REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® A pena de pris?frente ?essocializa? Resumo: Este artigo tratará do instituto da prisão e da pretensão do Estado em ressocializar os apenados que condena e que recolhe aos seus estabelecimentos prisionais, foi desenvolvido em quatro itens, conforme segue. Primeiramente, se faz necessário analisar a respeito da pena e da forma como o Estado pretende justificar à opinião pública sua ação punitiva, legitimando seu poder de punir. Para tanto, existem teorias da pena, com destaque para a preventiva especial, da sua pretensão ressocializadora sobre os detentos. Abordar-se-á também, acerca das origens e desenvolvimento da prisão, no mundo ocidental, destacando-se as mudanças de finalidades, partindo da simples custódia, passando para a redenção e concluindo com a finalidade de pena privativa de liberdade, mas com pretensão ressocializadora. E finalizando, trataremos do discurso revisionista ou crítico da pena e também da prisão, buscando fazer-se um confronto entre a programação normativa e a operacionalidade do Direito penal, com o objetivo de conhecer se as promessas preventivo-especiais da pena são realmente cumpridas. Sumário: Introdução. 1. Críticas acerca da Pena de Prisão. 2. Os Modelos Prisionais existentes no Mundo. 3. O Conceito de Pena na Modernidade. 4. As Penas. Considerações Finais. INTRODUÇÃO Podemos afirmar que o recolhimento se dá sob diversas justificativas e que tiveram ao longo da história da humanidade diferentes significados, desde a finalidade de garantir a aplicação da pena, aprisionando o delinqüente até a pena final, que normalmente era a morte, passando para uma finalidade preventiva, pela intimidação, e chegando ao moderno argumento ressocializador. Historiando, tem-se que a prisão não é um instituto muito antigo. Remonta, segundo a maioria dos historiadores e estudiosos do assunto, à Idade Média. No início, a prisão não servia como castigo em si mesmo, posto que a custódia do delinqüente, mesmo que em lugares horríveis e submetido a toda espécie de sofrimentos, não purgava o mal que causara à sociedade. Ela servia apenas para assegurar a aplicação de pena final, que era muito severa, quase sempre à morte. Ao mesmo tempo em que se evitava a fuga do acusado, o que frustava a aplicação da pena, evitava-se que a população avocasse para sai a tarefa de julgar e de penalizar o criminoso, fazendo ela mesma justiça pelas próprias mãos. Frente a este quadro de torturas e sofrimentos, apoiados por uma legislação criminal bárbara, desumana, arbitrária, desigual, pois que concedia privilégios para determinadas pessoas, os amigos do rei, surgiram, movidos por idéias racionalistas e humanitários, alguns pensadores europeus que, ao tempo em que teciam severas críticas àquela legislação e àqueles procedimentos, apresentavam idéias e propostas inovadoras, voltadas à humanização das penas, observando as circunstâncias pessoais, as do ato criminoso e a individualização da pena. Ademais, em vez de retribuição, as penas deveriam privilegiar a correção e a recuperação dos detentos. Entretanto, a prisão também serviu para tirar de circulação parte do grande contingente de pessoas pobres que se acumularam por causa das guerras e da crise feudal, na Europa, situação que alcançou seu auge no fim do século XVII e início do século XVIII. Essa população, com grande número de pobres e miseráveis, muitos deles criminalizados e estigmatizados como delinqüentes por força da situação, constituía-se um perigo, não só para a segurança pública, mas também para o próprio poder. Nestes casos, seu recolhimento não tinha fins retribucionistas e nem era propriamente prevenção. A prisão, nessas circunstâncias, tinha sobretudo, objetivos políticos, por pretender eliminar as forças que porventura se opusessem àqueles que detinham o poder e, com isso, assegurar a continuidade o próprio poder. Da obra de Melossi e Pavarini, especialmente quando tratam das workhouses, pode-se entender que a prisão não surgiu por motivos humanitários ou idealistas, com objetivos de reabilitação ou de ressocialização dos delinqüentes, mas sim como meio de submete-los ao regime capitalista dominante, servindo também para controle do salário. E, reforçando essa intenção de submissão, destacam como grande objetivo das prisões o de preparar os homens para que se tornem instrumentos de exploração. Nesse sentido, a importância do trabalho prisional, como aliado e significativo instrumento de submissão do preso, além de tornar a população carcerária produtiva, extremamente barata, quando não a custos zero. 1. CRÍTICAS ACERCA DA PENA DE PRISÃO O Poder Estatal centraliza o sistema penal, o qual, por sua vez, compreende tanto a dimensão programadora como a operacional, sendo que a primeira compreende as regras e normas e a segunda, as ações e decisões. A aplicação da pena privativa de liberdade, através da prisão, decorre do exercício do poder punitivo que o Estado possui, que é racionalizado, posto que alicerçado na legislação normativa penal, daí sua legitimação pela legalidade. É através das teorias da pena que o Estado pretende, pois, justificar suas “ações” punitivas, através do poder de controle social de que é detentor. E, com as teorias, pretende igualmente justificar a criação e uso da prisão, como já dissertado retro. Agora, busca-se, através de críticas, demonstrar a inutilidade e ineficácia dessa pretensão justificacionista. Desfavorável à teoria da prevenção geral destaca-se, em especial, sua tendência para o terrorismo estatal, na expressão usada por Juarez Cirino dos Santos, segundo o qual o poder de punir seria ilimitado. Por igual, mereceu críticas a teoria da prevenção especial, sendo a principal, a indeterminação do tempo de duração da pena, uma vez que deveria durar até que o apontado criminoso se corrigisse. Mas também foi criticada porque a intimidação, quando feita contra quem não é propenso ao crime e nem tem qualquer possibilidade de voltar a delinqüir, não tem nenhum valor e nem pode ter qualquer eficácia. Ademais, questiona-se a própria forma usada pelo Estado para desencorajar os cidadãos em geral e o próprio criminoso na prática de crimes, que é feita com o uso da intimidação, a qual não passa de uma agressão psicológica. Considera-se também frustação do objetivo perseguido por essa teoria quando a intimidação se dirige contra aquele que, imune à ação psicológica, não se deixa intimidar, delinqüindo ou voltando a delinqüir independente de ser ou não sujeito passivo da ação intimidativa. Constata-se, pois, que todas as teorias da pena têm fracassado em seu objetivo fundamental de justificar o poder de punir do Estado. A criminalidade não se extingue, sequer diminui, embora ilusoriamente tente demonstrar que o sistema jurídico-penal é bom e favorece a segurança. 2. OS MODELOS PRISIONAIS EXISTENTES NO MUNDO O Direito Penitenciário tem em sua origem, em um movimento mais de inspiração humana ou religiosa do que da ciência ou de doutrina. O inglês John Howard (1726-90), com sua obra “The state of prisions in England and Wales”(1776), foi quem deu praticamente início ao estudo do moderno penitenciarismo, propondo o isolamento, o trabalho, a educação religiosa e moral e a classificação do preso. Já no século XVI, aparecem as primeiras prisões leigas na Europa, destinadas a recolher mendigos, vagabundos, prostitutas e jovens delinqüentes, os quais se multiplicaram pelas cidades, principalmente, causa proveniente de problemas na agricultura e crise econômica do sistema feudal (Leal, 1995). Decorrendo do problema econômico e de sua repercussão nos índices de criminalidade, várias prisões foram construídas com o fim de segregar os excluídos infratores por determinado tempo, durante o qual, sob uma disciplina rígida, objetivava-se sua correção. Entre as prisões mais conhecidas por esta prática, cita-se a “House Of Correction em Bridewell”, Londres, a qual foi inaugurada em 1552, sendo a mais antiga delas (Leal, 1995). Em Amsterdan (Holanda), as prisões começaram a se tornar conhecidas e dentre as mais famosas destaca-se a de Rasphuis, para homens, que dava ênfase ao castigo corporal, ao ensino religioso e ao trabalho contínuo (raspagem de madeiras de diferentes espécies para a fabricação de corantes). O movimento de criação de prisões se disseminou pela Europa seguindo os exemplos da Inglaterra e Holanda. O conceito moderno e amplo (apesar de ter sido formulado em 1776) diz que a penitenciária é um presídio especial onde se recolhem os condenados a penas de reclusão e onde o estado, concomitantemente, os submete à ação de suas leis punitivas, procurando recupera-los, através de seu reajustamento como cidadãos às normas da vida em sociedade (Howard, 1776). Já nos Estados Unidos, tornou-se particularmente importante o movimento de reforma dos regimes penais, dando origem aos chamados sistemas penitenciários pensilvaniano ou filadélfico (cumprimento da pena em severo regime de isolamento cubicular, dia e noite) e auburniano (trabalho em comum durante o dia, dentro do mais rigoroso silêncio, e isolamento cubicular noturno); aquele primeiramente aplicado em duas prisões da Philadelphia, este de Auburn, ambos com base no regime cubicular, pelo qual se esperava estimular o preso a meditação regeneradora. 3. O CONCEITO DE PENA NA MODERNIDADE A aplicação de um regime penitenciário foi tema freqüente de criminalistas burgueses europeus e americanos do final do século XVIII e início do XIX. As prisões, a partir de então, passam a ter função local de cumprimento das penas restritivas à liberdade e de reformar o caráter delinqüente do condenado, para assim restituí-lo à sociedade “curado moralmente”. Foi nos Estados Unidos que se desenvolveram as primeiras experiências com esse novo conceito de prisão. Primeiro em Filadélfia, 1790, implantou-se o “Solitary confinement”, onde o prisioneiro ficava totalmente isolado em sua cela, tendo acesso apenas à leitura da Bíblia. O sentido dessa pena era intervir diretamente na consciência do condenado. O modelo “solitary confinement”, se inspirou no modelo monástico de confinamento, utilizado pela Igreja Católica desde a Idade Média. Parece ter sido uma das primeiras versões de um novo conceito de aplicação de penalidades aos considerados criminosos pela sociedade. Tratava-se de dar um novo enfoque as penalidades numa sociedade em transformação; individualista e na qual a liberdade se apresentava como valor universal da humanidade. Nesse sentido, a privação da liberdade, tornou-se uma penalidade igualitária. Como escreve Michel Foucault: “Sua perda tem portanto o mesmo preço para todos; melhor que a multa, ela é um castigo igualitário”. Foi o período do início da chamada humanização das penalidades. Foi nos Estados Unidos em 1821 que surgiu outro modelo de regime penitenciário, mas precisamente em Nova Iorque, na Penitenciária de Auburn. Onde o regime previa solidão à noite e trabalho coletivo em silêncio durante o dia. Esse modelo tornou-se referência para outros países, entre eles o Brasil, inclusive para a Penitenciária de Florianópolis. Esse modelo mantinha algumas semelhanças com o de Filadélfia “solitary confinement”, pois previa a solidão, contudo apenas noturna, enquanto que durante o dia o tempo do detento era dedicado ao trabalho coletivo, porém em silêncio, sem comunicação entre eles. Essa prática “ensejou o costume dos presos se comunicarem com as mãos, formando um alfabeto”. É a fase da chamada “humanização” das penas, contrapondo-se aos processos de suplícios que ocorriam durante o Antigo Regime, nos quais o condenado era exposto em praça pública, tinha seu corpo dilacerado para o delírio público. Era um espetáculo para a população no qual o poder do soberano mostrava-se com toda sua força. A privação da liberdade não era vista como parte da pena; servia apenas para assegurar que o condenado estava sob a guarda do poder, esperando o momento de ser julgado, para daí então sofrer sua punição. A partir do final do século XVIII e início do século XIX, com o absolutismo europeu sendo substituído pelo liberalismo burguês, uma nova sociedade estava se formando. A industrialização e a liberalização impunham uma nova ordem de funcionamento da sociedade. O individualismo prevalece em detrimento do coletivo. Dessa forma, muda-se inclusive a compreensão de cumprimento das penas. Numa sociedade em que a liberdade individual tornou-se um valor importante, a restrição da liberdade passou a ser uma das principais penas. Da mutilação do corpo, passou-se a discipliná-lo, trabalhá-lo para que retornasse docilizado ao convívio social. De todas as experiências com novas formas de prisão que estavam acontecendo no final do século XVIII, foi Bentham, por certo, que conseguiu sintetizar de forma peculiar e emblemática um novo conceito de prisão. Provavelmente tenha se valido das experiências anteriores para desenvolver sua própria teoria, principalmente de John Howard, que escreveu “State of Prisons in Ingland and Wales, with Preliminary Observations and as Account of some Foreign Prisons and Hospitals (1777)” em que propõe regras disciplinares para humanizar o regime prisional. Howard pensava um “sistema penitenciário baseado em recolhimento celular, reforma moral pela religião, trabalho diário, com as necessárias condições higiênicas alimentares”. Essas idéias foram postas em prática em algumas prisões inglesas na época. Bentham propôs um tipo de prisão, o panópticon, ou seja, a possibilidade de se ter a visão do todo, construída de forma circular, com uma torre no meio, de onde podia-se vigiar todas as celas a sua volta. As celas ficavam na construção circular, tinham uma janela externa, para penetração da luz e outra interna, para penetração do olhar vigilante da torre central. Com essas aberturas, era possível exercer uma vigilância sobre os apenados sem ser observado pelos mesmos. Dessa forma a simples presença da torre central faz com que os apenados sintam-se sempre vigiados. Bentham detalhou bem sua obra, inclusive propondo a colocação de tubos de metal em cada cela ligados diretamente à torre, possibilitando ao vigilante se comunicar individualmente com cada preso. A obra de Bentham ressalta a importância da arquitetura como forma de se estabelecer um controle mais eficaz sobre a sociedade. Foucault, ao comentar essas idéias, diz que “no final do século XVIII a arquitetura começa a se especializar e se articular com os problemas da população, da saúde e do urbanismo...trata-se de utilizar o espaço para alcançar objetivos econômicos e políticos.” Esse novo conceito de prisão representou uma mudança importante, tirou os prisioneiros da escuridão das masmorras e colocou-os sob o olhar constante e vigilante do poder. É talvez um reflexo do século das luzes que penetrou nas prisões. E não deixou de ser uma das preocupações da Revolução Francesa, como lembra Michelle Perrot: “nós estamos no âmago das preocupações da Revolução: impedir as pessoas de fazerem o mal, tirar-lhes o desejo de cometê-lo, tudo poderia ser assim resumido: não poder e não querer”. Na Inglaterra, em 1846, criou-se o chamado “Sistema Progressivo Inglês”, a partir de uma experiência em uma prisão na Austrália. Esse sistema aplicado em várias prisões da Inglaterra, consistia basicamente no seguinte: o condenado, progressivamente, de acordo com seu comportamento dentro da prisão, ia conquistando “vales”, ou perdendo-os, até obter sua liberdade. Verifica-se, nesse sistema, a utilização das experiências americanas, porém compartimentadas em períodos. O indivíduo condenado passava por esses períodos como se fosse uma conquista sua, obtendo vales através de seu comportamento, de acordo com as normas estabelecidas, chegaria por fim ao retorno à almejada liberdade. Já na Irlanda houve um novo aperfeiçoamento do “sistema progressivo inglês”; Walter Crofton, em 1853, acrescentou um quarto período ao sistema inglês. Nesse os condenados eram transferidos para prisões intermediárias, diminuía-se a vigilância, não usavam uniforme, era permitido a conversa e trabalho agrícola externo, aproximando, dessa forma, o preso do convívio social antes de conquistar sua plena liberdade. Nascia assim o chamado “Sistema Progressivo Irlandês”. Crofton teve sua tese de sistema penitenciário aprovada no Congresso Penitenciário de Londres em 1871, nela constava que o livramento condicional era incompatível com o sistema celular. Foi no Código Penal Brasileiro do período republicano que se adotou o sistema progressivo irlandês, também conhecido como “Auburn progressivo”. No Código brasileiro excluiu-se o uso dos vales. Esse sistema recebeu a recomendação de ser adotado em todo território brasileiro. Dessa forma, o debate em torno de um novo conceito de prisão, chegou em Santa Catarina e, à Florianópolis, no início do século XX com a determinação prévia de que deveria ser implantado o regime penitenciário no Estado de acordo com o que estabelecia a Lei. Isto é, o sistema progressivo irlandês ou auburniano, no qual o condenado passa por vários períodos de cumprimento da pena até retornar novamente à liberdade. Esses períodos apresentam-se ao apenado como estágios de reconquista da liberdade. No primeiro estágio fica em sua cela individual em completo isolamento, por isso o sistema é também chamado celular, o objetivo desse estágio, segundo os teóricos do sistema, e fazer com que o condenado reflita sobre o crime que cometeu, arrependendo-se do mesmo. No segundo estágio, consciente do mal que causou à sociedade, inicia no trabalho coletivo durante o dia, porém não pode se comunicar com os companheiros, apenas com os guardas, com a devida autorização dos mesmos, com as mãos para traz e os olhos prostrados. Como diz Foucault, a comunicação estabelece-se apenas no sentido vertical, nunca no horizontal. Esse contato com o coletivo prisional é o início de sua ressocialização, mas os horários são rigorosos: hora para acordar, para tomar café, trabalhar, almoçar, estudar. Tudo rigorosamente cronometrado e no período noturno continuara isolado em sua cela, refletindo. O terceiro estágio é o chamado semi-aberto, neste o detento terá a oportunidade de uma aproximação maior com o convívio social, o trabalho é externo, normalmente agrícola, a vigilância não é tão rigorosa como nos estágios anteriores, mas deverá ter um comportamento digno de conquistar o quarto estágio, ou seja a liberdade condicional, quando receberá sua liberação mediante condições, como: ter uma ocupação, um lar, não freqüentar bares. Isto é, deverá demonstrar, para as autoridades, durante esse período de liberdade condicional, que esta preparado para o retorno ao convívio social, senão retornará para a prisão, reiniciando os estágios. Esse sistema requer uma estrutura arquitetônica específica para ser implementado. O prédio deve ser dividido em celas individuais, ter oficinas para o trabalho coletivo e todo o espaço físico distribuído de tal forma que facilite a vigilância permanente. Portanto, os prédios antigos das velhas cadeias, tipo masmorras, não serviam para o funcionamento do novo regime penitenciário. O que se verifica, no entanto, é que os modelos de regime penitenciário que chegaram até o século XX, sofreram poucas alterações. 4. AS PENAS A partir do momento em que a humanidade começou a se organizar socialmente, instituíram-se regras elementares de convivência, com o escopo de regular a conduta individual em benefício do grupo no qual o indivíduo se encontrava inserido e que, quando agredidas, implicavam, necessariamente, em uma sanção específica, ao infrator em potencial. Surgiam, então, as primeiras penas, que se tem conhecimento, as quais oscilavam desde o banimento temporário ou completo do grupo até as corporais e capital. Retroagindo, um pouco mais e levando-se em consideração a Teoria do Criacionismo, derivada das Sagradas Escrituras, iremos verificar o primeiro caso, literariamente registrado, de penalidade aplicada a seres humanos. Adão e Eva, após desobedecerem a Orientação Divina, acabaram sendo expulsos do Jardim do Éden (paraíso), demonstrando, desta forma, que desde a sua criação o homem, imperfeito, inacabado é um ser errante. Mais à frente, podemos constatar que no Império Romano a prisão era desprovida de qualquer caráter de castigo, não sendo construído espaço físico para o cumprimento da pena, mesmo porque, o rol de sanções se restringia quase que exclusivamente às penas corporais e capital. A cadeia era, apenas, um meio empregado para cercear o acusado enquanto aguardava o julgamento ou a execução da sentença. Por outro lado, nota-se que na Grécia Antiga, era comum o encarceramento dos devedores, até que suas dívidas fossem saldadas, a custódia servia, somente, para impedir-lhes a fuga e garantir a sua presença nos Tribunais. Desconsiderando algumas experiências isoladas de prisão, foi a Igreja que na Idade Média, inovou ao castigar os monges rebeldes ou infratores com o recolhimento em “penitenciários”, ou seja, em celas numa ala dos mosteiros dos conventos, onde, mediante penitência e oração, pretendia-se que se reconciliassem com Deus. Considerações Finais Pode-se afirmar que o trabalho tem estreita relação com a prisão, ao qual se atribui diversas funções, desde como elemento complementar de castigo até a função ressocializadora como é apregoada pelo moderno discurso oficial. A história das prisões registra que, no princípio, o trabalho foi introduzido para combater a ociosidade, mal de extrema gravidade e que favorece a ocorrência de outros males. Antes dele, para combater o ócio, nas penitenciárias eclesiásticas, desde seu nascedouro, foi imposta aos presos a meditação, voltada para a religiosidade e a oração. Assim, o pensamento dirigia-se unicamente a Deus. Já nas prisões oficiais, controladas pelo poder público, como tentativa de solução contra os efeitos da ociosidade, surgiu a alternativa de preencher o tempo diurno dos presos com atividades físicas, até porque havia grande dificuldade de trabalhar no campo intelectual, especialmente pela baixa instrução da grande maioria dos detentos. No sentido de ocupação de tempo livre e de correção, entre outras informações, tem-se que a introdução do elemento trabalho nas prisões remonta à segunda metade do século XVII. Para Cezar Roberto Bitencourt, o início teria ocorrido na Inglaterra, por iniciativa da Igreja e a colaboração do rei, que concedeu o Castelo de Bridwell para ser usado como presídio, mas intensificou-se ao final daquele século, com a criação das denominadas Workhouses (casas de trabalho), funcionando sob o comando da Igreja, com apoio e incentivo governamental. Em época anterior, final do século XVI, em Amsterdam, na Holanda, funcionaram casas de correção, as denominadas Rasphius, onde o trabalho tinha objetivo educativo, sem desprezar os castigos corporais, embora tivesse mais finalidade de amestramento do que propriamente de correção. Cabe um breve registro à forma como o trabalho era realizado. Em todas as casas de detenção, onde permitidas as atividades laborativas, eram elas executadas isoladamente ou, quando necessário, em pequenos grupos, feitas em absoluto silêncio. Esses grupos reuniam presos que tivessem características semelhantes. Em algumas casas, como no Hospício de San Felipe Neri, em Florença, os reclusos deviam ficar anônimos, por isso, trabalhavam com a cabeça encoberta. Assim, em resumida conclusão, pode-se afirmar que o trabalho nas prisões foi instituído com o objetivo primeiro e principal de combater a ociosidade, mas, ao mesmo tempo, servia como castigo, vez que, à época, eram muito usados os trabalhos forçados. Finalmente, com objetivos sócio-econômicos, fazendo-se o aproveitamento da mão-de-obra dos encarcerados, no início totalmente graciosa e, quando passou a ser paga, a remuneração era praticamente simbólica. Esta importância sócio-econômica não se limitou à baixa remuneração e outros benefícios. Foi de relevância fundamental como regulador do mercado de trabalho: quando a mão-de-obra livre escasseava, supria-se a demanda com a intervenção da mão-de-obra carcerária; e quando aquela era abundante, havia exploração por parte dos empresários, os quais, aproveitando-se de sua posição superior, bem se pode imaginar que pagavam salários baixíssimos a seus empregados, com ameaça de despedida, sob a alegação de que poderiam dispor do trabalho dos presos a quem pagavam, em contrapartida, salários muito inferiores àqueles pretendidos pelos trabalhadores livres. A relevância da mão-de-obra carcerária na economia, na política e no mercado de trabalho dá-se com o surgimento e desenvolvimento da chamada revolução industrial ou industrialização capitalista, cujos objetivos foram puramente utilitários em que pese o discurso ideológico fosse humanitário. Nessa nova visão das casas de detenção e dos apenados, substituiu-se o isolamento e os presos passaram a alojar-se em celas coletivas. Referências ALVIM, Rui Carlos Machado. Execução Penal: O Direito à Remição da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais nº. 606, abril 1986. pp.286/294. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchese di. Dos Delitos e das Penas. Tradução Flório de Angelis. Bauru: EDIPRO, 1993. BICUDO, H. A Prisão para que serve. Folha de São Paulo, São Paulo: ed. Painel, 18 jan., 1994. BRASIL. 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