A RESSIGNIFICAÇÃO DAS PALAVRAS E A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO PUBLICITÁRIO Autora: Dayane Caroline PEREIRA Prof. Drª Rosemeri P. Baltazar MACHADO (Coautora) RESUMO A linguagem do texto publicitário, ao mesmo tempo que seduz e influencia, também revela ideologias. Esta pesquisa tem por objetivo analisar a construção argumentativa de propagandas veiculadas em revistas de circulação nacional, visando destacar os recursos linguísticos utilizados em prol da argumentação, aspecto fundamental para a eficácia desse gênero. O presente trabalho está vinculado ao projeto de pesquisa intitulado “Argumentação na publicidade e em outros discursos da mídia impressa” - coordenado pela professora Esther Gomes de Oliveira, da Universidade Estadual de Londrina – e tem por objetivo verificar termos gramaticalizados presentes em propagandas e analisar como tal princípio pode revelar aspectos cotidianos do leitor/consumidor e de toda uma sociedade. Com base na teoria da Semântica Argumentativa, este artigo pretende, ainda, discutir como o emprego de tais gramaticalizações e de certos adjetivos pode influenciar o sujeito e levá-lo à compra do produto ou à simples mudança de comportamento. PALAVRAS Argumentação. CHAVE: Discurso publicitário; Gramaticalização; 461 Introdução A linguagem é o principal recurso utilizado na comunicação e interação entre os indivíduos e, é por meio dela que interagimos com o mundo e construímos as relações sociais. De fato, a língua é um valoroso instrumento para a produção dos sentidos, seja para se comunicar, argumentar, persuadir e atuar no processo de formação discursiva de uma sociedade. Ao se comunicar, o indivíduo faz inferências de valores e experiências no seu discurso, revelando sua formação social e cultural, fazendo o possível para compreender e ser compreendido nos aspectos cotidianos aos quais está inserido. Neste sentido, as implicações sociais de uma sociedade estão intimamente ligadas aos usos e recursos da língua, como forma de influenciar e revelar ideologias, fazendo valer as ideias da classe dominante. E, de acordo com estes propósitos, temos a linguagem do texto publicitário que, além de seduzir o leitor/consumidor, utiliza-se de variados recursos linguísticos em prol da argumentação, e assim, poder influenciar o sujeito e levá-lo à compra do produto ou à simples mudança de comportamento. A publicidade desempenha um importante papel na sociedade, tornando-se reflexo das necessidades e valores de determinados grupos e também, marcando épocas e criando ideologias, convencendo e persuadindo os indivíduos dentro de diferentes contextos e situações, de acordo com a identidade do público-alvo em questão, como bem afirma CARVALHO (1996, p. 19): A função persuasiva na linguagem publicitária consiste em tentar mudar a atitude do receptor. Para isso, ao elaborar o texto o publicitário leva em conta o receptor ideal da mensagem, ou seja, o público para o qual a mensagem está sendo criada. O vocabulário 462 escolhido no registro referente a seus usos. Tomando por base o vazio interior de cada ser humano, a mensagem faz ver que falta algo para completar a pessoa: prestígio, amor, sucesso, lazer, vitória. Para completar esse vazio, utiliza palavras adequadas, que despertam o desejo de ser feliz, natural de cada ser. Este artigo tem como objetivo analisar a construção argumentativa de propagandas veiculadas em revistas de circulação nacional, visando destacar os recursos linguísticos utilizados para a eficácia desse gênero, observando como o emprego de termos gramaticalizados e de certos adjetivos podem revelar o cotidiano do indivíduo e de toda uma sociedade. 1. O Discurso Publicitário O discurso publicitário possui sua função voltada para informar e manipular a sociedade, utilizando-se de inúmeros recursos linguísticos como instrumentos para formar e mudar a opinião do públicoalvo, criando e recriando ideologias. Como aponta SANDMANN (1999, p.34): Sendo a linguagem da propaganda até certo ponto reflexo e expressão da ideologia dominante, dos valores que se acredita, ela manifesta a maneira de ver o mundo de uma sociedade em certo espaço da história. Abordando essa questão sob outro ângulo, poderíamos perguntar que aspirações humanas a linguagem da propaganda procura alimentar, satisfazer ou de que aspirações humanas ela procura vir ao encontro, sempre com o objetivo de vender uma idéia e, mais comumente até do que isso, um produto ou serviço. 463 O principal mecanismo utilizado nesse gênero é a argumentação que, por meio da especificidade do seu discurso, produz efeitos de sentido, visando alcançar seu maior objetivo: convencer e aludir o receptor, levando-o, consequentemente, à aquisição do referido produto ou serviço em questão, ou mesmo uma simples mudança de pensamento/comportamento. A argumentação é o direcionamento que o emissor faz, com a finalidade de que seu receptor chegue à conclusão que ele deseje, pois de acordo com Citelli: Convencer ou persuadir através do arranjo dos diversos recursos oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca fundamental do texto dissertativo/argumentativo. Percebe-se, nesta medida, por que a linguagem é uma forma de ação e os textos argumentativos são a modalidade onde se exerce com maior vigor a persuasão. (CITELLI, 2003, p.7-8) A persuasão como podemos perceber, é um dos fatores fundamentais no texto publicitário, é por meio dela que se estabelece a relação entre o enunciador e o enunciatário, fazendo com que este último seja afetado pelo discurso. Dessa forma, no intuito de disseminar e persuadir ideias e ideologias dentro da sociedade, a propaganda exerce um importantíssimo papel, provocando mudanças no comportamento das pessoas e marcando identidades acerca de dois aspectos: O controle seletivo de informações a fim de favorecer determinado ponto de vista, e a deliberada deturpação de informações com o 464 fito de criar impressão diferente da originalmente pretendida. (BROWN, 1971, p.17) E assim, de fato, a propaganda torna-se cada vez mais presente no processo sócio-histórico e ideológico da sociedade. Segundo CECCATO (2001, p.15) “... Além de informar o receptor da existência de um produto, ela apela para fatores psicológicos com a intenção de levá-lo gradativamente ao ato da compra.” 2. Alguns recursos lingüístico-argumentativos Muitos são os recursos empregados pelos enunciadores do texto publicitário, pois este deve estar atento às necessidades e objetivos pretendidos frente aos seus enunciatários. O presente trabalho, conforme comentado, pretende focar o emprego do verbo e do adjetivo como recursos capazes de argumentar e estabelecer relações de cumplicidade entre o anunciante e o leitor/consumidor, fazendo com que cada qual exerça sua função dentro da sociedade. 2.1 Uso de termos gramaticalizados A gramaticalização, dentro da perspectiva funcionalista, ocorre tanto no funcionamento, quanto na evolução dos usos da língua, analisando a linguagem como um poderoso instrumento de comunicação e interação entre os indivíduos. De acordo com NEVES (2001, p.2): Qualquer abordagem funcionalista de língua natural, na verdade, tem como questão básica de interesse a verificação de como se obtém a comunicação com essa língua, isto é, a 465 verificação do modo como os usuários da língua se comunicam eficientemente. O funcionalismo busca compreender e explicar os fenômenos relacionados ao permanente desenvolvimento dos usos da língua que, diacronicamente, vão se moldando e se adequando, como forma de se manterem presentes no cotidiano dos indivíduos e, cada vez mais se aperfeiçoando e reproduzindo mais fielmente os efeitos de sentido pretendidos pelos usuários nas relações sociais, dentro do contexto social ao qual estão inseridos. Dentre os fenômenos recorrentes aos usos da língua, tem-se a gramaticalização que acontece quando um item lexical passa a assumir um novo status, o de item gramatical e, consequentemente, sofrendo mudanças semânticas. Ao pensar além da gramática, CUNHA et al(2003, p.50) afirmam que: Esses processos manifestam a aspecto nãoestático da gramática, demonstrando que as línguas estão em constante mudança em conseqüência da incessante criação de novas expressões e de novos arranjos na ordenação vocabular. Assim, em nossa língua portuguesa, existem inúmeras palavras que já se gramaticalizaram ou estão em processo de gramaticalização, como por exemplo, alguns verbos e advérbios que passam por mudanças gramaticais e semânticas, resultando desse processo, a renovação e o aperfeiçoamento das diversas formas de comunicação e interação nas relações e práticas sociais. Dessa forma, é possível verificar, em diversos textos publicitários, o emprego de termos gramaticalizados e de outros recursos 466 linguísticos, como forma de produzir um efeito de proximidade junto ao público-alvo, constituindo assim, um importante recurso para chamar e prender a atenção do enunciatário. 2.2 O uso de adjetivos Segundo FARACO et al (2007, p.222), adjetivos são palavras variáveis que expressam características, qualidade, estado, aparência dos seres e também modificam substantivos ou pronomes. O uso de adjetivos, no texto publicitário, é muito explorado, pois eles têm o poder de ressignificar e recriar valores aos produtos anunciados, ou seja, a escolha de determinado item lexical é imprescindível para que se alcancem os efeitos de sentido pretendidos na construção do anúncio publicitário. Nesse aspecto, a adjetivação é um dos recursos mais utilizados na construção de propagandas, com a finalidade de exaltarem as qualidades e as características dos referidos produtos, criando a interação entre o enunciador/enunciatário, instaurando, por fim, valores e ideologias por meio da persuasão. Há um grande peso nas palavras empregadas nos anúncios, pois devem ser condizentes à realidade do público-alvo que pretendem abranger. Segundo CARVALHO (1996, p. 39), em relação à utilização do adjetivo todo cuidado é pouco: O adjetivo, porém, é uma faca de dois gumes. Voltaire, por exemplo, para mostrar seu desagrado ao acúmulo supérfluo de adjetivos, dizia que “o substantivo e o adjetivo são dois inimigos figadais”. Para a precisão e a expressividade da frase, contudo, o adjetivo muitas vezes se impõe como um termo 467 imprescindível ao lado do substantivo, descrevendo ou estabelecendo contrastes, comparações ou intensificações de sentido. Portanto, cabe ao publicitário explorar bem os recursos linguísticos em seus textos, para que estes se transformem em poderosas armas de persuasão, conseguindo assim, passar a mensagem pretendida de forma eficiente e convincente ao consumidor. 3. Análise das propagandas A partir dos comentários teóricos referentes aos recursos linguisticos utilizados na linguagem dos textos publicitários, é possível apontar algumas palavras que explicam o funcionamento de tais recursos, exemplificando o poder que tais palavras assumem, no discurso publicitário, em relação ao sujeito/consumidor, e os processos sociais e ideológicos que elas podem revelar. 3.1 Propaganda 1 468 Revista Top Magazine (Edição 64/ Abril, 2004) Texto reproduzido: “Para quem acha que a vida anda um pouco sem sal, a pimenta.” Neste anúncio publicitário de um determinado veículo, podemos observar que há dois termos gramaticalizados presentes em sua construção. Primeiramente temos o verbo “achar” e, em seguida, o verbo “andar” que deixam de exercer a função de verbos plenos (indicadores de ação)para se caracterizarem como verbo modalizador e verbo de ligação, respectivamente, sofrendo uma alteração na sua função gramatical e, consequentemente, mudanças semânticas, caracterizando, dessa forma, a gramaticalização. Assim, diante do contexto de produção e da intencionalidade propagandística em apresentar o lançamento do veículo, podemos dizer que o uso desses termos gramaticalizados auxiliam na busca de argumentos e, consequentemente, a uma alusão de que este novo veículo pode satisfazer as necessidades do consumidor e colocar um pouco de agitação na vida daqueles que acham a vida “sem sal” e, convencendo o leitor de que este veículo é a melhor escolha do mercado, levando-o à aquisição do bem. Dessa forma, “achar” a vida sem graça e que ela “anda” monótona é coisa do passado, pois agora há o Clio para mudar essa situação. 469 3.2 Propaganda 2 Revista Época (Setembro de 2008) Texto reproduzido: “Brasileiríssimo. Indaiatuba-SP-Brasil Há dez anos, um dos carros mais vendidos no mundo também é produzido aqui.” Neste anúncio publicitário, foi utilizado outro recurso argumentativo: o adjetivo. Como podemos observar, há, de forma bem destacada, um adjetivo flexionado no grau superlativo absoluto, com a finalidade de intensificar o adjetivo “brasileiro” e expressar a satisfação de ser o Brasil o responsável pela produção de um dos carros mais vendidos no mundo. Verificamos, também, anúncio, remetendo às cores o uso das cores verde e amarelo no da bandeira brasileira forte traço nacionalista, e os contornos de alguns dos pontos turísticos mais importantes do Brasil, evidenciando o orgulho da empresa “Toyota” em completar 50 anos no Brasil. Assim, uma empresa que investe em publicidade para ressaltar o patriotismo, com toda certeza, estabelece uma relação mais próxima junto ao consumidor brasileiro, pois, ao escolher o carro, acabará sendo 470 influenciado e levará em consideração os benefícios que, consequentemente, auxiliarão no desenvolvimento e na economia de seu país. 3.2 Propaganda 3 Chegou Neutrogena Ultra-Light. Light porque tem uma textura leve, de rápida absorção, e Ultra porque protege sua pele do Sol. Sua pele fica ultraprotegida e você, ultrabonita. Revista Marie Clarie (Edição 211/ Outubro de 2008) Texto reproduzido: “Separamos o hidratante da oleosidade. Chegou Neutrogena Ultra-Light. Light porque tem uma textura leve, de rápida absorção, e Ultra porque protege sua pele do Sol. Sua pele fica ultraprotegida e você, ultrabonita.” Neste último anúncio, de um creme facial, predominou o recurso argumentativo da adjetivação. O principal adjetivo utilizado é o estrangeirismo light com o prefixo intensificador ultra que, em seguida, são explorados separadamente, ou seja, o creme é “light porque tem uma textura leve e de rápida absorção”, temos, no caso, mais dois adjetivos que servem para caracterizar a qualidade do produto; e o prefixo ultra 471 que ressalta a excelência do creme e forma dois outros adjetivos: ultraprotegida e ultrabonita, valorizando os resultados que podem ser obtidos por meio do uso do produto. Dessa forma, o anúncio remete à ideia de que o creme é muito bom e proporcionará à consumidora uma “ultraproteção” e uma “ultrabeleza”, fazendo com que ele se torne um item indispensável, culminando, assim, na compra do produto, pois o que toda mulher busca é a beleza e proteção para seu rosto o que, consequentemente, acaba por revelar, também certo aspecto ideológico. 4- Considerações Finais O discurso publicitário está diretamente relacionado às práticas sociais, ideológicas e discursivas de uma sociedade e seu principal objetivo é persuadir e convencer o interlocutor a adquirir seu produto ou serviço. A partir das análises propostas nesse trabalho observamos que elas se utilizam de variados recursos na construção de seus anúncios, a fim de constituir um discurso intimamente ligado ao leitor/consumidor. Por isso, a linguagem empregada nesse tipo de discurso deve ser extremamente bem trabalhada, pois é por meio dela que se torna possível inferir ideologias necessidade e pessoal. persuadir, Dessa levando forma, o o outro fator a acreditar emotivo acaba numa sendo envolvido, pois, mais do que desejar, o leitor/consumidor é levado a acreditar que precisa, de fato, de determinado produto ou serviço. O poder argumentativo do discurso publicitário é revelado na adesão de seu público, ou seja, conforme comentado por MUCCHIELLI (1978, p.23), o resultado deve ser algo (um comportamento, uma opinião) já esperado: A publicidade e a propaganda fazem-se passar por informação ou educação, mas seu objetivo real, não é transmitir uma mensagem e sim utilizar a comunicação (com todos os seus recursos) para orientar os indivíduos e os grupos, a fim de levá-los a agir na direção esperada. 472 Em meio a esse jogo persuasivo, sempre muito presente no discurso publicitário, vários são os recursos linguísticos utilizados para manipular o outro. A utilização de adjetivos, advérbios, a própria escolha lexical, enfim, são aspectos que contribuem e, muitas vezes, promovem o fazer persuasivo. O processo de gramaticalização sofrido por certas categorias, e verificados nas peças publicitárias analisadas, só vem auxiliar esse jogo argumentativo. Os apontamentos feitos nesse trabalho revelam que jogar para convencer constitui, praticamente, um lema da propaganda. 473 6- Referências Bibliográficas BROWN, J.A.C. Técnicas de persuasão. Trad. Octavio Alves Velho. 2ª Ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1971. CARVALHO, Nelly de. Publicidade: A linguagem da sedução. 2.ed. São Paulo: Ática, 1998. CECCATO, Ivone. A construção da linguagem publicitária dirigida ao público infanto-juvenil. Ivaiporã: Midiograf, 2001. CITELLI, Adilson. O texto argumentativo. São Paulo, SP. Editora Scipione, 2003. CUNHA, Maria Angélica e MARTELOTTA, Mário. (org) Lingüística Funcional: Teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. FARACO, Carlos E., MOURA, Francisco M., MARUXO, José H. Gramática. São Paulo, SP, Editora Ática. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução de Cecília P. de Souza-e-Silva, Décio Rocha. 5ª Ed. São Paulo: Cortez, 2008. MUCCHIELLI, Roger. A psicologia da publicidade e da propaganda. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978. NEVES, Maria Helena de Moura. A Gramática Funcional. 2.ed.São Paulo: Livraria Martins Fontes, 2001. SANDMANN, Antônio José. A linguagem da propaganda. 3.ed. São Paulo: Contexto, 1999. 474