A existência ética1 O homem é ontologicamente diferente dos animais no que se refere à liberdade: os animais já nascem prontos, acabados, adaptados e aparelhados ao ambiente. Tem o comportamento programado, determinado, fixo, de acordo com a espécie. O homem, ao contrário, tem o seu comportamento indeterminado, flexível, surpreendente e deve, portanto, adaptar-se gradativamente de acordo com a necessidade e o ambiente. Captamos o mundo a partir de nossos sentidos – visão, audição, paladar, olfato e tato. É a partir deles que entramos em contato com tudo aquilo que está fora de nós. Essas percepções são sempre atuais, ou seja, sentimos sempre no instante presente, mesmo que tal sentimento tenha sido provocado por lembranças passadas. Porém, só é possível captar uma parcela desta realidade, e pelo sentir não posso saber se algo é verdadeiro ou não, apenas saberei se tal sensação me agrada ou desagrada. A partir dos elementos colhidos pelos sentidos, faz-se uma análise racional, de caráter objetivo, universal, ou seja, o que eu compreendo pela razão deverá ser compreendido por qualquer outra pessoa; a minha razão deverá ser compreendida pelos outros e de igual forma eu deverei compreender as outras razões. Esse caráter racional interfere diretamente nas minhas ações: se o meu conhecimento acerca de algo muda, minha ação também muda. A partir do que captei pelos sentidos e da análise feita pela razão, o meu querer é quem irá direcionar as minhas ações. Esse ponto é fundamental para definir o homem como livre e responsável por seus atos, visto que ninguém, nunca, poderá querer no lugar do outro. É o querer que define a pessoa, retira-a do anonimato e da massificação fazendo-a assumir-se como pessoa. A partir do querer culminarão as minhas ações. Elas são a concretização do meu querer. As escolhas feitas a partir do querer não podem servir para toda a vida, uma vez que a minha vontade e percepção do mundo e dos seres muda. Sendo assim, o sujeito deverá ter a liberdade de, em dado momento de sua vida, querer diferente e refazer o seu caminho, agindo de um modo diferente. É importante reforçar que, ao refazer esse caminho, o indivíduo não anula ou apaga a primeira escolha, daí a responsabilidade sobre seus atos. O ideal seria que esses quatro elementos estivessem sempre equilibrados para que houvesse harmonia em nossas vidas, tanto pessoal quanto social. Porém, eticamente o mais importante deste processo é o querer, pois é a partir dele que o sujeito expressa a sua individualidade, a sua vontade. Ele é quem dá o valor à pessoa. A ética é quem nos faz despertar os sentimentos diante de fatos que não correspondem ao que nos é justo, bom e verdadeiro. É uma sensibilidade moral diante do que não é certo, mas deveria ser como, por exemplo, a raiva que sentimos diante das desigualdades sociais, sentimentos de remorso, culpa, vergonha etc. 1 Baseado em: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3 ed. revista. São Paulo: Moderna, 2003. COZZOLI, Mauro. Libertà e Verità. Pontifícia Università Lateranense, Roma, 2002. Elementos éticos e morais A existência do mundo moral exige uma consciência crítica chamada de consciência moral. Trata-se do conjunto de sentimentos e valores, individuais e coletivos, que pesamos ao fazermos alguma escolha. Devemos considerar que tais ações têm influências tanto no sujeito como na sociedade em geral. Tomemos alguns exemplos: Uma jovem grávida sem condições financeiras para criar seu filho. Deverá ela abortar ou dar continuidade a gravidez? Um homem muito pobre recebe uma ótima proposta de emprego que melhoraria consideravelmente sua situação financeira: iria trabalhar com falsificação de documentos. Ele aceita ou não? Um jovem tem uma paixão e é correspondido. Vai a uma festa e conhece outra pessoa, pela qual também se apaixona e é também correspondido. Pode alguém amar duas pessoas? Ele terá que escolher entre um dos dois e machucar o outro? Os juízos de fato estão relacionados àquilo que as coisas são; a coisa como é e porque é, como nas afirmações: o dia está frio; o trânsito está engarrafado. Já os juízos de valor refletem nossas avaliações e julgamentos sobre coisas, pessoas ou acontecimentos, por exemplo: a situação foi muito desagradável; as mulheres devem submeter-se aos homens. Nesse último exemplo, observamos o caráter equivocado e preconceituoso do julgamento. Esses valores herdamos da cultura em que estamos inseridos. O agente ou sujeito moral deve ser capaz tanto de reconhecer o bem, entendido aqui como aquilo que o realiza, e o mal, ou seja, aquilo que o frustra, quanto de ser capaz de julgar, emitir valores dos atos e das condutas para finalmente agir em conformidade com esses valores. O indivíduo deverá ser livre para agir, considerando os seus juízos de valores, entretanto, deverá aprender a conviver com outros juízos, reconhecendo e considerando outros pontos de vista. A atitude ética é complexa porque provoca efeitos não apenas no ser agente, mas também naqueles que o cercam e na sociedade em geral. É por isso que um ato para ser considerado ético deverá ser livre, consciente, intencional e solidário. Devemos lembrar que a ação livre trás consigo responsabilidades a serem assumidas pelo ser agente. A pessoa consciente e livre assume para si os seus atos e responde pelas suas consequências. O comportamento ético apresenta-se também como obrigatório, mas esta obrigação não se impõe pelo meio externo, antes pelo contrário, tem sua origem no próprio sujeito. A consciência moral, como já vimos, avalia a situação, consulta as normas estabelecidas, as interioriza como suas ou não, toma decisões e julga seus próprios atos. O compromisso que daí surge é a obediência à sua própria escolha. Este compromisso, porém, não exclui o seu descumprimento, e será justamente a existência dessa possibilidade que determinará o caráter moral ou imoral das ações. Isso quer dizer que para sermos realmente livres, devemos sempre considerar a possibilidade de transgressão da norma, mesmo daquelas que nós mesmos escolhemos respeitar. O campo da ética conecta o indivíduo em seu aspecto mais íntimo às pessoas com as quais convive. Embora não se confunda com a política, elas se relacionam, necessariamente, cada qual em sua área específica. A política, ao se preocupar com a justiça social, deverá preocupar-se com a melhor formação ética dos indivíduos, enquanto a atitude ética é fundamental para o exercício da cidadania, quando os interesses pessoais não se sobrepõem aos coletivos. Eis a difícil tarefa: estabelecer a dialética entre o privado e o público.