PARLAMENTO EUROPEU
2009 - 2014
Comissão dos Assuntos Jurídicos
O Presidente
20.10.2010
Presidente Buzek
Assunto:
Parecer sobre a base jurídica da proposta de Regulamento do Conselho relativo
às condições especiais aplicáveis ao comércio com as zonas da República de
Chipre onde o Governo da República de Chipre não exerce um controlo
efectivo (COM(2004)0466 final – C7-0047/2010 – 2004/0148(COD))
Senhor Presidente Buzek,
Na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, foi apresentada ao Parlamento a
supramencionada proposta de regulamento em conformidade com o processo legislativo
ordinário. A proposta encontra-se agora na sua primeira leitura na Comissão do Comércio
Internacional, sendo o seu relator o deputado Niccolò Rinaldi.
Na sua reunião de 16 de Junho de 2010, a Conferência dos Presidentes solicitou à Comissão
dos Assuntos Jurídicos que emitisse o seu parecer sobre a base jurídica adequada para a
proposta de regulamento que havia sido transmitida à Conferência pelo presidente da
Comissão do Comércio Internacional, deputado Vital Moreira.
O dilema que se colocava era que, enquanto a Comissão preferia o artigo 207.° do TFUE, nos
termos do qual o regulamento proposto seria adoptado no quadro do processo legislativo
ordinário e o Conselho decidiria por uma maioria qualificada, o Serviço Jurídico do Conselho
considerava, por seu lado, que a base jurídica adequada era o artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo
n.º 10 relativo a Chipre do Tratado de Adesão de Abril de 20031, que não prevê qualquer
participação do Parlamento Europeu no processo.
A Comissão dos Assuntos Jurídicos solicitou ao Serviço Jurídico do Parlamento que se
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pronunciasse sobre esta questão, o qual também se declarou favorável ao artigo 1.°, n.º 2, do
Protocolo n.º 101.
I. Antecedentes
Depois de obter a independência do Reino Unido em 1960, a República unida de Chipre (com
uma população composta por, aproximadamente, 80% de cipriotas gregos e 20% de cipriotas
turcos) viria a entrar em ruptura em 1963. Em 1974, em resposta a um golpe dos cipriotas
gregos numa tentativa de unir Chipre à Grécia, a Turquia desencadearia uma invasão militar e
acabaria por ocupar a parte setentrional da ilha, controlando 37% do seu território. Desde
então, a ilha de Chipre tem estado, de facto, dividida em duas partes.
Em 24 de Abril de 2004, as duas comunidades realizaram referendos separados sobre uma
proposta das Nações Unidas, o Plano Annan para Chipre2, que visava estabelecer um Governo
federal unificado para todo o território cipriota. Uma vez que a execução do plano dependia
da aprovação por ambas as comunidades, o “não” registado no referendo cipriota grego levou
à sua rejeição.
Em 1 de Maio de 2004, a totalidade da República de Chipre tornou-se um dos
Estados-Membros da União Europeia nos termos do Tratado de Adesão (2003). O Protocolo
n.º 10 ao Tratado de Adesão (a seguir designado “Protocolo n.º 10”) prevê que “a aplicação
do acervo ficará suspensa nas zonas da República de Chipre onde o Governo da República de
Chipre não exerce um controlo efectivo”. Tal suspensão será levantada na eventualidade de
uma solução para o problema cipriota, ficando o Conselho autorizado a realizar o
levantamento por deliberação unânime sob proposta da Comissão.
Em 26 de Abril de 2004, o Conselho manifestou a sua determinação em encorajar “o
desenvolvimento económico da comunidade cipriota turca”. O artigo 3.° do Protocolo n.º 10
coaduna-se com esta política ao prever que “nenhuma disposição do presente Protocolo
impedirá que sejam tomadas medidas no sentido de promover o desenvolvimento económico
das zonas” em questão.
Em 29 de Abril de 2004, o Conselho aprovou por unanimidade o Regulamento (CE) n.º
866/20043, que visava inter alia facilitar o comércio através da “Linha Verde” que separa as
duas comunidades. Posteriormente, a Comissão viria a aprovar outras disposições de
execução em prol da circulação de mercadorias através da Linha Verde.
No entanto, e segundo os sucessivos relatórios anuais da Comissão sobre a aplicação do
Regulamento (CE) n.º 866/2004 do Conselho e a situação resultante dessa aplicação4, embora
o valor total das mercadorias que atravessam a Linha Verde tenha aumentado com
regularidade, subsistem obstáculos às trocas comerciais na Linha Verde e, devido ao âmbito
restrito do Regulamento (CE) n.º 866/2004, a dimensão destas trocas é ainda limitada. Além
disso, as mercadorias que atravessam a Linha Verde estão raramente sujeitas a transacções
1
Parecer do Serviço Jurídico do Parlamento Europeu de 14 de Outubro de 2010, SJ - 0451/10.
Bases para uma resolução global do problema de Chipre, 26 de Fevereiro de 2003.
3 Regulamento (CE) n.º 866/2004 relativo a um regime de acordo com o artigo 2.º do Protocolo n.º 10 ao Acto
de Adesão, JO L 161 de 30.4.2004, p. 128 (modificado em 16 de Junho de 2008).
4
O mais recente relatório anual é de 14 de Setembro de 2009: COM(2009)478.
2
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intracomunitárias ulteriores com outros Estados-Membros.
Em 7 de Julho de 2004, aceitando o convite do Conselho1 e das Nações Unidas2, e
manifestando a intenção de pôr termo ao isolamento da comunidade cipriota turca, a
Comissão apresentou a proposta de um regulamento tendente a facilitar as trocas comerciais
entre a parte setentrional de Chipre e o território aduaneiro da Comunidade. A proposta visava
atribuir o estatuto de “produtos comunitários”3 aos produtos originários da zona cipriota turca.
Além disso, introduzia também um regime de taxas preferenciais sob a forma de um “sistema
de contingentes pautais estabelecido para incentivar o desenvolvimento económico ao mesmo
tempo que se procura evitar a criação de padrões comerciais artificiais ou a ocorrência de
fraudes”.
O comércio directo de portos na parte setentrional de Chipre com Estados-Membros da União
Europeia já existe hoje em dia, embora sem usufruir das preferências comerciais da UE. No
entanto, e dada a política de não reconhecimento da chamada “República Turca do Norte de
Chipre”4 (a seguir designada RTNC), o comércio é, de facto, impossibilitado quando a
introdução de mercadorias no território aduaneiro da UE obriga à apresentação de um
documento emitido por uma autoridade reconhecida de um país terceiro, uma vez que os
documentos da autoridade da RTNC não são aceites pelos Estados-Membros da UE. Os
artigos 2.°, 5.° e 6.° do proposto regulamento foram concebidos para solucionar este
problema, requerendo, inter alia, documentos de certificação emitidos por um organismo
devidamente autorizado para tal pela Comissão.
II. Bases jurídicas
As bases jurídicas propostas são o artigo 207.° do TFUE, tal como recomendado pela
Comissão, e o artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo n.º 10, solução preconizada pelos serviços
jurídicos do Conselho e do Parlamento Europeu.
Opção A
Artigo 207.° do TFUE
1. A política comercial comum assenta em princípios uniformes, designadamente no que diz
respeito às modificações pautais, à celebração de acordos pautais e comerciais sobre
comércio de mercadorias e serviços, e aos aspectos comerciais da propriedade intelectual, ao
investimento estrangeiro directo, à uniformização das medidas de liberalização, à política de
exportação, bem como às medidas de defesa comercial, tais como as medidas a tomar em
caso de dumping e de subsídios. A política comercial comum é conduzida de acordo com os
princípios e objectivos da acção externa da União.
1
Declaração do Conselho de 26 de Abril de 2004.
Relatório do Secretário-Geral sobre a sua missão de intermediação em Chipre em 28 de Maio de 2004,
doc. S/2004/437 da ONU.
3
Nos termos dos artigos 23.° e 24.° do Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho.
4
Aplicada, por exemplo, pelas Nações Unidas e pelo Conselho da Europa e reconhecida pela jurisprudência do
Tribunal de Justiça (Processo C-432/92 Anastasiou ("Anastasiou I") [1994] Colectânea TJUE I-3087 e Processo
C-140/02 Anastasiou ("Anastasiou II") [2003] Colectânea do TJUE I-10635).
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2. O Parlamento Europeu e o Conselho, por meio de regulamentos adoptados de acordo com
o processo legislativo ordinário, estabelecem as medidas que definem o quadro em que é
executada a política comercial comum.
3. Quando devam ser negociados e celebrados acordos com um ou mais países terceiros ou
organizações internacionais, é aplicável o artigo 218, sob reserva das disposições específicas
do presente artigo.
Para o efeito, a Comissão apresenta recomendações ao Conselho, que a autoriza a encetar as
negociações necessárias. Cabe ao Conselho e à Comissão assegurar que os acordos
negociados sejam compatíveis com as políticas e normas internas da União.
A Comissão, no âmbito das directrizes que o Conselho lhe pode dirigir, conduzirá estas
negociações, consultando para o efeito um comité especial designado pelo Conselho para a
assistir nessas funções. A Comissão apresenta regularmente ao comité especial e ao
Parlamento Europeu um relatório sobre a situação das negociações.
4. Relativamente à negociação e celebração dos acordos a que se refere o n.º 3, o Conselho
delibera por maioria qualificada.
Relativamente à negociação e celebração de acordos nos domínios do comércio de serviços e
dos aspectos comerciais da propriedade intelectual, bem como do investimento directo
estrangeiro, o Conselho delibera por unanimidade sempre que os referidos acordos incluam
disposições em relação às quais seja exigida a unanimidade para a adopção de normas
internas.
O Conselho delibera também por unanimidade relativamente à negociação e celebração de
acordos:
a) no domínio do comércio de serviços culturais e audiovisuais, sempre que esses acordos
sejam susceptíveis de prejudicar a diversidade cultural e linguística da União;
b) no domínio do comércio de serviços sociais, educativos e de saúde, sempre que esses
acordos sejam susceptíveis de causar graves perturbações na organização desses serviços ao
nível nacional e de prejudicar a responsabilidade dos Estados-Membros de prestarem esses
serviços.
5. A negociação e celebração de acordos internacionais no domínio dos transportes estão
sujeitas às disposições do Título VI da Parte III e do artigo 218.°.
6. O exercício das competências atribuídas pelo presente artigo no domínio da política
comercial comum não afecta a delimitação de competências entre a União e os
Estados-Membros, nem conduz à harmonização das disposições legislativas ou
regulamentares dos Estados-Membros, na medida em que os Tratados excluam essa
harmonização.
Opção B
Os serviços jurídicos do Conselho e do Parlamento Europeu pronunciaram-se a favor do
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artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo n.º 101, que é reproduzido por extenso por uma questão de
conveniência:
Protocolo n.º 10 ao Tratado de Adesão de 20032
REAFIRMANDO o seu empenho numa solução global para o problema de Chipre,
compatível com as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como o
seu total apoio aos esforços do Secretário-Geral das Nações Unidas para esse efeito,
CONSIDERANDO que essa solução global do problema de Chipre ainda não foi alcançada,
CONSIDERANDO que é, portanto, necessário prever a suspensão da aplicação do acervo
nas zonas da República de Chipre onde o Governo da República de Chipre não exerce um
controlo efectivo,
CONSIDERANDO que, na eventualidade de uma solução para o problema de Chipre, essa
suspensão será levantada,
CONSIDERANDO que a União Europeia está pronta a acolher os termos dessa solução de
acordo com os princípios em que se funda a UE,
CONSIDERANDO que é necessário prever os termos em que as disposições pertinentes do
direito da UE se aplicarão à linha de separação entre as referidas zonas, por um lado, e as
zonas onde o Governo da República de Chipre exerce controlo efectivo e a Zona de
Soberania Oriental do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, por outro,
DESEJANDO que a adesão de Chipre à União Europeia traga benefícios para todos os
cidadãos cipriotas e promova a paz civil e a reconciliação,
CONSIDERANDO, por conseguinte, que nenhuma disposição do presente protocolo impedirá
que sejam tomadas medidas tendo em vista esse objectivo,
CONSIDERANDO que essas medidas não prejudicarão a aplicação do acervo nas condições
estabelecidas no Tratado de Adesão em qualquer outra parte da República de Chipre,
ACORDARAM NAS DISPOSIÇÕES SEGUINTES:
ARTIGO 1.°
1. A aplicação do acervo ficará suspensa nas zonas da República de Chipre onde o Governo
da República de Chipre não exerce um controlo efectivo.
2. O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, decidirá do
levantamento da suspensão a que se refere o n.° 1.
1
2
Ver parecer do Serviço Jurídico do Conselho de 25 de Agosto de 2004, doc. 11278/04.
JO L 236 de 23.9.2003, p. 955.
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ARTIGO 2.°
1. O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, definirá os termos
em que o direito comunitário se aplicará à faixa de separação entre as zonas a que se refere
o artigo 1 e as zonas onde o Governo da República de Chipre exerce controlo efectivo.
2. Enquanto durar a suspensão da aplicação do acervo nos termos do artigo 1.°, a fronteira
entre a Zona de Soberania Oriental e as zonas referidas no dito artigo será tratada como
parte das fronteiras externas das zonas de soberania para efeitos da Parte IV do Anexo ao
Protocolo relativo às zonas de soberania do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do
Norte em Chipre.
ARTIGO 3.°
1. Nenhuma disposição do presente Protocolo impedirá que sejam tomadas medidas no
sentido de promover o desenvolvimento económico das zonas a que se refere o artigo 1.°
2. Essas medidas não prejudicarão a aplicação do acervo nas condições estabelecidas no
Tratado de Adesão em qualquer outra parte da República de Chipre.
ARTIGO 4.°
Na eventualidade de uma solução, o Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da
Comissão, decidirá das adaptações a introduzir nos termos relativos à adesão de Chipre à
União Europeia no que se refere à comunidade cipriota turca.
III. Análise das bases jurídicas propostas
De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, “a escolha da base jurídica de um acto
comunitário deve assentar em elementos objectivos, susceptíveis de fiscalização jurisdicional,
entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo do acto”1.
A proposta de regulamento visa facilitar o comércio directo entre a zona cipriota turca e o
resto da União Europeia e pretende consegui-lo inter alia através da criação de condições
mediante as quais o comércio de mercadorias se possa realizar. Além disso, criaria um regime
de taxas preferenciais que tomaria a forma de um sistema de contingentes pautais para
promover o desenvolvimento económico da zona.
O artigo 207.° está localizado na Parte V do TFUE, que se ocupa da “Acção Externa da
União”. Mais especificamente, surge no Título II, intitulado “A Política Comercial Comum”.
A utilização do artigo 207.° leva a inferir que o proposto regulamento visa regular o comércio
entre os Estados-Membros e um terceiro país, mas neste contexto deve recordar-se que toda a
ilha de Chipre faz parte da União Europeia desde 1 de Maio de 2004 e que uma política
rigorosa de não reconhecimento da chamada “República Turca do Norte de Chipre” tem sido
posta em prática pelas Nações Unidas e pelo Conselho da Europa, bem como reconhecida na
1
Consultar, mais recentemente, o acórdão de 8 de Setembro de 2009 no processo C-411/06 Comissão contra o
Parlamento e o Conselho, ainda não publicado na colectânea do TJUE, ponto 45.
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jurisprudência do Tribunal de Justiça1. Esta política tem sido rigorosamente adoptada pelos
Estados-Membros.
A Comissão justifica a escolha do artigo 207.° do TFUE com o artigo 3.° do Protocolo n.º 10.
A Comissão caracteriza o artigo 3.° como uma disposição derrogatória que introduz uma
excepção ao artigo 1.° do Protocolo, permitindo assim que sejam aprovadas “medidas
especiais” para promover a economia cipriota turca sem necessidade de levantar a suspensão
do acervo nessa zona. Por conseguinte, a Comissão considera que o artigo 207.° do TFUE
pode ser usado como base jurídica para o regulamento proposto na qualidade de “medida
especial”.
Um problema daqui resultante é que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as
derrogações devem ser interpretadas de uma forma rigorosa e o artigo 3.° do Protocolo remete
para medidas com o intuito de “promover o desenvolvimento económico” das zonas referidas
no artigo 1.°. Ainda que a proposta da Comissão preveja um regime de taxas preferenciais sob
a forma de um sistema de contingentes pautais, pode argumentar-se que tal não constitui uma
promoção directa do desenvolvimento económico mas, antes, um levantamento parcial da
suspensão do acervo, ou um método para evitar as consequências de uma tal suspensão. Se se
aceitarem as bases deste argumento, a base jurídica proposta pela Comissão terá de ser
considerada ilegal. No entanto, e pela sua parte, a Comissão argumenta que a proposta não
visa levantar a suspensão do acervo, mas antes criar um regime de taxas preferenciais para
determinadas mercadorias através de um sistema de contingentes pautais que será diferente do
princípio geral da livre circulação de mercadorias incorporado no acervo. De facto, a
Comissão defende que tal se assemelha aos regimes preferenciais concedidos aos países
terceiros em desenvolvimento.
A Comissão argumenta ainda que o âmbito da proposta é bastante limitado, uma vez que não
concede o benefício do regime de taxas preferenciais a todo o tipo de mercadorias. Na
realidade, muitas mercadorias estão excluídas do âmbito de aplicação deste regime e, além
disso, o artigo 7.° e o quinto considerando do proposto regulamento prevêem o levantamento
temporário ou permanente em casos em que haja suspeitas ou provas de terem sido cometidas
fraudes ou outras irregularidades. A Comissão considera, por isso, que foi muito prudente na
elaboração da proposta e que o projecto de regulamento não devia ser considerado como
instrumento para restabelecer parcialmente o acervo.
O Serviço Jurídico do Conselho, por seu lado, considera que o artigo 3.° do Protocolo está
devidamente formulado ao referir e desenvolver medidas tomadas nos termos dos artigos 1.° e
2.°, argumentando que o artigo 3.° clarifica o âmbito das acções do Conselho nos termos do
Protocolo n.º 10. O Regulamento (CE) n.º 866/2004 do Conselho2, uma legislação precursora
que segue a mesma política da actual proposta, constitui um precedente claro para esta
interpretação. O regulamento baseia-se no artigo 2.° do Protocolo n.º 10 e isso está
expressamente justificado nos seus considerandos, que remetem para o artigo 3.°3.
1
Ver os processos referidos no n.º 8.
Referido no n.º 3.
3
Ver oitavo considerando: “O artigo 3.º do Protocolo n.º 10 dispõe explicitamente que a suspensão da aplicação
do acervo não impedirá que sejam tomadas medidas no sentido de promover o desenvolvimento económico das
referidas zonas. O presente regulamento tem por objectivo facilitar as ligações comerciais e outras entre as
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O Serviço Jurídico do Conselho argumenta ainda que, uma vez que o proposto regulamento
visa tratar a zona setentrional de Chipre, tanto quanto possível, como parte da União
Aduaneira, a aplicação daquele irá equivaler na sua substância a uma restauração parcial do
acervo no que diz respeito a medidas que proíbam direitos aduaneiros e restrições
quantitativas à importação de mercadorias pelos Estados-Membros.
A questão que se coloca é, por isso, a de saber se o levantamento ou não da suspensão do
acervo previsto no artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo n.º 10 deve ser encarado como absoluto.
Tendo em conta o cariz politicamente sensível de tal acção, o Conselho argumenta que a
intenção dos Estados-Membros era que o Protocolo n.º 10 fosse um mecanismo para a gradual
integração da parte turca de Chipre.
Quanto às afirmações da Comissão de que o artigo 1.° do Protocolo n.º 10 devia ser lido em
conjunto com o quarto considerando, que prevê que “na eventualidade de uma solução para o
problema de Chipre, essa suspensão será levantada”, é referido que seria contraditório insistir
em que a suspensão fosse levantada nessa eventualidade e, apesar disso, obrigar o Conselho a
tomar uma deliberação por unanimidade para o fazer. O Serviço Jurídico do Conselho
considera que seria inadequado ver o artigo 1.° como tendo sido concebido para ser aplicado
apenas em caso de uma solução para o problema de Chipre. Também aqui este serviço
argumenta que um levantamento gradual da suspensão é possível nos termos do artigo 1.°.
Por último, o Serviço Jurídico do Conselho chama a atenção para as consequências
processuais da escolha da base jurídica. Uma vez que o acesso ao mercado comum é o
incentivo fulcral para a adesão de Estados, interpretar o artigo 3.° como uma excepção ao
artigo 1.° deixaria o artigo 1.° desprovido de quase toda a sua substância. Se a proposta de
regulamento fosse adoptada com base no artigo 207.° do TFUE, resultaria daí uma votação
por maioria qualificada no Conselho, ao passo que o artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo n.º 10
requer uma deliberação por unanimidade. Uma tal interpretação do artigo 3.° equivaleria a
contornar a salvaguarda da unanimidade prevista no Protocolo n.º 10 no que se refere à
regulação do comércio entre a zona cipriota turca e os Estados-Membros da União Europeia.
O Serviço Jurídico do Parlamento Europeu chegou à mesma conclusão do Conselho
argumentando que o artigo 207.°, n.º 2, do TFUE não é a base jurídica adequada pelo facto de
a política comercial comum recair no âmbito da Parte V do TFUE intitulada “A Acção
Externa da União”. As medidas adoptadas com base na política comercial comum da União
estão relacionadas com a acção externa da União e o recurso a esse artigo implicaria, de facto,
que a linha que divide o território de Chipre fosse equivalente a uma fronteira externa da
União.
O Serviço Jurídico considerou que o artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo pode ser considerado a
base jurídica adequada para a proposta, que pretende obter efectivamente o mesmo resultado
que um levantamento parcial da suspensão do acervo. Um tal levantamento parcial apenas
pode ser decidido pelo Conselho com base no artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo n.º 10. Além
disso, o Serviço Jurídico argumenta que, nos termos do artigo 3.° do Protocolo, “nenhuma
disposição do presente Protocolo impedirá que sejam tomadas medidas no sentido de
promover o desenvolvimento económico das zonas a que se refere o artigo 1.°”. Esta
referidas zonas e as zonas onde o Governo da República de Chipre exerce um controlo efectivo, assegurando
simultaneamente o cumprimento de níveis de segurança adequados conforme acima indicado.”
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disposição devia ser interpretada de uma forma que permita aplicar plenamente o processo
previsto no artigo 1.°, pois caso contrário estar-se-ia a subverter o próprio efeito útil do artigo
1.° do Protocolo.
Pode ainda considerar-se que o facto de o artigo 207.°, n.º 2, do TFUE proporcionar
eventualmente ao Parlamento a vantagem do processo legislativo ordinário não pode ser
determinante da sua substância. O facto crucial é que o artigo 207.°, n.º 2, recai no âmbito da
política externa da UE, tornando-o inapropriado como base jurídica. A diferença entre a
posição de Chipre e de territórios como, por exemplo, Ceuta, Melilla e Helgoland é que estes
territórios foram voluntariamente colocados fora do território aduaneiro da União. Chipre faz
legalmente parte do território aduaneiro, embora factualmente parte de Chipre não pertença a
esse território. Mais ainda, o raciocínio inerente ao artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo (e à
deliberação por unanimidade no Conselho) é garantir que a União possa não aplicar medidas
aduaneiras preferenciais a zonas da República de Chipre sobre as quais o Governo da
República de Chipre não exerce um controlo efectivo sem o consentimento da República de
Chipre.
IV. Conclusão e recomendações
À luz do atrás exposto, considera-se que a base jurídica adequada para o proposto
regulamento é o artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo n.º 10 relativo a Chipre do Tratado de Adesão
de Abril de 2003.
Na sua reunião de 18 de Outubro de 2010, a Comissão dos Assuntos Jurídicos decidiu por
isso, por 18 votos a favor, 5 contra e uma abstenção1, recomendar o seguinte: a base jurídica
adequada para a proposta de Regulamento do Conselho relativo às condições especiais
aplicáveis ao comércio com as zonas da República de Chipre onde o Governo da República de
Chipre não exerce um controlo efectivo é o artigo 1.°, n.º 2, do Protocolo n.º 10 relativo a
Chipre do Tratado de Adesão de Abril de 2003.
Queira Vossa Excelência aceitar a expressão da minha mais elevada consideração.
Klaus-Heiner Lehne
1
Deputados presentes no momento da votação: Klaus-Heiner Lehne (presidente), Raffaele Baldassarre
(vice-presidente), Evelyn Regner (vice-presidente), Sebastian Valentin Bodu (vice-presidente), Jan Philipp
Albrecht, Emine Bozkurt, Françoise Castex, Ismail Ertug, Marielle Gallo, Lidia Joanna Geringer de Oedenberg,
Luis de Grandes Pascual, Takis Hadjigeorgiou, Sajjad Karim, Metin Kazak, Maria Eleni Koppa, Georgios
Koumoutsakos, Kurt Lechner, Eva Lichtenberger, Antonio López-Istúriz White, Sarah Ludford, Antonio Masip
Hidalgo, Jiří Maštálka, Kyriakos Mavronikolas, Alajos Mészáros, Angelika Niebler, Antigoni Papadopoulou,
Georgios Papastamkos, Bernhard Rapkay, Nikolaos Salavrakos, Francesco Enrico Speroni, Emil Stoyanov,
Alexandra Thein, Eleni Theocharous, Kyriacos Triantaphyllides, Diana Wallis, Cecilia Wikström, Zbigniew
Ziobro e Tadeusz Zwiefka.
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c/c deputado Vital Moreira
Presidente da Comissão do Comércio Internacional
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