Proc.º n.º R. Co. 7/2013 STJ-CC Sumário: Transformação de sociedade anónima em sociedade por quotas plural. Sócio único. Subscrição de duas quotas. Título. Qualificação minguante do respetivo pedido de registo. Recorrente: «R…. & C…., Limitada», representada por Ana ……, notária. Recorrida: Conservatória do Registo Comercial de ……. Relatório 1 – O presente processo de recurso hierárquico vem interposto contra a decisão que recaiu sobre o pedido de transformação da sociedade comercial «R…. & C…., S.A.», feito via online, e distribuído em sistema round robin à Conservatória do Registo Comercial de ….. onde foi anotado sob a apresentação n.º ../20121221, na sociedade por quotas « R…. & C….., Limitada». 2 – O registo foi elaborado como provisório por dúvidas com base nos fundamentos exarados no despacho de qualificação, exarado a 18 de Fevereiro de 2013, que a seguir se transcreve: «Das alterações efetuadas ao contrato de sociedade resulta que a sociedade foi transformada em unipessoal (um único sócio). As sociedades podem ser plurais (mais do que um sócio) ou unipessoais. A cada sócio, inicialmente, só pode caber uma quota (atribuem duas quotas a um só sócio). O acionista único tinha uma participação no capital, que correspondia à totalidade do mesmo, na transformação tem de manter a mesma proporção no capital, determinada pelas regras próprias do contrato de sociedade por quotas. Um sócio só pode deter duas quotas no resultado de cessão ou aumento de capital. O registo e o pacto social têm de estar adequados à situação real da sociedade. Devem adequar o contrato ao seu tipo: sociedade unipessoal por quotas. Art. 7.º, 130.º e ss., 142.º, 270.º-A e 270.º-C, do CSC e 47.º, 49.º, 59.º, n.º 2, e 55.º, do C. Reg. Comercial». 3 – É contra o aludido despacho que, inconformada, a interessada vem agora interpor recurso hierárquico (ap…/20130424) aduzindo os fundamentos que aqui damos por integralmente reproduzidos, sem prejuízo de extrairmos a seguinte síntese: 1 3.1 – Afirma, como questão prévia, que se verifica falta de fundamentação do despacho de qualificação já que a sua autora se limita apontar a existência de desadequação ao modelo societário e que tal viola determinados artigos, que enumera, embora omita os elementos de facto e o direito que lhe corresponde, sendo que a aludida omissão acarreta, no mínimo, a anulabilidade do ato, como decorre do disposto nos artigos 124.º, 125.º e 135.º, todos do CPA. 3.2 – E, por outro lado, não só não se aplicam ao caso vertente os artigos 7.º, 130.º e segs., 197.º, 270.º-A a 270.º-C do CSC, nem os artigos 47.º, 49.º, 59.º, n.º 2, e 55.º do CRC, como também o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º está em contradição com o despacho ora impugnado na medida em que aí se prevê expressamente que a dissolução das sociedades só ocorre quando, por período superior a um ano, o número de sócios seja inferior ao mínimo exigido por lei. 3.3 – Acresce, ainda, que o artigo 489.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, do CSC estabelece que a sociedade dominante não se dissolve, ainda que tenha apenas um sócio. Ora, no caso em apreço, a sociedade que foi transformada comportava já uma relação dominial com a sua adquirente M… Capital SGPS, S.A., pelo que com a transformação da sociedade anónima em sociedade por quotas essa situação dominial manteve-se, ficando agora a sociedade dominante detentora da totalidade das quotas, conforme decorre da ata apresentada para instrução do pedido. Considerando que os preceitos citados pela recorrida não tem aplicabilidade ao presente caso, contrariando mesmo as normas que regem a matéria, solicita que seja dado provimento ao recurso hierárquico, procedendo-se à anulação da decisão prolatada e à sua substituição por outra que determine a elaboração do registo nos termos peticionados. 4 – Por entender que a qualificação do registo foi corretamente efetuada, a senhora conservadora profere despacho de sustentação, que aqui damos, de igual modo, por reproduzido, sem prejuízo de destacarmos, ainda que sumariamente, os seguintes argumentos: 4.1 – As sociedades comerciais por quotas podem ser pluripessoais ou unipessoais, sendo unipessoais quando têm apenas um sócio. A sociedade em causa foi transformada em sociedade por quotas, com um único sócio, detentor de todo o capital social, mas não se adequa à lei, nem faz qualquer sentido, constituir ab initio uma sociedade por quotas plural com apenas um sócio, titular de duas quotas. 2 Logo, não havendo concordância entre o tipo societário adotado (que pressupõe a existência de, pelo menos, dois sócios) e a realidade relativa à titularidade do capital social, com concentração de todo o capital (embora dividido em duas quotas) na titularidade de um único sócio, impõe-se a adequação do contrato societário ao tipo legal que lhe corresponde, isto é, sociedade unipessoal por quotas. É certo que uma sociedade por quotas pode manter-se (não constituir-se), durante um ano, com um único sócio, titular de todas as quotas sociais, devido a vicissitudes ocorridas na vida das sociedades. Mas esse não é, seguramente, o caso em apreço, sendo que a invocação do artigo 142.º, n.º 1, alínea a), do CSC, in casu, se deveu a mero lapso na fundamentação alinhada no despacho de qualificação. 5 – Descrita a factualidade dos autos e as posições em confronto cumpre apreciar visto que o processo é o próprio, a subscritora da petição de recurso tem legitimidade, o recurso é tempestivo e inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito. II – Questão prévia 1 – De tempos a tempos, o Conselho é chamado a revisitar o problema, de grande relevância prática, da aplicabilidade (ou não) das normas do Código do Procedimento Administrativo (CPA) à atividade registal. Deparamo-nos, mais uma vez, com essa situação já que a recorrente invoca que o despacho ora impugnado foi praticado com ofensa dos princípios e normas jurídicas consagradas nos artigos 124.º e 125.º do CPA relativas ao dever de fundamentação e aos requisitos desta, pelo que considera que o mesmo deve ser revogado, uma vez que aquelas preterições acarretam a anulabilidade do ato, nos termos do artigo 135.º do CPA. Cremos, porém, que a recorrente incorre num erro nos pressupostos, visto que as normas invocadas não se aplicam à atividade registal, como a seguir se procurará demonstrar. 2 – A doutrina desde há muito firmada pelo Conselho Técnico1 vai no sentido de que os atos típicos praticados pelos conservadores não revestem a natureza de atos 1 Ao Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. «sucedeu» o Conselho Consultivo – cfr. o disposto nos artigos 4.º, alínea b), e 6.º do Decreto-lei n.º 148/2012, de 7 de julho. 3 administrativos, inserindo-se no âmbito do direito privado, razão pela qual não se subsumem no conceito de atos administrativos consagrado no artigo 120.º do CPA 2. É certo que com as alterações introduzidas no Código do Registo Comercial pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, o disposto no Código do Procedimento Administrativo passou a aplicar-se, subsidiariamente, aos recursos hierárquicos previstos nos artigo 101.º e segs. do CRC, por força do prescrito no artigo 109.º-A do CRC (então aditado). No entanto, fora da sede recursiva, a referida alteração legislativa em nada modifica a posição firmada (e sucessivamente reafirmada) pelo Conselho. 2.1 – Como é sabido, o registo comercial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação das entidades mencionadas no artigo 1.º do Código do Registo Comercial (CRC), tendo em vista a segurança do comércio jurídico. A atividade administrativa pública de direito privado é definida por Ferreira de Almeida3, na esteira de Zanobini, como «a zona da atividade administrativa que consiste na intervenção das autoridades administrativas na formação dos atos jurídicos privados ou no estabelecimento da sua plena eficácia». O mesmo autor nota ainda, mais adiante4, que «o ato registal é um ato intermédio dirigido ao conhecimento do objeto da publicidade registral, que opera a receção desse objeto de quem o dá a conhecer (sujeito cognoscente) e, após uma certa elaboração, reprodu-lo para quem o vem conhecer (a pessoa a quem se destina, em última análise, o conhecimento). O ato registral é, assim, um juízo e um ato de vontade, isto é, uma apreciação e uma decisão. A apreciação no ato registal faz-se não pela comparação de interesses com a lei, mas diretamente entre o facto a registar e as disposições que regulam a admissibilidade a registo». A publicidade registal integra-se na administração pública do direito privado, revelando-se a dimensão de interesse público, que, sem dúvida, o registo comercial comporta, como secundária. 2 Para mais desenvolvimentos sobre esta temática remetemos para os pareceres do Conselho proferidos, designadamente, nos proc.ºs n.ºs R.P.58/93 DSJ-CT, R.P.116/2006 DSJ-CT, R.P.136/2006 DSJ-CT, R. Co. 32/2006 DSJ-CT e R.P. 24/2011SJC-CT, encontrando-se o primeiro publicado na Regesta, 1994, 2.º Trimestre, págs. 75 e segs., e os restantes em www.irn.mj.pt (Doutrina). 3 4 In Publicidade e Teoria dos Registos, 1966, págs. 191 e 192. In ob. cit., págs. 195 e segs. 4 Nos termos expostos, e porque o despacho de qualificação, como decorrência do pedido de registo, participa ainda do próprio ato de registo, procedimento registal, donde decorre a inaplicabilidade enquadra-se no ao mesmo das normas consagradas no CPA. Com efeito, o escopo do sistema registal e a disciplina que rege o procedimento registal constante do CRC (e também do CRP) são manifestamente incompatíveis com as regras do procedimento administrativo, antes se lhe aplicando, como direito subsidiário, o prescrito no Código de Processo Civil. 3 – Sobrepassada esta questão, vejamos, no entanto, se o despacho em causa padece, ainda assim, de alguma nulidade à luz das pertinentes normas do Código de Processo Civil. Decorre do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC que a sentença é nula «quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão». A falta de motivação aqui prevista respeita, contudo, à total omissão dos fundamentos de facto e/ou de direito em que assenta a decisão, sendo que a mera incompletude ou deficiência da respetiva fundamentação não afeta o valor da mesma5. Com efeito, o entendimento jurisprudencial, reiteradamente vincado pelo Supremo, vai no sentido de que só a ausência total de fundamentação integra a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC. A lei só considera como nulidade a falta absoluta de motivação ou seja a sua ausência completa. A escassez, deficiência ou mesmo mediocridade da motivação constitui uma espécie diferente que não contende com o valor legal da decisão6. 3.1 – A propósito da situação contemplada na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, autores há que defendem até que a mesma não configura uma verdadeira causa de nulidade, constituindo, summo rigore, uma situação de mera anulabilidade7. 5 Neste sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 5 de janeiro de 1984, in BMJ n.º 333, pág. 398, e RLJ n.º 121, pág.305, com anotação de ANTUNES VARELA, de 1 de março de 1990, BMJ n.º 395, pág. 479, entre muitos outros. 6 Cfr., a este propósito, os acórdãos do STJ de 20 de junho de 2000, e de 19 de março de 2002. 7 Entre esses autores figuram, designadamente, LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, 2.º volume, 2001, págs. 668 e segs., e LOPES DO REGO, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, pág. 558. 5 A invocação da anulabidade do despacho ora impugnado devido a falta de fundamentação de facto e/ou de direito só teria cabimento se a fundamentação da decisão fosse de todo inexistente, o que não é, de modo algum, o caso em apreço 8. 3.2 – Pois bem, nestes termos, o despacho de qualificação proferido pela senhora conservadora não enferma de qualquer nulidade (nem tão pouco de mera anulabilidade) encontrando-se fundamentado de facto e de direito, pois concretiza com razoável clareza os obstáculos que inviabilizam a feitura do registo em termos definitivos e indica as disposições legais que considera aplicáveis. Na verdade, a doutrina registal entende que não é exigível que o despacho contenha uma fundamentação exaustiva, bastando alinhar uma motivação sucinta, clara, precisa e fundamentada de facto e de direito9. Ora, o modo como a senhora conservadora concretizou no despacho de qualificação (supra reproduzido) os obstáculos ao registo definitivo preenche notoriamente as exigências legais. Assim, por o despacho impugnado se encontrar fundamentado, de facto e de direito, e tendo o sentido sido perfeitamente intelegível pela recorrente, não pode acarretar, como consequência, a sua nulidade (ou a mera anulabidade, que seja), nem mesmo que se considerasse que a fundamentação padecia de alguma escassez ou deficiência, o que não é, de todo, o caso. A infirmar a impercetibilidade do despacho impugnado está o facto de ter possibilitado à recorrente que o impugnasse, direcionando o ataque certeiro ao âmago das questões nele suscitadas. III – Fundamentação 1 – Como é sobejamente sabido, uma das manifestações da plasticidade da instituição societária revela-se na possibilidade de, em momento posterior ao da sua constituição, se transformar10 noutro dos tipos societários taxativamente enumerados no 8 Vejam-se, sobre o ponto, os acórdãos do STJ de 17 de outubro de 1991 e de 3 de julho de 1973, entre outros. 9 A fundamentação, como nota MOUTEIRA GUERREIRO, in Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 1993, pág. 153, deve ser sucinta, mas precisa e apoiada na lei. 10 Relativamente à transformação das sociedades, veja-se a distinção traçada por RAUL VENTURA, in Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, 1999, págs. 417 e segs., no que concerne à transformação formal e à transformação extintiva. 6 artigo 1.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC) 11 , ao abrigo e nos termos do disposto nos artigos 130.º e segs. do citado Código. Nestes termos, as sociedades comerciais têm de adotar um dos tipos previstos na lei, o que vale por dizer que só é possível constituir sociedades em nome coletivo, sociedades por quotas, sociedades anónimas, sociedades em comandita simples ou sociedades em comandita por ações. As sociedades comerciais não podem ser atípicas, isto é, não podem adotar uma regulamentação incompatível com o tipo legal assinalado nos estatutos, introduzindo, designadamente, cláusulas que contrariem caraterísticas cogentes e imprescindíveis do tipo em causa, conjugando notas essenciais de dois ou mais tipos societários. A taxatividade dos tipos de sociedades consagrada no n.º 2 do artigo 1.º do CSC, impõe, efetivamente, uma limitação à liberdade contratual, visto que os sujeitos têm de optar e respeitar um dos tipos previstos na lei. Mesmo no caso das sociedades unipessoais (por quotas ou anónimas), em que não se pode falar em liberdade contratual (já que a sua fonte é um negócio jurídico unilateral) não deixa de se impor a mesma obrigatoriedade no que concerne aos tipos previstos na lei12. Esta taxatividade (ou tipicidade) encontra a sua justificação última em razões de segurança jurídica, isto porque o público em geral e os credores sociais em especial, mesmo que desconheçam os estatutos da sociedade, podem confiar que as sociedades de certo tipo têm de obedecer a determinado quadro regulativo predeterminado, sabem, em suma, com o que podem contar em face do tipo legal publicitado nas tábuas13. A caraterização dos tipos societários faz-se através de determinadas notas descritivas e diferenciadoras, sendo que o traço distintivo entre uma sociedade por quotas plural e uma sociedade por quotas unipessoal (que, segundo a nomenclatura consagrada no referido n.º 2 do artigo 1.º, até pertencem ao mesmo tipo societário, sublinhe-se) reside, precisamente, no número dos seus sócios. 11 A propósito do princípio da tipicidade societária veja-se COUTINHO DE ABREU, in Curso de Direito Comercial, Volume II, 2003, págs. 51 e segs., bem como PEDRO MAIA, in Estudos de Direito das Sociedades, 2007, págs. 7 e segs. 12 De resto, como salienta PEDRO MAIA, in ob. cit., pág. 9, em relação às sociedades unipessoais sempre valeria o princípio (geral) de tipicidade ou numerus clausus de tais negócios, previsto no artigo 457.º do Código Civil. 13 Veja-se, novamente, COUTINHO DE ABREU, in ob. cit., pág. 75. 7 A sociedade comercial por quotas constituída por um único sujeito (pessoa singular ou pessoa coletiva) é uma sociedade por quotas unipessoal, enquanto que se for constituída por mais do que um sócio há de forçosamente corresponder a uma sociedade por quotas pluripessoal. 1.1 – O Decreto-Lei n.º 257/96, de 31 de dezembro, em rigor, não introduziu um novo tipo social, pois que se mantêm inalteráveis os que já apareciam taxativamente elencados no n.º 2 do artigo 1.º do CSC. Contudo, veio admitir a possibilidade de, dentro do tipo sociedades por quotas, se constituírem sociedades unipessoais por quotas, com um único sócio, pessoa singular ou coletiva (artigo 270.º-A, n.º 1, do CSC), o que até este momento não podia acontecer por falta de previsão legal. Não foi criado um regime específico e próprio da sociedade unipessoal 14, que passa a reger-se segundo o regime da sociedade por quotas plural, salvo no que respeita à pluralidade de sócios. Assim, o tipo «sociedade por quotas» distendeu-se abarcando agora sociedades por quotas plurais e sociedade por quotas unipessoais, consoante sejam constituídas por dois sócios, ou mais, ou apenas por um sócio – cfr. o artigo 7.º, n.º 2, do CSC15. Em suma, é o número de sócios (e inerentes quotas) que diferencia entre si estas sociedades comerciais por quotas. 2 – O quadro normativo alusivo às caraterísticas e contrato das sociedades comerciais por quotas pluripessoal encontra-se fixado nos artigos 197.º e segs. do CSC. Da sua análise decorre como requisitos indispensáveis para a sua constituição a existência de uma pluralidade de sócios e de quotas, sendo que o capital, que é livremente fixado pelos sócios, corresponde à soma das quotas subscritas pelos sócios – cfr. o disposto nos artigos 7.º, n.º 2, 197.º, e 219.º, n.º 1, do CSC. Do exposto resulta claramente que a sociedade comercial por quotas plural há de ter, pelo menos, dois sócios e igual número de quotas sociais. 14 O legislador, segundo salienta RICARDO COSTA no tema «Algumas considerações a propósito do regime jurídico da sociedade por quotas unipessoal», in Estudos Dedicados ao Prof. Mário Júlio de Almeida Costa, págs. 1238, ignorando a notável dimensão do fenómeno da unipessoalidade, não aproveitou a ocasião para inserir um regime jurídico especial e completo da constituição, formação e atividade funcional da sociedade unipessoal, em particular no que tange às relações com terceiros que com ela entabulam relações jurídicas. 15 Existem, naturalmente, exceções à regra plasmada na referida norma. Tanto pode ser exigido um número superior a dois (artigos 273.º, n.º 1, e 479.º, do CSC), como dispensar-se aquele mínimo de dois, que é precisamente o que acontece no caso das sociedades unipessoais (por quotas – artigos 270.º-A do CSC, ou anónimas – artigo 488.º, n.º 1, do CSC). 8 2.1 – A sociedade comercial por quotas que, na sua constituição ab initio ou na transformação de outro tipo, apenas tenha um sócio há de forçosamente adotar o tipo de sociedade unipessoal por quotas consagrado nos artigos 270.º-A e segs. do CSC16. Da sua firma deve, além do mais, constar a expressão «sociedade unipessoal» ou a palavra «unipessoal» antes da palavra «Limitada» ou da sua abreviatura «Lda.», em conformidade com o disposto no artigo 270.º-B do Código das Sociedades Comerciais. 2.2 – E mais, na constituição da sociedade por quotas – seja plural seja unipessoal – a cada sócio apenas pode ficar a pertencer uma única quota, que corresponde à totalidade da sua entrada, por força do disposto no n.º 1 do artigo 219.º do CSC, aplicável também às sociedades por quotas unipessoais ex vi do disposto no artigo 270.º-G do CSC. De igual modo, também a regra da unicidade da quota se aplica no caso de se tratar de transformação de sociedade doutro tipo em sociedade por quotas17, devendo a deliberação que aprova o contrato pelo qual a sociedade passará a reger-se observar rigorosamente o tipo legal que lhe corresponder, sob pena de nulidade daquela por desrespeito a preceitos inderrogáveis. 3 – Em abono da sua pretensão a recorrente invoca ainda a alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º do CSC que prevê que a dissolução das sociedades só ocorre quando, por um período superior a um ano, o número de sócios seja inferior ao mínimo exigido por lei. Cremos, porém, que também aqui não lhe assiste razão, como bem se compreenderá perante a simples constatação da inserção sistemática da norma em causa (Capítulo XII – Dissolução da sociedade). A referida alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º abrange duas situações distintas que conduzem à dissolução da sociedade: a redução do número de sócios a um só (unipessoalidade superveniente) e a redução dos sócios a um número inferior ao exigido pelo seu tipo legal18. 16 Veja-se, adrede, de RICARDO COSTA, «Algumas considerações a propósito do regime jurídico da sociedade por quotas unipessoal», in ob. cit., págs. 1227 e segs. 17 Como expressamente refere RAUL VENTURA, in ob. cit., pág. 513, é aplicável à transformação da sociedade doutro tipo em sociedade por quotas a regra consagrada no n.º 1 do artigo 219.º do CSC. 18 Relativamente à causa de dissolução da sociedade fundada na redução do número de sócios abaixo do número permitido por lei, veja-se RAUL VENTURA, in Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, págs. 97 e segs., e PUPO CORREIA, in Direito Comercial, 2007, pág. 293. 9 A inobservância do número legal mínimo dos sócios por prazo superior a um ano conduz à dissolução da sociedade (constituída nos termos legais, mas que por vicissitudes normais da vida societária ficou reduzida a um número de sócios inferior ao legalmente permitido – alteração superveniente), mas a permissão legal de manter, transitoriamente, determinada situação irregular não legitima a constituição de sociedade alguma em desconformidade com a lei aplicável. Do que se trata na dissolução é de um processo desconstitutivo da instituição societária – é precisamente um fenómeno inverso ao da constituição da sociedade, ambos com regras próprias. A lei quis, contudo, conceder ao sócio (ou sócios) remanescente um período razoável para a reconstituição da sociedade, livrando-se da vulnerabilidade da dissolução. Todavia, a aludida norma não tem aplicabilidade aos casos de constituição de sociedades comerciais ainda que resultantes de transformação. 4 – Em face desta breve exegese já se depreende que as dúvidas aduzidas no despacho de qualificação, e mantidas no de sustentação, no que concerne à unipessoalidade da sociedade em causa, respetiva quota e firma adotada, revestiriam total pertinência não fosse o caso de o pedido de registo não ter sido instruído com o documento que titula o facto, isto é, com a ata que acolhe a deliberação tomada na assembleia geral ocorrida em 20 de Novembro de 2012, apresentada nos serviços juntamente com a petição de recurso hierárquico. Ora, como é sabido, em sede impugnatória apenas podem ser tidos em consideração os documentos que serviram de base à qualificação do ato de registo impugnado. Debrucemo-nos, então, sobre os reais motivos impeditivos da procedência do presente recurso que não podem deixar de ser apreciados nesta sede já que se prendem, em primeira linha, com a falta de título e, depois, com os vícios da deliberação, que a afetam de nulidade, atenta a sua gravidade, tendo estes sido implicitamente aflorados no despacho de qualificação ao exigir-se «a adequação do contrato ao seu tipo societário»19. 19 Mas ainda que se considerasse que a questão da validade da deliberação não tinha sido considerada pela entidade a quo, sempre a matéria demandava apreciação em sede hierárquica, tanto mais que sobrava a incontornável questão do título. Com efeito, o princípio segundo o qual a apreciação do mérito do recurso se deverá conter nos limites das questões suscitadas no despacho impugnado cederá sempre que a omissão de pronúncia possa conduzir à elaboração de um registo nulo, como aconteceria no caso vertente – cfr., entre muitos outros, os pareceres 10 Vejamo-los, pois. 5 – Em 20 de novembro de 2012 a M…. Capital, SGPS, S.A., acionista única da sociedade «R… & C…, S.A.», representada pelos seus administradores, deliberou transformar esta sociedade anónima (unipessoal) em sociedade comercial por quotas (plural), e aprovar o balanço intercalar da situação patrimonial da empresa bem como o projeto do novo pacto social, ficando o capital social representado por duas quotas, ambas na titularidade da referida acionista, em função do valor total das ações que possuía na sociedade a transformar e que correspondia ao total do seu capital social. Posteriormente, em 30 de novembro do ano referido, os administradores da sociedade «R…. & C…, S.A., alegadamente para dar execução à deliberação supra, outorgaram a escritura pública de transformação de sociedade, na qual procedem à declaração prevista no n.º 1 do artigo 140.º-A do CSC (sem que, no entanto, se encontrem preenchidos os requisitos legais pertinentes) e à reposição do conteúdo do contrato de sociedade aprovado em assembleia no documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código do Notariado. Decorre do aludido documento que a sociedade adota a denominação «R… & C…., Limitada» e que o capital está dividido em duas quotas, pertencentes à sócia única «M… Capital SGPS, S.A.», nos precisos termos da ata que consigna a deliberação de transformação em causa (artigo 53.º, n.º 1, do CSC). 5.1 – Antes de mais cumpre salientar que com a reforma introduzida pelo Decretolei n.º 76-A/2006, de 29 de março, no Código das Sociedades Comerciais, o artigo 135.º do CSC, cuja epígrafe respeitava à «escritura pública de transformação», foi revogado20 em consonância com o intuito proclamado pelo legislador de proceder à simplificação e eliminação de atos notariais. Assim, perante a eliminação da obrigatoriedade de consignar em escritura pública a deliberação de transformação, depreende-se já que a escritura é agora dispensável (não proibida, claro), mas as funções de fiscalização da regularidade da transformação devem, proferidos nos proc.º n.ºs R.P.2/96DST-CT e 83/98 DST-CT, in BRN n.ºs 5/96, pág. 5, e 2/99, pág. 12, respetivamente. 20 Na vigência do direito pregresso, a deliberação de transformação, tomada pelos sócios, não era, portanto, o ato de transformação; depois de deliberada pelos sócios, a transformação tinha necessariamente de ser consignada em escritura pública. O relacionamento das deliberações dos sócios e a subsequente escritura pública encontra-se tratado por RAUL VENTURA, in Fusão, Cisão e Transformação, pág. 506, e Alterações do Contrato de Sociedade, 1986, págs. 56 e segs., bem como por LOBO XAVIER, in RLJ, Ano 117, n.ºs 3725 a 3727, págs. 255 e segs. 11 de qualquer modo e no momento próprio, ser declaradas por escrito nos termos e para os efeitos previstos no artigo 140.º-A do CSC21. Na verdade, atualmente, é a ata que consigna a deliberação de transformação da sociedade que titula o facto, e verificando-se que esta não instruiu o pedido de registo em causa, o mesmo deverá ser recusado nos termos do prescrito na alínea b) do n.º 1 do artigo 48.º do CRC. 5.2 – Por outro lado, tendo em consideração o que acima deixámos dito no que concerne à natureza das normas relativas à fixação do número de sócios, às quotas e à firma social, e o que sobre o ponto consta da aludida escritura, parece que a apreciação da questão respeitante à validade, ou não, da deliberação (que pode ocorrer, nos termos gerais, segundo uma de duas espécies, a nulidade ou a anulabilidade) não deve aqui ser descurada. 5.3 – O regime da invalidade das deliberações assenta na distinção entre vícios ocorridos no processo deliberativo (vícios de procedimento) e vícios de conteúdo da deliberação (vícios de conteúdo). Dentre os vícios de conteúdo da deliberação, únicos que aqui revestem pertinência, cumpre ainda distinguir entre os que violam uma regra do contrato ou de uma norma legal dispositiva dos que atingem a violação de uma norma legal imperativa. No primeiro caso, estaremos perante uma anulabilidade enquanto que no segundo a consequência será bem mais gravosa já que lhe corresponde a nulidade da deliberação22. O critério que usualmente é apontado pela doutrina para aferir da aplicabilidade da sanção de nulidade assenta na incompatibilidade do conteúdo deliberativo com normas de cariz imperativo, sendo que nesta matéria, como é sabido, domina também o princípio da tipicidade. Atentemos, pois, no disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do CSC, segundo a qual são nulas, inter alia, as deliberações dos sócios cujo conteúdo, direta ou 21 A propósito da introdução deste novo preceito pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, vejam-se os comentários de FRANCISCO MENDES CORREIA, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenado por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, 2009, págs. 457 e 458, bem como o disposto nos artigos 131.º, n.º 1, alínea c) e n.ºs 2 e 3, 137.º, n.º 1, bem como a Deliberação do Conselho tomada no proc.º n.º R.Co.9/2010 SJC-CT, disponível em www.irn.mj.pt. 22 Sobre esta temática, veja-se PEDRO MAIA, in Estudos de Direito das Sociedades, 5.ª edição, págs. 186 e segs. 12 indiretamente, seja ofensivo de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios23. Verifica-se, assim, que para a violação de norma imperativa acarretar a nulidade, deve situar-se no conteúdo, em si, da deliberação, pois a violação de uma norma imperativa no simples processo formativo, fora dos casos especialmente contemplados nas alíneas a) e b) do artigo 56.º, envolverá apenas, em regra, a anulabilidade 24. 5.4 – Em face do exposto já se infere que não pode ser deliberada a aprovação do contrato social com violação de preceitos, de cariz imperativo, que estatuem que a sociedade comercial por quotas (pluripessoal) tem de ter um mínimo de dois sócios e que cada um deles apenas pode ser titular de uma única quota social – cfr. o que dispõem os artigos 7.º, n.º 2, 197.º, n.º 1, e 219.º, n.º 1, todos do CSC. 5.5 – Do mesmo modo, inaproveitável se mostraria também a deliberação em apreço para a obtenção do registo de uma sociedade unipessoal por quotas, já que atenta contra o prescrito nos artigos 219.º, n.º 1, e 270.º-B, do CSC, devido à existência de duas quotas social e ao facto de a firma não consignar a menção da unipessoalidade. Tendo em conta os citados preceitos legais e a sua inderrogabilidade, a interessada poderá, querendo, tomar validamente nova deliberação respeitante ao contrato pelo qual a sociedade se regerá – alínea c) do n.º 1 do artigo 134.º do CSC –, mas com observância de todas as prescrições legais imperativas. 6 – De harmonia com o entendimento expresso por Raul Ventura 25, na transformação formal, a nulidade ou a anulabilidade devem impedir a inscrição no registo, não chegando, deste modo, a surgir problemas consequenciais dessa invalidade, pois, assim, a transformação não foi eficaz nem perante terceiros nem, sequer, entre os próprios sócios. Se eventualmente, apesar dos vícios existentes, for efetuado o registo, e vindo posteriormente a ser declarado nulo ou anulado o ato de transformação, a sociedade retoma o seu tipo primitivo, no qual, aliás, nunca deixou de estar inserida. Os atos entretanto praticados incompatíveis com o verdadeiro tipo social serão igualmente nulos. 23 O preceito que possa ser afastado por vontade dos sócios é, naturalmente, supletivo – vd. MENEZES CORDEIRO, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, págs. 220 e segs. 24 Cfr., sobre esta questão, PINTO FURTADO, in Deliberações dos Sócios, 1993, págs. 340 e segs., bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de dezembro de 1992. 25 In Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, págs. 470 e segs. 13 Ainda segundo o ilustre Autor, sendo aprovada a deliberação atinente à transformação da sociedade, mas não sendo aprovado o contrato não se vê qualquer inconveniente em manter as deliberações validamente tomadas e completar a fase do processo em nova assembleia. De igual modo, com base nesta doutrina, também não será demasiado temerário afirmar-se que a deliberação que aprove o contrato com violação de normas legais de cariz imperativo, indiscutivelmente nula, poderá ser substituída por outra validamente tomada em nova assembleia26, aceitando-se o aproveitamento das deliberações tomadas validamente no que concerne à aprovação do balanço e à aprovação da transformação, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 134.º do CSC. É que a lei autonomiza claramente as deliberações, pois, sob a epígrafe «Conteúdo das Deliberações», o referido artigo 134.º prescreve que devem ser tomadas separadamente as deliberações respeitantes à aprovação do balanço ou da situação patrimonial, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 132.º, à aprovação da transformação e à aprovação do contrato social27. A ordem das deliberações não é arbitrária28, pois obedecem a uma sequência lógica: primeiro, a aprovação do balanço, depois a aprovação da transformação e, por fim, a aprovação do novo contrato social. Recusada que seja a aprovação de alguma destas matérias não se deverá passar à discussão e votação da subsequente, ficando o processo de transformação prejudicado, não obstante possa vir a ser novamente desencadeado e com sucesso. Mais melindrosa é, porém, a questão de saber das consequências derivadas da falta de aprovação da terceira proposta, ou da nulidade da mesma como aconteceu no caso configurado nos autos. Poderão as propostas anteriores, desprovidas de qualquer vício, ser, in casu, aproveitadas? 26 Para mais desenvolvimentos sobre o ponto, veja-se LOBO XAVIER, in Anulação de deliberação social e deliberações conexas, 1998, Reimpressão, págs. 179 e segs. 27 Relativamente a esta questão, veja-se, novamente, RAUL VENTURA, in ob. cit., págs. 501 e segs. 28 Embora haja quem defenda que o desrespeito pela ordem da tríplice deliberação de transformação gera apenas a anulabilidade da mesma, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 24 de Abril de 1995, in BMJ n.º 446, págs. 304 a 319 (concretamente a pág. 316), considerou que a norma relativa à ordem das deliberações é uma norma de conteúdo da deliberação, gerando a violação da ordem estabelecida no artigo 134.º do CSC, a nulidade da deliberação. 14 Acompanhamos o pensamento de Raul Ventura, que considera que aprovada que seja a transformação, não se vê, em tese, inconveniente em manter as deliberações validamente tomadas e completar essa fase do processo em nova assembleia. É que não obstante a deliberação completa e perfeita de transformação da sociedade verse autonomamente sobre os três objetos, que formam, em conjunto, o conteúdo necessário e indisponível da deliberação de transformação, cada uma das deliberações pode estar inquinada de vício próprio, suscetível de provocar a sua nulidade ou anulabilidade e tal vício não afetar as demais29. Todavia, não será assim se a deliberação viciada for logo a respeitante à aprovação do balanço, o que determinará a insubsistência das demais que foram tomadas com base no pressuposto de que a primeira era válida. 7 – Consequentemente, sendo nula, nos termos supra equacionados, a deliberação relativa à aprovação do contrato da sociedade comercial, ainda que o título tivesse sido tempestivamente apresentado, o registo peticionado seria, de qualquer modo, recusado mas, neste caso, ao abrigo do que se encontra estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 48.º do Código do Registo Comercial30. 8 – Assim, em face do que precede, a posição deste Conselho vai condensada nas seguintes Conclusões I – As sociedades comerciais constituídas segundo um dos tipos enumerados no n.º 2 do artigo 1.º do Código das Sociedades Comerciais podem, posteriormente, adotar outro dos tipos aí consignados, em face do que preceitua o artigo 130.º do citado Código. II – A transformação de uma sociedade anónima numa sociedade comercial por quotas plural deve, naturalmente, observar o disposto para o novo tipo societário, em especial, os artigos 7.º, n.º 2, e 197.º e seguintes do 29 Neste sentido se pronuncia FRANCISCO MENDES CORREIA, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, págs. 448 e 449. 30 No parecer do Conselho proferido no proc.º n.º 24/92 R.P.4, disponível em www.dgrn.mj.pt, considerou-se que a nulidade da deliberação determina a recusa do correspondente registo. 15 Código das Sociedades Comerciais, devendo, por isso, ser constituída por dois sócios, no mínimo, detentores de uma quota social cada um. III – Se ao invés a unipessoalidade for mantida, da transformação da sociedade anónima (unipessoal) apenas pode resultar uma sociedade unipessoal por quotas, devendo, em conformidade, constar do respetivo contrato a existência de um único sócio e de uma única participação, correspondente à totalidade do capital social, por força do prescrito nos artigos 270.º-A e 219.º, n.º 1, este aplicável subsidiariamente ex vi do disposto no artigo 270.º-G, todos do Código das Sociedades Comerciais. IV – No caso configurado na conclusão anterior, da composição da firma deve também constar, obrigatoriamente, a expressão «sociedade unipessoal» ou a palavra «unipessoal» antes da palavra «Limitada» ou da sua abreviatura «Lda.», em cumprimento do disposto no artigo 270.º-B do Código das Sociedades Comerciais. V – Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, que procedeu à revogação do artigo 135.º do Código das Sociedades Comerciais, inter alia, a deliberação de transformação de sociedade devia ser consignada em escritura pública, mas, após a referida alteração legislativa, a deliberação de transformação passou a ser o próprio ato de transformação enquanto facto sujeito a registo comercial. VI – Nos termos da conclusão anterior, a ata que contenha a deliberação de transformação, validamente tomada, é título bastante para o correspondente registo, sendo que a falta da sua apresentação conduz à recusa do registo nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 48.º Código do Registo Comercial. VII – As deliberações sociais tomadas contra disposições legais de caráter imperativo são nulas, por força do prescrito na alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais. VIII – Consequentemente, sendo, nos indicados termos, nula a deliberação no que concerne à aprovação do contrato pelo qual se passará a reger a sociedade, o registo peticionado deve também ser recusado em harmonia com o 16 estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 48.º do Código do Registo Comercial. Em conformidade com todo o exposto, entendemos que o presente recurso hierárquico não merece provimento. Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 25 de julho de 2013. Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, Luís Manuel Nunes Martins, Carlos Manuel Santana Vidigal, Ana Viriato Sommer Ribeiro, Maria Madalena Rodrigues Teixeira. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 02.08.2013. 17