Shigehiro Funayama et al.
Leptina - expectativas de uso no
tratamento da obesidade
Shigehiro Funayama (Doutor)
Curso de Medicina Veterinária - Universidade Tuiuti do Paraná
Ambires Cecílio Machado Riella (Doutor)
Curso de Medicina Veterinária - Universidade Tuiuti do Paraná
Cristiane Gugelmin (Especialista)
Curso de Medicina Veterinária - Universidade Tuiuti do Paraná
Cristiano José da Silva
Discente do curso de Medicina Veterinária - Universidade Tuiuti do Paraná
Ana Paula Borsari
Discente do curso de Medicina Veterinária - Universidade Tuiuti do Paraná
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 59-68, Curitiba, jan. 2002
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Leptina - expectativas de uso no tratamento...
Resumo
Esta minirevisão mostra que a leptina desempenha uma importante função na regulação do apetite, dispêndio
de energia e peso corporal. Seu gene é expresso no tecido adiposo, epitélio gástrico, epitélio intestinal e placenta. Quando a leptina é injetada em camundongos obesos (genótipo ob/ob), eles perdem peso, aumentam sua
atividade locomotora e produção de calor. A obesidade humana parece ser o resultado de um mecanismo
muito complexo e os experimentos de laboratório e clínicos mostram evidências de que ela não está associada
à deficiência de produção de leptina.
Palavras-chave: leptina, obesidade, receptor leptínico.
Abstract
This minireview shows that leptin plays an important role in the regulation of food intake, energy expenditure
and body weight. Its gene is expressed in adipose tissue, gastric epithelium, intestinal epithelium and placenta.
When leptin is injected into obese mice (ob/ob genotype), they lose weight, increase their locomotor activity and
heat production. Human obesity appears to result from a much more complex mechanism and clinicals
experiment show evidence that it is not associated with a lack of leptin prodution.
Key words: leptin, obesity, leptin receptor.
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 59-68, Curitiba, jan. 2002
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A leptina é um hormônio de natureza proteica, isolado a partir de tecido adiposo de camundongos obesos como produto da transcrição do gene ob. Além
dos adipócitos, a leptina é ainda produzida por epitélio
gástrico, mucosa intestinal e placenta (Zhang et al., 1994;
Masuzaki et al., 1997; Bado et al., 1998). Ela atua em
receptores do hipotálamo bloqueando o apetite quando o organismo encontra-se adequadamente suprido
de triacilglicerídeos, está presente no sangue de camundongos normais e é capaz de reverter o comportamento da gula compulsória [“overeating”] de
camundongos mutantes [deficientes em leptina]. Camundongos com genótipo ob/ob crescem normalmente, reproduzem, possuem nível de corticosterona
elevado, são incapazes de manter-se aquecidos e mostram comportamento e fisiologia de animais com apetites insaciáveis. Como conseqüência, eles tornam-se
severamente obesos, pesando até três vezes mais que
os normais (Strobel, 1998). Esses animais têm distúrbios metabólicos muito similares aos de animais diabéticos e são insulino-resistentes. Quando a leptina é
injetada em camundongos com genótipo ob/ob, eles
perdem peso e aumentam sua capacidade locomotora
e de produção de calor (Ahima et al., 1996; Friedman
& Halaas, 1998). O segundo gene, designado de
geneDB (diabético), está também relacionado com o
mecanismo de regulação do apetite. Camundongos
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 59-68, Curitiba, jan. 2002
com genótipo db/db são obesos e diabéticos. O produto do geneDB, a proteína DB, é o receptor da leptina
(Tartaglia, 1997). O receptor leptínico é expresso primariamente por regiões do cérebro conhecidas como
reguladoras do apetite, neurônios dos núcleos arqueados, ventromedial e dorsomedial do hipotálamo
(Hotta et al., 1998), figura 1.
O receptor é também expresso por células da
córtex adrenal e pelas células b do pâncreas em menor quantidade. A leptina sinaliza a mensagem de que
reservas de gorduras são suficientes e favorecem a
Núcleo ventromedial
Núcleo paraventricular
Núcleo arqueado
Hipotálamo
Leptina no sangue
Estímulo nervoso via
neurônio simpático
Hipófise
posterior
Tecido
adiposo
Hipófise
anterior
Leptina
Figura 1. Anatomia do hipotálamo e sua relação com o tecido adiposo
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Leptina - expectativas de uso no tratamento...
redução na utilização de combustíveis. A interação da
leptina com seu receptor no hipotálamo altera a liberação de sinais que afetam o apetite. A leptina também estimula o sistema nervoso simpático,
aumentando a pressão sanguínea, a pulsação e a
termogênese (produção de calor pelo gasto de energia metabólica) acoplada à cadeia de transporte de
elétrons e produção de ATP pelas mitocôndrias dos
adipócitos (Strobel et al., 1998), figura 2.
A leptina não é o único hormônio que regula o
apetite e o peso corporal. A quantidade de secreção
de insulina reflete o tamanho da reserva lipídicas
(adiposidade) e o balanço energético real (nível de
glucose sanguínea). A insulina atua em seus receptores
do hipotálamo inibindo o apetite, provavelmente por
estimular o aumento de leptina no plasma (Boden et
al., 1997). Ela também sinaliza os músculos, fígado e
tecidos adiposos a aumentar as reações catabólicas,
incluindo a oxidação de ácidos graxos, acarretando a
perda de peso.
Alguns peptídeos anorexigênicos (supressores do apetite) têm sido bem caracterizados: hormônio estimulante a-melancólico (a-MSH) produzido pelo
hipotálamo a partir do polipeptídeo precursor
proopiomelanocortina (POMC), hormônio liberador
de corticotropina (CRH) produzido no núcleo
paraventricular e o peptídeo hipotalâmico (CART), cuja
síntese é regulada pela cocaína e anfetamina (Elmquist
et al., 1998; Flier & Flier-Maratos, 1998). Os
glucocorticóides produzidos pela adrenal são muito
importantes, a ponto da adrenalectomia (remoção cirúrgica da glândula adrenal) reverter ou prevenir todas as formas de obesidade. Por outro lado, existe
um neuropeptídeo Y (NPY), produzido no núcleo
arqueado do hipotálamo com atividade orexigênica (estimulante do apetite) que reduz a termogênese. Sua
secreção e ação são reguladas pela leptina e
neuropeptídeos como a melanocortina, CRH e
peptídeo I semelhante ao glucagon (GLP-1). O nível
de NPY no sangue aumenta durante o jejum e é elevado em ratos com genótipos ob/ob ou db/db. A injeção
de leptina em camundongos geneticamente obesos
provoca a queda do nível do NPY com conseqüente
perda de peso; presumivelmente sua concentração está
relacionada com a obesidade desses ratos, elevandose a níveis perigosamente altos na ausência de controle
pelo sistema leptina (Erickson et al., 1996; Inui, 1999).
O modelo atual de ação da leptina é uma cascata
de eventos regulatórios disparados pela interação da
leptina com seu receptor. O complexo formado afeta
os níveis de alguns hormônios a jusante que estimulam ou inibem o apetite e gasto de energia (Flier &
Maratos-Flier, 1998).
A transdução da sinalização leptínica é feita por
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 59-68, Curitiba, jan. 2002
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Shigehiro Funayama et al.
um mecanismo também usado pelos receptores dos
interferons e fatores de crescimento, os chamados sistema JAK/STAT (Auwerx & Staels, 1998), figura 3.
O receptor da leptina é formado por único segmento
transmembrana, o qual dimeriza-se quando a leptina
liga-se em seu domínio extracelular. Ambos os
monômeros do receptor dimérico são fosforilados
no resíduo tirosina do domínio intracelular por uma
Janus quinase (JAK). Os resíduos de fosfotirosina tornam-se sítios de ancoramentos para três proteínas
transdutoras de sinais e ativadoras da transcrição
(STATs 3, 5 e 6, algumas vezes chamados lipídeoSTATs). Os STATs ancorados são então fosforilados
nos resíduos de tirosina pela mesma Janus quinase
(Janus é uma figura mitológica de duas faces). Após a
fosforilação pela JAK, os STATs se movem para o
núcleo, onde eles se ligam a uma seqüência específica
do DNA e estimulam a expressão de genes específicos. As sínteses dos produtos das expressões gênicas,
NPY, CRH e precursor do POMC (o qual produz aMSH) são reguladas pela leptina através desse mecanismo. A expressão do gene POMC é também regulada
por hormônios glucocorticóides (Lu, et al., 1994).
Os aumentos do catabolismo e da termogênese disparados pela leptina são devidos, em parte, ao aumento da síntese de proteína mitocondrial desacoplada,
UPC-1, nos adipócitos. Essa proteína forma um caTuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 59-68, Curitiba, jan. 2002
Estímulo leptínico via
neurônio simpático
Membrana plasmática do adipócito
Norepinefrina
Rec
b3
g
g
b
aGs
GDP
aGs
GT
P
a-Gs
GTP
AC
ATP
AMPc
b
GTP
+
H
b-Oxidação
Proteína quinase A
GD
P
Proteína UCP
Expressão do gene
UCP aumentada
Calor
Ácidos graxos
TAG
TAG
Figura 2. Interação do hipotálamo com o adipócito e regulação da
utilização de triacilglicerídeos e produção de calor. Legenda: Rec b3 =
Receptor b3-adrenérgico; a,b e g = Subunidades da proteína Gs; Gs =
Proteína estimulante G; GDP = Guanosina difosfato; GTP guanosina
trifosfato; ATP = Adenosina trifosfato; AMPc = Adenosina-3´,5´monofosfato cíclico; AC = Adenilato ciclase; UCP = Proteína UCP e
TAG = Triacilglicerídeo
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Leptina - expectativas de uso no tratamento...
Receptor leptínico
Leptina
Leptina
Membrana plasmática
P
STAT
JAK
P
STAT
JAK
STAT
P
P
STAT
Núcleo
Citoplasma
DNA
mRNA
mRNA
mRNA
Neuropeptídeos [ POMC, NPY, etc.]
Figura 3. Mecanismo JAK-STAT - Transdução do sinal leptínico para o
hipotálamo.
Legenda: JAK = Janus quinase; STATs = Proteínas transdutoras de
sinais e ativadoras da transcrição; POMC = Peptídeo precursor da
proopiomelanocortina; NPY = Neuropeptídeo Y; mRNA = RNA mensageiro; RNA = Ácido ribonucleico; DNA = Ácido desoxiribonucleico;
P = Fosfato.
nal que permite aos prótons reentrar na matrix
mitocondrial sem passar através do complexo ATP
sintetase. Isso permite a contínua oxidação de combustível (ácidos graxos dos adipócitos) sem a síntese
de ATP, dissipando a energia como calor, consumindo calorias dietéticas ou lipídeos estocados em grande
quantidades. A leptina estimula a síntese de UCP-1 alterando a transmissão sináptica dos neurônios do núcleo arqueado e hiperpolarizando certos neurônios
hipotalâmicos (Freake, 1998). Os neurônios simpáticos com origem no hipotálamo, estimulados pela
leptina, liberam norepinefrina nas sinápses com
adipócitos. A norepinefrina liberada atua através de
receptores b3-adrenérgicos e estimula a transcrição de
gene para UCP. A obesidade humana seria o resultado da
produção deficiente de leptina e portanto tratável por injeção de
leptina exógena? A concentração de leptina no sangue de
animais obesos (incluindo humanos) é muito elevada
em relação aos animais de massa corporal normal
(exceto, é claro, em animais com genótipo ob/ob, os
quais não produzem leptina) (Considine et al., 1995).
Em alguns casos muito raros de extrema obesidade humana em que o gene da leptina é defeituoso, a
injeção de leptina resultou em uma dramática perda
de peso (Montaque et al., 1997; Jequier & Tappy, 1999).
Em animais com genótipo OB (normais), entretanto,
o nível de leptina aumenta com a quantidade de teciTuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 59-68, Curitiba, jan. 2002
Shigehiro Funayama et al.
do adiposo. A injeção de leptina nesses animais não provocou efeito tão dramático na redução de peso, o quanto
era esperado, em camundongos obesos com genótipo
ob/ob. Como hipóteses de trabalho, podemos afirmar
que defeitos no receptor da leptina, defeitos nos sinais
de transdução ou de interação do sistema leptina com
outros sistemas envolvidos na manutenção da massa
corporal são as principais causas da obesidade mórbida. Todas essas possibilidades estão sendo pesquisadas.
Embora os interesses pela leptina sejam devidos à
sua possível e eventual função em prevenir a obesidade,
as evidências indicam que o sistema leptina está envolvido no ajuste da atividade metabólica do animal durante
o período de alimentação e jejum. A redução no nível
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 59-68, Curitiba, jan. 2002
de leptina causado por deficiência nutricional provocou um decréscimo na produção de hormônios
tiróideos [reduzindo o metabolismo basal], decréscimo
na produção de hormônios sexuais [prevenindo a reprodução] e aumento na produção de glucocorticóides
[mobilizando combustíveis do organismo gerando outros tipos de substratos] (Ahima et al., 1996; Barash et
al., 1996; Licinio et al., 1998; Ozata et al., 1998a; Ozata et
al., 1998b; Masuzaki et al., 1997).
O que podemos concluir, de momento, é que o
fato de o sistema leptina minimizar o dispêndio de energia e maximizar o uso de reserva endógenas, as respostas leptina-mediada podem permitir que o animal possa
sobreviver a períodos de severa carência nutricional.
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