo de Hugo Chávez? América Latina: integração pra valer. São Paulo: Aquariana, 2012. 26 GEARY, Dick. Hitler e o Nazismo. Tradução de Alexandre Kappaun. São Paulo: Paz e Terra, 2010. HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). 2 ed. Trad.Maria Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. KOCKA, Jürgen. Comparison and beyond. History and Theory, Fevereiro. 2003. Tradução: Maria Elisa da Cunha Bustamante. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carolos Irineu da Costa. São Paulo, Editora 34, 1999. MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Escritos sobre história e internet. Rio de Janeiro: Fapitec/Multifoco, 2011. _____________________________ (Org.). História, Neofascismos e Intolerância: Reflexões sobre o Tempo Presente. São Cristóvão/Rio de Janeiro: EDUFS/Multifoco (Luminárias), 2012. MOYANO, Antonio Luis. Neonazis: La seducción de la svástica. Madrid: Ediciones Nowtilus, 2004. PAXTON, Robert. A anatomia do Fascismo. Trad. Patrícia Zimbres e Paula Zimbres. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. SALAS, Antonio. Diário de Um Skinhead: Um Infiltrado no Movimento Neonazista. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora Planeta, 2006. SALEM, Helena. As Tribos do Mal: O Neonazismo no Brasil e no Mundo. São Paulo: Atual Editora, 1995. SILVA, Karla Karine de Jesus. Extrem@-Direita On_Line: História, Cibercultura e Revisionismo (1996-2009). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2011. TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. O século XX: entre luzes e sombras. In: TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. O século sombrio: uma história geral do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. ________ Os Fascismos. In: FILHO R. A Daniel; FERREIRA Jorge; ZENHA Celeste (Orgs). O século XX: o tempo das crises, revoluções, fascismos e guerras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. _________ O Terceiro Reich: O Império do Terror. In: CABRAL, Ricardo Pereira; MUNHOZ, Sidnei (Coord.). Impérios na História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 27 TELES, Paulo Roberto Alves. As representações de intolerância e de grupos juvenis no século XXI a partir da produção cinematográfica contemporânea. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2014. VIEIRA, Irlan Mark. Intolerância On-Line: História e extrema-direita no site Valhalla88.com(1997-2007). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2011. Sitografia LATINO BAROMETRO, disponível em: http://www.latinobarometro.org INTERNET ARCHIVE, disponível em: http://www.internetarchive.org TERCERA FUERZA, disponível em: http://www.tercerafuerzanacion.org/ GRUPO NACIONAL SOCIALISTA PRO LIBERACIÓN DE VENEZUELA, disponível em: http://nacionalsocialismovenezuela.blogspot.com.br/ LA REPÚBLICA, disponível em: http://www.larepublica.co/ EL TIEMPO, disponível em: http://www.eltiempo.com/