Manual sobre
INSULINO-RESISTÊNCIA
Realizado pelo:
GEIR – Grupo de Estudo da Insulino-Resistência
da Sociedade portuguesa de endocrinologia, diabetes e doenças do metabolismo
Índice
3
Índice
Introdução
Manuela Carvalheiro
0
Insulino-Resistência: O que é?
0
Sensibilidade à Insulina: como medir
Manuela Carvalheiro
0
Síndromo de Resistência à Insulina, S. Metabólico - Definições
Luís Raposo
Sandra Paiva
Etiopatogenia
00 Etiopatogenia da insulino-resistência
00 Causas genéticas
00 Iatrogenia
Martim Martins
Mariana Monteiro
Claudia Horta
00 Estilo de vida
Helena Cardoso
Insulino-resistência e morbilidades
00 Insulino-Resistência e Obesidade
Helena Cardoso
00 Insulino-Resistência e Alterações do Metabolismo Glicídico
00 Insulino-Resistência e Hipertensão
Silva Nunes
00 Insulino-Resistência e Dislipidemia
Isabel Palma
Sequeira Duarte
Prevenção e tratamento
00 Insulino-Resistência e Exercício
00 Insulino-Resistência e Alimentação
Themudo Barata
Mª João Oliveira
00 Síndroma Metabólico: Estratégias de prevenção
00 Síndromo Metabólico: Tratamento
00
Conclusões
Helena Cardoso
Elisabete Rodrigues
Mª Helena Ramos
Introdução
5
INTRODUÇÃO
Manuela Carvalheiro
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital da Universidade de Coimbra
No momento actual, o conceito de insulino-resistência ou diminuição da sensibilidade à
insulina a nível dos tecidos alvo (principalmente músculo, fígado e rim) é da maior
importância para a compreensão de um conjunto de entidades clínicas, que partilham
entre si idêntica base etiopatogénica.
De entre elas, teremos de referir as "epidemias" de doenças não transmissíveis que
ensombram o nosso século como a obesidade e a diabetes tipo 2, com o corolário de
dismetabolismos que originam e cuja história natural termina na doença cardio-vascular,
causa primeira de morte nos países ditos desenvolvidos
A possibilidade de se poder quantificar o grau de resistência á insulina, pelo uso de
técnicas específicas, o conhecimento mais aprofundado dos seus mecanismos
indutores quer a nível molecular quer bioquímico, e consequentemente à cascata de
eventos patológicos a que pode dar origem, veio aguçar a curiosidade científica, na
perspectiva do diagnóstico, da prevenção e do tratamento.
É imperioso ter presente a relação directa entre o estilo de vida ocidental e o aumento
da resistência à insulina o que desde logo implica o reforço da vertente dita
comportamental, não farmacológica na sua prevenção e tratamento
A indústria farmacêutica não tem ficado alheia a esta modernidade e hoje temos ao
alcance um armamentário terapêutico que é preciso saber quando e como utilizar.
Todos estes e outros aspectos relacionados com a resistência à insulina, levaram a que
o Grupo de Estudo da Insulino-resistência (GEIR), da SPEDM, considerasse premente
escrever sobre o tema, um pequeno manual de caracter educativo e informativo
Os textos nele reunidos foram da responsabilidade dos diversos membros do grupo,
entusiasticamente coordenados pela Prof. Doutora Helena Cardoso.
Não pretende o GEIR, que o manual seja interpretado como um consensus, mas
apenas, um instrumento de consulta cientificamente correcto e actual adaptado à
realidade nacional.
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Manual sobre Insulino-resistência
Insulino-resistência. O que é?
Insulino-resistência é um estado patológico comum, no qual
as células alvo têm uma resposta insuficiente aos níveis
normais de insulina circulante
O conceito engloba toda a acção biológica da insulina: crescimento e
desenvolvimento, metabolismo glicídico, lipídico e proteico, função
endotelial e expressão genética.
Mecanismos moleculares indutores de insulino-resistência:
1. mutações ou modificações de post-translação do receptor à
insulina (RI), ou das suas moléculas efectoras
2. defeitos na ligação da insulina a nível do IR ou a nível do pósreceptor
3. ⇓ da actividade da cinase a nível do RI, com eventuais
mutações do gene do RI.
4. ⇑ da expressão do TNF-α, translocação dos GLUT4, e
eventuais mutações das moléculas PPARγ.
Na base destes processos celulares alterados há sempre uma
componente genética e ambiental, nomeadamente através da acção
dos ácidos gordos livres
A resistência à insulina, com carácter transitório ou definitivo é uma
alteração fisiopatológica de base nas seguintes situações:
• Fisiológicas: puberdade, gravidez, menopausa...
• Patológicas: obesidade,DM tipo 2, dislipidemia, HTA, S. metabólico,
PCOS...
Insulino-resistência. O que é?
7
Insulino-resistência. O que é?
Manuela Carvalheiro
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital da Universidade de Coimbra
O conceito de insulino-resistência ou mais exactamente diminuição da sensibilidade à
insulina (sinónimo de insulino-resistência), foi introduzido por Himsworth e Kerr em 1939,
para definir a relação entre uma deficiente resposta glicémica à insulina exógena,
encontrada num grupo de pessoas obesas com diabetes.
O avanço tecnológico (destaca-se a capacidade de medir a insulina pelas técnicas RIA
na década de 60) permitiu rapidamente esclarecer este conceito.
Primeiro, mostrou-se pela evidência que a obesidade induzia um aumento da resistência
à insulina, que por sua vez aumentava o stresse secretor da célula b pancreática,
conducente à sua insuficiência e posterior exaustão. Depois, veio a evidenciar-se que o
hiperinsulinismo, estimado em valor absoluto, poderia estar presente independente-mente do habitus corporal e ser um marcador de um estádio pré-diabético.
Posteriormente verificou-se um grande avanço em termos conceptuais, ao demostrar-se
que a resistência à insulina, definida como uma resposta biológica diminuída à insulina,
quer endógena quer exógena, não se confinava ao metabolismo dos hidratos de
carbono. De facto estende-se a toda e qualquer acção biológica da insulina, o que deve
incluir o crescimento e desenvolvimento, o metabolismo glicídico, lipídico e proteico, a
função vascular endotelial e a expressão genética.
O avanço da biologia molecular e celular, também se revelou extremamente proveitosa
na compreensão dos mecanismos indutores de insulino-resistência.
A insulina circulante atinge rapidamente os tecidos alvo onde interage com o seu
receptor, (uma tirosina cinase transmembranária), largamente expresso a nível tecidular.
A redução da acção da insulina parece resultar de mutações ou modificações de posttranslação do receptor à insulina (RI) em si mesmo, ou das suas moléculas efectoras. A
insulino-resistência pode ser devida a defeitos na ligação da insulina a nível do IR ou a
nível do pós-receptor. Foram ainda encontrados outros tipos de defeitos relacionados
com a redução da actividade da cinase a nível do RI, com ocorrência ou não de
mutações do gene do RI.
Outras alterações a nível celular têm vindo a ser demonstradas, embora os seus efeitos
interajam directamente na cascata metabólica desencadeada pela ligação da insulina
ao RI. Referimo-nos ao aumento da expressão do TNF-α, à translocação dos GLUT4 de
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Manual sobre Insulino-resistência
que resulta redução da actividade destes transportadores de glicose, e eventuais
mutações das moléculas PPARγ.
Na base de todos estes processos celular alterados há sempre uma componente
genética e ambiental, nomeadamente através da acção dos ácidos gordos livres.
Tendo em conta estes conhecimentos, podemos redefinir insulino-resistência como um
estado patológico comum, no qual as células alvo (por diminuição do "insulin signaling")
têm uma resposta insuficiente aos níveis normais de insulina circulante.
A noção de que a insulino-resistência é um estado patológico comum capaz de induzir
aumento de morbilidade e mortalidade, é da maior relevância.
São hoje conhecidas diversas situações fisiológicas, (puberdade, gravidez, menopausa
etc.) e patológicas (obesidade, diabetes tipo 2, dislipidemia, hipertensão arterial,
síndroma metabólico, síndroma do ovário poliquístico (PCOS), infecções crónicas entre
outras), em que a resistência à insulina, com carácter transitório ou definitivo é uma
alteração fisiopatológica de base. Acresce ainda, que o estado de insulino-resistência,
pode preceder por vezes em anos o eclodir das situações de morbilidade.
Concluindo, poderemos afirmar, que o conhecimento quanto à natureza da insulinoresistência, nomeadamente o seu impacto na saúde e na doença, as suas bases
bioquímicas e as formas da sua avaliação, permitem compreender e implementar um
conjunto de medidas de ordem preventiva e terapêutica, que privilegie e combata esta
alteração fisiopatológica.
Sensibilidade à insulina: como medir
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Sensibilidade à insulina: como medir
Luís Raposo
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Egas Moniz
A resistência à insulina é um fenómeno de reconhecida importância na patogénese da
diabetes mellitus tipo 2, estando ainda associada a diversas entidades patológicas de
que se destaca a obesidade, a hipertensão arterial e outros factores de risco vascular. A
avaliação da sensibilidade à insulina reveste-se assim, de grande interesse na prática
clinica.
De um ponto de vista genérico, podemos considerar duas metodologias para a medição
da sensibilidade à insulina: na sequência de uma intervenção dinâmica (por exemplo a
injecção ou perfusão de glicose e/ou insulina) ou em condições basais.
As técnicas de maior rigor utilizadas para a determinação da sensibilidade à insulina
recorrem a uma intervenção dinâmica e são de execução complexa e não apropriadas
à prática e investigação clínicas; destacam-se o clamp euglicémico hiperinsulinémico1 e
o teste de tolerância à glicose iv (TTGIV) com a análise do modelo mínimo - "minimal
model analysis"2.
O clamp euglicémico hiperinsulinémico é a técnica de referência na avaliação da
sensibilidade à insulina (SI). Consiste na infusão contínua de insulina com o objectivo de
induzir uma hiperinsulinémia; durante o exame a glicémia é fixada ("clampada") dentro
de valores normais, à custa de uma infusão variável de glicose, que acaba por atingir
uma fase estacionária ("steady-state"). O cálculo de SI é feito com base nas
necessidades de glicose e nos níveis de insulinémia em condições de "steady-state".
O teste de tolerância à glicose iv com colheitas frequentes (para doseamentos de
glicose e insulina) apresenta uma grande correlação com a técnica anterior. O cálculo
de SI é efectuado de acordo com a análise do modelo mínimo, que utiliza os resultados
dos vários doseamentos de glicémia e insulinémia efectuados no decurso do teste.
Em condições basais fisiológicas (após um jejum nocturno) os níveis sanguíneos da
insulina (I0) e da glicose (G0) podem ser correlacionados e permitem o cálculo de um
índice da sensibilidade (ou resistência) à insulina. Destacam-se a razão glicose /
insulina3, o índice de resistência à insulina do HOMA (homeostasis model
assessment)4,5, o índice de resistência à insulina FIRI (fasting insulin resistance index)6,
o índice de sensibilidade à insulina QUICKI (quantitative insulin sensitivity check
index)7,8.
10
Manual sobre Insulino-resistência
Estes índices são de simples determinação, têm uma boa correlação com as técnicas
mais fiáveis de medição da sensibilidade à insulina e são reprodutíveis; poderão ser por
isso adequados para uma utilização alargada em estudos de investigação clínica.
Os índices referidos têm porém algumas limitações: não podem ser aplicados em
indivíduos com defeitos da secreção de insulina (como é o caso da diabetes mellitus);
fornecem alguma informação indirecta sobre a retroalimentação entre o figado e as
células beta mas muito pouca sobre o efeito da insulina nos tecidos periféricos
(nomeadamente no tecido adiposo e músculo); de referir ainda, que nestas equações é
apenas considerado um valor de insulinémia, pelo que os resultados dependem da
precisão da sua medição.
Tendo em atenção as limitações dos índices de sensibilidade à insulina, o valor da
insulinémia em jejum poderá ser usado, em sua substituição como mero indicador da
sensibilidade à insulina, desde que exista um estudo populacional que suporte
especificamente a população em que é aplicado.
– Cálculo dos diversos índices de sensibilidade (resistência) à insulina:
A razão glicose / insulina é dada por:
Razão G / I = G0 (mg/dL) / I0 (µU/ml)
(uma razão < 6 sugere resistência à insulina)3
O índice de resistência à insulina determinado por HOMA é definido pela equação:
HOMA-RI = I0 (µU/ml) / 22.5 e – Ln Go ( mmol/l )
ou
HOMA-RI = [ I0 (µU/ml) x G0 ( mmol/l ) ] / 22.5
(valores médios: 2.06 ± 0.14)5
O índice de resistência à insulina FIRI é definido por:
FIRI = [ I0 (µU/ml) x G0 ( mmol/l ) ] / 25.0
(valor médio teórico de 1)6
O índice de sensibilidade à insulina denominado por QUICKI é definido por:
QUICKI = 1 / [ log I0 (µU/ml ) + log G0 (mg/dL) ]
(valores médios: 0.382 ± 0.007)7
Sensibilidade à insulina: como medir
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Manual sobre Insulino-resistência
Síndroma de insulinoresistência, síndroma metabólica: definições
Sandra Paiva
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital da Universidade de Coimbra
A constatação da coexistência frequente de hipertensão arterial, alterações da
homeostase da glicose, obesidade e dislipidémia em determinados grupos
populacionais ou no indivíduo, levou à descrição de uma síndroma clínica que as
associa e agrupa. Assim, em 1988, G. Reaven propõe a designação de síndroma X, que
engloba alterações da glicose, aumento das VLDL, diminuição das HDL e hipertensão
arterial1. Propõe também serem a insulinoresistência e o consequente hiperinsulinismo
os responsáveis fisiopatológicos desta associação, que determina um risco
cardiovascular acrescido. No entanto, a descrição inicial não incluiu a obesidade,
posteriormente referida com base na evidência de que a acumulação de tecido adiposo
intra- abdominal é fundamental para o aparecimento das alterações metabólicas
descritas. Em 1995, em artigo de revisão, Reaven propõe integrarem a síndroma X a
elevação do PAI-1 (inibidor do activador do plasminogénio) bem como a hiperuricémia2.
A importância desta síndroma torna-se cada vez mais conhecida, tomando designações
múltiplas na literatura: síndroma de insulinoresistência, síndroma plurimetabólica e
quarteto mortal3.
Os componentes que a definem variam também nas diversas publicações, o que
acentua a confusão terminológica. Alguns autores sugerem que as alterações
homorreológicas (alterações da homeostase e da reactividade vascular)4 e elevação dos
níveis séricos de leptina5 estão frequentemente presentes nesta entidade.
O relatório da Organização Mundial de Saúde de 19996 propõe a designação de
síndroma metabólica (argumentando não estar a obesidade central incluída na definição
original de Reaven ), definida como:
– intolerância á glicose (diminuição da tolerância ou diabetes mellitus) e/ou
– insulinorresistência (definida como captação da glicose inferior ao quartil mais
baixo para a população estudadad em clamp euglicémico) associadas a dois ou
mais dos seguintes componentes:
– hipertensão arterial (≥ 140/90 mmHg)
– hipertrigliceridémia (≥ 150 mg/dl) e/ou diminuição do colesterol-HDL (< 35
mg/dl nos homens e < 39mg/dl nas mulheres)
Síndroma de insulinoresistência, sindrome metabólica: definições
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– obesidade central ( relação cintura anca > 0,9 nos homens e > 0,85 nas
mulheres) e/ou IMC >30 Kg m-2
– microalbuminúria ≥ 20 £gg/24 horas ou relação albumina creatinina ≥ 30
mg/g
– outras componentes da síndroma foram descritas mas não são necessárias
para o diagnóstico
Esta definição impõe a realização de clamp euglicémico hiperinsulinémico, só realizado
em centros especializados, facto que lhe fez merecer algumas críticas. Neste contexto,
o EGIR (European Group for the Study of Insulin Resistance) defende a utilização de uma
definição com critérios mais simples e aplicáveis na prática clínica, sugerindo a seguinte
definição (aplicável apenas a indivíduos não diabéticos dada a dificuldade em
determinar a resistência à insulina nos últimos)7:
– insulinoresistência ou hiperinsulinémia de jejum e dois dos seguintes critérios:
– hiperglicémia (>110 mg/dl mas < 126 mg/dl)
– hipertensão arterial (≥ 140/90 mmHg)
– dislipidémia ( trigliceridios > 180 mg/dl ou colesterol-HDL < 40 mg/dl )
– obesidade central (cintura ≥ 94 cm nos homens e ≥ 80 cm nas mulheres).
Salienta-se que os componentes da síndroma metabólica podem anteceder por mais de
dez anos as alterações à homeostase da glicose, pelo que se torna mandatório o seu
reconhecimento para a prevenção e diminuição do risco cardiovascular.
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Manual sobre Insulino-resistência
Etiopatogenia
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Manual sobre Insulino-resistência
Etiopatogenia da insulino-resistência / hiperinsulinismo
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Etiopatogenia da insulino-resistência / hiperinsulinismo
Martim Martins
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Curry Cabral
Em termos conceptuais a insulino-resistência define-se como uma situação com uma
resposta biológica insuficiente à insulina endógena ou exógena. Para manter a
homeostase da glicemia é então necessário o desenvolvimento de um hiperinsulinismo
mantido, o que requer a capacidade adaptativa e de reserva da célulaβ; quando esta
falha, em geral ao fim de algumas décadas, surge então a hiperglicemia e a Diabetes
Mellitus1-3.
Sob o ponto de vista metabólico, a insulino-resistência evidencia-se nas células
hepáticas, musculares e adiposas. O músculo e o tecido adiposo são os principais
órgãos responsáveis pela utilização periférica da glicose em condições pós-prandiais;
assim a diminuição da produção dos transportadores de glicose GLUT-4, responsáveis
pela captação de glicose e defeitos de actividade da glicogénio sintetase muscular,
contribuem para hiperglicemia pós-prandial. O fígado é o principal responsável pela
produção de glicose em condições de jejum; assim a insuficiente inibição da
glicogenólise e gliconeogénese hepática, aparentemente em relação com alterações da
glicocinase hepática, contribuem para a hiperglicemia de jejum. O aumento relativo dos
níveis da glicemia e dos ácidos gordos circulantes que ocorrem nessas circunstâncias
podem contribuir para a insulino-resistência e para a lesão progressiva da célulaβ glico- e lipotoxicidade.
O receptor de insulina é constituído por quatro subunidades; 2 subunidades α,
extracelulares e duas subunidades β, transmembrana, formando dois pares αβ. A
insulina liga-se à subunidade a, e estimula a auto-fosforilação de três resíduos de
tirosina da subunidade b adjacente, o que resulta numa estimulação marcada da
actividade da ATP-ase incluída nessa subunidade β. Pelo contrário a fosforilação dos
resíduos de serina e treonina da subunidade β, que ocorre noutras circunstâncias,
resulta numa inibição da actividade da referida ATP-ase. A estimulação da actividade
desta ATP-ase resulta na activação de diversos mensageiros intracelulares de natureza
proteica, genericamente designados de substratos do receptor de insulina (IRS). Estes
activam por sua vez múltiplas outras proteínas intracelulares, nomeadamente as
fosfatidilinositol-3-cinases (PI3Ks) numa cascata amplificadora que afecta o
metabolismo intracelular das proteínas, hidratos de carbono e lípidos, além de resultar
em importantes efeitos sobre o crescimento celular. Os defeitos básicos da insulinoresistência não são completamente conhecidos, mas devem ocorrer na autofosforilação
dos resíduos de tirosina da subunidade β, ou nos fenómenos celulares pós-receptor.
18
Manual sobre Insulino-resistência
Embora os mecanismos exactos da insulino-resistência não sejam conhecidos e
possam até ser variáveis, tem sido possivel isolar vários factores. Assim o
hiperinsulinismo de qualquer causa determina insulino-resistência desde logo por
fenómenos de regulação homóloga negativa dos receptores de insulina ("receptor downregulation") e também por fenómenos pós-receptor – dessensibilização. A este respeito
poderão ser relevantes os dados relativos á hiperactividade parassimpática pelo menos
relativa, que ocorre na resistência à leptina que caracteriza a obesidade humana, na
medida em que esse é um factor conhecido da secreção de insulina.
O defeito da insulino-resistência é em grande parte reversível, podendo depender de
eventuais inibidores endógenos, ou diversas hormonas e factores nalguns casos de
identificação recente e com origem no tecido adiposo, como o factor de necrose tumoral
a e a resistina. De facto outras alterações do tecido adiposo, por exemplo ao nível dos
PPARs, ou dos receptores adrenérgicos β3, poderão justificar a insulino-resistência a
nível deste tecido.
De uma forma mais geral insulino-resistência e/ou o hiperinsulinismo podem ocorrer em
diversas fases do desenvolvimento e em diversas situações patológicas: 1) puberdade,
gravidez e idade avançada; 2) sedentarismo; 3) plano alimentar inadequado; 3)
obesidade, sobretudo a obesidade abdominal visceral; 4) Diabetes Mellitus tipo 2; 5)
endocrinopatias com excesso de hormona de crescimento (acromegalia),
glicocorticóides (síndrome de Cushing), catecolaminas (feocromocitoma), insulina
(insulinoma), glicagina (glucagunoma), hormonas tiroideias (hipertiroidismo) ou
androgénios (sindrome dos ovários poliquísticos). 6) Insuficiência hepática e
insuficiência renal; 7) Hipertensão Arterial; 8) Aterosclerose; 9) síndromes genéticos de
insulinoresistência extrema como o Leprecaunismo ou o síndrome de RabsonMendenhall, em algumas situações de lipodistrofia, a ataxia de Friedreich, a distrofia
miotónica e o síndrome de Alstrom; 10) autoanticorpos adquiridos contra o receptor de
insulina muitas vezes no contexto de outras doenças autoimunes, incluindo as
conectivites ou associado a uma forma de ataxia com telangiectasias; 11)
autoanticorpos adquiridos contra a insulina associados ou não à administração de
insulina; 12) alguns fármacos como os corticoesteróides, os progestagénios, agentes
β-adrenérgicos, diuréticos do tipo das tiazidas, ciclosporina e alguns anti-virais do tipo
dos inibidores das proteases1-3.
O problema é que ainda antes do aparecimento da diabetes com a sua fisiopatologia
própria, esta situação de insulino-resistência e hiperinsulinismo é em si mesma
patogénica constituindo o vulgarmente designado de Síndrome X, vulgarizado por
Reaven, que será discutido noutra secção deste manual.
Etiopatogenia da insulino-resistência / hiperinsulinismo
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20
Manual sobre Insulino-resistência
Causas genéticas
Mariana Pereira Monteiro
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António
A espécie humana debateu-se com milhares de anos de escassez nutricional condição
à qual teve de se adaptar desenvolvendo mecanismos de defesa favorecedores do
armazenamento energético em detrimento do gasto de energia. È possível que tenham
sido seleccionados genes que assegurassem o armazenamento óptimo da energia nos
períodos de jejum prolongado1.
O aumento da prevalência do síndrome metabólico, que tem sido observado nas últimas
décadas, pode, em parte, ser explicado por modificações ocorridas no ambiente,
nomeadamente o acesso fácil a alimentos de alta densidade energética associado a
estilos de vida com escassa actividade física. No entanto, estudos epidemiológicos que
demonstram a agregação familiar deste síndrome sugerem que factores genéticos que
condicionam insulino-resistência possam ter uma influência nos efeitos do ambiente
sobre o aumento das manifestações do síndrome metabólico1,2.
Os estudos a decorrerem com o objectivo de identificar os genes é baseada nos
conhecimentos actuais da cadeia de sinalização da insulina, desde a sua ligação ao
receptor até à activação do transporte da glicose4.
A insulina ao ligar-se ao seu receptor na membrana celular, estimula a autofosforilação
da porção intracelular da subunidade beta, que por sua vez induz a fosforilação ao nível
de resíduos de tirosina de um segundo mensageiro - o Substrato do Receptor da
Insulina (IRS), que actua como intermediário entre o receptor de insulina e outros
substratos intracelulares, como o fosfatidilinositol 3-cinase, activando-os. Inicia-se então
uma cascata de fosforilações com consequente activação de proteínas citoplasmáticas,
que permite a translocação de transportadores da glicose insulino-dependente 4
(GLUT4) do citoplasma para a membrana e concomitantemente a entrada de glicose
para o fluído intracelular.
Os principais genes que podem estar implicados na patogénese da insulino-resistência
são: o gene do receptor da insulina, os genes do IRS-1 e –2, o gene do PI 3-cinase e o
gene do GLUT44,5.
Estudos em animais transgénicos sugeriram que mutações com inactivação do gene do
receptor da insulina causa um síndroma de insulino-resistência grave com atraso de
crescimento intra-uterino e morte pós-natal precoce. Os animais com delecção do gene
IRS-1 desenvolvem insulino-resistência mas não hiperglicemia e a delecção do gene
Causas genéticas
21
IRS-2 causa um fénotipo idêntico ao da diabetes tipo 2 humana4.
Quando a pesquisa de mutações destes genes candidatos é aplicada em humanos com
insulino-resistência constata-se que as mutações do gene do receptor da insulina com
inactivação do mesmo ocorrem em síndromes muito raros com insulino-resistência
grave e incompatíveis com a vida, como o leprechaunismo e o síndrome de RabsonMendenhall. As mutações do gene do IRS-1 e –2, ocorrem com igual frequência em
populações com insulino-resistência e populações normais, ou seja, não concordantes
com os dados obtidos em animais de laboratório. As mutações do gene do PI 3-cinase
são difíceis de pesquisar por existirem múltiplas isoformas no homem. Em relação a
outros genes candidatos, como o GLUT 4, os dados são ainda escassos3,4,5.
Pode concluir-se que embora pareça existir um substrato genético para a insulinoresistência, não existem ainda dados definitivos que nos permitam afirmar qual o gene
ou genes implicados nesta entidade patológica2,5.
22
Manual sobre Insulino-resistência
Insulino-resistência e iatrogenia
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Insulino-resistência e iatrogenia
Cláudia Horta
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António
Na prática clínica, são utilizados vários fármacos que podem induzir fenómenos de
resistência à insulina, com implicações metabólicas mais ou menos importantes para o
doente.
Os corticosteróides são os mais frequentemente implicados. Podem ter acção directa
diminuindo o número de receptores de insulina e estimulando a produção de glicose
hepática por gluconeogénese1, ou actuar indirectamente aumentando a actividade da
lipoproteíno-lipase com o consequente aumento da captação de lípidos pelo tecido
adiposo visceral2. No contexto de diminuição da acção da insulina, a mobilização de
lípidos está deficiente, pelo que o resultado é a acumulação de gordura visceral. Por
outro lado, os corticosteróides aumentam a secreção de glucagon, hormona
hiperglicemiante por excelência, que naturalmente agrava o quadro de hiperinsulinémia
e resistência à insulina3.
Os progestativos aumentam a secreção de hormona de crescimento, mas o maior
contributo para a insulino-resistência advém do seu efeito glicocorticóide4.
O papel dos estrogénios e androgenios não é tão claro. Apesar de alguns dados
serem contraditórios, pensa-se que os estrogénios não induzam insulino-resistência
clinicamente significativa1. Relativamente aos androgénios, é bem conhecida a sua
capacidade de reduzir a acção da insulina in vivo, diminuindo a ligação da insulina ao
seu receptor e induzindo defeitos pós-receptor em mulheres com hiperandrogenismo1.
Todavia, tanto os estrogénios como os androgénios utilizados como forma terapêutica
em mullheres e homens com hipogonadismo e insulino-resistência, demonstraram que
facilitavam a mobilização de lípidos e diminuíam a acumulação de gordura visceral, pelo
que contribuíam para uma melhoria do síndrome2.
Um estudo recente demonstrou que a Diabetes tipo 2 era seis vezes mais frequente em
crianças tratadas com hormona de crescimento5. Sabe-se que o seu efeito antiinsulínico faz-se sentir não só na utilização periférica e hepática de glicose, como no
aumento da lipólise e libertação de ácidos gordos livres, contribuindo para o quadro de
insulino-reistência.
Alguns anti-hipertensores, como os diuréticos, beta-bloqeantes selectivos e não
selectivos e hiralazina, são passíveis de induzir resistência à insulina, intolerância à
glicose e dislipidemia6.
24
Manual sobre Insulino-resistência
Utilizados em menor escala, mas com repercussões não menos importantes,
encontram-se os inibidores da protease retroviral usados no tratamento da infecção
HIV, que diminuem de uma forma significativa a actividade do transportador de glicose
GLUT4 e que com grande probabilidade serão a causa da lipodistrofia, dislipidemia,
intolerância à glicose e Diabetes encontradas nestes doentes7.
O interferon também demonstrou ser capaz de induzir resistência à insulina nos tecidos
periféricos e esplâncnicos em doentes com hepatite crónica activa8.
A própria insulina regula o seu receptor por um mecanismo de "feed-back" negativo,
pelo que a hiperinsulinémia endógena ou exógena, é um potente antagonista da sua
acção1.
Concluindo, numerosos fármacos são capazes de induzir fenómenos de insulinoresistência mais ou menos acentuados, que num terreno susceptível, se traduzirão em
repercussões metabólicas mais ou menos importantes. Cabe ao clínico conhecê-los e
pesquisá-los, sempre que a instituição terapêutica tenha sido prioritária.
Insulino-resistência e iatrogenia
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Manual sobre Insulino-resistência
Insulino-resistência e estilo de vida
Helena Cardoso
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António, Porto
Para além dos factores genéticos, também os factores ambientais parecem estar
envolvidos na ocorrência da resistência à insulina, da diabetes tipo 2 e dos restantes
elementos da síndrome metabólica, como o demonstra a natureza epidémica da
obesidade e da diabetes tipo 2 a nível mundial.
A dimensão do problema em Portugal é semelhante. Segundo um estudo patrocinado
pela Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, 49,6% da população
portuguesa tem excesso de peso e 14,4% tem obesidade1. Outro factor de preocupação
é o aumento da prevalência da obesidade que se tem vindo a verificar nos últimos anos,
como ficou demonstrado num estudo realizado em mancebos presentes à inspecção
militar, em que se mostra que a prevalência do excesso de peso aumentou de 8,1% para
18%. de 1960 para 19902.
A nossa geração é provavelmente uma das mais sedentárias na história do mundo e na
verdade seria de espantar que com estas alterações do estilo de vida não houvesse
repercussões na prevalência das doenças a que nós chamamos doenças da civilização.
É interessante a correlação encontrada entre a sensibilidade à insulina e o número de
passos médios diários3.
O aumento da prevalência da obesidade, da resistência à insulina e da diabetes tipo 2
associado à mudança de uma alimentação rica em grãos, frutos e vegetais para uma
alimentação de grande densidade energética rica em gorduras e hidratos de carbono e
à alteração dos padrões de actividade física com a mudança para um estilo de vida
sedentário, fisicamente inactivo, tem sido observado em diferentes populações4,5.
Demonstrou-se em animais a rápida indução de resistência à leptina e à insulina
provocadas pelo excesso de nutrientes, com colapso de todo o sistema da leptina e da
sua capacidade de inibição do apetite, num processo sugestivo de facilitação do
armazenamento de nutrientes sob a forma de reservas lipídicas6. Estes mecanismos
estarão particularmente bem desenvolvidos nos individuos e animais predispostos ao
ganho de peso e à diabetes em consistência com a hipótese do genótipo poupador7 e
chamam a atenção para a importância da prevenção versus tratamento pela sua maior
eficácia.
Também a recente constatação de um risco aumentado de diabetes tipo 2 associado ao
tabagismo materno durante a gravidez e ao tabagismo em jovem vem reforçar a
Insulino-resistência e estilo de vida
27
importância da mudança do estilo de vida em várias vertentes8.
Como médicos, devemos ter sempre presente a dualidade do nosso papel: a nível da
micro-intervenção e da macro-intervenção. Na micro-intervenção actuando a nível do
nosso doente, pensando sempre que é mais fácil prevenir que tratar e, uma vez que a
resistência à insulina surge antes do aparecimento dos restantes elementos da sindrome
metabólica torna-se importante identificar essas pessoas uma vez que o seu tratamento
terá maior eficácia preventiva. Deve suspeitar-se de insulino resistência perante a
existência de antecedentes familiares de diabetes mellitus tipo 2, história pessoal de
diabetes gestacional, tolerância alterada à glicose ou síndrome de ovário poliquístico e
obesidade, principalmente obesidade visceral9. Nestes doentes as alterações do estilo
de vida com aumento da actividade física diária, aumento da ingestão de fibras e a
obtenção de um peso saudável são atitudes prioritárias devendo ser bem explicadas ao
doente as implicações de atingir este objectivo na alteração da história natural da
doença.
Devemos também tentar intervir a nível da família do nosso doente demonstrando que
cada um de nós individualmente tem de tomar medidas para se proteger e proteger a
sua família lutando contra a criação e manutenção de hábitos que a sociedade actual
estimula e pressiona a adquirir e que vão desencadear ou facilitar todo um processo
metabólico dirigido à reserva de nutrientes que numa época de abundância nutricional
e de sedentarismo vai ser altamente prejudicial.
A nível da macro-intervenção devemos actuar com a consciência que cada um de nós
deve também tentar intervir socialmente tentando lutar contra este estado de coisas.
Para impedir que a anunciada pandemia de obesidade e de diabetes tipo 2 se torne
realidade é urgente que em cada país as autoridades de saúde lancem campanhas para
promover mudanças do estilo de vida e dos hábitos nutricionais10,11. campanhas estas
que para serem eficazes terão de ser acompanhadas de intervenções a nível da política
dos transportes, da educação, das obras públicas, com acções concertadas visando
combater o sedentarismo - e estas acções, se bem publicitadas, serão bem recebidas
pela população. Só com este tipo de intervenção conseguiremos impedir o aumento
galopante das doenças da civilização: a obesidade, a diabetes, as doenças
cardiovasculares11.
Torna-se urgente criar organismos estatais de promoção da saúde e controlo e
prevenção das doenças crónicas, tal como já há noutros países, organismos esses que
estando sensibilizados para as medidas sociais que conduzem à prevenção destas e de
outras doenças, intervenham em prol da adopção deste tipo de medidas. Há urgência
em desenvolver planos globais e nacionais para prevenção da obesidade, diabetes
mellitus tipo 2 e toda a síndrome metabólica.
28
Manual sobre Insulino-resistência
Insulino-resistência
e comorbilidades
30
Manual sobre Insulino-resistência
Insulino-resistência e obesidade
31
Insulino-resistência e obesidade
Helena Cardoso
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António
A associação entre obesidade e resistência à insulina parece corresponder a uma
relação de causa efeito. Um dado a favor é o facto de, quer nos modelos de
experimentação animal, quer no Homem, o aumento de peso diminuir a sensibilidade à
insulina e a perda de peso aumentá-la, com repercussões também a nível da tolerância
à glicose1,2. O mecanismo subjacente a esta relação é porém discutível. Os ácidos
gordos livres parecem constituir uma importante ligação entre obesidade, resistência à
insulina e diabetes mellitus. Os ácidos gordos elevados provocam resistência à insulina
a nível hepático e periférico3,4,5. Os mecanismos possíveis para esta relação entre a
resistência à insulina e o nível plasmático de ácidos gordos livres são a inibição da
fosforilação e do transporte da glicose e a diminuição da actividade da sintase do
glicogénio muscular6. Os ácidos gordos livres também estimulam a secreção de insulina
nos indivíduos não diabéticos7, compensando assim a resistência periférica à insulina
que eles próprios medeiam. Outros autores propõem como explicação para a
hiperinsulinemia uma redução da captação de insulina pelo figado em resultado da sua
exposição a níveis elevados de ácidos gordos livres8. Boden defendeu que nos
indivíduos predispostos geneticamente à diabetes tipo 2 os ácidos gordos livres seriam
incapazes de promover uma secreção de insulina capaz de compensar o aumento da
resistência à insulina, o que resultaria em hiperglicemia9,10.
Vários autores demonstraram uma associação entre as reservas aumentadas de
triglicerídeos intramusculares e a diminuição da sensibilidade muscular à insulina
medida pela determinação da síntase de glicogénio estimulada pela insulina, e os
índices de resistência à insulina determinados pelo clamp euglicémico11.
O estudo cardiovascular de Quebec Cardiovascular Study demonstrou a associação da
obesidade visceral com a hiperinsulinemia, a resistência à insulina, a hipertrigliceridemia,
o aumento da concentração da apolipoproteína B, o aumento da proporção das LDL
pequenas e densas e a diminuição das concentrações do colesterol HDL. Das variáveis
estudadas foi a apolipoproteína B a que se correlacionou mais fortemente com a doença
cardíaca isquémica12,13,14. Perante a frequente observação de níveis de colesterol total
muito próximos do normal em doentes com obesidade visceral, com história de doença
cardíaca isquémica, Després descreve uma tríada aterogénica de que fazem parte a
hiperinsulinemia, o aumento das partículas LDL pequenas e densas e o aumento da
apolipoproteína B, associada a risco aumentado de doença coronária mesmo na
ausência dos factores de risco clássicos como a diabetes tipo 2, a hipercolesterolemia
e a hipertensão15,16. O nível dos triglicerídeos de jejum de 12 horas (>180mg/dl)
32
Manual sobre Insulino-resistência
associado ao perímetro da cintura (>90cm) tem demonstrado boa capacidade par
identificar esta tríada metabólica aterogénea em homens17.
A importância do perímetro da cintura na identificação da obesidade visceral resulta de
ser o parâmetro antropométrico com maior correlação com a área de tecido adiposo
visceral medida por TAC ou RM. A OMS e a SPEO consideram os valores de 80 e 88 cm
na mulher e de 94 e 102 cm no homem indicadores de dois níveis crescentes de risco.
A associação da hipertrigliceridemia ao aumento do perímetro da cintura será um
fenótipo identificador de obesidade/excesso de peso de alto risco.
É de salientar a importância da resistência à insulina como factor de risco cardiovascular
chamando a atenção para os diferentes fenótipos que o síndrome metabólico pode
apresentar, o perímetro da cintura devendo ser usado como um parâmetro vital a medir
em todos os doentes pela sua capacidade de identificar a obesidade visceral e de
monitorizar a sua modificação no tempo.
Insulino-resistência e alterações do metabolismo glicídico
33
Insulino-resistência e alterações do metabolismo glicídico
J. Sequeira Duarte
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Egas Moniz
A resistência à insulina e a falência da célula β do pâncreas, representam as duas
características mais marcantes da diabetes tipo 2 relacionada com a obesidade, mas
não é ainda claro como decorrem estas duas perturbações. Há no entanto um crescente
número de provas que indicam que estas duas alterações podem resultar, pelos menos
em parte, de uma modificação da normal dinâmica dos lípidos. Foi proposto que o
problema inicial, presumivelmente de origem genética, seja um defeito na via da leptina
de que resulta uma diminuição do tonus simpático do SNC e a reduzida capacidade dos
tecidos periféricos para oxidar os ácidos gordos livres (FFAs). Recentemente foi isolada
uma proteína desta família, denominada Resistina, num modelo experimental com
troglitazona. Os autores reclamam que a resistina pode explicar a etiopatogenia do
sindrome metabólico mas este trabalho precisa de ser confirmado e desenvolvido.
Neste modelo, a concomitante produção de acyl-CoA (LC-CoA) de longa cadeia na
célula muscular, para a qual a acumulação de gordura no interior das células musculares
é um marcador indirecto, interfere com a captação de glicose mediada pela insulina e
produz Insulino-Resistência. Paralelamente a redução do tonus simpático na célula b
causa hipersecreção de insulina que compensa a Insulino-Resistência, muscular mas
também promove a excessiva acumulação de gordura no fígado, em conjunto com a
produção excessiva de VLDL e o aparecimento de hipertrigliceridemia. A maior captação
de FFA das VLDL pelo músculo e a deposição de gordura exacerba a insulinoresistencia e leva à obesidade. A certa altura a gordura torna-se refractária ao efeito
antilipolítico da insulina, pelo que os níveis circulantes de FFA começam a subir. Isto
agrava o grau de hiperinsulinemia, hipertrigliceridemia e a resistência muscular à
insulina, e também reduz a capacidade da insulina para suprimir a produção hepática
de glicose, conduzindo assim à tolerância diminuída à glicose (IGT). Nos indivíduos
geneticamente predispostos, suspeita-se que a exposição crónica da célula β do
pâncreas aos FFA é prejudicial à sua função e tem um papel importante na progressão
de IGT para um quadro completo de diabetes tipo 2.
As provas que suportam este modelo têm algum valor. Daqui resulta que qualquer
estratégia que reduza a sobrecarga de lipídios no músculo, fígado e nas células b possa
conduzir a salutares efeitos nas perturbações metabólicas da diabetes tipo 2.
34
Manual sobre Insulino-resistência
A resistência à insulina sobre os tecidos alvo traduz-se por um aumento da produção
hepática de glicose (também aumentada pela hiperglucagonémia) e uma diminuição da
sua utilização muscular. 0 aumento da lip6lise no tecido adiposo provoca um aumento
da produção de ácidos gordos livres cuja oxidação estimula a neoglucogénese hepática
e inibe a utilização muscular da glicose. Não está provado que a resistência à insulina é
o primeiro defeito da Síndrome metabólica. Um defeito genético (X) ainda não
identificado deverá ser o problema inicial.
Insulino-resistência e hipertensão arterial essencial
35
Insulino-resistência e hipertensão arterial essencial
José Silva Nunes
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Curry Cabral
1) Hipertensão arterial (HTA) essencial como componente da síndrome de insulinoresistência (IR)
A HTA essencial constitui um dos componentes da síndrome de IR, conforme descrito
por Reaven em 1988. Contudo, a primeira descrição de aumento dos níveis de insulina
na HTA foi efectuada por Welborn na revista "Lancet", em 1966. Vários estudos
posteriores demonstraram a associação presente entre os níveis de insulina, não só com
os níveis tensionais (uma duplicação nos níveis de insulina associa-se a um aumento
médio de 31% nos níveis tensionais sistólicos e de 25% nos diastólicos), mas também
com outros factores de risco cardiovascular (triglicéridos, HDL-colesterol, ácido úrico,
fibrinogénio, PAI-1, ...). Contudo, só em 1987, Ferrannini demonstrou um aumento do
grau de IR, em doentes hipertensos, recorrendo à técnica padrão (clamp euglicémico
hiperinsulinémico); foi demonstrado que os doentes hipertensos apresentavam uma
redução média de 37% de sensibilidade à insulina, comparativamente aos controlos.
Foi também demonstrado que filhos, normotensos, de doentes com HTA essencial
apresentam já uma redução média de 15% na sensibilidade à insulina, redução esta
semelhante à verificada em filhos, normoglicémicos, de doentes com diabetes mellitus
tipo 2. Estes dados comprovam o papel da hereditariedade na transmissão do estado
de IR e que este estado precede o aparecimento da HTA.
Apesar da correlação comprovada entre IR e HTA, a HTA essencial é uma condição
multifactorial e nem todos os doentes com HTA essencial se apresentam com IR, nem
todos os doentes com IR têm HTA. A questão que persiste é saber se a IR, em indivíduos
geneticamente predispostos, induz o desenvolvimento de HTA ou se IR e HTA são o
resultado de um factor etiopatogénico comum que induza as duas condições,
eventualmente, com desfasamento temporal.
2) Mecanismos etiopatogénicos
Em indivíduos com IR, e geneticamente predispostos, vários mecanismos são sugeridos
como tendo um papel etiopatogénico no desenvolvimento da HTA:
a) hiperactividade adrenérgica;
b) acção anti-natriurética por
– aumento da reabsorção de sódio, a nível do tubo contornado proximal
– níveis aumentados de aldosterona (secundários à hiperactividade adrenérgica e,
possivelmente, devido ao efeito dos níveis aumentados de amilina a nível do
sistema renina-angiotensina-aldosterona)
36
Manual sobre Insulino-resistência
– redução da secreção de péptido natriurético auricular;
c) hiperactividade do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal;
d) hipersensibilidade ao sal ingerido na dieta;
e) redução na síntese de prostaglandinas vasodilatadoras;
f) vasoconstrição secundária ao aumento do cálcio intracelular (a IR conduz à
estimulação da bomba Na+/H+ e à inibição da actividade da Na+-K+-ATPase e da
Cálcio-ATPase ).
Contudo, embora estes mecanismos possam explicar a elevação dos níveis tensionais,
não são os responsáveis pela manutenção crónica daqueles. A HTA mantida deve-se,
possivelmente, ao aumento da resistência vascular periférica (RVP) induzida pela acção
trófica de vários factores e pela disfunção endotelial. A insulina, bem como vários outros
factores de crescimento, actua a nível da parede vascular, resultando na hipertrofia desta
e aumento da relação parede / lúmen. Por outro lado, a disfunção endotelial com
comprometimento da secreção de substâncias vasodilatadoras, como o óxido nítrico, e
aumento na secreção de factores vasoconstritores, como a endotelina, perpetua uma
RVP aumentada e subsequente aumento dos níveis tensionais.
3) Implicações na terapêutica da HTA no doente com SIR
Se a HTA é induzida pela IR, é óbvio que a melhoria do estado de IR, conduz a uma
melhoria da HTA. Estudos têm demonstrado uma redução dos níveis tensionais
proporcional à redução do grau de IR, independentemente da redução do peso corporal.
A adopção de medidas básicas de terapêutica, como a dieta e o exercício físico,
conduzem, por si só, à redução dos níveis tensionais e da insulinémia, em doentes com
grau significativo de IR. Além destas medidas, a introdução de terapêutica com
biguanidas ou tiazolidinedionas conduz a uma adicional melhoria da sensibilidade à
insulina e, assim, favorece a redução dos níveis tensionais.
Se, nestes indivíduos, a introdução das medidas básicas de terapêutica para combater
a IR e a HTA (dieta, exercício físico e restrição salina), junto com a terapêutica específica
para redução da IR, não são suficientes para normalizar os níveis de tensão arterial, há
que recorrer à terapêutica com agentes hipotensores.
Um dos principais elos de ligação entre a IR e a HTA parece residir na disfunção
endotelial. Uma terapêutica hipotensora que melhorasse, também, a função do
endotélio pareceria ter um duplo efeito benéfico; tal objectivo é conseguido com os
inibidores da enzima de conversão da angiotensina. Em relação aos restantes grupos
de agentes hipotensores, existe alguma variabilidade quanto ao nível de interferência
sobre o grau de IR, sendo consensual a contra-indicação relativa do uso de diuréticos
tiazídicos, nestes doentes.
Insulino-resistência e hipertensão arterial essencial
37
38
Manual sobre Insulino-resistência
Insulino-resistência e dislipidemia
39
Insulino-resistência e dislipidemia
Isabel Palma
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António
Insulinoresistência e hiperinsulinemia associam-se muitas vezes com outros factores de
risco vascular, condicionando um risco elevado de doença coronária. Entre estes
factores de risco inclui-se: a obesidade visceral, a hipertensão arterial, a intolerância à
glicose, a dislipidemia e as alterações da coagulação. O facto do metabolismo de todas
as lipoproteínas estar interrelacionado, leva a que alterações em uma ou duas
lipoproteínas expliquem o perfil lipídico que caracteriza a insulinoresistência (fig. 1).
Os três componentes major da dislipidemia que ocorre na insulinoresistência são:
1. aumento dos níveis plasmáticos de triglicerídeos (TG).
2. diminuição das lipoproteínas de alta densidade (HDL).
3. alteração na composição da lipoproteína de baixa densidade (LDL) .
A hiperinsulinemia e a obesidade central que tipicamente acompanham a insulinoresistência contribuem para a excessiva produção hepática de lipoproteínas de muito
baixa densidade (VLDL). As VLDL são constituídas por um núcleo lipídico (80-95% TG e
2-7% colesterol) rodeado por fosfolipidos, colesterol livre e apoproteínas (apo) (B 100,
CI, Cll, Clll, e apo E). Então, as alterações metabólicas da insulinoresistência que levam
à excessiva produção de partículas VLDL são:
1. aumento dos níveis plasmáticos de Ácidos gordos livres e glicose, os quais regulam
a produção de VLDL a nível hepático (aumento da produção de VLDL).
2. aumento dos níveis de TG no fígado, que inibem a degradação de apo B, a qual tem
como papel principal transportar lipídeos para fora do fígado.
3. diminuição dos níveis de lipoproteína lípase (LPL). Esta enzima é sintetizada no tecido
adiposo e muscular e actua na lipólise das lipoproteínas ricas em TG. A sua
diminuição leva a diminuição da "clearance" destas partículas.
4. aumento da síntese de apo CIII (componente apoproteico major das VLDL). Esta apo
interfere com a acção da LPL, diminuindo-a e interfere com a captação dos
remanescentes VLDL por intermédio dos receptores hepáticos das LDL.
Como resultado final temos aumento de lipoproteínas ricas em TG.
As HDL são constituídas por 5-10% TG, 15-25% colesterol, 20-30% fosfolipidos e por
uma variedade de apoproteínas (apo AI, II, IV, Apo CI, II, III, e Apo E).
Apesar dos mecanismos que regulam o metabolismo da HDL não serem
completamente conhecidos, a diminuição do potencial aterogénico levada a cabo por
estas lipoproteínas é por todos incontestável.
40
Manual sobre Insulino-resistência
Os mecanismos que na insulinoresistência podem levar a diminuir as HDL são:
1. alteração da lipólise de partículas VLDL, que impede o transporte de apo e
fosfolipidos das lipoproteínas ricas em TG para as HDL.
2. troca de éster de colesterol das HDL por TG das VLDL.
3. aumento da actividade da lípase hepática (aumento da "clearance" das HDL).
4. alteração na função hepática com diminuição da produção de apo A1 e/ou
diminuição da secreção hepática de partículas HDL nascentes.
As partículas LDL são constituídas por colesterol 40 a 50% (70% do qual está
esterificado), 5 a 15% TG e 20 a 25 % de fosfolipidos. A apo característica, quase
exclusiva, é a apo B100. As LDL são caracterizadas por heterogenecidade na
densidade, tamanho e composição.
Vários estudos têm demonstrado que doentes com insulinoresistência têm
caracteristicamente partículas LDL pequenas e densas (tipo B), as quais estão
depletadas de ésteres de colesterol e enriquecidas de apo B. A associação de
insulinoresistência e diâmetro de partículas LDL não se relaciona directamente com os
níveis de insulinemia mas com alterações do metabolismo lipídico. Os mecanismos
envolvidos na formação das LDL pequenas e densas são:
1. troca de ésteres de colesterol das LDL por TG das VLDL. Produção de partículas LDL
ricas em TG que podem sofrer lipólise transformando-se em partículas pequenas e
densas.
2. alteração no metabolismo das VLDL, levando à produção de partículas LDL
depletadas de colesterol.
Vários estudos têm demonstrado que níveis elevados de fibrinogénio e alterações da
fibrinólise, são mais frequentes em diabéticos que não diabéticos e que é o estado de
insulinoresistência mais que hiperinsulinemia per si que se relaciona com a
hiperfibrinogenemia.
Os níveis de inibidor do activador do plasminogénio (PAI 1) correlacionam-se com a
quantidade de gordura visceral e estão aumentados na insulinoresistência.
Todos os componentes da tríade aterogénica (aumento TG, diminuição HDL, LDL tipo
B), e as alterações protrombóticas (aumento do fibrinogénio, aumento do PAI -1), estão
relacionadas com a insulinoresistência e promovem independentemente o
desenvolvimento de aterotrombose
Insulino-resistência e dislipidemia
41
42
Manual sobre Insulino-resistência
Prevenção e
tratamento
44
Manual sobre Insulino-resistência
Actividade física (AF) e insulino-resistência (IR)
45
Actividade física (AF) e insulino-resistência (IR)
J. L. Themudo Barata
Laboratório de Exercício e Saúde da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa
Plano e objectivos deste capítulo
Dado que este livro se centra na IR em concreto e não na diabetes em geral, não se
analisarão as especificidades da AF nos diabéticos, como sejam os necessários ajustes
da alimentação, das doses e locais de administração dos fármacos antes da AF, nem os
problemas especiais que várias das complicações da diabetes, como as
cardiovasculares, o pé diabético, a disautonomia, etc., levantam à prática física. As
normas orientadoras em relação à AF nestas situações podem ser encontradas em
literatura nacional1 e internacional11.
Este capítulo centra-se em 4 pontos:
1. Análise sumaria dos mecanismos directos da AF na sensibilidade à insulina.
2. Análise sumaria dos mecanismos indirectos da AF na sensibilidade à insulina, através
dos seus efeitos na composição corporal e na massa gorda.
3. Dado que a IR é o pilar central do síndroma metabólico, cujos outros constituintes
também são alvo dos benefícios de prevenção primária e secundária da AF,
mencionam-se os efeitos da AF nos outros componentes do síndroma metabólico.
4. Discutem-se esquemas concretos de AFs mais indicadas nestes pacientes.
Distinguem-se as vantagens da AF na prevenção primária ou secundária da IR.
1. Efeitos directos da AF na sensibilidade à insulina
A AF é determinante na sensibilidade do músculo esquelético à insulina, com as
vantagens óbvias que daí resultam. O "Insulin-like effect of exercise" foi referido por John
Ivy há mais de uma década. Indivíduos treinados, sejam obesos ou normoponderais,
têm insulinémias e concentrações de triglicéridos intramusculares menores que os seus
semelhantes sedentários.
Está demonstrada uma nítida correlação negativa entre hábitos de AF regular e
incidência de diabetes tipo 2, na qual a primeira alteração que surge é a IR. Isto tanto é
claro em estudos clássicos, como o Nurses Health Study2 e o Physicians' Health Study3,
como em estudos mais recentes4 e mostra a indiscutível importância dum estilo de vida
activo na prevenção primária da IR e, portanto, da diabetes tipo 2. Esperam-se para
daqui a 2 anos dados de grande impacto do US Diabetes Prevention Program,5 em que
numa grande população a promoção de hábitos de AF será comparada com a
administração de metformina.
46
Manual sobre Insulino-resistência
A captação muscular da glucose do sangue aumenta apenas nas horas seguintes a
uma sessão de AF (last bout effect), o que demonstra a necessidade de a AF ser regular,
de modo a perpetuar esta acção.
Quer a insulina, quer a AF promovem a activação dos GLUT-4, os maiores
transportadores transmembranários de glucose, embora ainda não se saiba ao certo se
a acção duma e outra sobre os GLUT-4 depende dos mesmos mecanismos
intracelulares. Dado que têm efeitos aditivos na captação de glucose, admite-se que os
seus mecanismos sejam diferentes6.
2. Efeitos indiretos da AF sobre a IR via acção sobre a gordura corporal
A AF é importante na mobilização da massa gorda em geral e sobretudo da gordura
abdominal profunda. Por outro lado, a IR é proporcional ao excesso de massa gorda
(MG), sobretudo abdominal profunda. São estas razões que levam a afirmar que nos
indivíduos com excesso de MG e obesos, estes efeitos indirectos da AF sobre a
sensibilidade à insulina são mais sensíveis que os seus efeitos directos, referidos em 1.
A descoberta recente da resistina, outra hormona produzida pelos adipocitos, vem
consubstanciar estas relações conhecidas de há longo tempo entre obesidade e IR7.
A importância da AF regular na manutenção do peso após corrigido, é ainda superior à
sua importância na diminuição do peso, como tem sido repetidamente demonstrado8.
3. AF regular e outros constituintes do síndroma metabólico
A IR é o pilar central do síndroma metabólico. Não sendo este o tema do presente
trabalho, não queremos deixar de mencionar as vantagens provadas da AF regular
sobre o perfil lipídico, a HTA, a diabetes de tipo 2 e em factores de risco trombogéneos1.
4. AF necessária e esquemas concretos
Os princípios que norteiam a AF na prevenção ou correcção da IR são os mesmos que
a norteiam para a promoção da saúde em geral. Os consensos actuais9,10 referem que
Mínimos necessários – Grandes benefícios para a saúde podem ser obtidos por
pequenas doses de AF diária (ou quase), como 45 minutos de AF ligeira (voleibol
recreativo, marcha lenta, etc), 30 minutos de AF moderada (marcha rápida), ou 15
minutos de AF um pouco mais intensa (corrida lenta ou marcha atlética). Daqui se deduz
que a intensidade e a duração da AF necessárias são inversamente proporcionais. Esta
AF total tanto pode ser contínua como fraccionada ao longo do dia e deve corresponder
a um mínimo de 2000 Kcal semanais repartidas nos vários dias, no mínimo de 5. Não se
pode dizer que seja pedir muito em termos de tempo, atendendo ao que está em jogo!!!.
Em muitos estudos que constataram pouca eficácia do exercício na redução do peso ou
da IR, uma razão frequente para esta conclusão é que em muitos casos ele é realizado
em doses insuficientes.
Actividade física (AF) e insulino-resistência (IR)
47
A marcha tem várias vantagens: é acessível a todos, logisticamente fácil, não tem riscos
importantes, nomeadamente é de baixo impacto osteo-articular. Com marcha conseguese fazer trabalho ligeiro, moderado ou intenso. É fácil calcular o dispêndio calórico da
marcha com a equação seguinte: Kcal = Peso do indivíduo em Kg x distância em Km X
0,8. Por exemplo, um indivíduo de 90 Kg ao fim de 5 Km terá gasto em média 90 X 5 X
0,8 = 360 Kcal. Equivalentes calóricos para outras formas de AF podem ser preditos por
equações similares ou por diversas tabelas11,12.
Ligeiras vantagens adicionais na saúde e na condição física podem ser obtidas com
o aumento destas cargas, quer em termos de tempo e/ou de intensidade, dado que os
benefícios da AF são dose-dependentes até certo limite.
Nos indivíduos com excesso de peso ou obesidade, a sua má condição física e/ou
comorbilidades da obesidade aconselha intensidades de esforço mais baixas devendose privilegiar a quantidade de AF (duração e regularidade) em detrimento da
intensidade. Quando o objectivo é emagrecer, e em termos de marcha rápida, o ideal é
que ela seja de 1 hora por dia. A AF e o plano alimentar em conjunto devem proporcionar
um défice energético diário de 500 a 1000 Kcal, de modo a ter perdas ponderais
semanais de 0,5 a 1 Kg, que são adequadas na maioria dos casos.
Papel dos exercícios de força – Idealmente, ao tipo de trabalho anterior devem
associar-se, pelo menos 2 vezes por semana, estes exercícios, popularmente
designados de musculação, sobretudo nas mulheres devido ao seu maior risco de
osteoporose. Quando os exercícios de força se inserem num programa de
emagrecimento têm características próprias. Este tipo de trabalho vai complementar os
efeitos obtidos pelo treino aeróbio geral11 mas não é imprescindível.
AF contínua ou fraccionada? A partir da década de 80 constatou-se que os benefícios
sobre a saúde duma AF contínua ou fraccionada ao longo do dia eram iguais. Dados
mais recentes do Center for Disease Control dos EUA voltam a valorizar a AF contínua,
como se afirmava nas décadas de 60 e 70, sobretudo para emagrecer9.
AF espontânea (informal) ou organizada (formal)? A prática de AF programada
(programa de marcha, ida ao ginásio, etc.) não dispensa um estilo de vida activo durante
o dia, (actividades profissionais, lúdicas e familiares da vida diária, tais como deslocarse a pé no e/ou para o trabalho, passear os animais, bricolage, passatempos familiares
activos, etc.), havendo uma relação inversa entre as necessidades de cada uma destas
formas de AF, conforme a importância da outra.
48
Manual sobre Insulino-resistência
A alimentação no síndrome de insulinoresistência
M. João Oliveira
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Pedro Hispano
Nos últimos 30 anos verificou-se uma mudança acentuada nos hábitos alimentares da
população portuguesa quer no que diz respeito a valores quantitativos – consumo
calórico – quer qualitativos. Portugal (juntamente com a Grécia) é actualmente o país
europeu com maior consumo calórico médio diário por pessoa. É ainda de salientar
nestes anos, o consumo crescente de proteínas e gorduras animais em contraste com
o acentuado decréscimo no consumo do azeite. Paralelamente quase 30% da
população portuguesa apresenta um IMC superior a 27 Kg/m21.
A alimentação é um elemento crucial no campo da prevenção e tratamento do S. de
Insulinoresistência ( e de todos os seus componentes, individualmente). Idealmente esta
prevenção e a "educação alimentar" deveriam iniciar-se nos primeiros anos de vida pois,
mais tarde, a prescrição de um plano alimentar pode implicar uma alteração radical de
hábitos já enraizados.
O sucesso a longo termo das chamadas "dietas" é baixo atendendo a que a aderência
vai diminuindo com o passar do tempo e é assim essencial "individualizar" e "negociar"
em lugar de prescrever. Ou seja, na elaboração de um plano alimentar nunca devem ser
esquecidas as preferências alimentares pessoais, certos factores culturais, sociais,
educacionais e económicos. Por vezes revela-se suficiente alterar o tipo de alimentação
como, por exemplo, conseguir uma redução do consumo de gorduras2.
Os objectivos da intervenção nutricional no S. de Insulinoresistência poderão consistir em:
– Reduzir o aporte calórico em caso de excesso de peso ou obesidade, contribuindo
para a redução da insulinoresistência;
– Fraccionar a ingestão alimentar ao longo do dia de forma a proporcionar uma maior
saciedade e reduzir as oscilações glicémicas no doente diabético;
– Reduzir a ingestão de gorduras e aumentar o consumo de hidratos de carbono
complexos (ricos em fibras solúveis, com baixo índice glicémico) reduzindo assim os
níveis de glicemia, insulinemia e de lipídeos plasmáticos e o risco de doença cardiovascular3;
– Reduzir o consumo de sódio melhorando o controlo da HTA;
Na prática:
1. Número de refeições:
A alimentação deve ser fraccionada ao longo do dia, evitando longos períodos de jejum
alternados com refeições abundantes e densamente calóricas. Geralmente e
A alimentação no síndrome de insulino resistência
49
dependendo das necessidades energéticas e da actividade do indivíduo recomendamse 3 refeições principais e 3 ou 4 snacks. É imprescindível repartir a ingestão dos
hidratos de carbono por estas refeições.
2. Aporte calórico:
A ingestão calórica deverá ser individualizada de acordo com a actividade física e com
o índice de massa corporal (IMC). Apesar de ser rara a utilização de dietas de muito
baixo valor calórico (menores que 1000 Kcal/dia) sabe-se que a restrição calórica
melhora a sensibilidade à insulina ( e o controlo da diabetes - efeito este independente
da perda de peso?) e reduz o nível de ácidos gordos livres circulantes4.
3. Composição alimentar:
De uma forma simples e elementar a ingestão calórica diária divide-se em:
Hidratos de carbono - 50 - 60% do valor calórico total;
Proteínas - 15 - 20% do valor calórico total;
Lípidos - até 30% do valor calórico total, dos quais os saturados devem ser <= 10% e
os polinsaturados <= 10%.
Hidratos de carbono
Da classe dos hidratos de carbono enfatiza-se a ingestão dos polissacáridos,
nomeadamente H.C. complexos ( como cereais, legumes e leguminosas) que pela sua
digestão mais lenta conduzem a menores variações da glicemia, produzem um efeito
maior de saciedade e concorrem para a diminuição do colesterol LDL.
Os monossacáridos e também os dissacáridos caracterizam-se pela sua absorção mais
rápida conduzindo a picos de glicemia pós prandiais. Enquanto a glicose e a sacarose
estão contra indicados, a frutose e a lactose se ingeridos em quantidades convenientes
e associados aos polissacáridos têm pouco efeito na elevação da concentração
plasmática da glicose5.
Na elaboração dum plano alimentar com vista à prevenção ou tratamento do síndrome
de insulinoresistência parece importante atender-se ao índice glicémico dos alimentos –
alimentos com baixo índice glicémico estão associados ao aumento do colesterol HDL,
aumento da sensibilidade à insulina e redução do risco de aparecimento da diabetes
tipo 2. É sabido que a resposta pós-prandial da glicemia e insulinemia depende da
quantidade de H.C. ingeridos, da sua velocidade de absorção e também do seu índice
glicémico. São exemplos de H.C. com baixo índice glicémico: lentilhas, algumas
massas, pão de farinhas não refinadas e os frutos são preferidos aos respectivos
sumos6,7,8,9.
50
Manual sobre Insulino-resistência
Proteinas
As proteinas da dieta são necessárias para a manutenção da massa magra, contudo as
proteinas estão continuamente a ser sintetizadas e degradadas e os amino-ácidos
resultantes podem ser reciclados, embora de forma incompleta, o que origina que o
valor e a ingestão proteica diárias são geralmente superiores ao mínimo necessário.
A ingestão recomendada é de 0.8 – 1.0 gr de proteína / Kg peso / dia o que representa
56 gr. de proteína dia num homem de 70 kg ou 11% da energia calórica total numa dieta
de 2000 Kcal / dia.
Nas crianças e jovens em crescimento e nos idosos o aporte diário eleva-se para 1.0 –
1.25 gr / Kg peso.
Em caso de insuficiência renal recomenda-se uma restrição proteica (0.6 – 0.8 gr /kg
/dia) que poderá retardar a progressão da doença.
A ingestão de proteinas de origem animal terá de ter em conta a possibilidade de aporte
simultâneo de gordura animal, nomeadamente de colesterol (com propriedades
aterogénicas). Por outro lado, no diabético, a ingestão proteica isolada não conduz a
aumento da glicemia plasmática e beneficia a insulino-secreção se conjunta com
hidratos de carbono5.
Lípidos
A restrição da gordura da dieta resulta em perda de peso e restringir as gorduras
saturadas (essencialmente gorduras sólidas de origem animal muito ricas em colesterol)
para menos de 10% do valor calórico total tem um efeito benéfico no nível de lipidos e
na sensibilidade à insulina10.
Um estudo realizado em indivíduos saudáveis mostrou que uma dieta rica em gordura
monoinsaturada melhora a sensibilidade à insulina quando comparada a uma com
predomínio de gorduras insaturadas. Contudo, este efeito benéfico desaparece se a
ingestão total de lipidos excede 38% do valor calórico total diário8.
É menos evidente como a percentagem das gorduras poliinsaturadas (essencialmente
óleos de origem vegetal) duma dieta pode afectar os níveis plasmáticos de lipidos e
glicose, contudo é de consenso que esta não ultrapasse 10% do valor calórico total.
Logo, as gorduras monoinsaturadas (azeite, óleo de amendoim) devem representar pelo
menos 10% do valor calórico da dieta.
Os ácidos gordos omega 3 são o principal constituinte dos óleos de peixe de água fria.
Reduzem os triglicerídeos e parecem diminuir a trombogenicidade e melhorar a
A alimentação no síndrome de insulino resistência
51
actividade plaquetária, contudo elevam o colesteroal LDL e não têm efeito no controlo
glicémico. Devem ser utilizados como suplemento apenas naqueles casos em que não
se consegue controlar os triglicerídeos11.
Alcool
Poucas vezes e em pequenas quantidades ou nunca?
Sabe-se que a ingestão regular em pequenas quantidades de alcool eleva o colesterol
HDL e a secreção de insulina estimulada pela glicose e reduz a gluconeogenese
hepática reduzindo a insulinoresistência. Contudo, o alcool é responsável pela elevação
dos triglicerideos, implica um maior consumo calórico e um maior risco de hipoglicemias
principalmente no diabético insulinotratado.
O seu uso deve ser ponderado e criterioso5,12.
Micronutrientes - vitaminas e anti-oxidantes
Não há necessidade de suplementação vitaminica desde que a dieta seja variada e
equilibrada e o seu uso restringe-se a casos específicos de défice ou outros como
grávidas, lactantes, lactentes e pessoas em dietas hipocalóricas com ingestão de
menos de 1200 Kcal/dia.
Os anti-oxidantes como a vitamina E e C e os carotenoides neutralizam os radicais livres
prevenindo processos oxidativos de lesão celular como os existentes na aterogenese. A
vantagem da sua suplementação por rotina permanece em estudo5.
52
Manual sobre Insulino-resistência
Sindrome metabólico – estratégias de pervenção
53
Sindrome metabólico – estratégias de prevenção
Elisabete Rodrigues
Serviço de Endocrinologia do Hospital S. João - Porto
Num contexto internacional pode considerar-se o estado nutricional de grande parte da
população dos países ocidentais como sendo bom. À medida que a situação sócioeconómica foi melhorando, também a saúde e o estado nutricional melhoraram, visto
que, o acesso aos alimentos tornou-se facilitado, deixando de existir problemas de
saúde por défices energéticos ou nutricionais. De facto, a esperança média de vida
nunca foi tão elevada como nos dias de hoje. Contudo este padrão de vida elevado nas
últimas décadas também criou novos problemas. Actualmente as doenças mais
prevalentes nos países industrializados são o cancro e as doenças cardiovasculares,
ambas claramente relacionadas com o estilo de vida. O grande aumento, nos últimos
anos, destas e doutras doenças crónicas, incluindo o síndrome metabólico, tornou
imperativo o desenvolvimento de uma abordagem preventiva destas doenças, além das
medidas terapêuticas.
O sindrome metabólico consiste no agrupamento no mesmo indivíduo de vários factores
de risco cardiovascular, nomeadamente obesidade abdominal, dislipidemia
caracterizada por aumento dos triglicerídeos e diminuição do colesterol HDL e
hipertensão arterial.
O denominador comum a estes factores parece ser a insulino-resistência, e de facto em
termos de fisiopatologia do sindrome metabólico tem sido proposto que a insulinoresistência parece ser o defeito primário. Todavia é também possível que a insulinoresistência possa ser secundária, por exemplo à obesidade abdominal.
Em geral a contribuição genética para a insulino-resistência é da ordem dos 40% o que
significa que os factores ambientes desempenham um papel mais importante que os
factores genéticos. Poder-se-á concluir que para o desenvolvimento da insulinoresistência predominam factores ambientes e que a obesidade, particularmente a
gordura intra-abdominal desempenha um papel específico.
Por outras palavras, na maioria dos casos o sindrome metabólico é originado pelo estilo
de vida excessivo das sociedades ocidentais, mas tende a desenvolver-se em indivíduos
geneticamente susceptíveis. De facto, cada um dos componentes deste sindrome está
relacionado com a dieta: obesidade (balanço entre ingestão e dispêndio energético;
densidade energética); hipertensão arterial (obesidade; ingestão de sal); dislipidemia
(obesidade; ingestão de gordura).
54
Manual sobre Insulino-resistência
Os avanços no conhecimento dos factores genéticos responsáveis pelo sindrome
metabólico poderão ajudar na sua prevenção.
Porém, de momento, assume crucial importância a promoção de um plano alimentar
adequado, e a modificação do estilo de vida com aumento da actividade física e
diminuição do sedentarismo, sem os quais não será possível evitar/ tratar a obesidade,
que é central no desenvolvimento deste sindrome.
A abordagem em termos de prevenção deverá combinar esforços em 3 níveis diferentes:
1. Prevenção universal ou medidas de Saúde Pública (dirigida a toda a população)
2. Prevenção selectiva (dirigida a subgrupos da população com maior risco individual de
desenvolver insulino-resistência)
3. Prevenção específica (dirigida a indivíduos de alto risco)
Recomendações gerais para a prevenção do sindrome metabólico:
– Actividade física regular, de preferência diária
– Evitar sobrecarga ponderal, através da adaptação da ingestão calórica ao dispêndio
energético; para a maioria das pessoas significa aumentar a actividade física diária e
reduzir ingestão calórica.
– A ingestão de gordura não deve exceder 30% do valor calórico total; para a maioria
das pessoas significa diminuir a ingestão de gordura e tal diminuição deve ser
fundamentalmente através da redução de ácidos gordos saturados, os quais não
devem ultrapassar 10% da energia ingerida.
– A ingestão de fibra deve aumentar para 25-30 g/dia
– A ingestão de açúcares refinados deve ser igual ou inferior a 10% da ingestão calórica,
especialmente em dietas hipocalóricas
– A ingestão de sal deve diminuir . 5-6 g/dia
– A ingestão de álcool deve ser moderada ou mesmo abolida
– Deve aumentar o consumo de hidratos de carbono complexos (pão, massa, arroz,
batata)
– Deve consumir-se diáriamente alimentos de todos os grupos da pirâmide alimentar
– Evitar modos de confecção com gordura (ex. fritos, molhos)
– A ingestão diária deve ser repartida por 3 refeições principais e 2 ou mais snacks
Sindrome metabólico – estratégias de pervenção
55
56
Manual sobre Insulino-resistência
Terapêutica farmacológica
57
Terapêutica farmacológica
M. Helena Ramos
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António - Porto
Devido à estreita correlação entre insulinoresistência e hiperinsulinemia, devemos utilizar
como terapêutica farmacológica, agentes que reduzam aumentem ou melhorem a
acção intracelular da insulina e agentes que reduzam a hiperglicemia. Dentro destas
acções, podemos dispôr de três tipos de fármacos – biguanidas (metformina) –
inibidores da _ glicosídase (acarbose) e – tiazolidinedionas.
Biguanidas
Desta classe farmacológica, a única de que dispomos actualmente é a metformina
comercializada sob as designações de:
"Risidon" – cloridrato de metformina – 850 mg/cp
"Stagid" – embonato de metformina – 700 mg/cp_
280 mg metformina
"Glucophage" – cloridrato de metformina – 500 mg/cp
A metformina tem vários mecanismos de acção de que se destaca a diminuição da
produção hepática de glicose, redução do peso corporal e do hiperinsulinismo
acompanhado de diminuição do inibidor do activador do plasminogénio (PAI – 1) e ainda
a redução dos triglicerídeos, colesterol total e LDL e aumento do colesterol HDL, o que
se torna altamente benéfico no tratamento da dislipidemia que acompanha a
insulinoresistência.
A metformina está contra-indicada em casos de cetose, doença grave intercorrente,
cirurgias, traumatismo grava, gravidez, aleitamento, insuficiência hepática, renal,
respiratória ou cardíaca. No caso de exames radiológicos com contraste, deve
suspender-se 48 horas antes da sua realização por risco de acidose láctica.
Os efeitos laterais são gastro-intestinais como diarreia, náuseas, sabor metálico, má
absorção de vitamina B12 e folatos em terapêuticas muito prolongadas e com deficiente
aporte nutricional e muito raramente acidose láctica.
Recomenda-se começar a terapêutica com uma dose baixa a seguir às principais
refeições, que se pode aumentar progressivamente até à dose máxima de 2 a 2,5 g/dia.
Inibidores da glicosídase
Podemos dispôr da acarbose em doses de 50 e 100 mg/cp ("Glucobay 50" e Glucobay
100") e do miglitol nas mesmas doses ("Diastabol 50" e Diastabol 100").
58
Manual sobre Insulino-resistência
O seu mecanismo de acção permite atenuar as elevações da glicemia póst-prandial,
diminuindo o estímulo pancreático e consequentemente o hiperinsulinismo.
Como efeitos laterais apontam-se essencialmente os gastro-intestinais como dores
abdominais, meteorismo, flatulência e por vezes diarreia. Aconselha-se começar com
uma dose baixa (50mg) no início duma refeição principal que se vai aumentando
semanalmente de acordo com as necessidades terapêuticas até um máximo de 300
mg/d.
Estão contra-indicados em doentes com doença inflamatória intestinal, ulceração do
cólon, obstrução intestinal, hérnias abdominais, gravidez e aleitamento.
Tiazolidinedionas
São agentes sensibilizadores da insulina, estando o seu mecanismo de acção
relacionado com o receptor gama activado de proliferação dos peroxizomas (PPAR_) de
que são agonistas. O PPAR_ é um receptor nuclear que se expressa sobretudo no tecido
adiposo e em menor grau no músculo liso, fígado e outros tecidos. Actuam formando
um complexo com o receptor do retinóide X aumentando a transcrição de vários genes
sensíveis à insulina. Este mecanismo de acção induz a utilização de glicose e ácidos
gordos pelo adipócito, promovendo a lipogénese. Aumentam a glicogénese e a
utilização periférica da glicose, podendo ainda reduzir a produção hepática da glicose.
Todas estas acções contribuem para a redução da resistência à insulina.
Conhecem-se vários compostos químicos deste grupo tais como a troglitazona,
rosiglitazona, pioglitazona e outros. A rosiglitazona está comercializada no nosso país
com a designação de Avandia na dose de 4 mg.
Ao contrário da troglitazona, não interfere com qualquer das enzimas do citocromo
P450. Embora o risco da doença hepática seja baixo, é recomendável vigilância analítica
da função hepática.
Como efeitos laterais, temos cefaleias, dores musculares e retenção de líquidos. Pode
aumentar o peso como consequência do aumento de apetite que provoca.
Conclusões
Conclusões
61
Conclusões
Helena Cardoso
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António
É preciso lançar a semente....
E nós médicos temos a obrigação de a lançar e mais do que tratar, devemos prevenir,
educar, mostrar as atitudes a tomar e as razões para o fazer. Para sermos eficazes nas
nossas prescrições temos de explicar os motivos, falar dos trabalhos que levaram a
certas conclusões e daí a derterminadas prescrições.
O Grupo de Estudos da Insulino-resistência (GEIR) da Sociedade Portuguesa de
Endocrinologia Diabetes e Metabolismo assume essa obrigação e lança este manual
com o objectivo de sensibilizar os colegas para a Síndrome Metabólica e para todo o
risco cardiovascular que lhe está associado, para as manifestações desta síndrome e
para a sua identificação precoce, para a sua prevenção.
Tentar com um imenso esforço impedir os estragos que todo um estilo de vida da
sociedade actual provoca é tarefa muito dura. É um trabalho árduo e inglório. Tratar as
sequelas desta síndroma, os pós-enfartes, as sequelas dos acidentes vasculares
cerebrais é desgastante. É a chamada micro-intervenção.
Não podemos porém esquecer-nos que só macro-inervenções poderão melhorar este
estado de coisas. Devemos pois sentirmo-nos mais próximos do poder e tentar intervir
no sentido de levar a medidas globais que tenham como objectivo mudar o estilo de vida
actual. E assim, sempre que qualquer um de nós possa intervir, tem a obrigação moral
e social de o fazer.
O GEIR está aberto a todos os colegas que connosco queiram colaborar...
Índice bibliográfico
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